Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
10773/2008-1
Relator: JOÃO AVEIRO PEREIRA
Descritores: PRESCRIÇÃO
CONHECIMENTO OFICIOSO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
PRINCÍPIO DA CONCENTRAÇÃO DA DEFESA
QUESTÃO NOVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA A DECISÃO
Sumário: I – O tribunal só conhece oficiosamente das excepções peremptórias que a lei não torne dependentes da vontade do interessado.
II – A prescrição de dívida por exploração de estabelecimento comercial é uma dessas excepções cujo conhecimento depende da invocação da parte a quem ela aproveita, estando o tribunal proibido de a suprir de ofício.
III – O pedido de condenação como litigante de má fé não constitui um incidente estranho à normalidade do processo, mas tão-só um pedido de responsabilização processual da parte inserido no desenvolvimento normal da acção.
IV – A arguição da nulidade de uma cláusula do contrato que serve de causa de pedir deve ser feita na contestação, onde deve ser concentrada toda a defesa, e não apenas nas alegações de recurso.
JAP
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes na 1.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
I – Relatório
H, LDA., intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, na forma ordinária, contra J e M, “B”, pedindo se julgue a acção procedente, por provada e em consequência:
a)- Seja declarada a resolução do contrato acima referido e identificado, no artigo primeiro desta petição, existente entre a Autora e os Réus;
b) – Sejam os Réus condenados a entregarem à Autora o espaço referido e identificado no artigo primeiro desta petição, totalmente livre de pessoas e bens;
c)- Sejam os réus condenados a pagar á Autora, as prestações em dívida, acima referidas e identificadas, num total de € 18.572,17, acrescida dos juros legais, contados desde o seu vencimento e até ao seu integral pagamento.
O 1.º R. contestou e reconveio e, além da improcedência da acção e da sua absolvição, pediu a condenação da A. a pagar-lhe € 6.201,70, resultantes de diferenças que o Réu lhe pagou indevidamente, e, a título de litigante de má fé: € 10.000,00 e os honorários do mandatário do Réu.
Na réplica, a A., além de concluir como na p.i., ampliou a causa de pedir e o pedido no sentido de os Réus serem condenados a pagar-lhe as prestações correspondentes aos meses de Janeiro a Novembro (inclusive) de 2005, no total de 6.327,58, acrescidas de juros legais, contados desde o vencimento daquelas até definitivo e integral pagamento.
Treplicou o 2.º Réu, reafirmando o alegado na contestação e invocando a sua ilegitimidade por ter cedido a sua posição contratual, com o consentimento da A..
Treplicou também o 1.º Réu para impugnar o alegado na réplica e contestar a ampliação do pedido, terminando por pedir a improcedência dos novos causa de pedir e pedido e a condenação da A., como litigante de má fé, na indemnização ao Réu de € 50.000 e no pagamento dos honorários do mandatário deste.
Após a realização da audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença que:
a) absolveu o Réu M de todos os pedidos contra si deduzidos pela Autora H, Lda.;
b) declarou resolvido do contrato denominado de "contrato de concessão de exploração de sector comercial do Bazar do Povo" em vigor entre a Autora H Lda. e o Réu J relativo ao estabelecimento comercial instalado no espaço n.° 6-A, situado no primeiro piso do prédio urbano, conhecido por B, sito nesta cidade do Funchal, e, em consequência, ordeno que o Réu J entregue esse mesmo espaço à Autora H Lda. livre de pessoas e bens;
c) condenou o Réu J a pagar à Autora H , Lda. as quantias de 305, 33 euros; 1 000, 98 euros; 1 768, 74 euros; 2 884, 10 euros; 2 944, 96 euros; 2 917, 54 euros; 23 003, 37 euros; 3 125, 37 euros; 6 994, 43 euros; 3 775, 39 euros; e 3 856, 90 euros, acrescidas de juros de mora contados, respectivamente, desde l de Janeiro de 1997; 1 de Janeiro de 1999; 1 de Janeiro de 2000; 1 de Janeiro de 2001; 1 de Janeiro de 2002; 1 de Janeiro de 2003; 1 de Janeiro de 2004; 1 de Janeiro de 2005; 1 de Janeiro de 2006; 1 de Janeiro de 2007; 1 de Janeiro de 2008, até integral pagamento.
d) julgou parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelo Réu J, consequentemente, condenou a Autora H ; Lda. a pagar-lhe a quantia de 191, 49 €, acrescida de juros de mora contados desde 1 de Janeiro de 1998 até integral pagamento.
e) julgou totalmente improcedentes os incidentes de litigância de má-fé deduzidos pelo Réu J, consequentemente, absolveu a Autora H Lda. dos respectivos pedidos.
