Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1004/07.8TJLSB.L1-1
Relator: MARIA DO ROSÁRIO BARBOSA
Descritores: ALUGUER DE LONGA DURAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/02/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. O contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor – vulgarmente designado aluguer de longa duração (ALD) – pode ser resolvido extrajudicialmente por simples comunicação ao locatário relapso.
2. Mas para isso tornar-se necessário que se proceda a tal comunicação e que esta seja recepcionada pelo locatário – pois tal declaração unilateral à outra parte (436, do CC) só pode ter efeito a partir do momento em que entra na esfera de conhecimento do declaratário, ou a partir do momento em que o declaratário a podia conhecer -art. 224, do CC.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes do Tribunal da Relação de Lisboa
P, SA interpõe recurso de apelação da sentença proferida nos autos supra referidos que instaurou contra M Lda., pedindo a resolução contratual do contrato de aluguer de longa duração celebrado entre ambas com a consequente entrega do veículo.
A referida sentença julgou a acção improcedente por ter considerado que o contrato não foi validamente extinto por resolução absolvendo a Ré dos pedidos.

São as seguintes as conclusões de recurso apresentadas:
“Conclusões
A) Recorre a apelante da douta sentença proferida pelo Meritíssimo Juiz de Direito do 2º Juízo Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, 3ª secção, que julgou improcedente a acção declarativa Com processo sumário movida pela recorrente a M, Lda., absolvendo-a dos pedidos formulados.
B) A apelante não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal a quo na parte em que considera que existe incumprimento do contrato na modalidade de simples mora que não é suficiente para fundamentar uma resolução do contrato.
C) Consequentemente o Tribunal a quo considerou que a resolução efectuada pela recorrente não foi valida e eficaz, não estando o contrato extinto pela resolução.
D) A ré foi absolvida dos pedidos formulados.
E) No caso sub Júdice estamos perante um contrato de aluguer de longa duração, o qual é regulado pelas disposições do DL nº 354/86 de 23/10, pelas normas gerais da locação, pelas disposições gerais dos contratos e pelas cláusulas estabelecidas pelos contraentes que não estejam em contradição com normas de natureza imperativa.
F) Este tipo de contratos, face à sua duração limitada, podem ser resolvidos por simples declaração ao contraente incumpri dor nos termos do disposto no nº 4 do artº 17º do Decapei nº 354/86 de 23/10.
G) Dispõe o nº 4 do artº 17º do DECO Lei nº 354/86 de 23 de Outubro que: “É Igualmente lícito à empresa de aluguer sem condutor retirar ao locatário o Veículo alugado no termo do contrato, bem como rescindir o contrato, nos Termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais”.
H) Nos termos do nº 1 do artº 432º do C.C.: “É admitida a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção.”
I) Daí que as partes, aquando da celebração do contrato de aluguer de longa duração tenham convencionado que: “O locador poderá rescindir, com justa causa e unilateralmente, o presente contrato sempre que o locatário falte a qualquer das suas obrigações contratuais.” Cf. cláusula 16.1 das “Condições Gerais” do contrato.
J) A resolução é a destruição da relação contratual operada por acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam, se o contrato não tivesse sido celebrado.
L) A essência do contrato de aluguer é o gozo temporário e oneroso do bem por parte do locatário.
M) Ir caso, a recorrida deixou de cumprir com o pagamento das rendas acordadas com a recorrente, situação que se prolongou no tempo e levou esta, através de carta registada com aviso de recepção, a comunicar à recorrida a resolução unilateral do contrato com fundamento na falta de pagamento das rendas vencidas.
N) Ora, uma vez que a recorrida violou a sua obrigação de pagamento das rendas em data previamente acordada e de forma reiterada, assistia à recorrente o direito à resolução do contrato, sem que antes tivesse de interpelar a recorrida para pagamento em determinado prazo.
O) Pois a cláusula resolutiva acordada não é uma cláusula genérica e em branco,
P) Tal cláusula não pode ser vista e interpretada isoladamente,
Q) Tem de ser interpretada no conjunto de regras que integra: o contrato de aluguer de longa duração celebrado pelas partes.
