Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
417/06.7PEOER.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: CONDUÇÃO PERIGOSA
AMEAÇA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2010
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Sumário: I - Comete os crimes de ameaça e de condução perigosa de veículo rodoviário (p. e p. pelos artigos 153º, nºs 1 e 2 e 291º, nº 1 alínea b) do Código Penal), o cônjuge-marido que estando separado da mulher lhe move perseguição automóvel efectuando manobras em grave violação das
regras do trânsito rodoviário, no contexto da qual a consegue fazer parar e se lhe dirige exaltado dizendo que se não voltasse para casa a matava, porque ela era dele e se não fosse dele não seria de mais ninguém, provocando nesta medo, temendo pela sua vida.
II - Os veículos automóveis, tal como as armas de fogo, não são perigosos per si, perigoso pode ser, isso sim, o uso que o indivíduo que os maneja deles faz.
III - Ao actuar como actuou o arguido usou o veículo automóvel que conduzia como uma verdadeira extensão do seu próprio corpo no exercício da violência psicológica sobre o cônjuge.
IV - O crime de ameaça não só se consumou com as palavras que proferiu, no sentido de que mataria a assistente, mas também com a própria perseguição automóvel e com toda a intimidação e perturbação que, pela
forma como conduziu, causou na sua ainda mulher.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – Relatório

1. No processo comum nº 417/06.7PEOER, do 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Oeiras, o arguido A…, foi submetido a julgamento vindo a ser condenado, por sentença proferida em 20 de Abril de 2009, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo, previsto e punível pelo artigo 291º, nº 1 b) do Código Penal, na pena de 220 dias de multa e pela prática de um crime de ameaças, previsto e punível pelo artigo 153º, nº 1 e 2 do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, na pena de 140 dias, à taxa diária de € 6,00, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 270 dias de multa, à taxa diária de 6 €, num total de € 1620 (mil, seiscentos e vinte euros), bem como na sanção acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo de circulação terrestre, pelo período de 12 meses, nos termos do artigo 69º, nº 1 a) do Código Penal.

2. O arguido, inconformado com a mencionada decisão, interpôs recurso extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
1- Para que um determinado acto ou conjunto de actos, possa consubstanciar o crime de ameaça é necessário que estejam preenchidos os diversos elementos do tipo, previstos no art° 153º, nº 1 do CP, a saber: haja uma ameaça contra outra pessoa; com a prática de crime contra a vida, integridade física, liberdade pessoal, liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor; de forma a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
2- Analisando a matéria de facto impugnada, constatasse que, ninguém corrobora a imputação quase que lacónica da assistente de ameaças que disse ter sido alvo na presença de soldados a GNR, e se bem que abstractamente se possa dizer a ameaça de morte poderiam consubstanciar com a prática de crime, já não se concede, que as referidas palavras proferidas pelo arguido possam ser idóneas a produzir na assistente resultado, medo ou inquietação, já que não foram proferidas de forma séria tendo sido entendidas como desabafos, gritos de revolta e desespero.
3- Pelo que atendendo á fundamentação para a impugnação dos pontos 4 e 16 dos factos dados como provados, da sentença em crise, devem os mesmos factos ser elencados na matéria de facto dada como não provada.
4- Aliás, atentas as dúvidas explanadas no aresto recorrido quanto ao comportamento omissivo da OPC e em obediência ao princípio in dubio pro reo, o recorrente terá necessariamente de ser absolvido, quanto ao crime de ameaças, razão pela qual o tribunal a quo interpretou inconstitucionalmente tal princípio.
5- Por via disso deve o arguido ser absolvido do crime de ameaças porque vem condenado.
6- Quanto á motivação da matéria de facto relativa aos pontos 7. a 17, somos levados a concluir que a sentença recorrida padece de uma deficiente fundamentação da matéria de facto, considerando que falta o exame crítico da prova que permite focar e conhecer o processo lógico-mental que levou a dar como provados os factos que constam na acusação.
7- No respeitante á motivação da matéria de facto diz a douta sentença: "o depoimento dos militares é demonstrador de excessiva parcimónía na abordagem ao arguido, na aplicação das medidas processuais de repressão da criminalidade que tinham ao seu alcance, sendo que deveriam, no caso, ter procedido à detenção do arguido, mesmo que fosse necessário o arrombamento da porta do veículo em que este se encerrou, caso a assistente tenha declarado, logo ali, que desejava procedimento criminal pelas ameaças que os próprios, como se verá, assistiram. E tudo indica que a assistente tenha expressado essa intenção. Além do mais, os militares também deveriam ter participado os factos que consubstanciavam a prática de um crime público, de condução sem habilitação legal, permitindo que o arguido enxovalhasse, de certa forma a autoridade pública que os mesmos representavam. No entanto, não se levantou qualquer dúvida quanto à honorabilidade dos militares, ou quanto à sua isenção no caso. Pelo que, estando ambos no exercício das suas funções, não se levanta qualquer dúvida de que a condução do arguido se processava tal como assente. Aliás, só o primeiro militar já conhecia o arguido e apenas por causa de uma outra ocorrência policial.”
8- Pelos motivos expostos não se pode concordar com estas conclusões o que provoca a invocação tanto da nulidade da decisão como o erro notório na apreciação da prova são deficiências, que esperamos que V.Exas, possam suprir, como entendemos resultar claramente do disposto nos art.s 379° n° 2 e 426° do CPP à contrário.
9- Isto porque o tribunal alinhando embora os elementos de prova de que se socorreu - e, dizemos nós, fazendo só isso - não explicou o caminho que percorreu para chegar àquela conclusão.
10- Porque a condução grosseira tal qual é definida no art. 289° e 291° do CP teria de ser de tal forma atentatória dos valores que os GNR haveriam de actuar.
11- E só não actuaram porque da sua análise no momento não se sentiram ameaçados nem verificaram qualquer violação das regras estradais,
12- Pelo que a conclusão de que o comportamento do arguido não foi censurável nem perigoso também é adequada, correcta e plausível, não sendo a censura o tribunal tão evidente e necessária como a sua letra quer fazer querer.
13- Verificou-se um erro notório na apreciação da prova, que se invoca nos termos e para os efeitos da al. c) n° 2 do art. 410° do CPP.
14- Para o caso de tal se vir a não entender, o que se alega por mero dever de patrocínio, sempre se entende que a pena aplicada ao arguido encontrando-se ele desempregado - 270 dias á razão de 6,00 € diários correspondente a 1.620 €- acrescida ainda da sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 12 meses, além de não devida é injusta, ilegal e severíssima de tão exagerada e infundamentada, atendendo ainda a que o arguido à data dos factos tinha 26 anos de idade, havia sido condenado por um delito menor e nunca teve qualquer incidente ou delito estradal, a necessidade de utilização de veículo para a obtenção de trabalho, impõe que a ser condenado o seja em pena no mínimo legal.
15- A pena de inibição de conduzir porque acessória, terá de o ser em termos dosimétrícos similar e nivelada com a pena de multa aplicada.
Nestes termos e nos de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente e provado, e, consequentemente, deve o recorrente ser absolvido dos crimes de que foi condenado, ou tal não se verificando devem as penas ser reduzidas ao seu limite mínimo." (fim de transcrição).

3. Respondeu o Ministério Público extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
“Conjugando os factos praticados, a sua elevada ilicitude (sobretudo dos susceptíveis de integrar o crime de condução perigosa de veículo rodoviário), a circunstância de o recorrente ter efectivamente causado medo e receio no espírito da assistente, ter colocado em perigo a vida e/ou a integridade física de pessoas e bens patrimoniais de valor elevado com as finalidades das penas e com os indicados critérios de escolha e determinação do quantum concreto da pena, nenhuma crítica nos merece as concretas penas parcelares principais (bem como o respectivo cúmulo jurídico de penas) e acessória, tendo a douta sentença prolatada a decisão justa, adequada e correcta. Contudo, Vossas Excias farão, como de costume, justiça.” (fim de transcrição).

4. Foi proferido despacho judicial admitindo o recurso, como se alcança de fls. 233/234.

5. O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação apôs apenas o seu “visto” e emitiu parecer, nos termos que constam de fls. 242 e segs., pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido, com excepção do período relativo à sanção acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo de circulação terrestre, crendo que “6 meses, de proibição de conduzir satisfazem e cumprem de forma adequada e suficiente aos fins preconizados com esta punição a título acessório”, atenta “a idade do arguido à data dos factos (29 anos), as reais e concretas necessidades de trabalho, o facto de ser motorista de profissão e de não ter cadastro rodoviário”.

6. Foi cumprido o preceituado no art. 417º nº 2 do C.P.P., não tendo havido resposta.

7. Efectuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

8. Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.


II – Fundamentação

1. Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respectivamente, nos BMJ 451° - 279 e 453° - 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403° e 412°, n° 1, do CPP).
Mediante o presente recurso o recorrente submete à apreciação deste Tribunal Superior em síntese as seguintes questões:
- Atenta a prova produzida na audiência de discussão e julgamento não se pode considerar provado que o arguido tivesse ameaçado a assistente de morte;
- Verifica-se deficiente fundamentação da matéria de facto, no que concerne ao crime de condução perigosa de veículo rodoviário, faltando (…) o exame crítico da prova que permita focar e conhecer o processo lógico-mental que levou a dar como provados os factos que constam na acusação (…). Verifica-se, assim, nulidade da sentença e erro notório na apreciação da prova. A correcta apreciação da prova levará à conclusão que não ficaram provados os factos integradores do crime de condução perigosa de veículo rodoviário;
- Sem conceder, o recorrente pugna pelo exagero na dosimetria concreta da pena e da sanção acessória que lhe foram aplicadas, considerando ser esta última (inibição de conduzir por 12 meses) “injusta, ilegal e severíssima de tão exagerada e infundamentada”.