Não se conformando, o Réu J apelou e, nas extensas conclusões das suas alegações, suscita as seguintes questões:
1.ª - A alteração das respostas dadas aos factos dos pontos G, H, I, J, L, M, N, P, Q, R, S, T, U, V, X (este desde público até final), CC, FF e HH (estes dois últimos na parte em que imputa ao recorrente a falta de pagamento).
2.ª - Da prescrição;
3.ª - Dos pedidos de condenação por litigância de má fé;
4.ª - Da nulidade da cláusula 3.1.3. do contrato;
5.ª - Da nulidade por omissão de pronúncia sobre a nulidade da cláusula 3.1.3;
6.ª- Do abuso do direito.
A Recorrida alegou e concluiu insurgindo-se contra a prolixidade conclusiva do recorrente, mesmo depois de convidado a sintetizar.
Na verdade, o réu J não fez grande síntese nas conclusões das suas alegações de recurso. Apesar de tudo, é possível identificar as questões decidendas, permitindo assim apreender o objecto do recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir as questões acima levantadas pelo recorrente e que delimitam o objecto recursório.
Desde logo, importa dilucidar a 1.ª questão, atinente à matéria de facto, pois a solução que vier a merecer pode implicar a modificação da lista infra de factos provados. Passa-se, pois, a examinar os seguintes pontos impugnados, listados na sentença recorrida e abaixo reproduzidos.
O ponto G foi aditado nos termos do art.º 264.º, n.º 3, do CPC, e corresponde ao teor da cláusula 3.1.3. do contrato de concessão de exploração de sector comercial do “B”que o recorrente aceitou expressamente como verdadeiro no art.º 1.º da sua contestação (cf. fls. 2 a 18 e 581 dos autos). Não merece, por isso, nenhuma censura a consideração de tal facto como assente.
No que respeita ao ponto H, correspondente à al. G) dos factos assentes, a respectiva matéria foi alegada no art.º 7.º da p.i. e não foi posta em causa pelo réu, ora recorrente. Pelo contrário, este afirmou, no art.º 8.º da contestação, não ser verdade que tenha deixado de pagar a quantia devida referente a Janeiro, não contestando o valor de cada uma das mensalidades desse ano de 1996. Por esta razão, também aqui não há que alterar o que foi decidido na primeira instância.
O ponto I, al. H) da matéria de facto assente, foi aduzido pelo art.º 8.º da p.i., e o R. impugnou-o expressamente no art.º 7.º da contestação, reputando de totalmente falsa tal alegação (fls. 28). Depois, no art.º 8.º também da contestação, o réu, ora recorrente, desmentiu o facto de não ter pago a prestação de Janeiro de 1996. Afirma ainda que, nesse ano, até pagou a mais € 191,51 e, com a sua contestação, junta um documento em que é referido um valor total que não permite apurar se aí está incluída a mensalidade de Janeiro de 1996. Portanto, esta factualidade não deveria ter sido levada aos “FACTOS ASSENTES”, mas sim à base instrutória, por ainda carecer de prova a produzir.
O teor dos pontos J e L, corresponde às als. I) e J) dos FACTOS ASSENTES, e aos art.ºs 10.º e 11.º da p.i.. O R. recorrente aceitou esta matéria no art.º 12.º da sua contestação, considerando-se até credor da A. pelo valor de € 691,25 que diz ter pago a mais. Por conseguinte, nada a censurar à decisão sobre estes dois pontos de facto.
Os pontos M, N, P, Q, R, S, T, U, V, correspondem aos art.ºs 1.º, 2.º, 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º da b.i., e aos art.ºs 13.º, 14.º, 16.º, 17.º,18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º. A esta matéria, com excepção da que se refere ao art.º 2.º da b.i., foram inquiridas as seguintes testemunhas: (…).
O ponto X, corresponde aos art.ºs 11.º da b.i. e 5.º da contestação, sobre o qual foi inquirida a testemunha (…).
Os pontos CC, FF e HH (estes dois últimos na parte em que imputa ao recorrente a falta de pagamento), correspondem aos art.ºs 21.º, 24.º e 29.º da b.i., e a respectiva factualidade foi alegada nos art.ºs 25.º da contestação, 9.º da réplica e em articulado superveniente admitido e aditado na acta de fls. 534. A toda esta matéria, depôs (…).
