Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
56/06.2TELSB-B.L1-9
Relator: FÁTIMA MATA-MOUROS
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
ADVOGADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/15/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário: I - Da leitura dos artigos 272.º, nº 1 e 58.º, nº 1, al. a), do CPP resulta a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime.
II - A injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade que conduz o inquérito mas não compreende uma directriz sobre o momento do interrogatório do suspeito, o qual deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito.
III - Nos termos da disciplina legalmente prevista, a efectivação do direito de informação concretizada sobre os factos e provas contra o arguido reunidos encontra-se reservada para o momento em que aquele vier a ser chamado a prestar declarações.
IV - A lei não impõe a constituição como arguido das pessoas visadas pelas diligências de busca. De resto o facto de se ser alvo de uma tal diligência não significa necessariamente que se seja sequer suspeito da prática de um crime (arts. 174.º e ss. do CPP).
V - O eventual interesse da investigação na apreensão de documentação respeitante ao exercício da advocacia não pode, por si só, servir de justificação à constituição de um advogado como arguido.
VI - Segundo as opções feitas pelo legislador e que se encontram claramente plasmadas na lei, designadamente no Estatuto da Ordem dos Advogados e no CPP, não é a apreensão de documentação profissional num escritório de advogados que permite fundamentar a constituição do advogado como arguido, antes sendo a constituição de um advogado como arguido que abre a possibilidade de apreensão de correspondência profissional do mesmo.
VII - No momento em que o ora recorrente foi constituído arguido, em execução de determinação do MP, não havia nenhuma razão que, aos olhos da lei processual penal vigente, impusesse uma tal constituição. O que significa que a realização de tal acto obedeceu a razões não contempladas na lei, e, como tal, se apresenta ilegal, integrando o vício da irregularidade processual invocável por qualquer interessado, nos termos do disposto no art. 123.º do CPP.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório
1. No processo de inquérito (actos jurisdicionais) n.º 56/06.2TELSB-B.L1 do Tribunal Central de Instrução Criminal, por despacho proferido em 3 de Novembro de 2009, foi indeferida a arguição de nulidade e/ou irregularidade da constituição de um arguido suscitada pelo mesmo.
2. Inconformado com aquela decisão, o referido arguido interpôs recurso da mesma, pugnando pela revogação daquele despacho e extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
I. O Tribunal recorrido entendeu não existir qualquer nulidade ou irregularidade na constituição de arguido do ora recorrente.
II. O Tribunal recorrido sustentou a sua decisão na tese segundo a qual, nos casos em que é possível notificar a pessoa em relação à qual há (alegadamente) suspeita fundada da prática de crime, a mesma pode ser constituída arguida, sem que no acto de constituição lhe sejam comunicados «os factos que lhe são imputados nem os meios de prova que suportam essa mesma factualidade» (fl. 2336, último parágrafo).
III. O Tribunal recorrido sustentou, ainda, a sua decisão na interpretação segundo a qual a lei (designadamente o artigo 212.°, n.º 1, do CPP) não consagra um dever de realização imediata do interrogatório de pessoa determinada contra quem corre inquérito - ou sequer da pessoa que, pessoalmente notificada, tenha sido constituída arguida -, competindo ao Ministério Público determinar o modo e o tempo das diligências a realizar, designadamente quanto ao interrogatório do arguido, devendo este ser realizado antes do encerramento do inquérito.
IV. Ora, entende o recorrente que nem a constituição de arguido podia dar-se, no caso sub judice, sem que se lhe tomassem declarações, nem, ainda que assim não fosse, seria admissível a constituição de arguido sem a comunicação imediata dos factos que lhe são imputados e dos meios de prova que suportam a imputação. V. Assim, e quanto à constituição de arguido sem prestação de declarações pelo ora recorrente, o Tribunal recorrido:
a) Ou não interpretou adequadamente o artigo 58.°, n.º 1, alínea a), e 272.º, n.º 1, do CPP, permitindo a manutenção de uma situação que deveria ter sido declarada nula por omissão de interrogatório obrigatório do arguido, a qual constitui nulidade insanável, por ausência do arguido (artigo 119.º, alínea c)), ou, ao menos nulidade do artigo 120.°, n.º 2, alínea d), do CPP - interpretação que é inconstitucional por violação das garantias de defesa e do princípio da proporcionalidade (artigos 20.°, n.° 3, 26.°, 27.°, 32.° e 18.º).
b) Ou considerou que era possível alguém ser pessoalmente constituído arguido e sujeito a termo de identidade e residência para além dos casos expressamente previstos na lei, o que corresponde à aplicação de uma norma, extraída por interpretação, contrária ao sentido para que apontam os preceitos da lei - que delimita expressamente os casos de constituição de arguido (artigos 57.° ss.) e também os da inerente aplicação do termo de identidade e residência (artigos 61.°, n.° 3, alínea c), e 196." do CPP), na base de que «a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei» (artigo 191.º CPP).
i Violando, também por isso, a Constituição, no que concerne às garantias de defesa e ao princípio da proporcionalidade (artigos 20.º, n.º 3, 26.°, 27.°, 32.° e 18.°);
ii. Pelo que, também nesse caso, o Tribunal recorrido deveria ter reconhecido a omissão do interrogatório do arguido como acto indispensável da constituição de arguido, com as consequências acima indicadas.