 2. Passemos, pois, ao conhecimento das questões alegadas. Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida, no que concerne a matéria de facto:
   
a) O Tribunal a quo declarou provados os seguintes factos (transcrição):
1. O arguido, em 19 de Abril de 2006, era casado com a assistente, B…, mas estavam, já à data, separados.
2. Nessa data, pela 1 h 30m, a assistente seguia aos comandos do seu automóvel, na zona entre a Estrada de Queluz e a Estrada da Rocha, em Carnaxide.
3. Nessas circunstâncias de tempo e lugar, o arguido atravessou o automóvel que conduzia à frente da viatura conduzida pela B….
4. Após, o arguido saiu do automóvel, foi ao encontro da B… e disse-lhe, com foros de seriedade, que se ela não lhe falasse que a matava, porque ela era dele e se não fosse dele não seria de mais ninguém.
5. Receosa pelo que pudesse acontecer, B… solicitou a auxílio às forças policiais.
6. Chegados ao local, os soldados da GNR constataram que o arguido discutia com B… e, perante o estado de exaltação do arguido, decidiram acompanhar a assistente até à zona da sua residência. 
7. Assim, B… seguia na sua viatura, seguindo à sua frente uma viatura da GNR e outra atrás de si.
8. E deslocaram-se, desse modo, de Valejas para Carnaxide.
9. Quando a assistente seguia aos comandos da sua viatura, precedida e antecedida de viatura da GNR, o arguido ultrapassou todas as viaturas, com excepção da que seguia em primeiro lugar e, mantendo a traseira separada por alguns metros, imobiliza, assim, o seu veiculo alguns metros à frente da dianteira da viatura que era conduzida pela assistente.
10. Em seguida, o arguido engrenou a velocidade de marcha-atrás, fazendo recuar a sua viatura em direcção à frente do veiculo conduzido pela assistente que, para evitar a colisão iminente, se viu forçada a deter a marcha, manobra que contribuiu para que a colisão não se desse.
11. Naquele trajecto, o arguido ultrapassou, pelo menos por mais uma vez, 3 viaturas.
12. Depois, o arguido apareceu, vindo do lado contrário ao sentido de marcha em que seguia B… e as viaturas da GNR.
13. Nesta sequência, o arguido entrou na faixa de rodagem reservada ao trânsito, no sentido em que seguia a assistente.
14. O arguido conduziu a sua viatura aos ziguezagues, em direcção ao automóvel em que seguia a assistente, obrigando quem conduzia este veículo a desviar o veículo para, assim, evitar o embate.
15. Apenas a perícia do condutor deste veículo da assistente evitou que tivesse ocorrido qualquer embate, com consequências imprevisíveis para os veículos, quer para a vida dos seus ocupantes.
16. Atentas as circunstâncias e forma como foram proferidas as palavras acima descritas, a assistente ficou convencida que o arguido poderia levar por diante o mal que anunciou e temeu pela sua integridade física e pela sua vida.
17. O arguido actuou com o propósito de provocar receio no espírito da assistente, o que conseguiu.
18. Ao actuar da forma descrita, o arguido desrespeitou as mais elementares regras que devem ser observadas no exercício de uma condução prudente.
19. Colocou em perigo a integridade física dos ocupantes das outras 3 viaturas, bem como estes bens, perigo que não se transformou em dano devido ao acaso.
20. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de conhecer a ilicitude da sua conduta.
21. O casamento de arguido e assistente foi, entretanto, dissolvido.
22. O arguido está desempregado e não aufere rendimentos.
23. Vive com a sua companheira.
24. Recebe ajuda financeira dos seus pais.
25. Estudou até ao 9º ano de escolaridade.
26. O arguido, em 19/06/2002, foi condenado no processo comum colectivo nº 451/99.1PCOER, do 2º Juízo Criminal deste Tribunal, na pena de 90 dias de multa, à taxa de € 4,00, pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples, em 26/04/1996.”

b) Factos declarados não provados:
“não provado que a assistente conduzisse o veículo no momento em que o arguido encetou a manobra descrita em 14.”

c) Em sede de motivação da decisão de facto, escreveu-se na sentença recorrida:
“A convicção do Tribunal quanto aos factos assentes, derivou da análise crítica das declarações do arguido, em confronto com as declarações da assistente, B… e dos depoimentos dos militares da GNR, C… e D….
O arguido refuta, na sua essencialidade, os factos.
No entanto, as declarações do arguido não convencem, pela falta de lógica que as afecta, e pela falta de espontaneidade.
Na verdade, é irrealista a explicação de que havia combinado encontrar-se com a assistente, à saída do trabalho desta, porque teria de trabalhar no snack-bar do pai até às 4h00 da manhã, estando encarregue de proceder ao encerramento do estabelecimento. É que não faz qualquer sentido afirmar que aceitara falar do seu divórcio, com a sua esposa, a aqui assistente, num lugar ermo, de madrugada, quando esta, já havia chamado a intervenção da polícia para dele se queixar, como o próprio afirma, por 35 vezes.
O arguido apesar de afirmar que, quando a polícia chegou, estava a falar, de forma ordeira, com a assistente, também diz que ela estava de vidro fechado, contradição que não conseguiu esclarecer. Tal como não consegue explicar porque é que, não tendo a polícia ordenado que fosse embora, os militares da GNR tenham optado por escoltar, com 2 carros, a assistente.
Se estas declarações põem em evidência que aquilo que o arguido queria dizer à assistente a incomodou e foi imposto contra a vontade desta, B… esclarece, para além de qualquer dúvida, atenta a convicção e espontaneidade com que depôs, que o arguido a perseguiu, como fazia noutras ocasiões e que, ao chegar junto à Ponte de Valejas, o arguido atravessou a sua viatura, cortando a sua progressão.
Em seguida, apeou-se e tentou partir o vidro da sua viatura, o que aumentou a convicção de que o arguido poderia concretizar as suas ameaças que proferiu, inclusivamente, quando os militares da GNR chegaram, 15 a 20 minutos depois, ao local, chamados por ela.
Não obstante terem ordenado ao arguido que dispersasse, este não o fez.
Os militares da GNR resolveram chamar mais uma viatura e partiram as duas viaturas, em direcção à sua casa, circulando a assistente, ao volante da sua, entre as duas.
A assistente descreveu as manobras assentes, esclarecendo que o arguido, por diversas vezes, ultrapassou os 3 veículos e inverteu a marcha, passando a circular em sentido oposto a estes. Guinou a viatura e encetou manobras intimidatórias.
Numa das vezes, o arguido encetou a manobra que se descreve em 9 e 10, comunicada ao arguido, em sede de audiência, e a assistente ficou com a sensação que ele ia bater na sua viatura, que imobilizou, contribuindo para que o embate não ocorresse.
C…, militar da GNR que compareceu no locar descrito em 2., mais precisamente junto à ponte de Valejas, no exercício das suas funções, também confirma, na generalidade os factos.
A testemunha, devido ao distanciamento temporal dos factos, não se recorda de alguns pormenores, mas ficou com a sensação que o arguido ali proferiu algumas ameaças à assistente, confirmando que ele estava muito exaltado.
C… confirma, ainda, a manobra descrita em 9. e 10., tal como narrada pela assistente e afirma que o arguido, quando seguia em sentido oposto às viaturas policiais e à viatura escoltada e ao cruzar-se com estas, ziguezaguou a viatura, guinando-a para a esquerda, em direcção ao carro em que seguia a assistente. Quando estava a uma direcção de cerca de 2 metros e encetando a manobra a cerca de 80 km/h, o arguido guinou outra vez a viatura para a sua direita, criando perigo para os ocupantes das 3 viaturas.
O militar da GNR D…, que acompanhava C…, declarou que ouviu o arguido dizer à assistente, em tom sério e muito exaltado, que a matava.
E confirma, sem hesitações ou subjectividades, as duas manobras.
O depoimento dos militares é demonstrador de excessiva parcimónia na abordagem ao arguido, na aplicação das medidas processuais de repressão da criminalidade que tinham ao seu alcance, sendo que deveriam, no caso, ter procedido à detenção do arguido, mesmo que fosse necessário o arrombamento da porta do veículo em que este se encerrou, caso a assistente tenha declarado, logo ali, que desejava procedimento criminal pelas ameaças que os próprios, como se verá, assistiram. E tudo indica que a assistente tenha expressado essa intenção.
Além do mais, os militares também deveriam ter participado os factos que consubstanciavam a prática de um crime público, de condução sem habilitação legal, permitindo que o arguido enxovalhasse, de certa forma a autoridade pública que os mesmos representavam.
No entanto, não se levantou qualquer dúvida quanto à honorabilidade dos militares, ou quanto à sua isenção no caso.
Pelo que, estando ambos no exercício das suas funções, não se levanta qualquer dúvida de que a condução do arguido se processava tal como assente.
Aliás, só o primeiro militar já conhecia o arguido e apenas por causa de uma outra ocorrência policial.
Assim, adquiriu o Tribunal certezas quanto aos factos vertidos na acusação, acrescidos dos comunicados, em audiência, ao arguido, apenas não se provando, em concreto, quem conduzia a viatura da arguida no momento em que foi encetada a manobra descrita em 14, atento o depoimento de C…, que afirma que houve momentos em que a viatura da assistente careceu de ser conduzida por um dos militares.
No que diz respeito aos antecedentes criminais, a sua prova resultou do CRC de fls 84, A prova das restantes condições económicas e sociais do arguido derivam das suas próprias declarações.”