Reapreciada a prova constante dos autos, especialmente pela audição dos supra referidos depoimentos gravados prestados em audiência, sobretudo os das testemunhas (…), em conjugação com os documentos dos autos, verifica-se não existirem motivos para alterar a, aliás, bem fundamentada, decisão de facto proferida pelo Tribunal recorrido.
Ainda no que diz respeito ao ponto I da matéria de facto dada como provada na sentença, correspondente à al. H) dos factos assentes e ao art.º 8.º da p.i., a mesma acaba por resultar assente da globalidade dos depoimentos prestados, sobretudo dos destas últimas testemunhas, em confronto com os documentos juntos que relacionam as quantias devidas, as depositadas e as ainda em dívida. Por outro lado, tendo o Réu assumido a posição de ter pago todos os valores aí referidos, cabia-lhe demonstrar que pagara igualmente a quantia relativa a Janeiro de 1996, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do código civil – prova esta que não foi feita. Deste modo, o facto constante do ponto I da matéria de facto supra descrita está provado, devendo por isso manter-se tal como está.
Em conclusão, embora com esta pequena divergência quanto à al. H) dos factos assentes, cuja matéria a final se vem a revelar provada, não existe fundamento para alterar a decisão de facto proferida pelo Tribunal a quo.
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II – Fundamentação
A – Os factos provados
A)Por contrato escrito particular, datado de 29 de Outubro de 1987, a Autora cedeu aos Réus a exploração do estabelecimento comercial instalado no espaço n.° 6-A, situado no primeiro piso do prédio urbano, conhecido por Bazar (al. A) dos factos assentes).
B)O estabelecimento cedido destinava-se à exploração de venda ao público de confecção de senhora (al. B) dos factos assentes).
C) O contrato teve o seu início no dia 29 de Outubro e terminava no dia 31 de Dezembro de 1988 (al. C) dos factos assentes).
D)O contrato renovava-se por períodos sucessivos de um ano, salvo se houvesse denúncia de uma das partes (al. D) dos factos assentes).
E)Até ao dia de hoje, esse contrato tem sido sempre renovado (al. E) dos factos assentes). Quanto às prestações a pagar pelos Réus à Autora, ficou estabelecido o seguinte:
6- Encargos da Exploração da 2° contratante perante o 1° contratante, depois de iniciada a actividade comercial (V: alínea 2.1):
6.1 – Atribuição à 1a contratante, relativa à exploração concedida:
Com início no mês seguinte à abertura ao público do comércio do 2° contratante, e até ao termo deste contrato. o 2° contratante pagará à 1a contratante, mensalmente, com vencimento nos dias quinze de cada mês, a quantia de Esc.: 100.000$00 (cem mil escudos) que se fixa como correspondente ao interesse da 1a contratante na exploração comercial concedida neste contrato relativamente ao mês anterior ao seu vencimento.
6.2.1- A publicidade geral do "B" será planificada e efectuada pela 1a Contratante, mas como sua contribuição ao 2° contratante obriga-se a acrescentar à sua entrega mensal referida na alínea anterior, um valor a estipular pela la contratante o qual nunca poderá ser superior a 5% (cinco por cento) daquele contrato.
6.2.2- A publicidade própria e específica da exploração comercial do 2° contratante, será feita e paga por este, mas carece de prévia autorização escrita da 1a contratante:
6.3- Contribuição do 2° Contratante para a Segurança:
A vigilância ° o policiamento serão promovidos e mantidos pela 1a contratante, mas o 2° contratante participará nos respectivos custos.
6.4- Participação do 2° contratante nos custos de refrigeração e ar condicionado: O correspondente a 2,7% (dois virgula sete por cento) dos custos incluindo consumos, manutenção e conservação, são pagos pelo 2° contratante.
6.5 Custos de Electricidade, Gás, Água, Exaustão, Som e telefone próprios do 2° contratante:
Terá o 2° contratante de ocorrer aos respectivos custos na sua totalidade com a instalação por sua conta de contadores adequados para averiguação dos consumos, a serem pagos pelos preços correntes respectivos, bem como os encargos das manutenções e conservações.
