Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1248/2002.L1-6
Relator: OLINDO GERALDES
Descritores: CLÁUSULA CONTRATUAL GERAL
FALTA DE ENTREGA
CONTRATO
ABUSO DE DIREITO
DEVER DE COMUNICAÇÃO
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
PERDA DO BENEFÍCIO DO PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/29/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE A DECISÃO
Sumário: I. A entrega do exemplar do contrato de crédito ao consumo, em momento posterior ao acto da sua assinatura, acarreta a sua nulidade, a invocar pelo “consumidor”.
II. O abuso do direito pode determinar a ilegitimidade da invocação da nulidade do contrato.
III. Há abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium, quando o contraente quis a execução do contrato, designadamente, fazendo intervir a seguradora, em sua substituição, no pagamento de prestações.
IV. O dever de comunicação previsto no art. 5.º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, exige do proponente um comportamento activo, de modo a possibilitar ao aderente o conhecimento adequado, completo e efectivo das referidas cláusulas contratuais.
V. A falta de realização de uma das prestações em que a obrigação se fracciona, referida no art. 781.º do CC, justifica apenas a perda do benefício do prazo quanto às restantes prestações.
VI. Tendo as cláusulas gerais do contrato sido excluídas, isso não pode deixar de incluir, igualmente, a consideração da taxa de juro contratual ali prevista para os juros de mora.
VII. As cláusulas gerais excluídas de um contrato de seguro, porque não comunicadas ao aderente, não podem ser invocadas para afastar a obrigação decorrente do contrato.
VIII. As garantias a que se refere a alínea g) do n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro, respeitam apenas às garantias prestadas pelo “consumidor”.
IX. Não se provando o proveito comum do casal, por efeito da resposta negativa à respectiva matéria da base instrutória, não pode efectivar-se a responsabilidade pelo pagamento da dívida, nos termos previstos no art. 1691.º, n.º 1, alínea c), do CC.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

Banco, S. A., antes denominada T...., instaurou, em 23 de Agosto de 2002, no 9.º Juízo Cível da Comarca de Lisboa, contra C... e mulher, D...., e E..., acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, pedindo que os Réus fossem condenados, solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 10 495,71, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 17,41 %, e da quantia correspondente ao imposto de selo sobre os juros.
Para tanto, alegou, em síntese, que, no exercício da sua actividade, concedeu ao R., por contrato constante de título particular, de 18 de Novembro de 1999, crédito directo, para a aquisição do veículo automóvel, com a matrícula MT, emprestando-lhe a quantia de 1 680 000$00, com juros à taxa de 13,41 % ao ano, obrigando-se o mesmo a pagar-lhe 60 prestações mensais e sucessivas, cada uma no valor de 42 084$00, vencendo-se a primeira em 30 de Dezembro de 1999. Conforme acordado, a falta de pagamento de qualquer prestação, na data do respectivo vencimento, implicava o vencimento imediato das demais. O Réu não pagou a 10.ª prestação, vencida em 30 de Setembro de 2000, e as seguintes, com excepção da 14.ª, com vencimento em 30 de Janeiro de 2001; a Ré D..., pelo proveito comum, e a Ré E..., como fiadora e principal pagadora, são solidariamente responsáveis pelo pagamento.
Os Réus contestaram, alegando que, por efeito de um contrato de seguro, o pagamento das prestações cabia à Companhia de Seguros, S.A., e que o contrato invocado nos autos era nulo, por não ter sido entregue ao R. um exemplar, aquando da assinatura, por não terem sido comunicadas as cláusulas gerais e estas estarem apostas depois da assinatura, para além da fiança ser inexigível e nula e faltar ainda o proveito comum do casal. Concluíam, assim, pela sua absolvição do pedido.
Respondeu o A., no sentido da improcedência da matéria de excepção.
Admitida a intervenção principal provocada de Companhia de Seguros, S. A., esta apresentou articulado próprio, declinando a sua responsabilidade pelo pagamento das prestações.