R) Sendo que da cláusula consta expressamente que a locadora poderá resolver o contrato caso o locatário falte a qualquer das suas obrigações contratuais,
S) E no conjunto das regras convencionadas no contrato estão expressamente determinadas quais as obrigações do locatário no âmbito daquele contrato,
T) Logo, não faz sentido exigir que tais obrigações tivessem de constar expressamente da cláusula resolutiva.
U) Por outro lado, face à natureza do contrato, as circunstâncias em que foi celebrado e incumprimento da recorrida durante dezasseis meses, é manifesto que a recorrente perdeu o interesse na manutenção do contrato.
V) A resolução contratual operada pela apelante é válida, ao abrigo do disposto nos artigos 17º, nº 4 do Decreto-lei nº 356/86 de 23/10, 432º, nº 1 e 436º do Código Civil e cláusulas contratuais do contrato de aluguer de longa duração junto aos autos.
X) A sentença recorrida ao decidir como decidiu viola as normas legais e convencionais referidas no ponto anterior.
Termos em que deverá ser revogada a decisão proferida, como é de Justiça.”

OBJECTO DO RECURSO
Nos termos do disposto nos art. 684, nº3 e 4 e 690, nº1, do CPC o objecto do recurso delimita-se, em princípio, pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do conhecimento das questões de que cumpra apreciar oficiosamente, por imperativo do art. 660, ex. Vi do art. 713, nº2, do mesmo diploma legal.

Os factos a ter em consideração para a análise do recurso são os seguintes:
1. No exercício da sua actividade comercial, a Autora celebrou com o Réu o contrato de Aluguer de Longa Duração número 620033-AL-O composto de "Condições Gerais" e de "Condições Particulares", cuja cópia se junta como doc. 1 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
2. O referido contrato, começou a produzir os seus efeitos no dia 9 de Julho de 2002.
3. Nos termos do acordo celebrado a Autora veio a adquirir uma viatura automóvel, marca Citroen, modelo Berlingo 1.9D 600 PACK, matrícula TT.
4. Tendo facultado a sua utilização ao Réu nos termos do disposto nas cláusulas 5ª das “Condições Gerais” e 4ª das "Condições Particulares".
5. A ré vinculou-se, no quadro deste contrato, ao pagamento de 60 (sessenta) rendas mensais no valor de € 166,14 (cento e sessenta e seis euros e catorze cêntimos), acrescido de IVA, cada uma;
6. A ré não pagou parte da renda vencida a 10.08.2005 e as rendas vencidas em 10.09.2005; 10.10.2005; 10.11.2005; 10.12.2005, 10.01.2006., 10.02.2006; 10.03.2006; 10.04.2006, 10.05.2006, 10.06.2006, 10.07.2006, 10.08.2006, 10.09.2006, 10.10.2006, 10.11.2006 e 10.12.2006.
7. Por carta registada com aviso de recepção, junto como doc. 3 e que aqui se dá por integralmente reproduzida a autora comunicou à ré “procedemos nesta data à resolução unilateral do contrato celebrado”.
8. Tal carta foi enviada para a morada constante do Contrato de Aluguer de Longa Duração Nº 620033-AL-0, contudo a carta foi devolvida à requerente com a indicação de “Mudou-se”, conforme cópia junta como doc. 5.
9. A ré não comunicou à requerente qualquer alteração da sua morada.
10. Nos termos da cláusula 16.ª, n.º 1, do contrato “O locador poderá rescindir, com justa causa e unilateralmente, o presente contrato sempre que o locatário falte a qualquer das suas obrigações contratuais.”
11. Nos termos da cláusula 17.ª n.º 1 do contrato “Findo o contrato, por qualquer causa, incluindo rescisão por incumprimento do locatário e com excepção da perda ou destruição total, o veículo locado deverá ser restituído no local e perante a entidade identificada na cláusula 4.ª das condições particulares.”