6.6- Facturações e Pagamentos Mensais:
As cobranças dos montantes mensais (e respectivas tributações estatais, regionais, municipais ou outras) referidas nas alíneas 6.1, 6.2.1, 6.3 e 6.4 ou outros que sejam devidos, serão mensalmente facturados pela 1.ª ao 2° contratante, e serão pagos por este nos termos, condições e prazos dos pagamentos previstos na alínea 6.1.
7- Encargos da Exploração do Concessionário nas Sucessivas Renovações Anuais do Presente Contrato:
7.1- Nas renovações anuais sucessivas do presente contrato previstas na alínea 2. 3, os valores da atribuição referida na alínea 6. 1 e da caução prevista na alínea 5. 3, conforme se verifiquem as renovações da concessão aqui contratada, serão actualizados com um aumento igual à média aritmética de todos os índices de variações percentuais de preços no consumidor, no penúltimo ano civil anterior, no Funchal, publicados pelo Instituto Nacional de Estatística, ou outra entidade que o substitua.
7.2- O aumento referido na alínea anterior será comunicado ao 2° contratante para lançamento a seu debito logo que conhecido, e com relação a todo o decurso do ano civil da renovação pendente.
7.3- Os valores previstos nas duas alíneas anteriores serão cobrados segundo o regime constante da alínea 6.6" (ai. F) dos factos assentes).
G)Nos termos da cláusula 3.1.3 do contrato referido em F) dos factos assentes "O comércio do Concessionário estará aberto ao público e será exercido nos dias do ano e nas horas do dia que lhe forem determinados pela 1° contraente" (matéria a ter em conta nos termos do artigo 264°, n.º 3, do Cód. de Proc. Civil).
H)De acordo com o contrato referido em F), os Réus deviam pagar à Ré os seguintes valores, no ano de 1996: Janeiro: € 499, 76; Fevereiro: € 480, 88; Março: € 480, 88; Abril: € 480, 88; Maio: € 480, 88; Junho: € 462, 01; Julho: € 480, 88; Agosto: € 480, 88; Setembro: € 480, 88; Outubro: € 480, 88; Novembro: € 48C, 88; e Dezembro: € 480, 88 (al. G) dos factos assentes).
I)Naquele ano de 1996, os Réus depositaram a favor da Autora, os seguintes montantes: Janeiro: € 000; Fevereiro: € 496, 84; Março: € 496, 84; Abril: € 496, 84; Maio: € 496, 84; Junho: € 496, 84; Julho: € 496, 84; Agosto: € 496, 84; Setembro: € 496, 84; Outubro: € 496, 84; Novembro: € 496, 84; Dezembro: € 496, 84 (al. H) dos factos assentes).
J)Durante o ano de 1997, os Réus deviam pagar à Autora os seguintes montantes: Janeiro: € 499, 76, Fevereiro: € 480, 88; Março: € 480, 88; Abril: € 480, 88; Maio: € 480, 88; Junho: € 462, 01; Julho: € 480, 88; Agosto: € 462, 01; Setembro: € 499, 76; Outubro: € 499, 76; Novembro: € 462, 01; Dezembro: € 480 88 (al. I) dos factos assentes).
L)No ano 1997, os Réus depositaram a favor da Autora, em cada um dos respectivos meses, o montante igual de € 496, 84 (al. J) dos factos assentes).
M)Durante o ano de 1998, o primeiro Réu ou os Réus deviam ter pago à Autora os seguintes montantes: Janeiro, Setembro e Outubro o montante de € 499, 76 em cada um dos meses; em Fevereiro, Março, Abril, Junho, Julho, Novembro e Dezembro o montante de € 480, 88 em cada um dos meses; Maio e Agosto o montante de € 462, 01 em cada um dos meses (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 1° da base instrutória).
N)Durante o ano de 1998, o 1° Réu depositou a favor da Autora apenas o montante de € 399, 04 em cada um dos respectivos meses (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 2° da base instrutória).
O)Durante o ano de 1999, a Autora devia ter recebido do 1° Réu ou dos Réus a quantia anual total de € 6 475, 46 e que o 1° Réu só depositou o montante total de € 4 688, 72 (resposta restritiva ao artigo 3° da base instrutória).
P)Durante o ano 2000, a Autora devia ter recebido do 1° Réu ou dos Réus a quantia total de € 6 475, 46 e que o 1° Réu só depositou o montante total de € 3 591, 36 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 4° da base instrutória).
Q)Durante o ano 2001, a Autora devia ter recebido do 1° Réu ou dos Réus a quantia total de € 6 536, 32 e que o 1° Réu só depositou o montante total de € 3 591,36 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 5° da base instrutória).