A esse articulado, responderam os Réus, que concluíram como na contestação.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, com gravação, foi proferida a sentença, que, julgando a acção parcialmente procedente, condenou apenas a Interveniente a pagar ao A. as prestações vencidas entre 30 de Setembro de 2000 e 30 de Junho de 2002, com excepção da vencida em 30 de Janeiro de 2001, cada uma no valor de € 209,91, e os RR. C... e E... a pagarem ao A. as prestações de capital e juros, vencidas a partir de 30 de Julho de 2002 e até à citação (30 de Setembro de 2002), cada uma no valor de € 209,91, acrescidas dos juros moratórios, à taxa anual de 13,41 %, contados desde as datas de vencimento das prestações até integral pagamento, e das demais prestações de capital, acrescida dos juros moratórios, à taxa anual de 13,41 %, desde a citação, bem como o respectivo imposto de selo.

Não se conformando com a sentença, apelaram o Autor, os RR. C... e E... e a Interveniente.
No essencial, o Autor apresentou como conclusões:
a) As condições gerais acordadas no contrato de mútuo dos autos encontravam-se integralmente impressas quando o R. nele apôs a sua assinatura.
b) O Recorrente cumpriu inteiramente o dever de comunicação previsto no art. 5.º do DL n.º 446/85, de 25 de Outubro.
c) Não é necessária qualquer interpelação para o vencimento imediato nos termos do art. 781.º do CC, mas ainda que assim não fosse, as partes acordaram expressamente o vencimento imediato.
d) Estando-se perante obrigações com prazo certo, a mora constitui-se logo aquando do vencimento da obrigação, independentemente de qualquer interpelação – al. a) do n.º 2 do art. 805.º do CC.
e) As partes acordaram expressamente regime diferente do que resulta do art. 781.º do CC.
f) Da prova do casamento, por confissão, decorre a responsabilidade solidária da Ré.
g) Há responsabilidade da R. pelo pagamento, nos termos e de harmonia com o disposto no art. 1691.º, n.º 1, al. c), do CC.

Pretende o Autor, com o provimento do recurso, a revogação da sentença recorrida, substituindo-se por acórdão que julgue a acção inteiramente procedente, condenando os Réus no pedido formulado.

Os RR. C... e E... apresentaram essencialmente as seguintes conclusões:
a) O R., ao invocar a nulidade, limitou-se a exercer um direito, não existindo qualquer abuso do direito.
b) A taxa de juro de 13,41 % nada mais representa do que os juros remuneratórios acordados no contrato, sendo ilegal a condenação.
c) Nesse âmbito, a sentença está inquinada de nulidade, por manifesta contradição entre os fundamentos e a decisão.
d) O artigo 5.º da base instrutória deveria ter sido dado como provado.
e) A falta de referência às garantias, no contrato, torna a fiança inexigível.
f) A decisão recorrida violou os arts. 6.º, n.º s 1 e 2, alínea g), e 7.º, n.º s 1 e 3, do DL n.º 359/91, e 5.º, 6.º e 8.º, alíneas c) e d) do CCG.
Pretendem os mesmos RR., com o provimento do recurso, a sua absolvição do pedido ou, subsidiariamente, a sua absolvição da condenação em juros à taxa de 13,41 %.

A Interveniente apresentou, na essência, as seguintes conclusões:
a) Sendo o contrato de seguro celebrado à distância não competia à Apelante comunicar as cláusulas gerais do contrato.
b) O R. teve conhecimento das condições de cobertura do seguro, ao accioná-las.
c) Nos termos do art. 376.º do CC, o contrato dos autos faz prova plena quanto às declarações do R. e os factos nele compreendidos consideram-se provados.
d) À data da proposta de adesão ao seguro de grupo, o R. não exercia uma actividade profissional por conta de outrem em regime de “emprego permanente”, condição de reconhecimento como pessoa segura – alíneas a) e b) do n.º 1 do art. 7.º das “condições especiais”.
e) À data do despedimento, em 25 de Janeiro de 2001, o R. não tinha “emprego permanente, porquanto o contrato era de estágio e a termo certo – arts. 1.º, n.º 1, e 8.º das “condições especiais”.