VI. Ainda que assim não fosse seria, em qualquer caso, necessário que ao arguido fossem comunicados os factos imputados e os meios de prova em que se funda a imputação, como decorre da interpretação dos artigos 57.°, 58.º, 59.° e 61.° e 272.º do CPP, sob pena:
a. De o arguido não ter quaisquer elementos que permitam, designadamente, (i) a intervenção no inquérito, oferecendo provas e requerendo diligências (cfr. artigo 61.°, n.° 1, alínea g), do CPP), e (ii) o recurso, nos termos da lei, das decisões que lhe forem favoráveis (cfr. artigo 61.0, n.º 1, alínea i), do CPP).
b. De a efectividade dos direitos nucleares dos arguidos ficar em suspenso até ao interrogatório, ficando o arguido apenas com a quase inútil (quando isolada) esmola dos direitos acessórios daqueles (ou seja, ficando apenas com os direitos que decorrem das alíneas e), f e h), do n.° 1 do artigo 61.°. do CPP).
VII. O que é particularmente importante, não só perante a efectividade dos direitos de defesa, como tendo em conta o pesado ónus social e processual que a constituição de arguido acarreta, como decorre do artigo 61.°, n.° 3, e do artigo 196.°, do CPP.
VIII. Nesse sentido, considerar que é possível alguém ser pessoalmente constituído arguido perante o Ministério Público, ou a quem este tenha delegado, sem que, no mesmo acto, se informe o arguido dos factos que lhe são imputados, corresponde à aplicação de uma norma, extraída por interpretação, contrária ao sentido para que apontam os preceitos da lei - que delimita expressamente os casos de constituição de arguido (artigos 57.º ss.) e também os da inerente aplicação do termo de identidade e residência (artigos 61.°, n.º 3, alínea c), e 196.º do CPP), na base de que «a liberdade das pessoas só pode ser limitada, total ou parcialmente, em função de exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coacção e de garantia patrimonial previstas na lei» (artigo 191.º CPP).
IX. E, antes e acima dela, à Constituição (artigos 20.º, n.° 3, 26.°, 27.°, 32.º e 18.°).
X. In caso, ao recorrente nunca lhe foi notificado ou comunicado, sob forma alguma, o despacho que decidiu da sua constituição como arguido e a respectiva fundamentação.
XI. Tal como a omissão do primeiro interrogatório teve também como consequência a falta de informação dos factos que lhe são imputados.
XII. Pelo que o mesmo juízo de inconstitucionalidade alastra à interpretação segundo a qual a não comunicação dos factos não consubstancia a omissão de diligências obrigatórias, ou seja, uma nulidade nos termos do artigo 120.º, n.º 2, alínea d), do CPP.
XIII. Tal nulidade, que deveria ter sido declarada, afecta a tentativa de constituição de arguido, bem como todos os actos que dela dependerem e ela puder afectar (artigo 122.º, n.° 1, do CPP).
XIV. Ao que acresce que não há qualquer fundamento para que se possa considerar que o processo corre contra o ora Recorrente, havendo fundada suspeita contra ele.
3. Respondeu o MP, extraindo da sua resposta as seguintes conclusões:
De acordo com a Lei, a constituição de arguido não impõe que ao mesmo sejam comunicados os factos que sob suspeitas fundadas lhe são imputados nem que lhe sejam transmitidos os elementos de prova que consubstanciam essas suspeitas.
Essa obrigatoriedade só é legalmente imposta quando o mesmo preste declarações ou lhe seja aplicada medida detentiva.
Aliás, se assim fosse, estando o processo sujeito ao segredo de justiça como é o caso, essa comunicação frustraria os objectivos pretendidos com a sujeição do processo ao segredo.
De facto, e de acordo com o disposto no art. 58º n°s 2 e 4 do CPP, a constituição como arguido opera-se através da comunicação oral ou por escrito feita ao visado de que a partir desse momento aquele se deve considerar arguido num processo penal, com a indicação, se necessário, dos direitos e deveres processuais consagrados no art. 610 do CPP.
A constituição de arguido implica ainda, sempre que possível, a entrega no próprio acto de documento do qual conste a identificação do processo, do defensor, se tiver sido nomeado e os direitos ou deveres processuais referidos no art. 610 do CPP.
Na situação em apreço foram cumpridos todos estes formalismos, como se acha documentado a fls.2058 a 2060.
O interrogatório do arguido é um acto obrigatório do inquérito, sempre que este seja localizável.
Porém, a lei apenas exige que o mesmo seja feito durante o inquérito, não determinando o momento em concreto em que, durante esta fase processual deve ser feito.
Assim, constituição de arguido não tem obrigatoriamente de ser seguida do seu interrogatório.
De facto, a lei não consagra o dever de realização imediata do interrogatório de pessoa determinada contra quem corre inquérito e que foi constituída arguida. A definição do momento para realização desse interrogatório é uma questão táctica, da competência exclusiva do MP, que é quem dirige a investigação.
Em todo o caso, o direito de defesa do arguido fica melhor salvaguardado se esse interrogatório ocorrer em fase final da investigação, na medida em que lhe permite conhecer toda a extensão dos factos que lhe são imputados e os meios de prova em que os suportam, só deste modo se garantindo o direito de conformação da decisão final do processo, que são expressão do direito de defesa e dos princípios de presunção de inocência e do contraditório, princípios consagrados constitucionalmente, cf. art. 32º nos 1,2 e 5 da CRP.
Por sua vez, também do lado da investigação, o interrogatório tardio constitui uma actuação prudente, na medida em que assim se evita que o arguido seja confrontado com elementos de prova numa fase embrionária do inquérito, ficando com a possibilidade de os manipular e assim distorcer os resultados da investigação.