d) Finalmente, quanto ao enquadramento jurídico-penal dos factos e à escolha e medida das penas parcelares e única, bem como da sanção acessória, expendeu-se na decisão revidenda:
Do crime de condução perigosa de veículo.
O arguido estava acusado da prática de um crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art.º 291, n.º 1 e 69º nº 1 a) do Código Penal (este último por força da alteração comunicada pelo Tribunal).
O artigo 291º prevê queQuem conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada: a) Não estando em condições de o fazer com segurança, por se encontrar em estado de embriaguez ou sob influência de álcool, estupefacientes, substâncias psicotrópicas ou produtos com efeito análogo, ou por deficiência física ou psíquica ou fadiga excessiva; ou b) Violando grosseiramente as regras da circulação rodoviária relativas à prioridade, à obrigação de parar, à ultrapassagem, à mudança de direcção, à passagem de peões, à inversão do sentido de marcha em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, à marcha atrás em auto-estradas ou em estradas fora de povoações, ao limite de velocidade ou à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita; e criar deste modo perigo para a vida ou para a integridade física de outrem, ou para bens patrimoniais alheios de valor elevado, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.
“Com esta disposição, pretendeu-se evitar, ou pelo menos, manter dentro de certos limites, a sinistralidade rodoviária, que tem vindo a aumentar assustadoramente no nosso país, punindo todas aquelas condutas que se mostrem susceptíveis de lesar a segurança deste tipo de circulação, e que, ao mesmo tempo, coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais alheios de valor elevado” (Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 1080).
Costa Andrade entende que está aqui em causa a tutela dos bens jurídicos individuais, embora seja também possível afirmar, que o bem jurídico protegido é em primeira linha a segurança do tráfego rodoviário.
Estamos assim, perante um crime de perigo concreto.
No tipo objectivo de ilícito descrevem-se dois grupos de comportamentos que no âmbito da circulação rodoviária se mostram mais susceptíveis de colocar em perigo a integridade física ou vida dos transeuntes ou bens patrimoniais de valor considerado elevado: por um lado, a falta de condições para a condução e por outro, a violação grosseira das regras de circulação rodoviária.
É um crime de perigo concreto pois estes comportamentos têm que ser idóneos a produzir perigo para aqueles bens jurídicos, em concreto, não se bastando o tipo com a mera insegurança na condução, ou a violação grosseira das regras de circulação rodoviária.
É necessário que, da análise das circunstâncias do caso concreto, se deduza a ocorrência desse perigo concreto.
Por perigo entende-se a susceptibilidade de ocorrer lesão de determinados bens jurídicos tutelados por lei, ou como referem Leal-Henriques e Simas Santos, citando Germano Marques da Silva “é a potência de um fenómeno para ocasionar a perda ou diminuição de um bem”, isto é, “o dano provável”. (cfr. Código Penal Anotado, 3.ª edição, 2.º volume, parte especial, Editora Rei dos Livros, 2000, pág. 1330).
O arguido está acusado pela alínea b) do n.º 1 do artigo 291º do Código Penal.
E verifica-se que com o seu comportamento, o arguido violou de forma grosseira e flagrante várias regras elementares de circulação e segurança rodoviária.
Não é qualquer violação grosseira que preenche o tipo criminal em análise.
É necessário estar em causa uma violação das regras descriminadas na alínea b) do artigo 291º, nº 1, que crie o mencionado perigo.
Ora, no caso, está provado que o arguido colocou em perigo a integridade física dos ocupantes das viaturas policiais e da assistente.
As manobras que empreendeu apenas não se deram por acaso e por intervenção dos demais condutores.
O arguido violou, de forma temerária, regras relativas a outras manobras, mas especificamente, violou regras relativas à marcha atrás em estradas fora de povoações e à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita.
Na verdade, torna-se óbvio que o arguido violou a regra geral de circulação, prevista no artigo 3º, nº 2 do Código da Estrada que determina que “As pessoas devem abster-se de actos que impeçam ou embaracem o trânsito ou comprometam a segurança ou a comodidade dos utentes das vias”.
Bem como a regra aplicável à circulação de veículos e de animais, prevista no artigo 11º, nº 2 do Código da Estrada, que estabelece que “Os condutores devem, durante a condução, abster-se da prática de quaisquer actos que sejam susceptíveis de prejudicar o exercício da condução com segurança”.
E violou, ainda, o disposto no artigo 11º, nº 2 do Código Penal que impõe a seguinte regra, sob a epígrafe “posição de marcha”: “O trânsito de veículos deve fazer-se pelo lado direito da faixa de rodagem e o mais próximo possível das bermas ou passeios, conservando destes uma distância que permita evitar acidentes”.
Contrariando, ainda, o imposto pelo artigo 18º, nº 2 do Código da Estrada: “O condutor de um veículo em marcha deve manter distância lateral suficiente para evitar acidentes entre o seu veículo e os veículos que transitam na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido ou em sentido oposto”.
A condução do arguido violou, também, a regra prevista no artigo 35º, nº 1 do mesmo Código, com o seguinte teor “O condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito”.
A manobra assente em 9. e 10. viola a regra prevista no artigo 46º, nº 1 do Código da Estrada, segundo o qual “ A marcha atrás só é permitida como manobra auxiliar ou de recurso e deve efectuar-se lentamente e no menor trajecto possível”.
Assim, pelo que fica dito, o arguido está comprometido com os elementos essenciais objectivos do tipo criminal.
Quanto ao tipo subjectivo de ilícito, de acordo com o n.º 1 do art.º 291.º do Código Penal, exige-se o dolo relativamente a todos os elementos do tipo legal objectivo, incluindo o dolo de perigo. Por outro lado, o agente tem que “conhecer as circunstâncias das quais emana esse perigo e terá que o aceitar nos seus contornos concretos.” (Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo II, Coimbra Editora, 1999, pág. 1088).
Está provado que o arguido agiu sempre consciente, livre e voluntariamente, sabendo que a sua conduta era proibida e punível por lei. Além disso, ficou perfeitamente ciente de que com a sua maneira de conduzir, em diversos momentos, criou situações de desastre iminente, pelo que dúvidas não restam, pois, que o arguido actuou com dolo, abrangendo o seu dolo a criação do perigo concreto.
Pelo exposto, o arguido não pode deixar de ser condenado pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário p. e p. pelo art.º 291.º, nº  1 b) do Código Penal, punido, acessoriamente, pelo artigo 69º, nº 1 a) do mesmo diploma.

Do crime de ameaça.
O arguido está, ainda, acusado da prática, em autoria material, de um crime de ameaças, previsto e punível pelos artigos 153º, nº 1 e 2 do Código Penal.
Quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida ou a integridade física, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com prisão até um ano ou multa até 120 dias e, se a ameaça for com a prática de crime for punível com pena de prisão superior a 3 anos, o agente é punido com prisão até 2 anos ou multa até 240 dias (cfr. art. 153º, nº1 e 2 do Código Penal).
Segundo a actual redacção ao artigo 153º, nº 1 do Código Penal, conferida pela Lei nº 59/1007, de 4 de Setembro: “Quem ameaçar outra pessoa com a prática de um crime contra a vida ou a integridade física, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com prisão até um ano ou multa até 120 dias.
E o artigo 155º prevê a seguinte agravação: “Quando os factos previstos no artigo 153º e artigo 154º forem realizados; a) por meio de ameaça com a prática de crime punível com pena de prisão superior a 3 anos; (...) o agente é punido com pena de prisão até dois anos ou multa até 240 dia, no caso do artigo 153º (...)”.
Assim, mantém-se o tipo criminal intacto, quanto aos seus elementos essenciais.
Pela análise do normativo vigente à data dos factos, pode verificar-se que o legislador procedeu a uma elencagem expressa dos bens jurídicos ameaçados, não podendo agora ser um qualquer bem protegido penalmente, e alargou o âmbito da incriminação através da sua consagração como crime de perigo, quando antes era de dano (cfr. este sentido C. Andrade RPCC, “Sobre a reforma do direito penal português” ANO 3, P.451).
Está provado que o arguido, dirigindo-se à assistente, em tom sério, disse que a matava, causando-lhe medo.
O art. 131º do Código Penal tipifica criminalmente o comportamento de quem mata outrem, punindo-o com uma pena superior a 3 anos. O comportamento do arguido preenche assim, desde logo, o pressuposto da ameaça com um crime contra a vida, recaindo a conduta na previsão do art. 153º, nº2.
O tipo de crime em causa também exige a adequação da conduta para causar medo, inquietação ou limitação da liberdade de determinação. Assim a lei, concede uma maior tutela da pessoa (neste sentido C. Andrade obra e local citado), retirando dos seus elementos objectivos a necessidade da produção de um resultado. Exige-se apenas que a conduta seja adequada a produzi-lo. Esta adequação é um afloramento da teoria da causalidade adequada consagrado na nossa lei pelo art.10º, nº1 do Código Penal.
Provou-se que a conduta do arguido não só era adequada a causar medo como efectivamente provocou esta reacção emocional na assistente, sobretudo, porque acompanhada de reiteração e de outros gestos intimidatórios.
O arguido agiu, como se demonstrou, de forma livre e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, bem sabendo que a ameaça era idónea a causar medo na assistente e a limitá-la na sua liberdade pessoal. Preenchem-se aqui os elementos subjectivos do tipo (art. 14º Código Penal) – culpa manifestada dolosamente pela consciência da ilicitude e representação da idoneidade da ameaça para causar medo em outra pessoa, estados interiores que em nada evitaram a prática do facto.
      