Pretende a Interveniente, com o provimento do recurso, a revogação da decisão recorrida e a sua absolvição do pedido.

Contra-alegou apenas o Autor quanto à apelação dos mencionados RR., no sentido de ser negado provimento ao respectivo recurso.

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
Nas apelações, para além da impugnação da matéria de facto, está essencialmente em discussão a aplicação das condições gerais do contrato, o vencimento automático das prestações de um mútuo por falta de pagamento de uma delas, o proveito comum do casal, os juros de mora, a exigência da fiança e a cobertura do contrato de seguro.

II – FUNDAMENTAÇÃO
2.1. Foram dados como provados os seguintes factos:
1. No exercício da sua actividade comercial, o A., por contrato constante do escrito de 18 de Novembro de 1999 (fls. 13), concedeu ao Réu crédito, no valor de € 8 379,80, para aquisição do veículo automóvel, marca Daihatsu, matrícula MT.
2. Nos termos do contrato, o empréstimo devia ser pago, bem como o imposto de selo e os prémios de seguro de vida, em 60 prestações mensais e sucessivas, com o vencimento da primeira em 30 de Dezembro de 1999.
3. A importância de cada uma das prestações deveria ser paga mediante transferência bancária a efectuar, na data do respectivo vencimento.
4. O valor de cada prestação, que incluía juros, era de € 209,91.
5. No verso do contrato de fls. 13 não foi aposta qualquer assinatura.
6. Decorre da cláusula 15.ª das “condições gerais”: “a) Por efeito deste contrato e durante toda a sua vigência o mutuário e desde que à data da sua celebração goze de boa saúde e não esteja sob controlo médico regular devido a doença ou acidente e enquanto tiver uma idade compreendida entre os 18 e 65 anos, beneficia de uma apólice de seguro de vida, subscrita pela T..., pela qual, em caso de morte ou invalidez absoluta e definitiva, os débitos emergentes deste contrato, vincendos à data dessa ocorrência ficarão integralmente saldados. b) Poderão ser subscritos até ao momento da assinatura do contrato e mediante adesão a apólices de grupo, seguros cobrindo os riscos de incapacidade temporária absoluta para o trabalho por acidente ou doença e desemprego involuntário, desde que a pessoa segura satisfaça as condições de adesão. c) A T.... figurará nas respectivas apólices como única beneficiária”.
7. A R. E... subscreveu o “termo de fiança” de fls. 15, datado de 18 de Novembro de 1999, em que figura como mutuário o R., com o seguinte teor: “Declaro que me constituo perante e para com a T..., fiador de todas e quaisquer obrigações que para o mutuário resultem do contrato de mútuo com fiança. Mais declaro que a presente garantia tem o conteúdo e âmbito legal de uma fiança solidária, incluindo a assunção das obrigações do afiançado”.
8. As 3.ª a 9.ª prestações foram pagas pela Interveniente, durante o período de incapacidade absoluta do R.
9. A 14.ª prestação foi igualmente paga pela Interveniente, ao abrigo do contrato de seguro de grupo.
10. A partir de 13 de Setembro de 2000 a 11 de Outubro de 2000, o R. esteve com uma incapacidade parcial, com uma desvalorização de 40 %, e de 12 de Outubro de 2000 a 6 de Dezembro de 2000, com uma incapacidade parcial, com uma desvalorização de 30 %.
11. Com a data de 25 de Janeiro de 2001, a empresa F..., Lda., emitiu uma declaração de situação de desemprego, que entregou ao R., sendo a data da cessação aquele mesmo dia e o motivo a necessidade de extinguir um posto de trabalho fundado em motivos de mercado.