Portanto, na situação em apreço não foi cometida a nulidade prevista no art. 120 nº 2 alínea d) do CPP por omissão do interrogatório do arguido, porquanto o inquérito ainda não foi encerrado, o que aliás estará longe de acontecer.
A prova trazida para os autos, de natureza essencialmente documental, aponta como muito provável o envolvimento do arguido A… nos factos objecto dos autos, pelo que se impunha que o mesmo fosse investigado, por forma a confirmar as suspeitas, transformando-as em indícios, ou a afastá-las.
Por isso e por força do disposto na alínea a) do nº1 do art. 58º do CPP estava o MP obrigado a constitui-lo arguido, sob pena de violação grosseira dos seus direitos de defesa.
É, por consequência, válida a constituição como arguido do advogado A….
Diga-se ainda que a estar em causa a invalidade do acto, teria como causa a nulidade prevista na alínea d) do nº2 do art. 120 do CPP, já a mesma se encontra sanada, porque arguida intempestivamente.
Conclui-se, assim que a decisão ora recorrida é correcta e legal, pelo que não merece qualquer censura, devendo, em consequência, ser mantida nos seus precisos termos, sob pena de se violarem os art. 58 n°1 alínea a), nº2, nº4, 61º, 262°, 263 e 272°, todos do CPP.
4. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação pronunciou-se no sentido de o recurso dever improceder, valendo-se da resposta ao recurso apresentada em primeira instância.
5. Cumprido o disposto no art. 417.º do CPP, viria o arguido responder, reiterando os argumentos anteriormente invocados e refutando a intempestividade na arguição da nulidade ou irregularidade da sua constituição como arguido sustentada pelo MP na resposta apresentada ao recurso.
6. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

II – Fundamentação
1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
2. A questão suscitada ao recurso consiste em saber se a constituição do ora recorrente como arguido nos autos padece, ou não de vício que a fere de nulidade ou pelo menos irregularidade.
3.Os elementos relevantes para a decisão são os seguintes:
3.1. Teor do despacho recorrido (transcrição):
Do requerimento apresentado pelo arguido A….
Por requerimento de fls. 2239 e ss, veio o arguido A…, sócio principal da "T… – Sociedade de Advogados", com os fundamentos nele constantes, em síntese, arguir a nulidade da sua constituição como arguido ou, pelo menos irregular, a sua constituição.
Pronunciando-se, alega o titular da acção penal que a constituição de arguido do Dr. A… não padece de qualquer vício, porquanto esse acto ter obedecido escrupulosamente aos requisitos enunciados no art° 58°-1 a) e n° 2 do CPP
Antes do mais, reafirma-se aqui que os presentes autos de inquérito versam a investigação da factualidade relativa às circunstâncias em que foram negociados e celebrados entre o Estado Português e o "L…", o contrato de aquisição de dois submarinos e o respectivo contrato de contrapartidas, bem como a actuação dos intervenientes e intermediários em todo este processo.
Indiciam ainda os presentes autos que, no âmbito da negociação e celebração do contrato aqui em referência, vários dos agentes envolvidos na negociação, possam ter logrado benefícios patrimoniais ou, proporcionado a entidades terceiras, a obtenção de benefícios patrimoniais não devidos, tudo em prejuízo da entidade que não representavam.
Tal factualidade, aliás constante no Despacho que autorizou a realização das buscas aqui em causa, é susceptível de integrar, em abstracto, a prática dos crimes de corrupção, p. e p. pelos art°s 372° e 374°, de participação em negócio, p. e p. pelo art° 377°, com referência ao estatuído no art° 386° e, eventualmente, o crime de de branqueamento, p. e p. pelo art° 368°A, todos do CPP.
Aqui chegados, no caso concreto, cumpre apreciar e decidir:
O arguido A…, foi constituído arguido, na sequência dos despachos de fls. 1907 e de fls. 2056 e 2057.