Desta forma, o arguido praticou, também, o crime de ameaça pelo qual vem acusado. (…)

Escolha da pena e sua medida concreta.
Feita a subsunção legal, cabe agora determinar a medida e a espécie de pena aplicável ao caso concreto.
Começando pelo crime de condução perigosa de veículo, verifica-se que este tipo de crime é punível com pena de multa ou com pena de prisão até 3 anos.
Haverá, pois, e antes de mais, que proceder à escolha da pena a aplicar ao arguido.
De acordo com o art. 70º do CP (com referência ao art. 40º), a alternativa entre a pena privativa e a pena não privativa da liberdade resolve-se em favor da segunda, sempre que ela se mostre suficiente para promover a recuperação social do agente e satisfaça as exigências de reprovação e de prevenção do crime.
O arguido não tem antecedentes criminais neste domínio, tendo sido apenas condenado por factos de 1996, por um crime de ofensa à integridade física simples.
Apesar da gravidade da conduta e do elevado alarme social, a conduta do arguido tem uma génese passional, sendo que as querelas que o opunham à assistente, terão, em princípio sido dissipadas com o decurso do tempo e com o decretamento do divórcio.
Assim, não se afigurando a pena de prisão como necessária a promover as finalidades de prevenção do caso, opto por uma pena não privativa de liberdade, ou seja, pela pena de multa.
Escolhida a espécie da pena, importa graduar a sua medida.
Tendo a aplicação de qualquer pena sempre como limite e medida a culpa do arguido, analisemos em concreto esta culpa.
Do ilícito não resultaram gravosas consequências, mas isso resulta da própria natureza do ilícito – apenas pune a criação de perigo concreto.
A condução do arguido assumiu-se como inusitada e fortemente violadora das mais elementares regras de prudência e de respeito pelos outros transeuntes, não se contendo, sequer, perante os agentes de fiscalização do trânsito, manifestando elevado desrespeito pela sua autoridade.
Autoridade que, é verdade, deveria ter sido energicamente exercida, o que teria evitado a conduta do arguido.
O arguido violou várias regras de cuidado e de trânsito.
O ilícito é, assim, elevado.
O dolo, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção e todas as demais circunstâncias, assume intensidade muito elevada.
Não se pode deixar de sopesar, também, o distanciamento temporal da acção em relação ao seu julgamento (cerca de 3 anos).
Ponderando os elementos de ilicitude e culpabilidade e o disposto nos artigos 71º do Código Penal e tendo em conta o exposto e os limites mínimo e o máximo da pena abstractamente aplicável (10 dias e 360 dias) julga-se adequado cominar ao arguido a pena de 220 dias de multa.
No que concerne à fixação do montante diário da multa, a mesma faz-se de acordo com as regras previstas no artigo 47º do Código Penal, na redacção vigente à data da prática dos factos, concretamente mais favorável ao arguido. Deste modo, deve ser fixada entre € 1,00 a € 500,00.
O arguido não tem rendimentos, mas tem algum suporte familiar.
De todo o modo, a pena deve ser aplicada de forma a apenas onerar o arguido, sem o que perderia as suas características.
Assim, julgo adequado fixar a taxa diária em € 6,00 (seis euros).

Nos termos do art.º 69.º, n.º 1 do Código Penal, “é condenado na proibição de conduzir veículos motorizados por um período fixado entre 3 meses e 3 anos quem for punido: a) por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário; ou b) por crime cometido com utilização de veículo e cuja execução tiver sido por este facilitada de forma relevante.”
Face à matéria dada como provada, não restam dúvidas que os comportamentos assumidos pelo arguido consubstanciam grave violação das regras do trânsito rodoviário, tendo em conta as manobras perigosas que fez. Assim, entende-se ser aplicável ao arguido a sanção acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, como pena acessória.
Atento o seu limite máximo e mínimo (3 meses e 3 anos) e tudo o que se disse quanto à graduação da pena principal, entendo ser de aplicar ao arguido, pela prática deste crime de condução perigosa de veículo, a pena acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo de circulação terrestre, pelo período de 12 meses.

Quanto ao crime de ameaças, opta-se pela mesma ordem de razões, pela pena de multa.
Quanto à escolha da medida da pena, importa ter também aqui presente que a aplicação da pena tem como limite e medida a culpa do arguido.
Ora, em concreto, e evitando a dupla valoração dos factos já considerados, verifica-se que o dolo é, também ele, relativamente elevado.
O ilícito é relativamente elevado, pois que, também aqui, o arguido não foi desincentivado pela polícia, perpetrando uma ameaça que veio a ser acompanhada de gestos que demonstram uma grande falta de razoabilidade e sentimento de impunidade, que poderia pressupor a possibilidade do arguido concretizar a vontade que manifestava.
O arguido ainda não foi condenado por este tipo de crime, mas já foi condenado por outro crime contra as pessoas.
Assim, tudo sopesado, atento o limite mínimo de 10 dias e máximo de 240 dias, entendo ser adequada a aplicação de uma pena de 140 dias de multa, à mesma taxa diária.

Do cúmulo jurídico das penas.
O arguido é, agora, condenado em duas penas de multa, por crimes praticados na mesma ocasião.
Importa assim, de acordo com o disposto no artigo 77º no Código Penal, aplicar uma pena única.
Para apuramento desta pena, ter-se-ão em conta os factos e a personalidade do agente e a medida da pena situa-se entre a soma das penas concretas, aplicadas aos dois crimes em concurso e a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos dois crimes- cf. art. 77.º, n.º 1 e n.º 2, ex vi do art. 78.º, n.º 1 do referido Código.
Assim, a pena a aplicar deve fixar-se, entre 220 e 360 dias.
As exigências de prevenção geral e especial, atento o sentimento de impunidade que perpassa toda a atitude do arguido.
Por tudo o que fica dito quanto à personalidade do arguido e às circunstâncias concretas dos dois crimes, à sua condição de delinquente ocasional, entendo adequado fixar a pena única 270 dias de multa, à taxa diária fixada de € 6,00.
Pelo que o arguido será condenado na pena única de € 1620 (mil, seiscentos e vinte euros).” (fim de transcrição).


3. Vejamos se assiste razão ao recorrente.

3.1. Quanto ao crime de ameaças (art° 153º do Código Penal)
Discorda o recorrente da circunstância de terem sido dados por provados os factos assentes na sentença revidenda sob os nºs 4 e 16, que impugna, por um lado, porque, em seu entender, ninguém corrobora a imputação da assistente, segundo a qual A…, à época ainda seu marido, mas de quem se havia separado, ter-lhe-ia dito que a matava, e, por outro lado, mesmo a admitir-se que tal expressão tivesse sido proferida, esta não consubstanciaria, no caso concreto, qualquer ameaça, já que as referidas palavras não eram idóneas a produzir na B… medo ou inquietação, pois não foram proferidas de forma séria tendo sido entendidas como “desabafos, gritos de revolta e desespero”.

Contudo, afigura-se-nos não ter razão nem num aspecto nem no outro o ora recorrente.
Com efeito, apesar do arguido, quando interrogado em julgamento, ter negado por completo os factos susceptíveis de integrar o mencionado ilícito criminal, o certo é que a assistente B… afirmou em julgamento que o arguido lhe disse, nas circunstâncias de tempo, lugar e modo descritos nos autos, “Que se não fosse dele me matava … se não fores minha não és de mais ninguém” (vd. gravação das suas declarações de 5m23s a 5m38s), e tal depoimento foi confirmado pelo da testemunha D…, que em audiência referiu: “Recordo-me de ele ter ameaçado a Senhora B… que se o deixasse … que se acabasse o namoro que ele a matava …” (vd. gravação da sua inquirição de 3m24s a 3m48s) e não foi excluído, antes pelo contrário, pelo depoimento da testemunha C… que explicou em juízo: “Ele disse-lhe várias coisas … mas não tenho a certeza se existiram ameaças de morte ou não … tenho quase a certeza que poderão ter existido ameaças mas não posso precisar” (vd. gravação das suas declarações de 3m25s a 4m05s):
Em face da prova produzida nenhuma dúvida subsistiu no espírito do julgador de que o arguido proferiu tais palavras, que dirigiu à assistente.
Defendeu o recorrente que “em obediência ao princípio in dubio pro reo, o recorrente terá necessariamente de ser absolvido, quanto ao crime de ameaças” (vd. sua conclusão 4ª).
Contudo, é por demais evidente que todos os factos à boa decisão foram devidamente apreciados pelo tribunal a quo, sendo os demonstrados, objectiva e subjectivamente típicos, bem como suficientes para a conclusão de direito.
Os factos descritos, apresentam-se internamente coerentes e articulados entre si de acordo com as regras da lógica, sendo plausíveis de acordo com as regras da experiência comum e não consubstanciam quaisquer dos vícios a que se reporta o art. 410°, n° 2, do CPP.
Face ao exposto, não se impõe lançar mão do princípio jurídico-processual penal do in dubio pro reo, decorrente da presunção de inocência (até ao trânsito em julgado da sentença condenatória) constitucionalmente consagrada no artigo 32° nº 2 da C.R.P., pois no caso concreto não subsistiu no espírito do tribunal a quo, e o mesmo se pode afirmar para este tribunal ad quem, uma dúvida relevante e invencível sobre a prática dos factos por parte da recorrente. O “in dubio pro reo”, com efeito, «parte da dúvida, supõe a dúvida e destina-se a permitir uma decisão judicial que veja ameaçada a concretização por carência de uma firme certeza do julgador» (cfr. Cristina Líbano Monteiro, «In Dubio Pro Reo», Coimbra, 1997). Impõe este princípio que qualquer non liquet na questão da prova seja valorado a favor do arguido, apresentando-se aquele, na fase de decisão, como corolário daquela presunção – Acórdão do Tribunal Constitucional nº 533/98, DR, II Série, de 25-02-1999.