12. A propriedade do veículo com a matrícula 67-09-TT, marca Citroën está registada a favor da autora.
13. O referido veículo apesar dos esforços da autora não foi devolvido pela ré.
14. Com o tempo e uso da viatura, a mesma deteriora-se desvaloriza-se.
15. No dia 23 de Janeiro de 2007, foi julgado procedente o procedimento cautelar intentado pela autora e determinada a apreensão do veículo automóvel o qual foi entregue à autora no dia 19 de Fevereiro de 2007.

Apreciando o recurso:
A sentença recorrida ao apreciar os pedidos formulados pela Apelante julgou-os improcedentes fundamentando nos seguintes termos:
“ (…) Da resolução do contrato e suas consequências:
A resolução traduz-se na destruição da relação contratual operada por um acto de vontade de um dos contraentes, face ao incumprimento do outro, em regra com eficácia retroactiva. Faz-se, mediante “declaração à outra parte” (artigo 436.º do CC) - declaração unilateral receptícia com efeitos a partir do momento em que entra na esfera do conhecimento do declaratário ou a partir do momento em que o declaratário a podia conhecer (teoria da recepção) – artigo 224.º do CC.
Constitui doutrina corrente que, com ressalva das situações em que se estabeleça uma cláusula resolutiva tácita, nos termos dos artigos 432.º, 801.º e 808.º do Cód. Civil, o direito potestativo só pode operar em situações de incumprimento definitivo.
In casu, dispõe a cláusula 16.ª, n.º 1, do contrato “O locador poderá rescindir, com justa causa e unilateralmente, o presente contrato sempre que o locatário falte a qualquer das suas obrigações contratuais.”
Desta cláusula não resulta que as partes tenham querido afastar a regra-geral prevista no artigo 801.º do Código Civil e para o qual remete o artigo 17.º, n.º 4 do DL 354/86, de 23 de Outubro.
Importa, pela pertinência do estudo, citar o Prof. Calvão da Silva : “(...) as partes não podem dar à cláusula resolutiva expressa um conteúdo meramente genérico, referindo-se, por exemplo, ao incumprimento de todas as obrigações contratuais. Têm de fazer uma referência explícita e precisa às obrigações cujo incumprimento dá direito à resolução identificando-as. (...) Esta limitação à liberdade contratual das partes radica na própria razão de ser e função da cláusula resolutiva. (...) Quando se limitem a fazer uma mera referência genérica, em branco, à violação de (qualquer uma das) obrigações nascentes do contrato, a estipulação não passará de uma cláusula de estilo, mero rappel do regime jurídico da chamada condição resolutiva tácita, já que não houve uma prévia vontade contratual que de facto valorasse especificamente a gravidade da inadimplência.”
Também neste sentido se tem pronunciado a jurisprudência.
Assim, importa verificar se houve ou não incumprimento definitivo do contrato, por parte do locatário, que pode conduzir à resolução do contrato e que se verifica, nos seguintes casos:
a) Impossibilidade definitiva da prestação;
b) Perda do interesse do credor na prestação resultante da mora ou decurso de um termo fixado como essencial;
In casu, o cumprimento da prestação pecuniária não é impossível e não se vislumbra que tenha existido perda do interesse do credor na prestação, o que aliás não é alegado.
Ou seja, existe incumprimento do contrato na modalidade de simples mora que não é suficiente para fundamentar uma resolução do contrato.
Não sendo válida e eficaz a resolução efectuado, o contrato não foi extinto por resolução.
Da entrega do veículo:
A autora pede a condenação da ré na entrega do veículo, por o contrato se ter extinto, por resolução. Conforme já se referiu, o contrato não foi validamente extinto, por resolução, pelo que também este pedido improcede.
Importa apenas referir que não se olvida o facto de o contrato, nesta data, já estar extinto por caducidade, pelo que nestes termos sempre a ré teria que devolver a viatura. Porém, tal não é objecto dos presentes autos, pelo que o Tribunal não pode e não deve apreciar uma causa de pedir distinta da formulada na presente acção.”