12. O contrato de fls. 13, depois de assinado pelo R., foi enviado ao A., para assinatura.
13. Depois de assinado pelo A., o R. recebeu um exemplar do contrato.
14. O contrato foi assinado no stand que vendeu o veículo.
15. Do exemplar do contrato a fls. 57 não constam os dizeres “termo de fiança conforme documento autónomo” (resposta ao quesito 6.º).
16. O R. subscreveu o documento de fls. 383/384, que constitui uma participação de sinistro à Interveniente.
17. O R. esteve desempregado até 26 de Julho de 2002.
18. A Interveniente emitiu o documento denominado “Protecção total T... – certificado de seguro n.º ....”, do qual consta que o R., “titular do contrato de mútuo n.º ... está abrangido desde 30/11/99 e durante a sua vigência, pela apólice n.º ..., subscrita entre a T.... e a Companhia de Seguros, S.A.”
19. A fls. 260, consta a apólice n.º ..., com a data “11/1999”, e no espaço reservado à assinatura do cliente foi escrito o nome do R.
*
2.2. Descrita a matéria de facto dada como provada, importa conhecer do objecto dos três recursos, delimitados pelas respectivas conclusões, das quais emergem as questões jurídicas já anteriormente destacadas.
Desde logo, interessa por começar pela questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, deduzida pelos RR. C... e E..., que se referem à resposta ao quesito 5.º (por efeito do lapso material do respectivo despacho), quando, na verdade, é a matéria da resposta ao quesito 6.º que se questiona, como, facilmente, se depreende do teor da base instrutória e da respectiva resposta (fls. 423 e 567).
A respectiva matéria, invocada no âmbito da fiança, relaciona-se com a alegada omissão, no contrato de crédito, da garantia prestada, face ao disposto na alínea g) do n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro.
No entanto, as garantias a que essa disposição legal se refere respeitam apenas àquelas que possam ser prestadas pelo “consumidor” e não às oferecidas por terceiros, designadamente pelo fiador, sendo certo ainda que a sua invalidade só pode ser invocada pelo “consumidor” (art. 7.º, n.º 4, do DL n.º 359/91).
Neste contexto, sendo completamente irrelevante a decisão sobre a impugnação da matéria de facto, sem qualquer influência na decisão da causa, não se justifica o seu conhecimento.
2.3. Alegam também os mesmos RR. a nulidade da sentença, nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 668.º do Código de Processo Civil (CPC), por oposição entre os fundamentos e a decisão, nomeadamente no que se refere à condenação no pagamento dos juros de mora à taxa de 13,41 %.
No aspecto formal, que neste âmbito interessa, não se verifica a alegada oposição, pois a decisão corresponde ao corolário lógico da fundamentação, quanto é certo que nesta se especifica a obrigação do pagamento de tais juros moratórios.
Poderá, eventualmente, admitir-se a existência de um erro de julgamento, mas este, afectando o aspecto material da sentença e susceptível de ser corrigido mediante recurso, não determina a nulidade formal da sentença prevista no art. 668.º do CPC.
Por isso, manifestamente, improcede a arguida nulidade da sentença.
2.4. O acordo escrito de fls. 13 dos autos corresponde a um contrato de crédito ao consumo, na modalidade de mútuo, também submetido ao regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, o que é inteiramente pacífico.
A sentença recorrida, embora tivesse admitido a nulidade do referido contrato, por não ter sido entregue ao mutuário um exemplar no momento da assinatura, excluiu tal efeito jurídico, por força do abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium.
Na verdade, é inquestionável que a entrega de um exemplar do contrato, em momento posterior ao acto da sua assinatura, como sucedeu no caso dos autos, acarreta a nulidade do contrato, sendo invocada pelo mutuário – arts. 6.º, n.º 1, e 7.º, n.º 1 e 4, do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro.
Efectivamente, foi vontade do legislador que essa entrega se processasse no momento da assinatura do contrato e, por isso, se cominou a sua omissão com a nulidade do contrato. Dessa forma, permite-se o período razoável de reflexão e a possibilidade do “consumidor” revogar o contrato, nos termos do n.º 1 do art. 8.º do DL n.º 359/91.