Mas prossigamos.
Não nos merece reparo o facto do tribunal a quo ter dado por provado, em síntese, que:
- o arguido disse à assistente, com foros de seriedade, que a matava, porque ela era dele e se não fosse dele não seria de mais ninguém;
- receosa pelo que pudesse acontecer, B… solicitou a auxílio às forças policiais;
- o arguido actuou com o propósito de provocar receio no espírito da assistente, o que conseguiu;
- o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de conhecer a licitude da sua conduta.
(cfr. factos provados sob os nºs 4, 5, 7 e 20, respectivamente)

O único reparo que porventura nos merece o teor do ponto 4 dos factos declarados provados na douta sentença do Tribunal a quo é que a frase proferida pelo arguido, ora recorrente, foi mais no sentido de que se ela não regressasse – se não retomassem o relacionamento – ele a matava, e não tanto que, se ela não lhe falasse, que a matava. Mas esta é questão em que se entende nada se impor alterar, por ter cabido na livre apreciação da prova por parte do tribunal de primeira instância.

Por seu turno, no tocante à subsunção destes factos ao direito dir-se-á o seguinte:
A ameaça é a limitação da disposição de si mesmo ou ao seu status libertatis, nos limites definidos na lei (Nelson Hungria, II Vol., pág. 145).
Em conformidade com o disposto no art.º 153º do Cód. Penal são características essenciais do conceito de ameaça “ mal, futuro cuja ocorrência dependa da vontade do agente (Comentário Conimbricense do Código Penal, parte especial, tomo I, dirigido por Figueiredo Dias, pag. 343).
O crime a que nos reportamos constitui um crime de perigo concreto, cujo bem jurídico protegido reside na liberdade de decisão e de acção.
A acção de ameaçar tanto pode ser oral, escrita, como gestual.
O mal ameaçado tem que constituir crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade de autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor e a ameaça há-de ser adequada a provocar no sujeito passivo medo ou inquietação, ou a prejudicar a sua liberdade de determinação (Comentário Conimbricense, op. cit. pág. 348).
 Constitui, pois, elemento essencial do tipo que o crime objecto da ameaça tem de ser contra a vida integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor.

Como se expendeu no acórdão da Relação de Lisboa de 12-03-2009: "O crime de ameaça, não é um crime de resultado mas um crime de perigo concreto. Por isso, a ameaça há-de encerrar o anúncio de um mal futuro [e não iminente], de natureza pessoal ou patrimonial, que depende da vontade do agente, e pode revestir uma qualquer forma Incluindo a gestual. O futuro mal anunciado pelo sujeito activo há revelar-se apto para, numa avaliação objectiva, se configurar como condicionador da liberdade de determinação da pessoa alvo da ameaça e subjectivamente idóneo a inculcar no visado um estado de medo e inquietação constrangedora da sua normal e fluente forma de agir. O critério da adequação da ameaça a provocar medo ou inquietação é objectivo-individual, devendo ser interpretado no sentido de que deve considerar-se adequada a ameaça que tendo em conta as circunstâncias em que é proferida e a personalidade do agente, é susceptível de intimidar ou intranquilizar qualquer pessoa.” (proc. 628/02.4PCCSC.L1 da 3ª Secção, Rel. Rui Gonçalves, in www.pgdlisboa.pt).
Segundo Leal Henriques e Simas Santos, no seu Código Penal anotado (art° 153°) "a ameaça é punida, por um lado, pelo perigo que a acompanha e o alarme que poderia inspirar sendo conhecida: e por outro, porque é um acto de natureza a causar, por si só, perturbação social isto é não lesando directamente a liberdade, contudo perturba a tranquilidade de ânimo, causando um estado de agitação e incerteza no ofendido ameaçado que não se crê seguro na vida ou nos bens." E dizem mais: "... ameaçar é prenunciar ou prometer um mal futuro que constitua crime, é anunciar a intenção de causar um facto maléfico... é o facto de o sujeito, por palavras, escrito ou gesto, ou qualquer meio simbólico, anunciar à vítima a prática de um mal injusto e grave, consistente num dano físico, económico ou moral."
Por seu turno, como sustenta o Prof. Figueiredo Dias (in Acta n° 45 da Comissão Revisora do Código Penal): “O que se exige para o preenchimento do tipo é que a acção reúna certas circunstâncias, não sendo necessário que, em concreto, se cheque a provocar o medo ou a inquietação…”
Ou seja, pode dizer-se que sempre que alguém dirija a outrem uma expressão verbal - ou de outra natureza - de anúncio de um mal, não acompanhando essa acção com os actos de execução correspondentes - permanecendo inactivo cm relação à execução do mal anunciado -, todo o tempo que durar essa inacção e se mantiver a possibilidade de o mal anunciado se concretizar é o futuro, em termos de interpretação da expressão em causa, " O crime de ameaça é um crime de mera acção e de perigo, em que se exige apenas que o ameaça seja susceptível de, afectar a paz individual ou a liberdade de determinação, não sendo necessário que, em concreto, se tenha provocado medo ou inquietação” (Ac. da Rel. do Porto, de 28-05-2003 - rec. n° 40713/03, Rel. Isabel Pais Martins, in wwvv.dgsi.pt).
Para o preenchimento do tipo objectivo descrito na norma incriminadora, exige-se que a ameaça contra alguém contenha em si uma aptidão mobilizadora adequada a provocar medo ou inquietação:
a) que corresponda a um mal, seja de natureza pessoal, seja de natureza patrimonial;
b) que o mal objecto da ameaça seja futuro, não podendo ser um mal actual ou iminente, porque neste caso estar-se-á perante uma tentativa de execução do respectivo mal;
c) que a sua ocorrência dependa da vontade do agente.

O tipo de ilícito configurador da proibição de limitar ou condicionar a liberdade e a capacidade de decisão de um indivíduo, confere ao crime de ameaças a morfologia de um ilícito em que o legislador visa tutelar a liberdade da pessoa enquanto sujeito socialmente vinculado mas, do mesmo passo, individualmente detentor de um direito de não ser condicionado por factores exteriores à formação livre da sua capacidade de agir e de se movimentar sem restrições de qualquer espécie que não sejam a vinculação a um dever social e juridicamente prevalente.
A expressão "hei-de matar-te" dirigida pela arguida à queixosa, ainda que tenha sido proferida no âmbito de uma discussão conflituosa, é adequada a provocar na visada medo ou inquietação.” (Ac. da Rel. do Porto, de 15-10-2007, rec. n° 07/14723, Rel. Francisco Marcolino, in www.dgsi.pt).
Como se decidiu em acórdão desta Relação e Secção, lavrado em 17-6-2004 pelo Desmbargador Almeida Cabral, aquele que "... diz para a vítima em tom sério "mato-te", comete o crime de ameaças previsto no art° 153° Cód Penal.” (vd. rec. n° 3 525/04-9).
Quando o agente dirige ao ofendido, em tom sério, as expressões "Mato-te. Qualquer dia estás lá em baixo", está a anunciar um mal futuro.” (Ac. da Rel. de Coimbra, de 8-11-2006, rec. n° 386/04, Rel. Esteves Marques, in Col. Jur., XXXI, V. 43).

Sendo arguido e assistente cônjuges à data dos factos, mas já em ruptura, pois encontravam-se separados, vindo aliás o seu (deles) casamento a ser, entretanto, dissolvido (cfr. factos provados sob os nºs 1 e 21), e pretendendo o arguido que a sua mulher voltasse para si, o que pelos vistos não estava na mente da B… enquanto projecto de vida desejado, a ameaça de que a matava, não podia nas concretas circunstâncias daquela noite e do que certamente viveram em comum até ali chegarem, deixar de a perturbar, ao que acrescia o facto do arguido ter antecedentes criminais pela prática de ofensa à integridade física (cfr. facto provado sob o nº 26).

A violência constitui uma violação dos direitos fundamentais do ser humano.
O uso da violência, ou a ameaça de tal, retira, a quem dela é alvo, segurança, liberdade, igualdade e dignidade.
Tanto as Nações Unidas como o Conselho da Europa têm mostrado particular atenção e preocupação no que respeita a violência contra as mulheres
Até aos anos 90, a violência doméstica era considerada um assunto da esfera privada, tanto pela sociedade como pelos governos.
A tomada de consciência, da necessidade de proteger as mulheres da violência que ocorre no seio da família (ou no contexto doméstico) e de tomar medidas para punir os agressores é recente, nomeadamente por parte das autoridades.
Essa violência tanto pode ser física, como psicológica (ameaçar bater,
ameaçar matar ou matar-se, partir objectos, destruir bens pessoais, dar murros nas paredes, bater com as portas ou perseguir [telefonemas incessantes, e-mails ou mensagens ameaçadores, fazer esperas]).