Ao que aqui importa, sobressaem dos autos que o ora Requerente A…, na qualidade de Advogado, participou e patrocinou juridicamente o Estado Português na celebração dos ditos contratos, dando para o efeito, aconselhamento jurídico, sendo que, da prova já disponível, segundo aduzido pelo M°P°, ao patrocinar o Estado Português poderá ter construído ou permitido construir "esquemas" jurídicos que terão permitido a outros suspeitos intervenientes nas negociações, igualmente em representação do Estado Português, utilizar tais contratos em favorecimento do "L…", a troco de alegadas compensações que aquele lhes terá proporcionado. Neste tocante, como bem alega o titular da acção penal, existem suspeitas que o arguido A…, na qualidade de Advogado dos demais agentes dos factos aqui em investigação, mormente no que tange aos agentes que actuaram em representação do Estado Português, terá comparticipado nos factos aqui em causa, importando aqui referir que tal factualidade se encontra explanada no despacho do titular da acção penal que determinou a sua constituição como arguido. Importa neste tocante referir que, "a constituição de arguido opera-se através da comunicação, oral ou por escrito, feita ao visado por uma autoridade judiciária ou um órgão de política criminal, de que a partir desse momento aquele deve considerar-se arguido num processo penal e da indicação e, se necessário, explanação dos direitos e deveres processuais referidos no art° 61 ° que por esse razão passam a caber-lhe."— ex vi do n° 2 do art° 58° do CPP. Ensina-nos ainda o n° 4 da mesma disposição legal que “A constituição de arguido implica a entrega, sempre que possível no próprio acto, de documento de que constem a identificação do processo e do defensor, se este tiver sido nomeado, e os direitos e deveres processuais referido no artigo 61 °". Ora, daqui decorre que a constituição como arguido, por si só, não obriga a que se lhe faça a comunicação a que alude o art° 61°-1 c) do CPP, a qual só se impõe no momento em que este prestar declarações. Importa aqui referir que, até ao momento, não foi realizado interrogatório de arguido, donde, ao abrigo do estatuído no art° 58°-1 a) do CPP, no acto de constituição como arguido do Dr. A…, não se ter comunicado ao mesmo os factos que lhe são imputados nem os meios de prova que suportam essa mesma factualidade. Acresce que, no caso em que se imponha a constituição como arguido, relativamente a sujeito sobre o qual incidam fundadas suspeitas, a Lei apenas exige que a mesma ocorra até ao momento em que este prestar declarações. Por outro lado, a lei não consagra o dever de realização imediata do interrogatório de pessoa determinada contra quem corre inquérito, como bem estatui o n°1 do art° 272° do CPP, veja-se aqui o Ac. do STJ n° 1106, de 23-11-05. Assim, compreendendo o inquérito um conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, cabe ao M°P° a sua direcção, a recolha e selecção de prova, auxiliado pelo OPC. Consequentemente e em ordem de conclusão, sendo o M°P° o "dominus" da investigação, é aquela entidade, de acordo com a estratégia definida para a investigação em concreto, que compete determinar o modo e o tempo das diligências a realizar, designadamente quanto ao interrogatório do arguido, devendo este ser realizado antes do encerramento desta fase processual. Por todo o exposto, somos do entendimento que a constituição de arguido do Dr. A… não padeceu de qualquer vício, pelo que, não se lhe reconhece a arguida nulidade, que se indefere, o mesmo se significando a respeito da irregularidade com aqueles fundamentos. Notifique.
3.2 Recordada, assim, a decisão recorrida, cumpre apreciar e decidir:
Entende o recorrente que a sua constituição como arguido não podia dar-se, no caso sub judice, sem que se lhe fossem tomadas declarações, nem, ainda que assim não fosse, seria admissível a constituição de arguido sem a comunicação imediata dos factos que lhe são imputados e dos meios de prova que suportam a imputação.
Socorre-se dos normativos insertos nos arts. 57.º e ss., em especial 58.°, n. 1, alínea a), 61.º e 272, n 1 do CPP, no que respeita à primeira conclusão e dos artigos 57.°, 58.º, 59.° e 61.° e 272 do CPP, no que respeita à segunda, entendendo que qualquer outra interpretação dos mesmos, designadamente a que lhes foi dada pelo despacho recorrido viola as garantias de defesa e o princípio da proporcionalidade, sendo portanto inconstitucional (artigos 20.°, n.° 3, 26.°, 27.°, 32.° e 18 da CRP).
Vejamos:
Diferentemente do Código de Processo Penal de 29 que definia, no seu art. 251.º arguido como sendo «aquele sobre quem recaia forte suspeita de ter perpetrado uma infracção, cuja existência esteja suficientemente comprovada», o actual CPP não nos fornece qualquer definição de arguido. O actual CPP limita-se, no art. 57.º, a indicar que «assume a qualidade de arguido todo aquele contra quem for deduzida acusação ou requerida instrução num processo penal». Para além daqueles actos processuais que, por si mesmos, conferem a qualidade de arguido às pessoas contra os quais são praticados, o código vigente prevê ainda outras situações em que impõe a constituição de arguido. São elas as previstas nos arts. 58.º e 59.º do CPP. Por fim, os arts. 60.º e 61.º do CPP ocupam-se com a definição da posição processual e do estatuto do arguido.
Num esforço de apreensão dos aspectos nucleares do conceito de arguido pressuposto na lei, é possível reconhecer os elementos reunidos na definição de há muito ensaiada por Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I) segundo a qual arguido será «a pessoa que é formalmente constituída como sujeito processual e relativamente a quem corre processo como eventual responsável pelo crime que constitui o seu objecto». Nela se englobam, pois, tanto situações em que aparentemente foram reunidos indícios bastantes da prática de crime (que fundamentam a dedução de uma acusação - art. 57.º/1, a tomada de declarações do suspeito – art. 58.º/1ª), a aplicação de medida de coacção ou de garantia patrimonial – art. 58.º/1b), a detenção do suspeito – art. 58.º/1c), ou a comunicação ao denunciado de auto de notícia não manifestamente infundado – art. 58.º/1d), como situações em que, não se tendo embora reunido indícios que levassem o MP a deduzir acusação, o assistente não desistiu de ver pronunciada a pessoa contra a qual dirige o seu requerimento de abertura de instrução. Acrescem ainda as previstas no art. 59.º do CPP, que sob a epígrafe «outros casos de constituição de arguido» indica outras situações em que também se mostra necessária a constituição formal de arguido, quer por iniciativa das autoridades judiciárias quer a pedido do próprio. Mais uma vez se verifica como subjacente às situações ali contempladas a ideia fundamental de conferir possibilidade de defesa à pessoa colocada em situação de suspeita, quer pelas suas próprias declarações, quer por outras diligências destinadas a confirmar as suspeitas existentes.