R)Durante o ano 2002, a Autora devia ter recebido do 1.º Réu ou dos Réus a quantia total de € 6 508, 90 e que o 1° Réu só depositou o montante de € 3 591, 36 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 6° da base instrutória).
S)Durante o ano 2003, a Autora devia ter recebido do 1° Réu ou dos Réus a quantia de € 6 394, 73 e que o 1° Réu só depositou o montante total de € 3 391, 36 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 7° da base instrutória).
T)Durante o ano de 2004, a Autora devia ter recebido do 1° Réu ou dos Réus a quantia de € 6 716, 73 e que o 1° Réu só depositou o montante total de € 3 591, 36 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 8° da base instrutória).
U)As quantias das prestações devidas à Autora eram pela mesma destinadas a fazer face a despesas com funcionários, água e luz do Bazar do Povo (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 9° da base instrutória).
V)Existe uma desconfiança entre a Autora e o 1° Réu muito grave e inconciliável (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 10° da base instrutória).
X)Embora não especificado no contrato, tendo em conta que todos os domingos e feriados o Bazar encontrava-se encerrado, as partes acordaram, desde o início, em ajustar o preço contratado em função dos dias em que aquele espaço efectivamente estivesse aberto ao público, situação essa contemplada no cálculo das quantias devidas à Autora, nos termos referidos em G) e I) dos factos assentes e alíneas M), O) a T), FF) e HH) (correspondentes às respostas, respectivamente, aos pontos 1°, 3° a 8°. 24° e 29° da base instrutória) (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 11° da base instrutória).
Z)A Autora recusou-se a receber as prestações mensais por volta do ano de 1996 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 12° da base instrutória).
AA) Os pagamentos encontram-se efectuados através de depósito na Caixa Geral de Depósitos (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 13° da base instrutória).
BB) Em altura concretamente não apurada, a nova gerência Jorge Sá alterou o horário de funcionamento, que inicialmente era das 8h00 às 20h00 sem interrupções, passando nessa altura a ser das 8h30 às 20h00 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 16° da base instrutória). CC)
Os valores peticionados pela Autora contemplam actualizações anuais (resposta restritiva ao artigo 21° da base instrutória).
DD) Em momento posterior ao referido na resposta ao ponto 16°, a Autora alterou novamente o horário de funcionamento do espaço comercial, passando o mesmo a ser das 9horas até às 19h30m. (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 22° da base instrutória).
EE) Por contrato datado de 15 de Outubro de 1991, o Réu M transmitiu ao Réu J a posição contratual que tinha no contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial a que se refere a al. A) (resposta positiva ao artigo 23° da base instrutória).
FF) De acordo com o contrato celebrado entre as partes, o 1° Réu ou os Réus deviam ter pago à Autora, no ano de 2005, os seguintes montantes: Janeiro € 579, 37; Fevereiro € 601, 83; Março: 579, 37; Abril € 579, 37; Maio € 560, 31; Junho € 579, 63; Julho € 589, 63; Agosto € 589, 63; Setembro € 512, 16; Outubro € 566, 85; Novembro € 589, 69 e Dezembro € 566, 65 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 24° da base instrutória).
GG) A Autora sempre emitiu recibos apenas em nome do 1° Réu (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 28° da base instrutória).
HH) O 1° Réu ou os Réus devia ou deviam ter pago à Autora, no ano de 2006, a quantia anual de € 7 130, 95, tendo o 1° Réu depositado o montante de € 3 375, 56; e que no ano de 2007 devia ou deviam aquele ou aqueles ter pago à Autora a quantia anual de € 7 213, 30, tendo o 1° Réu só depositado o montante de € 3 356, 40 (resposta positiva, com esclarecimento, ao artigo 29° da base instrutória).
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B – Apreciação jurídica.
1) Da prescrição
O Recorrente alega que o Tribunal devia ter conhecido ex officio da prescrição. Realmente, o art.º 496.º do CPC dispõe que o tribunal conhece oficiosamente das excepções peremptórias, mas só daquelas cuja invocação a lei não torne dependente da vontade do interessado. Ora a prescrição é um desses casos cujo conhecimento a lei faz depender da invocação da parte a quem ela aproveita, estando o tribunal proibido de a suprir de ofício (art.º 303.º do CC).