O agressor é frequentemente o marido, o companheiro ou o namorado, mas também pode ser o ex-marido, o ex-companheiro ou o ex-namorado.
O seu objectivo é manter o poder e controlar a sua companheira, baixando a sua auto-estima. Para tanto usa a força para gerar medo, maltrata, física, verbal e/ou emocionalmente, culpabiliza a companheira pelo seu comportamento violento, não se responsabilizando pelos seus actos, e “depois demonstra arrependimento. Promete que não volta a magoá-la, compra presentes, flores, bombons e outras prendas com a intenção de ser perdoado e ganhar de novo a confiança da sua companheira. Isto para evitar que a mulher o deixe.”

 Por isso, é primordial reprimir a violência, física ou psicológica, exercida directamente sobre as mulheres, no contexto das relações de intimidade, sejam elas conjugais ou equiparadas, presentes ou passadas, o que, por certo, contribuirá, o que não é menos importante, para promover valores de igualdade e de cidadania que diminuam a tolerância social e a aceitação de uma cultura de violência contra as mulheres, eliminando estereótipos e mitos, alterando as representações de género e os valores que têm perpetuado a existência de relações desiguais no meio familiar e social.
Nesta medida, caberá aos detentores do controlo penal actuarem de modo a contribuírem para uma redução e alteração dos comportamentos abusivos dos agressores[1].

Segundo dados estatísticos do Observatório de Mulheres Assassinadas da UMAR (União de Mulheres Alternativa e Resposta)[2], acerca das mulheres assassinadas e vítimas de tentativas de homicídio, ao longo do ano de 2008, em Portugal, morreram 46 mulheres, vítimas de violência de género. 61% destes homicídios ocorreram em relações de intimidade, tendo sido essas mulheres assassinadas às mãos de maridos, companheiros e namorados. Em 28% dos casos essa relação estava quebrada, tendo sido estas mulheres mortas por ex-maridos, ex-companheiros e ex-namorados. O fim da relação não impediu que os agressores tivessem continuado a perseguir a vítima até à morte. Para alguns homens, «se não és minha, não és de ninguém» é levado literalmente.”

Por seu turno, também segundo dados daquele Observatório, no ano passado (2009), “foram 29 as vítimas mortais e 28 as que sofreram uma tentativa de homicídio às mãos dos seus maridos, companheiros, namorados, ex-maridos, ex-companheiros e ex-namorados.
A maioria dos agressores deste tipo de violência de género fatal continua a ser o grupo dos homens com quem a vítima ainda mantém uma relação. No caso dos homicídios são 62% e no caso das tentativas 58%.
Mas se estes homens com quem ainda mantinham uma relação constituem a maior percentagem, não deixa de ser extremamente preocupante que 38%, no caso dos homicídios e 21% no caso das tentativas sejam levadas a cabo por homens de quem as vítimas já se separaram, em alguns casos já com outro companheiro.”

Estes dados, que são do conhecimento público e impressionam pela sua crueldade e expressão numérica, mostram que a B…, tinha todos os motivos para ter medo, temendo pela sua vida, face às ameaças verbais do marido/ex-companheiro (de que quem se havia já separado e haveria mais tarde de divorciar) de que a mataria e de que se ela não fosse dele não seria de mais ninguém.

Daqui se pode concluir que, em face de toda a matéria de facto dada como provada neste particular, não sobram quaisquer dúvidas de que o arguido cometeu o crime em questão. Assim, bem andou o tribunal a quo (sufragamos integralmente o ali expendido em sede da fundamentação de facto e de direito neste capítulo) ao considerar o crime como verificado, condenando o arguido nessa conformidade.
Tudo visto e ponderado, outra solução não nos resta que julgar improcedente o recurso nesta parte, retirando daí as necessárias consequências, ou seja, que in casu não se impõe a absolvição do recorrente no tocante ao crime de ameaças, mas ao invés a sua condenação.


3.2. Quanto ao crime de condução perigosa (artº 291º do Código Penal)

O recorrente veio alegar que se verifica uma deficiente fundamentação da matéria de facto, faltando (…) o exame crítico da prova que permita focar e conhecer o processo lógico-mental que levou a dar como provados os factos que constam na acusação (…). Verificar-se-ia, assim, em seu entender um erro notório na apreciação da prova e a nulidade da própria sentença. A correcta apreciação da prova levaria, segundo defende o arguido, à conclusão que não ficaram provados os factos integradores do crime de condução perigosa de veículo rodoviário.

Como expendeu o MºPº na sua resposta ao recurso em primeira instância, a propósito da apreciação teórica e concreta da fundamentação da matéria de facto, com que desde já se adianta concordar, “a motivação das decisões judiciais impõe-se por razões intra e extraprocessuais.
Por um lado, a fundamentação deve ser tal que, intraprocessualmente, o tribunal demonstre que soube extrair da norma geral e abstracta a disciplina ajustada àquele caso concreto e permita aos sujeitos processuais, e ao tribunal superior, aferirem o encadeamento lógico que subjaz à decisão.
Por outro lado, extraprocessualmente, a fundamentação deve assegurar, pelo conteúdo, um respeito efectivo pelo princípio da legalidade e pela independência e imparcialidade dos juízes, uma vez que os destinatários da decisão não são apenas os sujeitos processuais mas também a própria sociedade.
Já quanto ao seu concreto modo estrutural de ser, parece-nos que os motivos de facto que fundamentam uma decisão judicial não são nem os factos provados -“thema decidendum”-, nem os meios de prova -“thema probandum”-, mas sim os elementos que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituam o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido, ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência.
Basta a mera leitura da alínea b), sob o título “Motivação da matéria de facto”, inserta na douta sentença, para concluir-se, sem necessidade de qualquer explicação suplementar, que de nenhum vício padece, neste ponto (como noutros), tal peça processual. Aliás, com respeito o salientamos, o recorrente acabou por não lograr, nas suas alegações de recurso, identificar qual o vício concreto, tendo-se limitado a proferir uma série de afirmações genéricas e conclusivas.
Sem que se tenha alongado neste ponto, o recorrente concluiu que a correcta apreciação da prova levaria à consideração de que os factos integradores do crime de condução perigosa de veículo rodoviário não poderiam ter sido declarados provados. Não concordamos.
A este respeito, as declarações da assistente e das duas testemunhas, militares da Guarda Nacional Republicana, não deixam qualquer espaço para dúvidas. O arguido praticou, tal como mais concreta e profusamente indicado na douta sentença em apreciação, uma série de condutas rodoviárias que colocaram efectivamente em perigo a vida e/ou a integridade física de pessoas e de bens patrimoniais de valor elevado.”

Por seu turno, o Exmº PGA neste tribunal superior viria no seu douto parecer a escalpelizar lapidarmente a questão, ao afirmar, o que inteiramente subscrevemos, que:
“Ensina Paula Ribeiro de Faria, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, Tomo ÍI, Artigos 202° a 307°, dirigido por Jorge de Figueiredo Dias. 1999. pag. 1087: «Das várias formas de comportamento descritas deve resultar um perigo concreto para a vida, integridade física, ou para bens patrimoniais alheios, de valor elevado. Não basta, por conseguinte, o preenchimento do tipo legal, a insegurança na condução, ou a violação grosseira das regras de circulação rodoviária, tornando-se necessário que, da análise das circunstâncias do caso concreto, se deduza a ocorrência desse mesmo perigo concreto.»
Para nós, tem-se como preenchido o crime de condução perigosa de veículo rodoviário por se tratar de um crime de perigo concreto - a conduta de quem viola grosseiramente as regras de condução enunciadas no tipo do ilícito, gerando uma situação não habitual e irregular que, segundo as circunstâncias concretas do caso, ponha em causa a segurança da circulação rodoviária e seja susceptível de provocar a lesão da vida, da integridade tísica ou de bens patrimoniais de valor elevado.
I- A condução de veículo, com ou sem motor, em via rodoviária ou equiparada de forma a ser susceptível de lesar a segurança desse tipo de condução, ou coloquem em perigo a vida, a integridade física ou bens patrimoniais de valor elevado, integra o crime de condução perigosa de veículo rodoviário, agravado - (art.291°. nºs 1 e 2, 294º e 298°do CP).
II- Tal crime, nas suas várias formas previstas legalmente, é crime de perigo, onde, para se verificar, hasta o risco efectivo ou presuntivo de lesão do bem jurídico protegido, para além do que directamente resulta das normas legais que o prevêem. - Ac. Rel. Évora, de 2005-12-20 (Rec. n° 2168/05, rel:- Moreira Mira, in Col. Jur. XXX, V, 279).
" A violação grosseira das regras de circulação rodoviária é aquela que se traduz numa actuação temerária, de ousadia perante o perigo quase certo de ocorrência de sinistro, atentas as circunstâncias do caso concreto. - Ac. Rel. Porto, de 2008-10-29 (Rec. n° 0814409, rel. Paulo Valério, in www.dgsi.pt).
No caso, ficando provado que:
- o arguido era casado com a ofendida/assistente B…;
- o arguido atravessou o automóvel que conduzia á frente da viatura por ela conduzida:
- (saiu do carro e discutiu com a assistente - factos relativos ao crime de ameaças que adiante se tratarão):
- foi solicitada a intervenção da autoridade;
- chegados ao local, os soldados da GNR constataram que o arguido discutia com B… e, perante o estado de exaltação do arguido, decidiram acompanhar a assistente até à zona da sua residência;
- assim, B… seguia na sua viatura, seguindo à sua frente uma viatura da GNR e outra atrás de si;
- quando a assistente seguia aos comandos da sua viatura, precedida e antecedida de viatura da GNR; o arguido ultrapassou todas as viaturas, com excepção da que seguia em primeiro lugar e, mantendo a traseira separada por alguns metros, imobiliza, assim, o seu veiculo alguns metros à frente da dianteira da viatura que era conduzida pela assistente
- de seguida, o arguido engrenou a velocidade de marcha-atrás, fazendo recuar a sua viatura em direcção á frente do veículo conduzido pela assistente que, para evitar a colisão iminente, se viu forçada a deter a marcha, manobra que contribuiu para que a colisão não se desse:
- naquele trajecto, o arguido ultrapassou, pelo menos, por mais de uma vez, três viaturas:
- depois, o arguido apareceu, vindo do lado contrário ao sentido de marcha em que seguia B… e as viaturas da GNR;
- o arguido entrou na faixa de rodagem reservada ao trânsito, no sentido em que seguia a assistente;
- o arguido conduzia a sua viatura aos ziguezagues, em direcção ao automóvel em que seguia a assistente, obrigando quem conduzia este veículo a desviar o veículo para, assim, evitar o embate;
- o arguido actuou com o propósito de provocar receio no espírito da assistente, o que conseguiu (relativo à ameaça);
- e colocou em perigo a integridade física dos ocupantes das outras 3 viaturas;
- o arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, apesar de conhecer a ilicitude da sua conduta.