Quid júris?
Um contrato como o ora em apreço – contrato de aluguer de veículo automóvel sem condutor – vulgarmente designado aluguer de longa duração (ALD) – pode ser resolvido extrajudicialmente.
Estamos perante um contrato de feição especial, a que são aplicáveis, para além das disposições do DL nº 354/86, de 23.10, com a alteração introduzida pelo DL nº 44/92, de 31.3, as normas gerais dos contratos de locação, as disposições gerais dos contratos e as cláusulas estabelecidas pelos contraentes que não estejam em contradição com aquelas, quando de natureza imperativa.
De acordo com o disposto no nº 4 do art. 17º do citado DL nº 354/86, “é lícito à empresa de aluguer sem condutor (...) rescindir o contrato nos termos da lei, com fundamento em incumprimento das cláusulas contratuais”.

Tem vindo a ser entendido que a resolução de contratos desta natureza pode ser feita extrajudicialmente, por simples comunicação ao locatário relapso, nos termos do citado art. 436º (vd. neste sentido, entre outros, Ac. do STJ, de 16-04-2002, www.dgsi.pt, proc. 02A532; Acs. da RP, de 3-11-2005, 20-12-2005, 23-5-2005, 14-06-2004 e 04-05-2004, in www.dgsi.pt, proc. 0534720 (relatado pelo aqui adjunto Des. Gonçalo Silvano), 0521192, 0551194, 0453206 e 0421774; Acs. da RP, 8-07-2004, de 4.12.2001 e de 21.11.2002, CJ, 2004, III, 204, CJ, 2001, V, 204 e 2002, V, 180; Acs. da RL, de 27.09.2001, CJ, 2001, IV, 112, e de 14.01.99 e 29.01.98, www.dgsi.pt, proc. 0064456 e 0051212; e da RP, de 12.5.2005, proc. nº 2521/05-3ª, e de 7-10-2004, in www.dgsi.pt, proc. 0434328.
Não tendo a Ré pago os alugueres atempadamente, assistia à Autora, ao abrigo das cláusulas do contrato, e atento o princípio da liberdade contratual previsto no artº 405º do CC, o direito à resolução extrajudicial do contrato em causa.
Mas para isso tornar-se-ia necessário que procedesse a tal comunicação e que esta tivesse sido recepcionada pela Apelada – pois tal declaração unilateral à outra parte (436, do CC) só pode ter efeito a partir do momento em que entra na esfera de conhecimento do declaratário, ou a partir do momento em que o declaratário a podia conhecer -art. 224, do CC.
E, existindo uma cláusula resolutiva tácita, nos termos dos art. 432, 801 e 808 do CC. o direito de a apelante resolver o contrato só se verifica em situações de incumprimento definitivo.
A cláusula 16º do contrato não afasta a regra prevista no art. 801, do CC para a qual remete o DL 354/86 de 23 de Outubro.
Ora, o incumprimento definitivo do contrato pela apelada só se verifica havendo impossibilidade definitiva da prestação ou perda do interesse do credor na prestação resultante da mora ou decurso de um termo fixado como essencial.
Ora nem sequer foi alegado na acção e consequentemente provado que a apelante tivesse procedido à interpelação admonitória da Ré para proceder ao pagamento dos alugueres em dívida pelo que pelo que a mora não se converteu em incumprimento definitivo.
A ser assim o que se verifica é que existe incumprimento do contrato na modalidade de simples mora que não é suficiente para fundamentar a resolução do contrato.
Daí que também a entrega do veículo não possa proceder nesta acção.
Os fundamentos jurídicos da sentença merecem-nos inteira concordância não podendo proceder as conclusões de recurso.
DECISÃO
Pelo exposto julgam a apelação improcedente confirmando a sentença recorrida.
Custas pela Apelante.
Lisboa, 2 de Junho de 2009
Maria Rosário Barbosa
Rosário Gonçalves
José Augusto Ramos