No entanto, a invocação da referida nulidade, no caso vertente, choca frontalmente com o comportamento anterior do mutuário, que, para além de não ter invocado a pretensão de revogar o contrato celebrado, no tempo próprio, quis a sua execução, designadamente, fazendo intervir a seguradora, em sua substituição, no pagamento de prestações.
Esse comportamento, permitindo alimentar a confiança da outra parte na validade do contrato, não pode ser desprezado, sob pena de se atentar, gravemente, contra o princípio da boa fé – art. 762.º, n.º 2, do Código Civil (CC).
Assim, por efeito da verificação do abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium, plasmado no art. 334.º do CC, não pode deixar de se reiterar a ilegitimidade da invocação da nulidade do contrato feita pelo mutuário (GRAVATO MORAIS, Contratos de Crédito ao Consumo, 2007, pág. 108).
Por outro lado, estando o contrato submetido ao regime das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, tinha o proponente a obrigação de comunicar ao aderente o conteúdo das cláusulas gerais, de harmonia com o dever instituído no art. 5.º do referido regime.
Exige-se do proponente, para esse efeito, um comportamento activo, de modo a possibilitar ao aderente o conhecimento adequado, completo e efectivo das referidas cláusulas contratuais. É o proponente que tem de tomar a iniciativa e não se quedar pelos pedidos de esclarecimento que o aderente possa formalizar.
O dever de comunicação, por outro lado, não se confunde com o dever de informação, consagrado no art. 6.º do mesmo regime, no qual se inclui, designadamente, a prestação de todos os esclarecimentos razoáveis solicitados pelo aderente.
No caso concreto dos autos, ao contrário do que alega o A., este não cumpriu o dever de comunicação, como resulta da resposta negativa ao quesito 5.º da base instrutória, que contemplava a respectiva matéria.
O ónus da comunicação adequada e efectiva das cláusulas gerais cabia expressamente ao proponente, como decorre do art. 5.º, n.º 3, do respectivo regime.
A omissão do referido dever de comunicação acarreta a exclusão das cláusulas gerais do contrato, face ao disposto na alínea a) do art. 8.º do regime aprovado pelo DL n.º 446/85.
Perante a exclusão referida, acaba por ficar prejudicada a apreciação da questão do efeito da assinatura aposta pelos contratantes antes das cláusulas gerais do contrato, pois ainda que fosse resolvida no sentido alegado pelo A., a ineficácia das cláusulas gerais continuava a manter-se sem qualquer modificação (art. 660.º, n.º 2, do CPC).
É entendimento largamente dominante de que a falta de realização de uma das prestações em que a obrigação se fracciona, referida no art. 781.º do CC, justifica apenas a perda do benefício do prazo quanto às restantes prestações, por quebra da confiança do credor. Embora a lei se expresse em termos de vencimento imediato, o que a mesma pretende significar é a exigibilidade imediata de todas as prestações, numa situação idêntica à prevista no art. 934.º do CC, e onde se faz a menção à perda do benefício do prazo (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em geral, II, 4.ª edição, 1990, pág. 52, L. MENEZES LEITÃO, Direito das Obrigações, II, 2.ª edição, 2003, págs. 157 e 158).
Por isso, o credor, pretendendo gozar desse benefício, tem de interpelar o devedor, para lhe exigir o cumprimento imediato de toda a obrigação.
No caso vertente, o A. não efectuou tal interpelação, antes da instauração da acção.
Por outro lado, admitindo que as partes possam acordar em termos diferentes do disposto no art. 781.º do CC, o certo é que, no caso presente, tal não acontece, designadamente pela exclusão do contrato das cláusulas gerais, nas quais o A. se baseia para afirmar o acordo expresso diferente do que resulta do art. 781.º do CC.