Ora, com tal matéria de facto dada como provada, ao contrário do que defende o recorrente, parece muito evidente e inquestionável que se mostram preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivo do crime de ameaças (art° 153° CP), pelo que, sem mais considerações, julga-se que bem andou o tribunal ao condenar o arguido pela sua prática.
O recorrente pretende vislumbrar um "erro notório" de apreciação de prova apenas realçando a sua própria visão/versão da valoração da prova, sem que tenha realizado uma indicação concreta de factos erradamente valorados, a partir do cotejo do Acórdão sob impugnação.
O Tribunal a quo apreciou e valorou toas as provas disponíveis e produzidas em conformidade com a lei. O princípio da "livre apreciação da prova" tem consagração legal (art° 127° do CPP) e está estribado em parâmetros de conteúdo e forma que não foram ultrapassados pelo Tribunal recorrido.
Ao discorrer sobre o princípio da livre apreciação da prova, Germano Marques da Silva sublinha que a convicção do julgador, sendo sempre uma convicção pessoal, deve ser objectivável e motivável, "não uma objectividade científica (sistemático-conceitual e abstracto-generalizante), é antes uma racionalização de índole prático-histórica, a implicar menos o racional puro do que o razoável, proposta não à dedução apodíctica, mas à fundamentação convincente para uma análoga experiência humana, e que se manifesta não em termos de intelecção, mas de convicção (integrada sem dúvida por um momento pessoal)" (in Curso de Processo Penal, II, pág.132 e 133).
Ainda Marques Ferreira (Jornadas de Direito Processual Penal - Coimbra 1988, pág. 227 e segs.) acrescenta que "... a mais importante inovação introduzida pelo código (o de processo penal) nesta matéria consiste, precisamente, na consagração de um sistema que obriga a uma correcta fundamentação fáctica das decisões que conheçam a final do objecto do processo, de modo a permitir-se o efectivo controlo da sua motivação..."
O julgador é livre, ao apreciar as provas, embora tal apreciação seja "vinculada aos princípios em que se consubstancia o direito probatório e às normas da experiência comum, da lógica, regras de natureza científica que se devem incluir no âmbito do direito probatório" (Cavaleiro Ferreira, Curso de Processo Penal, 1986, 1° vol., fls. 211). Essa apreciação livre da prova não pode ser confundida com a apreciação arbitrária da prova nem com a mera impressão gerada no espírito do julgador pelos diversos meios de prova; tem como pressupostos valorativos a obediência a critérios da experiência comum e da lógica do homem médio. Trata-se da liberdade de decidir segundo o bom senso e a experiência da vida, temperados pela capacidade crítica de distanciamento e ponderação, ou no dizer de Castanheira Neves da ''liberdade para a objectividade" (in Revª MP°, 19°, 40). Também a este propósito, salienta o Prof. Figueiredo Dias (Direito Processual Penal I, 202) "a liberdade de apreciação da prova é uma liberdade de acordo com um dever - o dever de perseguir a verdade material -, de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral susceptível de motivação e controlo".
Como diz o Prof. Figueiredo Dias, " o princípio não pode, de modo algum, parecer querer apontar para uma apreciação imotivável e incontrolável (portanto, arbitrária)... de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos... susceptível de motivação e de controlo,."
- Também a Jurisprudência tem sido pródiga ao analisar o tema, seguindo os ensinamentos da Doutrina. A título meramente indicativo/ exemplificador, podemos referir os seguintes arestos:
Ac. do STJ, de 96/11/09 (BMJ 461, 93) e Ac. T. Constitucional n° 464/97 (DR II, de 98-01-12).
Com muita clareza sustenta o T. Constitucional (P° n° 1165/96, de 96-11-19, in BMJ 461, 93):- " ... o julgador, ao apreciar livremente a prova, ao procurar através dela atingir a verdade material, deve observância a regras de experiência comum, utilizando como método de avaliação a aquisição do conhecimento critérios objectivos, e genericamente susceptíveis de motivação e controlo".
No mesmo sentido pode ver-se o Prof. José Alberto dos Reis in Código de Processo Civil Anotado, Vol. IV-Coimbra 1981, pág. 566 e seguintes.
A convicção do Tribunal formou-se em conformidade com a prova produzida, respeitou a lei e observou os ensinamentos, atrás sumariamente indicados.
Por isso, este Tribunal da Relação, "... embora tenha poderes de intromissão em aspectos fácticos, mesmo quando o recurso é limitado à matéria de direito - e que são os referidos no art° 410°, n.s 2 e 3 do CPP – não pode sindicar a valorização das provas feitas pelo Tribunal «a quo» em termos de o criticar por ter dado prevalência a uma em detrimento de outra, desde que cumpra, como sucedeu no caso, o disposto no citado arf 374°, n.2 do CPP." (Neste sentido pode ver-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 15-05-2001 - rec. n° 1023/01- da 9a secção).
Outro princípio geral da prova é o princípio "in dúbio pró reo", segundo o qual, perante a existência de factos incertos e perante uma dúvida irremovível e razoável, deverá o tribunal, na decisão acerca da apreciação e valoração das provas e determinação dos factos provados, favorecer o arguido.
No caso dos autos o Tribunal não se confrontou com dúvidas que fragilizassem as conclusões e as certezas extraídas das provas produzidas e que sustentam a sentença, mediante um efectivo exame crítico, conforme preceitua o n. 2 do art° 374° do CPP.
Não havendo dúvidas na avaliação do espólio probatório não tem aplicação uma valoração em benefício do arguido. Dúvida e convicção constituem como que a face e reverso da regra geral de apreciação da prova, limitando-se reciprocamente. A convicção extraída da lei (127° CPP) só é limitada pela dúvida razoável. Só esta consente o apelo àquele princípio (in  dubio pro reo).” (veja-se ainda a este propósito o que também dissemos em 3.2.).

Em suma:
O vício de erro notório na apreciação da prova
Como resulta da letra da lei, qualquer dos vícios a que alude o nº 2 do artº 410º do C. P. Penal tem de dimanar da própria decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, sem recurso, portanto, a quaisquer elementos externos à decisão, designadamente declarações ou depoimentos exarados no processo durante o inquérito ou a instrução, ou até mesmo o julgamento, sendo que, por regras da experiência comum deverá entender-se as máximas da experiência que todo o homem de formação média conhece.
A insuficiência a que se reporta a citada al. a) é um vício que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar a solução de direito encontrada.
Por sua vez, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, apenas se verificará quando, analisada a matéria de facto, se chegue a conclusões irredutíveis entre si e que não possam ser ultrapassadas, ou seja, quando se dá por provado e como não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente se dão como provados factos contraditórios ou quando a contradição ocorre entre a fundamentação probatória da matéria de facto, sendo ainda de considerar a existência de contradição entre a fundamentação e a decisão.
O erro notório na apreciação da prova, por seu lado, configura-se quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária ou visivelmente violadora do sentido da decisão e/ou das regras de experiência comum.
Alega a recorrente que a decisão recorrida padece de erro notório na apreciação da prova.
Verifica-se, porém, da motivação do recurso e respectivas conclusões, que o recorrente confunde o vício de “erro notório na apreciação da prova” com “valoração da prova”, que constituem realidades completamente distintas.
O erro notório na apreciação da prova nada tem a ver com a eventual desconformidade entre a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo e aquela que o recorrente entende ser a correcta face à prova produzida em audiência de julgamento.
Da leitura da sentença recorrida verifica-se ter sido seguido um processo lógico e racional na apreciação da prova, não surgindo a decisão como uma conclusão ilógica, arbitrária, ou violadora das regras da experiência comum na apreciação das provas.
Não padece, assim, a decisão recorrida de qualquer dos vícios previstos no nº 2 do artº 410º do C.P.Penal, designadamente, aquele que lhe é apontado pelo recorrente. 