Comum a todas as referidas situações, sobressai portanto a ideia de existência de uma suspeita contra determinada pessoa. Tal como salientado por Pinto de Albuquerque (Comentário do CPP, em anotação ao artigo 57.º), «na substância das coisas, o arguido, tal como o suspeito, é uma pessoa em relação à qual exista, pelo menos, um indício, isto é, uma razão para crer que ela cometeu ou vai cometer um crime ou participou ou vai participar na sua comissão. Num caso, como no outro, existe uma suspeita que deve ser fundada, isto é, motivada, pelo menos, por uma razão». E conclui, assim, que a distinção entre suspeito e arguido é, pois, «estritamente estatutária e não material. Dito de outro modo, o suspeito é um arguido que ainda não foi reconhecido formalmente como tal e, por conseguinte, o arguido é um suspeito que já foi formalmente reconhecido como tal».
Ora, «o estatuto de arguido – tal como está definido no artigo 61.º do Código hoje vigente – é uma universalidade de direito e de deveres processuais (artigo 60.º), tudo enquadrado numa situação jurídica com contornos específicos. Tal estatuto é informado por várias manifestações típicas de um único direito, o de defesa e por uma situação processual específica, a decorrente da presunção de inocência (artigo 32.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição)», como nos lembra, por sua vez, José António Barreiros (I Congresso de Processo Penal).
Com efeito, a CRP impõe no já citado art. 32.º, que o processo penal assegure todas as garantias de defesa, presumindo-se o arguido inocente até ao trânsito em julgado da sentença condenatória.
Recordados os traços gerais a reter do desenho normativo da figura do arguido na nossa ordem jurídica, em especial a noção de que se trata de um suspeito, a quem a lei confere um estatuto de direitos e obrigações enformados pela ideia nuclear de permitir a efectividade da sua defesa no processo em que é chamado (arguido) a responder, procuremos aproximar-nos um pouco mais dos específicos aspectos do estatuto do arguido considerados como colocados em crise no processo por via do recurso aqui apresentado.
Em primeiro lugar o direito de audiência que, segundo o recorrente, no caso não podia deixar de ser assegurado em simultâneo ou pelo menos em acto imediatamente subsequente à sua constituição como arguido.
O direito de audiência constitui, efectivamente, um dos direitos decorrentes do estatuto de arguido (art. 61.º/1b) do CPP. Traduz-se no direito de ser ouvido pelo tribunal ou o juiz de instrução sempre que deva ser tomada decisão que pessoalmente o afecte. E implica, na fase de instrução, o direito de ser ouvido pelo juiz de instrução sempre que este o julgar necessário ou o arguido o solicitar (art. 292.º/2 do CPP) e, no inquérito, o direito de ser ouvido pelo juiz de instrução quando detido, no primeiro interrogatório judicial ou para aplicação de medida de coacção (arts. 141.º e 194.º/3 do CPP).
Estabelece, porém, o art. 272.º/1 do CPP também a obrigatoriedade de se proceder a interrogatório de arguido nos inquéritos que correm contra pessoa determinada em relação à qual haja fundada suspeita da prática de um crime. E dispõe o art. 58.º/1ª) do mesmo diploma legal que, correndo inquérito contra pessoa determinada em relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, é obrigatória a constituição de arguido logo que aquela prestar declarações perante qualquer autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal.
Da leitura destes normativos resulta, assim, também a obrigatoriedade de no inquérito se interrogar como arguido pessoa contra a qual haja fundada suspeita da prática de um crime. Apesar da imposição daquela obrigatoriedade, nada de concreto se dispõe, porém, sobre o momento preciso em que haja de ocorrer esse interrogatório. Indispensável é que ele se verifique durante o inquérito, sem o que, sendo possível a sua notificação, ocorrerá nulidade prevista no art. 120.º/2d do CPP (cfr. acórdão de fixação de jurisprudência n.º 1/2006, de 23-11-2005).
Tal como salientado por Dá Mesquita (Direcção do Inquérito Penal e Garantia Judiciária, pp. 105-106), «a injunção legal de interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito dirige-se à entidade estadual que dirige o inquérito mas não compreende uma directriz sobre o tempo do interrogatório do suspeito que deve ser decidido no quadro da estratégia definida em concreto para o inquérito como actividade. Isto é não se encontra consagrada uma prescrição legal que obrigue ao imediato interrogatório de pessoa determinada contra quem corre o inquérito». Esta tese que enquadra a definição do momento para a realização do interrogatório do arguido nos poderes de discricionariedade técnica pertencentes ao titular do inquérito é acompanhada pela generalidade da doutrina produzida na matéria, mesmo por aqueles que criticam a solução legalmente adoptada (cfr. José António Barreiros, loc. cit., «inexiste no nosso Direito actual (…) a obrigatoriedade de interrogatório de arguido, logo que este haja sido constituído nessa qualidade»).
O inquérito em presença ainda não se mostrava findo o que se manteve até ao momento em que foi interposto o presente recurso. E sendo assim, imperioso será concluir que o facto de o arguido não ter sido logo interrogado aquando da sua constituição de arguido não integra qualquer nulidade tipificada no CPP, designadamente as previstas no art. 119.º/c) ou no art. 120.º/2d) do CPP, ao invés do que é invocado pelo recorrente.
Mas o recorrente invoca ainda a violação pelo despacho recorrido de um outro direito decorrente do estatuto de arguido: o direito à informação, entendendo que não pode ser admitida a constituição de arguido sem a comunicação imediata dos factos que lhe são imputados e dos meios de prova que suportam a imputação.