No caso em apreço, o Réu não invocou tal excepção, sendo certo que toda a defesa deve ser deduzida na contestação e a prescrição a que o Recorrente se reporta não constitui um caso processualmente autorizado de defesa superveniente (art.º 489.º do CPC).
Improcede, pois, a questão da prescrição.
2) Da litigância de má fé
Litigante de má fé é quem, com dolo ou negligência grave: deduzir pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; quem tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; quem tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; quem tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão – art.º 456.º, n.ºs 2 e 3, do CPC.
Ora, no caso dos autos, a A. exerceu nas suas peças processuais o seu direito de alegar os factos e as razões jurídicas que entendeu por bem, em função dos seus interesses, sem que daí resultem afirmações ou comportamentos dolosos ou gravemente negligentes, a ponto de justificarem uma ou várias condenações como litigante de má fé.
Não se pode banalizar ou instrumentalizar o recurso à invocação da má fé, por exemplo, para se tentar obter vantagem psicológica no pleito sobre a parte contrária (isto também pode constituir má fé), pois a lei reserva tal sanção e tal indemnização para os casos verdadeiramente graves, em concreto, e não para simples afirmações com as quais a parte requerente não concorda. Nem a sustentação de posições jurídicas desconformes com a correcta interpretação da lei significa, por si só, uma lide dolosa ou temerária.
Todavia, o pedido de condenação da outra parte como litigante de má fé não substancia uma ocorrência estranha à tramitação normal da lide e, por isso, também não constitui um verdadeiro incidente, para os efeitos previstos no art.º 16.º, n.º 1, do CCJ. Trata-se antes de um pedido de responsabilização processual da parte, que o requerente acusa de ter usado de má fé, pedido este contemplado no capítulo VII, do Livro III, Título I, do CPC, relativo a custas, multas e indemnização, e a decidir a final. Porém, tal pedido insere-se sempre no âmbito do desenvolvimento normal da acção.
Deste modo, embora se deva manter a decisão sobre a inexistência de má fé por parte da Autora, não pode subsistir a condenação do Réu em custa incidentais.

3) Da nulidade da cláusula 3.1.3. do contrato
Nas suas conclusões n.ºs 53 a 57, o Recorrente «deixa expressamente arguida» a nulidade da cláusula 3.1.3 do contrato, dizendo tê-la invocado «em sede própria» e que a mesma foi «manifestamente ignorada pelo Tribunal», arguindo assim mais outra nulidade, esta processual, por omissão de pronúncia, nos termos do art.º 668.º, n.º 1 e 3 do CPC.
Em primeiro lugar, cumpre lembrar que a sede própria para arguir a nulidade da cláusula é a contestação, nos termos do já referido art.º 489.º do CPC. Porém, na contestação do réu, ora recorrente, não existe qualquer arguição de nulidade da cláusula em referência. Só agora, nas conclusões de recurso é que o Recorrente aproveitou para, tardiamente, deixar consignada tal arguição.
Deste modo, o Tribunal a quo não tinha que se pronunciar sobre uma questão que não lhe foi colocada. Por outro lado, os recursos não servem para apreciar questões novas, mas apenas para reapreciar, neste caso em segundo grau de jurisdição, as decisões proferidas em primeira instância.
Nesta conformidade, improcede a invocada nulidade processual por omissão de pronúncia e não se conhece da nulidade da mencionada cláusula contratual, por se tratar de uma questão nova.
4) Do abuso do direito
A figura do abuso torna ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito (art.º 334.º do CC).
Porém, mais uma vez, se está perante uma questão nova. Na verdade, o réu, ora Recorrente, não arguiu este meio de defesa em sede própria, pelo que não pode este Tribunal suprir um grau de jurisdição para se ocupar de tal questão.
No entanto, sempre se dirá que quando se invoca o abuso de um direito, reconhece-se a existência desse direito, o que se reprova é o modo excessivo como foi exercido, ofendendo aqueles valores. Mas ainda que esta questão fosse cognoscível neste recurso, da concreta matéria de facto provada nos autos, não se retiraria fundamento para tal abuso.
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III – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso em parte procedente e, consequentemente, alterando a sentença recorrida:
1) absolve-se o Réu da condenação em custas, relativamente aos pedidos de condenação da Autora por litigância de má fé; e
2) quanto ao mais, confirma-se a sentença.
As demais custas ficam a cargo do Réu.
Notifique.
Lisboa, 28.4.2009
João Aveiro Pereira
Rui Moura
Anabela Calafate