A violação do princípio da livre apreciação da prova
De acordo com o disposto no artº 127º do C. P. Penal, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A livre apreciação não significa, porém, livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, realizando-se de acordo com critérios lógicos e motivável.
Na motivação da decisão proferida sobre a matéria de facto, o Tribunal a quo explicita, de forma exaustiva, as razões que o levam a dar como não provado um único facto da acusação e como provados os restantes.
Razões essas, que de forma alguma contradizem as regras da lógica e da experiência, antes assentam na percepção que o julgador teve de toda a prova recolhida em audiência de julgamento, tendo por base, no que respeita à prova testemunhal, os princípios da oralidade e da imediação.
Não foi, pois, violado o princípio consagrado no artº 127º do C. P. Penal.
Improcede, por isso, também o recurso nesta parte.


3.3. Da medida das penas

Considera o arguido excessivo o quantum das penas que lhe foram aplicadas.
Vejamos.

3.3.1. O crime de ameaça agravada é punível com pena de prisão até dois anos ou com pena de multa até 240 dias (confrontar o artigo 153.º, números 1 e 2, do Código Penal, vigente ao tempo dos factos).
Por outro lado, o crime de condução perigosa de veículo rodoviário (confrontar o artigo 291.º, número 1, alínea b), do Código Penal) é punível com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa (que, atento o disposto no número 1 do artigo 47.º, do Código Penal, pode atingir os 360 dias).
O art.º 70.º, do Código Penal, dispõe que é de conferir prevalência à pena de multa, relativamente à pena de prisão, sempre que aquela realizar as finalidades da punição, que são a protecção de bens jurídicos - prevenção geral positiva – e a reintegração do agente na sociedade – prevenção especial positiva (cfr.  o n.º 1, do art.º 40.º, mesmo diploma).
O art.º 71.º, n.º 1, do Código Penal, fornece-nos as coordenadas gerais na determinação da medida concreta da pena e que, indirectamente, auxiliam na tarefa da escolha da pena a aplicar, se de prisão ou se de multa[3].
Assim, à culpa estaria reservada uma função limitadora do quantum máximo da pena concreta (cfr. ainda o n.º 2, do artigo 40º, do C.P.Penal), e à prevenção geral positiva ou de integração[4] uma função de, respeitando aqueles limites, nos fornecer limiares máximos e mínimos, dentro dos quais as considerações de prevenção especial positiva (necessidade de reintegração) iriam permitir fixar o quantum concreto.
Nas várias alíneas do n.º 2, do referido artigo 71º, o legislador fornece uma enumeração exemplificativa de circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.
Tendo o tribunal a quo fixado as penas parcelares em 220 dias de multa, pela prática de um crime de condução perigosa de veículo, previsto e punível pelo artigo 291º, nº 1 b) do Código Penal, e em 140 dias de multa pela prática de um crime de ameaças, previsto e punível pelo artigo 153º, nº 1 e 2 do Código Penal, na redacção anterior à Lei 59/2007, de 4 de Setembro, em ambos os casos à taxa diária de € 6,00 (seis euros), verifica-se que as mesmas não só não ultrapassaram o grau de culpa do arguido, que foi elevado na transgressão e prossecução dos dois ilícitos penais (lembre-se que se expendeu na decisão revidenda “o dolo, atenta a reflexão necessária ao empreendimento da acção e todas as demais circunstâncias, assume intensidade muito elevada”), como se quedaram no primeiro caso num terço do limite máximo da multa abstractamente considerada e no segundo sensivelmente na mediania desta, sendo que nas duas situações aos crimes também era possível aplicar penas de prisão, até 2 anos para o de ameaças e até 3 anos para o de condução perigosa de veículo.
Pelo exposto, consideram-se adequadas, por proporcionadas e justas, as penas parcelares de multa aplicadas ao arguido, que se mantêm, improcedendo também nesta parte o recurso.

Os crimes pelos quais o arguido é condenado nestes autos encontram-se numa relação de concurso - artº 77º, nº 1 do C.P. -, pelo que há lugar a cúmulo jurídico para aplicação de uma pena única.
Para apuramento desta pena única, são considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente, cumprindo, igualmente, ter em atenção as finalidades das penas, tal como consta do artº 40º do Código Penal, e a medida da pena situar-se-á entre a soma das penas concretas, aplicadas aos dois crimes em concurso (limite máximo) e a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos dois crimes (limite mínimo) - art. 77.º, n.ºs 1 e 2, ex vi do art. 78.º, n.º 1 do Código Penal.
Assim, a pena de multa a aplicar dever-se-á fixar entre 220 e 360 dias.
Tomando em consideração o conjunto dos factos praticados e a personalidade do arguido, já aludidos supra e para os quais se remete, numa ponderação global dos referidos factores, considera-se adequada, por proporcionada e justa, a pena única de 270 dias de multa, à taxa diária de 6 €, num total de € 1.620,00 (mil seiscentos e vinte euros).
Assim, improcede igualmente neste segmento o recurso.

3.3.2. O arguido foi também condenado em primeira instância na sanção acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo de circulação terrestre pelo período de 12 meses, nos termos do artigo 69º, nº 1 a) do Código Penal.
Em sede de recurso pugna o arguido de que tal sanção deverá ser reduzida no seu quantum para o mínimo legal.
O mínimo legal em causa são 3 meses e o máximo 3 anos.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação, no seu parecer, considera que o período relativo à sanção acessória de inibição de conduzir pode, no caso concreto, ser reduzido para metade, expendendo que “6 meses, de proibição de conduzir satisfazem e cumprem de forma adequada e suficiente aos fins preconizados com esta punição a título acessório”, atenta “a idade do arguido à data dos factos (29 anos), as reais e concretas necessidades de trabalho, o facto de ser motorista de profissão e de não ter cadastro rodoviário”.
Como se consignou na decisão revidenda: “face à matéria dada como provada, não restam dúvidas que os comportamentos assumidos pelo arguido consubstanciam grave violação das regras do trânsito rodoviário, tendo em conta as manobras perigosas que fez.”
Assim, reponderando a questão, atento o supra exposto pelo MºPº, o limite máximo e mínimo da sanção acessória em apreço (relativa ao crime de condução perigosa de veículo), tudo o que se disse quanto à graduação da pena principal e levando-se também em consideração que o arguido à data da sentença não estava a trabalhar, por se encontrar desempregado, afigura-se-nos ser de reduzir em três meses o período de aplicação daquela medida, fixando-se agora em 9 (nove) meses a pena acessória de inibição de conduzir todo e qualquer veículo de circulação terrestre.
A concluir dir-se-á ainda que o comportamento estradal do arguido na noite de 19 de Abril de 2006 denota ser um condutor, senão exímio, pelo menos com uma perícia acima da média, o que aliás não será de estranhar atendendo ao facto de ser motorista de profissão.
Precisamente pelo facto de ser motorista de profissão, entendemos ser-lhe exigível, ou no mínimo expectável, um comportamento ao volante de um automóvel consentâneo com o não pôr em perigo a condução rodoviária, e, consequentemente, com o não pôr também em perigo, para além da integridade física e vida de terceiros, o seu próprio emprego. Os veículos automóveis, tal como as armas de fogo, não são perigosos per si, perigoso pode ser, isso sim, o uso que o indivíduo que os maneja deles faz.
Ao actuar como actuou o arguido usou o veículo automóvel que conduzia como uma verdadeira extensão do seu próprio corpo no exercício da violência sobre o cônjuge. Com efeito, a nosso ver o crime de ameaça não só se consumou com as palavras que proferiu, no sentido de que mataria a assistente, mas também com a própria perseguição automóvel e com toda a intimidação e perturbação que, pela forma como conduziu, causou na sua ainda mulher.
Sendo nove meses o tempo normal de uma gestação, espera-se que ao longo desse período reflicta sobre o seu reprovável comportamento estradal, e não só, e renasça como um novo condutor, mais calmo, prudente e disciplinado.


III – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da 9ª secção deste Tribunal da Relação em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A…, reduzindo-se o quantum da sanção acessória, ao crime de condução perigosa de veículo, fixando-se agora em 9 (nove) meses o período de inibição de conduzir todo e qualquer veículo de circulação terrestre, confirmando-se no mais a decisão recorrida.
Sem custas - artigo 513º, nº 1, do CPP.
Notifique nos termos legais.
(o presente acórdão, integrado por trinta e oito páginas com os versos em branco, foi processado em computador e integralmente revisto pelo relator, seu primeiro signatário – artº 94º, nº 2 do Cód. Proc. Penal)

Lisboa, 4 de Novembro de 2010

J. S. Calheiros da Gama
Adelina Barradas de Oliveira
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[1] Texto adaptado livremente pelo ora relator a partir dos conteúdos disponibilizados nas web páginas da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV) e da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (CIG) e bem assim do III Plano nacional contra a violência doméstica (2007-2010), ali consultável.
[2]Vd. http://www.umarfeminismos.org/index.php?option=com_content&view=article&id=272&Itemid=26
[3] Cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português – Consequências jurídicas do crime” Aequitas, 1993, pág. 211, que admite, como mais frequente, que a pena a aplicar só seja escolhida após a determinação do seu quantum concreto.
[4] A sociedade aparece como cumpridora dos valores, e por isso exige que se faça cumprir o Direito.