O direito de informação decorre também do estatuto de arguido. Embora não esteja contemplado numa previsão genérica, encontra várias expressões ao longo do CPP, e, desde logo, uma dupla contemplação no elenco de direitos e deveres estabelecido no art. 61.º do CPP: o direito de ser informado dos factos que lhe são imputados antes de prestar declarações perante qualquer entidade (al. c) do n.º 1), mas também o direito de ser informado, pela autoridade judiciária ou pelo órgão de polícia criminal perante os quais seja obrigado a comparecer, dos direitos que lhe assistem (al. h) do n.º 1).
Trata-se de um direito que concretiza exigências decorrentes do processo equitativo e da possibilidade de defesa efectiva.
No caso em presença o direito específico cujo cumprimento o recorrente reclama é o direito de ser informado dos factos que lhe são imputados e os meios de prova em que se funda essa imputação, sob pena de não poder intervir no inquérito ou recorrer, nos termos contemplados no art. 61.º/g) e i) do CPP.
Todavia, nos termos da disciplina legalmente prevista, a efectivação daquele direito de informação concretizada sobre os factos e provas contra o arguido reunidos encontra-se reservada para o momento em que aquele vier a ser chamado a prestar declarações, o que, como decorre da leitura dos elementos do processo que foram remetidos em instrução do recurso, não acontecera ainda, mas, tal como resulta do acima já exposto, terá necessariamente de acontecer ainda no decurso do inquérito, sob pena, então sim, de preterição dos direitos de defesa e da equidade do processo.
É, com efeito, tomando sempre como referência essencial o exercício do direito de defesa do arguido, num processo leal e justo, que hão-de compreender-se os diversos direitos contemplados no seu estatuto e decorrentes, pois, da sua condição de arguido, quer no elenco geral previsto no art. 61.º do CPP, como em várias normas inseridas ao longo do CPP e mesmo das leis processuais penais avulsas. É o caso, por exemplo da norma prevista no art. 141.º do CPP, designadamente quando no n.º 4/c) e d) estabelece a obrigatoriedade de comunicação ao arguido dos concretos factos que lhe são imputados e dos elementos de prova que os indiciam (desde que essa revelação não ponha em causa a investigação, nem criar outros perigos, como o de risco para a vida de alguém).
Essencial é que a constituição de arguido obedeça à já acima referida lógica nuclear de chamada a juízo de alguém contra quem se mostram reunidos pressupostos que a colocam numa posição que demanda pelo menos a possibilidade do exercício de defesa. Como logo de início se referiu, de acordo com as previsões identificadas na lei, os casos previstos nos arts. 57.º a 59.º do CPP.
No caso dos autos a constituição do recorrente como arguido deu-se na sequência da realização de buscas às instalações de determinada sociedade de advogados onde o arguido também tem o seu escritório. Conforme decorre dos autos, as buscas aos escritórios daquela sociedade de advogados tiveram lugar em 29 de Setembro de 2009 (fls. 112 – 127 da certidão) e a constituição de arguido formalizou-se em 6 de Outubro de 2009 (fls. 155 – 157), na sequência do despacho exarado nesse mesmo dia (fls. 153-154).
Essencial será, pois, reter o teor do despacho do MP que determinou a constituição como arguido do ora recorrente.
Tal como decorre do referido despacho (fls. 153 – 154 da certidão constante dos presentes autos de recurso), a pedido do MP (isto é, na sequência da promoção de fls. 1903 – 1918 dos autos principais), foram realizadas buscas a escritórios de advogados que patrocinaram juridicamente as partes envolvidas na celebração dos contratos de aquisição de dois submarinos e contrapartidas, celebrados entre o Estado português e o consórcio L…, bem como o contrato de financiamento celebrado entre o Estado português e um consórcio bancário, num aconselhamento jurídico que poderá ter construído ou ajudado a construir esquemas que terão sido utilizados pelos intervenientes directos nas negociações em causa e na celebração de tais contratos, assim concretizando os factos ilícitos sob suspeita, susceptíveis de integrarem a prática do crime de corrupção, p. e p. pelos arts. 372.º e 374.º, crime de participação em negócio, p. e p. pelo art. 377.º, com referência ao art. 386.º e, eventualmente, o crime de branqueamento, p. e p. pelos arts. 386.º-A, todos do Código Penal. Em consequência, e ao abrigo do disposto no art. 58.º do CPP, na promoção exarada a fls. 1903-1918 logo se determinou a constituição como arguidos dos advogados que intervieram nos factos da forma referida. E fundamenta o MP no despacho de fls. 153-154 que determinou a constituição do recorrente como arguido: realizadas as referidas buscas, apurou-se que, no que respeita às instalações de uma sociedade de advogados visada pelas buscas, para além do advogado logo então constituído arguido, também o ora recorrente (até então desconhecido dos autos) patrocinou juridicamente aqueles que em representação do Estado português intervieram nas negociações e na celebração dos contratos antes mencionados. Por fim conclui-se sempre no aludido despacho de fls. 153-154 da presente certidão: «Assim, em face do que já resultava do despacho de fls. 1903-1918, uma vez identificado mais um advogado que se encontra nas circunstâncias ali referidas, determina-se a constituição como arguido e prestação de TIR do Exmo. Sr. Dr. A…», o ora recorrente.
Foi, com efeito, na sequência deste despacho, proferido em 6 de Outubro de 2009 que viria a formalizar-se a constituição do recorrente como arguido, ainda naquele mesmo dia (fls. 155-157 da presente certidão).
Uma formalização traduzida na comunicação ao visado pelo escrivão encarregue da sua execução, de que devia considerar-se arguido no processo, informação dos seus direitos e deveres, recolha de TIR e notificação do direito de constituir advogado.