Desta forma, apenas através da citação para a acção se pode considerar como tendo operado a interpelação a exigir a realização imediata e integral de todas as prestações futuras, sentido que a sentença recorrida acolheu.
Por outro lado, com o vencimento antecipado das prestações, os juros remuneratórios não são devidos, como aliás se concluiu na sentença recorrida.
Esse sentido está, aliás, em conformidade com o recente acórdão uniformizador de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, de 25 de Março de 2009, publicado no Diário da República, I.ª Série, de 5 de Maio de 2009, que fixou a jurisprudência nos seguintes termos: “No contrato de mútuo oneroso liquidável em prestações, o vencimento imediato destas ao abrigo de cláusula de redacção conforme o art. 781.º do Código Civil não implica a obrigação de pagamento dos juros remuneratórios nelas incorporados”.
Uniformizada a jurisprudência, esta impõe-se, pela autoridade normativa reconhecida, deixando de fazer sentido continuar a defender-se o sentido contrário, sem com isso se estar a propugnar pela sua aplicação obrigatória, que seria inadmissível.
Já não se concorda, todavia, com a sentença recorrida, quando nesta se condena no pagamento dos juros moratórios, à taxa anual de 13,41 %, correspondente à taxa de juros contratual.
Efectivamente, tendo as cláusulas gerais sido excluídas, isso não pode deixar de incluir, igualmente, a consideração da taxa de juro contratual ali prevista para os juros de mora.
Mas isso, porém, não significa que não sejam devidos os juros moratórios, como alegam os RR.
Esses juros justificam-se à luz das normas dos arts. 804.º, 805.º, n.º s 1 e 2, alínea a), e 806.º, todos do CC. Supletivamente, é aplicável a taxa de juros comerciais referenciada no art. 102.º do Código Comercial.
As prestações em dívida estão a cargo do mutuário e do fiador, excepto no período compreendido entre Fevereiro de 2001 e Junho de 2002, cujo pagamento compete à Interveniente, por efeito da situação de desemprego do R., prevista no contrato de seguro, ao qual aquele aderiu, quando celebrou o contrato de crédito.
Na verdade, não colhem as razões apresentadas pela Interveniente, já que, estando em causa também um contrato com cláusulas contratuais gerais, estas não foram comunicadas ao aderente, como se verifica da resposta negativa dada ao quesito 8.º da base instrutória, estando por isso igualmente excluídas do contrato, nos mesmos termos que anteriormente se especificaram quanto ao A.
Sendo a Interveniente a proponente das cláusulas gerais, não podia a mesma deixar de ter o dever legal de as comunicar ao aderente, ainda que representada por outrem, dadas as circunstâncias em que o contrato foi celebrado.
Neste contexto, se é certo que a Interveniente não está obrigada a pagar as prestações durante o período em que o mutuário esteve com uma incapacidade parcial para o trabalho, por tal circunstância não estar incluída no objecto do contrato, que, em termos de incapacidade para o trabalho, apenas abrangia a incapacidade absoluta, já o mesmo não se pode afirmar em relação ao pagamento das prestações durante o período de desemprego. Estando as cláusulas gerais excluídas, porque não comunicadas ao aderente, não pode a Interveniente invocá-las para afastar a obrigação decorrente do contrato de seguro.
Como já se aludiu, a alegada omissão, no contrato de crédito, da garantia prestada pelo fiador, não acarreta a sua inexigibilidade, estando a R. E... obrigada a honrar a fiança prestada.
Com efeito, as garantias a que se refere a alínea g) do n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro, respeitam apenas às prestadas pelo “consumidor” e não às oferecidas por terceiros, como é o caso do fiador, sendo certo ainda que este pode até prestar a garantia sem o conhecimento do devedor (art. 628.º, n.º 2, do CC). Por outro lado, a sua invalidade só pode ser invocada pelo “consumidor” (art. 7.º, n.º 4, do DL n.º 359/91).
Alega ainda o A. a efectivação da responsabilidade da R. D..., pelo pagamento da dívida, nos termos do disposto no art. 1691.º, n.º 1, alínea c), do CC.