Embora não acompanhada da notificação do despacho que a determinou, a formalização da constituição do recorrente como arguido, fundou-se no despacho a que vem de se fazer alusão. Apesar de também invocada pelo recorrente, esta omissão, não retiraremos da mesma nenhuma consequência por preterida pela decisão do recurso, como de seguida se evidenciará.
Na verdade, aqui chegados, logo se verifica que a constituição do recorrente como arguido não configurou nenhuma das situações tipificadas na lei como de constituição obrigatória de arguido e a que acima se fez já alusão.
Sustenta o MP, na resposta que apresentou ao recurso, que a constituição do ora recorrente como arguido se ficou a dever às suspeitas que sobre o mesmo impendiam assentes na prova já disponível nos autos e que apontava no sentido de que o recorrente acompanhara o dossier submarinos, comparticipando nos factos sob investigação, impondo a investigação de toda a sua actuação naquele âmbito. E conclui: «o mesmo é dizer que existem indícios ou suspeitas fundadas de que poder[á] ter comparticipado nos factos sob investigação. Assim, não só se justificava como se impunha a sua constituição como arguido», já que «se assim se não procedesse, quando aquel[e] advogad[o] viess[e] a ser ouvidos no âmbito do inquérito estar-se-ia a cometer uma gravíssima e grosseira violação dos seus direitos de defesa». Mas não tem razão, já que nenhuma preterição dos direitos da defesa seria então provocado se nessa ocasião se constituísse o declarante como arguido, como a lei impõe.
Sem prejuízo, a referida posição assumida pelo MP na resposta ao recurso impõe que se interrogue: poderá haver constituição de arguido no âmbito do inquérito criminal fora das situações de constituição obrigatória contempladas na lei processual penal? Haverá situações de constituição de arguido «facultativa», isto é, dependentes apenas do critério assumido pelo titular da investigação?
A evolução verificada na nossa legislação processual penal, em especial com as alterações introduzidas pela revisão do CPP operada em 2007, não parece coadunar-se com a ideia de discricionariedade na constituição de arguido.
«O CPP procura determinar com rigor o momento e o modo de obtenção do estatuto de arguido, já que se trata de um acto essencial, cujo retardamento poderá significar a frustração de direitos de defesa, que a lei pretende assegurar (aliás em consonância com o exigido pela Lei de Autorização (Lei n.º 43/86, de 26-09) no seu art. 2.º, n.º 2, al. g) – “definição rigorosa do momento e do modo de obtenção do estatuto de arguido”. O acto de constituição de arguido não está assim na disponibilidade ou na vontade da autoridade judiciária praticar ou não praticar, pois que tal como considerado no Parecer do CC da Procuradoria Geral da República, de 14-11-1996, “o juízo (complexo) sobre a utilidade das declarações não está na discricionariedade da autoridade judiciária; esta sempre que a investigação seja dirigida contra alguma pessoa e o acto se revele processualmente necessário, deve constituí-la arguida e convocá-la a declarações, dando-lhe assim a oportunidade de esclarecer ou não os factos e, se pretender prestar declarações, tomar sobre os factos a posição que entender.” (…) Esta questão está directamente relacionada com as alterações introduzidas pela Lei n.º 48/2007, de 29-08, designadamente com a actual redacção do art. 58.º, n.º 1, al. a), do CPP que, contrariamente ao que antes sucedia, prevê como obrigatória a constituição de arguido sempre que “correndo inquérito contra pessoa em, relação à qual haja suspeita fundada da prática de crime, esta prestar declarações (…). Com efeito, parece-nos ter sido intenção do legislador restringir o acto processual de constituição de arguido às situações em que exista “fundada suspeita”» (Código de Processo Penal anotado por Magistrados do MP do Distrito Judicial do Porto, Coimbra Editora, em anotação ao art. 59.º.)
No caso ora em apreciação, não fora deduzida acusação nem requerida instrução (art. 57.º do CPP). Tão-pouco, o recorrente foi chamado a prestar declarações nos autos, foi proposta contra o mesmo a aplicação de qualquer medida de coacção, foi detido ou houve necessidade de lhe comunicar o teor de auto de notícia (art. 58.º/1 a), b), c) e d) do CPP). Finalmente, não se verificou qualquer inquirição do recorrente (art. 59.º/1 do CPP).
Verificara-se, isso sim, uma situação em que se procedera a diligências de busca no seu escritório, mas em que o recorrente não requerera a sua constituição como arguido, como podia ter feito de acordo com a previsão contida no art. 59.º/2 do CPP.
Para além de o recorrente não ter requerido a sua constituição como arguido no âmbito da referida busca realizada ao seu escritório, certo é que no momento em que viria a ser constituído arguido já a referida diligência se encontrava de há muito encerrada conforme se evidencia pelo respectivo auto.
A lei não impõe a constituição como arguido das pessoas visadas pelas diligências de busca. De resto o facto de se ser alvo de uma tal diligência não significa necessariamente que se seja sequer suspeito da prática de um crime (arts. 174.º e ss. do CPP).
É certo que durante a busca realizada ao seu escritório foram apreendidos diversos documentos. E é certo ainda que a protecção legal do sigilo profissional dos advogados proíbe a apreensão de correspondência respeitante ao exercício daquela profissão a menos que respeite a facto criminoso relativamente ao qual o advogado tenha sido constituído arguido (art. 71.º/1 e 4 do Estatuto da Ordem dos Advogados) [sublinhado nosso].