Independentemente da questão da prova do casamento, que seria discutível, desde logo, ressalta dos autos que não se logrou provar o requisito do proveito comum do casal, considerada a resposta negativa dada ao quesito 1.º, que contemplava a respectiva matéria.
Como facto constitutivo do direito de crédito invocado, cabia ao A. o respectivo ónus de prova (art. 342.º, n.º 1, do CC), sendo certo ainda de que não beneficia de qualquer presunção.
Nesta conformidade, sendo manifesto não se tipificar a situação prevista no art. 1691.º, n.º 1, alínea c), do Código Civil, não é possível responsabilizar a mesma R., pelo cumprimento da obrigação pecuniária, decorrente do contrato de crédito ao consumo, sob a forma de mútuo, celebrado pelo R.
Nestes termos, pois, procedem parcialmente as apelações, justificando-se a alteração da sentença recorrida.
2.5. Em face do que precede, pode extrair-se de mais relevante:
I. A entrega do exemplar do contrato de crédito ao consumo, em momento posterior ao acto da sua assinatura, acarreta a sua nulidade, a invocar pelo “consumidor”.
II. O abuso do direito pode determinar a ilegitimidade da invocação da nulidade do contrato.
III. Há abuso do direito, na modalidade venire contra factum proprium, quando o contraente quis a execução do contrato, designadamente, fazendo intervir a seguradora, em sua substituição, no pagamento de prestações.
IV. O dever de comunicação previsto no art. 5.º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, aprovado pelo DL n.º 446/85, de 25 de Outubro, exige do proponente um comportamento activo, de modo a possibilitar ao aderente o conhecimento adequado, completo e efectivo das referidas cláusulas contratuais.
V. A falta de realização de uma das prestações em que a obrigação se fracciona, referida no art. 781.º do CC, justifica apenas a perda do benefício do prazo quanto às restantes prestações.
VI. Tendo as cláusulas gerais do contrato sido excluídas, isso não pode deixar de incluir, igualmente, a consideração da taxa de juro contratual ali prevista para os juros de mora.
VII. As cláusulas gerais excluídas de um contrato de seguro, porque não comunicadas ao aderente, não podem ser invocadas para afastar a obrigação decorrente do contrato.
VIII. As garantias a que se refere a alínea g) do n.º 2 do art. 6.º do DL n.º 359/91, de 21 de Setembro, respeitam apenas às garantias prestadas pelo “consumidor”.
IX. Não se provando o proveito comum do casal, por efeito da resposta negativa à respectiva matéria da base instrutória, não pode efectivar-se a responsabilidade pelo pagamento da dívida, nos termos previstos no art. 1691.º, n.º 1, alínea c), do CC.

2.6. As partes, na medida em ficaram vencidas por decaimento, estão obrigados ao pagamento das respectivas custas, tanto na acção como nos recursos, em conformidade com a regra da causalidade consagrada no art. 446.º, n.º s 1 e 2, do CPC, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
Ao patrono da R. E... é devido o pagamento dos honorários previstos na Portaria n.º 1386/2004, de 10 de Novembro.
III – DECISÃO
Pelo exposto, decide-se:
1) Conceder provimento parcial aos recursos, alterando a sentença recorrida de modo a condenar a Interveniente no pagamento das prestações apenas a partir de Fevereiro de 2001 e os RR. C... e E... a pagarem ainda as prestações vencidas entre 30 de Setembro de 2000 e 30 de Dezembro de 2000, com acréscimo sempre dos juros de mora à taxa anual dos juros comerciais, e confirmando a mesma sentença no demais.
2) Condenar as partes no pagamento proporcional das custas da acção e dos recursos, sem prejuízo do apoio judiciário concedido.
3) Atribuir ao patrono da R. E... os honorários referidos.
Lisboa, 29 de Outubro de 2009
(Olindo dos Santos Geraldes)
(Fátima Galante)
(Ferreira Lopes)