Mas o eventual interesse da investigação na apreensão de documentação respeitante ao exercício da advocacia não pode, por si só, servir de justificação à constituição de um advogado como arguido. Aceitá-lo seria subverter a lógica da lei. Segundo as opções feitas pelo legislador e que se encontram claramente plasmadas na lei, designadamente no Estatuto da Ordem dos Advogados e no CPP, não é a apreensão de documentação profissional num escritório de advogados que permite fundamentar a constituição do advogado como arguido, antes sendo a constituição de um advogado como arguido que abre a possibilidade de apreensão de correspondência profissional do mesmo. A lógica do regime jurídico adoptado pelo legislador nesta matéria, concorde-se ou não com a bondade ou a extensão da solução legal contemplada, é a de protecção do sigilo profissional do advogado. O art. 180.º/2 do CPP estabelece uma proibição de prova relativa a apreensão de documentos abrangidos pelo segredo profissional do advogado (tal como pelo segredo médico), a menos que os documentos em referência constituam eles mesmo objecto ou elemento do crime. Portanto, salvo se o advogado for também arguido, isto é, alvo de suspeitas da prática de qualquer acto criminoso, já sustentadas nos autos ao ponto de implicar a concessão ao suspeito do estatuto de arguido, designadamente por se impor o seu interrogatório, a aplicação de uma medida de coacção, a dedução da acusação ou qualquer outras das situações legalmente previstas de obrigatoriedade de constituição de arguido já acima elencadas, não poderá ser apreendida correspondência que respeite ao exercício da profissão de advogado.
Ora o que se passou nos autos foi precisamente o contrário: em primeiro lugar a realização da busca com apreensão de documentação do advogado e, só na sequência desta, a efectivação da constituição como arguido do referido advogado (antes desconhecido dos autos, tal como assumido é expressamente pelo MP no despacho que determinou a constituição como arguido do ora recorrente, já acima aludido).
De tudo o que fica exposto forçoso será concluir que no momento em que o ora recorrente foi constituído arguido, em execução de determinação do MP, não havia nenhuma razão que, aos olhos da lei processual penal vigente, impusesse uma tal constituição. O que significa que a realização de tal acto obedeceu a razões não contempladas na lei, e, como tal, se apresenta ilegal. Em processo penal qualquer ilegalidade juridicamente relevante integra o vício da irregularidade processual e este pode ser arguido por qualquer interessado, nos termos do disposto no art. 123.º do CPP.
Sustentou o MP, a intempestividade da arguição de qualquer vício incidente sobre o acto de constituição do recorrente como arguido, uma vez que este assistiu ao acto no momento em que foi praticado e não o invocou.
Mais uma vez, porém, não tem razão. E não a tem desde logo porque, como acima já se deixou aludido, a constituição de arguido não foi acompanhada da notificação do despacho que a ordenou o que determinou o recorrente a requerer, logo em 9 de Outubro (portanto três dias após a sua constituição como arguido) ao MP que o notificasse da decisão de validação do acto praticado que fora por OPC (cfr. certidão de fls. 172-174 destes autos de recurso). Este requerimento viria a merecer o despacho do MP certificado a fls. 175, por via do qual, lembrando que a constituição do ora recorrente como arguido derivara de determinação do MP exarada nos autos não havia lugar à validação prevista no art. 58.º/3 do CPP. É, portanto, apenas com a notificação deste despacho, proferido em 13 de Outubro, que o ora recorrente ficou a saber que havia despacho do MP nos autos a determinar a sua constituição como arguido cuja fundamentação, nem mesmo assim, lhe foi dado a conhecer.
Tal como observado pelo recorrente na reacção à resposta do MP apresentada já neste Tribunal da Relação, só a partir da notificação do referido despacho do MP proferido em 13 de Outubro começa a contar o prazo para o visado arguir a irregularidade do acto. Considerando, assim, a notificação verificada no 3ª dia útil, de Outubro, o requerimento de arguição da nulidade e irregularidade da constituição de arguido, apresentado em 19 de Outubro (e que daria origem ao despacho judicial ora sob recurso) respeitou o prazo de arguição das irregularidades estabelecido no já citado art. 123.º do CPP.
Resta, assim, delimitar as consequências da irregularidade cometida com a constituição do recorrente como arguido nos autos, nos termos em que o foi.
Qualquer irregularidade do processo só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar (art. 123.º/1 do CPP).
Como já acima aludido, o estatuto de arguido implica direitos e impõe deveres. No caso, como consequência da constituição do recorrente como arguido nos autos é possível identificar a prestação de TIR e a eventual apreensão de «correspondência» entre a documentação que recolhida foi no seu escritório de advogado. Sendo assim, a invalidade da constituição de arguido implica naturalmente também a invalidade do TIR prestado, bem como a restituição de todos os documentos apreendidos na busca realizada ao seu escritório que constituam «correspondência» nos termos indicados no art. 71.º do EOA.
Resta, pois, decidir em conformidade.
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III – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção deste Tribunal da Relação em:
Conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a decisão recorrida, declarando-se irregular a constituição do recorrente como arguido nos autos que, assim se dá sem efeito, sem efeito ficando também o TIR prestado e devendo ser restituídos ao recorrente todos os documentos apreendidos na busca realizada ao seu escritório no dia 29 de Setembro de 2009 que constituam correspondência.
Sem tributação.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pela relatora – art. 94º, nº 2 do C.P.Penal)
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Lisboa, 15 de Abril de 2010

Maria de Fátima Mata-Mouros
João Abrunhosa