Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
489/03.6PBLRS.L1-9
Relator: CARLOS BENIDO
Descritores: SUBSTITUIÇÃO DE PRISÃO POR MULTA
FALTA DE PAGAMENTO DA MULTA
PENA DE MULTA SUBSTITUTIVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/19/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: Iº O disposto no art.49, nº2, do Código Penal é aplicável, apenas, à pena de multa aplicada a título principal e não à multa de substituição;
IIº Substituída a pena de prisão por multa e não paga esta, após o trânsito em julgado do despacho que ordena o cumprimento daquela pena de prisão, não pode o arguido evitar o seu cumprimento pagando a multa;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO

No processo comum singular nº 489/03.6PBLRS, do 3º Juízo Criminal - Juízos Criminais e de Pequena Instância Criminal de Loures, em que é arguida A..., foi, em 5-05-2011, proferido o seguinte (transcrito) despacho:
«Fls. 360 a 392:
Compulsados os presentes autos constata-se que:
- a arguida foi notificada, por OPC competente, da sentença proferida nos autos no dia 23/09/2008 (fls. 301 verso), não tendo recorrido da mesma;
- a sentença transitou em julgado no dia 23/10/2008 (fls. 303);
- a arguida foi notificada, por via postal simples, para a morada indicada no TIR de fls. 240, para, no prazo de 10 dias, informar o motivo pelo qual não procedeu ao pagamento da multa, ou requerer a sua substituição por trabalho gratuito a favor da comunidade ou o pagamento da pena de multa em prestações, sob pena de ver convertida a pena principal de multa em pena de prisão subsidiária e ver exequível a pena de prisão que havia sido substituída por multa (fls. 330, 331, 333 e 334). Decorrido tal prazo, a arguida nada disse ou requereu, nem pagou a pena de multa.
Resulta, ainda, dos autos que a arguida foi pessoalmente notificada, através de OPC competente (fls. 356 verso) do despacho que converteu a pena de multa não paga em prisão subsidiária e que tornou exequível a pena de prisão (que havia sido substituída por pena de multa).
Decorrido o prazo do contraditório, a arguida nada disse ou requereu, tendo sido proferido despacho a considerar ter ocorrido trânsito em julgado e a determinar a emissão dos competentes mandados de detenção (fls. 357).
Entende, assim, este tribunal, terem sido cumpridas todas as formalidades legais respeitantes à notificação da arguida dos referidos despachos judiciais, pelo que inexiste qualquer nulidade ou irregularidade processual na sua notificação.
A opção da arguida, por razões que não cabem a este tribunal aferir foi manter-se em silêncio e não proceder ao pagamento das penas de multas.
Na presente data constata-se, no entanto, que a arguida procedeu ao pagamento das quantias de € 450 (fls. 368) e de € 900 (fls. 388).
Ora, no que concerne à quantia de € 900, que corresponde à condenação que sofreu (fls. 286) em pena principal de 180 dias de multa, à razão diária de € 5, declaro extinta tal pena, pelo seu cumprimento, ao abrigo do disposto no art. 475º do CPP. Registe e comunique.
No que respeita ao pagamento da quantia de € 450, o mesmo mostra-se extemporâneo e, por conseguinte, não tem a virtualidade, pretendida pela arguida, de ver considerada extinta a pena principal de prisão. A liquidação definitiva da pena de prisão aplicada à arguida foi, inclusivamente, promovido, a fls. 378-379, com a qual se concorda, pelo que o tribunal determina o fim da pena de prisão, a cumprir pela arguida, no dia 28/07/2011.
O tribunal não fica insensível à situação pessoal e familiar vivida pela arguida mas, considerando que a mesma, notificada pessoalmente para se pronunciar ao longo de todo o processado supra referido, optou por se silenciar, nada mais pode agora determinar, em cumprimento da lei.
Notifique.».

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso a arguida, formulando as seguintes conclusões:
1. São as conclusões que delimitam o objecto do recurso, tal como se refere no Acórdão de 92.06.24, D.R.I.S.-A de 92.08.06 (disponível em www.dgsi.pt).
2. A recorrente não se pode conformar com a conversão da pena de multa em pena de prisão efectiva que lhe foi aplicada.
3. A arguida encontra-se detida desde o passado dia 29 de Abril do corrente ano, no Estabelecimento Prisional de Tires para cumprimento de uma pena de noventa dias.
4. Por mais redundante ou paradoxal que possa parecer, a arguida só teve conhecimento desta pena e respectiva conversão operada em 30.04.2010, no dia da sua detenção, sendo que na verdade nunca recebeu qualquer comunicação do seu defensor oficioso relativamente a este assunto, ou mesmo pelo próprio Tribunal.
5. Verificou-se somente no dia 02/05/2011, após a consulta dos autos, a volatilidade da substituição de defensores oficiosos que, eventualmente, se traduziram numa não informação por parte dos mesmos relativamente à pena aplicada e subsequentes notificações, razão pela qual, com humildade, afirma não ter recebido qualquer notificação ou solicitação no sentido do pagamento atempado das multas em que fora condenada.
6. E, como resulta da sua boa-fé e postura perante a injunção aplicada, procedeu no mesmo dia (02.MAI.2011), ao pagamento da importância correspondente aos referidos noventa dias de multa à taxa diária de € 5,00, perfazendo o montante global de € 450,00 (quatrocentos e cinquenta euros), conforme documento 2, que se junta.
7. A arguida e ora peticionante incumpriu por desconhecer. Incumpriu porque nunca logrou ser contactada, nem conseguir o contacto, do (s) defensor (es) que decorreram no seu caso, não devendo ser penalizada por esse desiderato.
8. Na verdade as decisões foram notificadas a defensores oficiosos, podendo-se considerar, de uma forma fria e descontextualizada, considerar a arguida notificada mas, na verdade, o senso jurídico diz-nos também que a falta de notificação da decisão ao arguido, inviabilizou o exercício de um direito fundamental e explanado no n.º 1, alínea h) do artigo 61.° do Código de Processo Penal e que consiste em recorrer, nos termos da lei, das decisões que lhe forem desfavoráveis.
9. Ao interiorizar o desvalor da sua conduta e liquidando a injunção à qual foi condenada tal como o fez, retratou-se e assumiu tal como o fez, com sinceridade, em Audiência de Discussão e Julgamento. O sofrimento a que se encontra votada de momento e que prevê continuar caso não seja reconsiderada esta medida de prisão a que se encontra votada, de longe ultrapassa os limites do humanamente mensurável.
10. Por outro lado, a arguida, não renunciou comparecer, e não compareceu porque não foi notificada, como se constata dos autos, para a realização de quaisquer actos processuais para os quais fosse necessária a sua presença. O contrário cerceia, irremediavelmente, o direito de defesa da arguida.
11. Donde, e salvo melhor opinião, constata estar perante eventual nulidade que, de per si e no caso vertente, podem tornar inválido o acto a que se reporta, bem como todos os que deles dependerem e aqueles que puderem afectar.
12. Aliás, mal foi contactada pela Policia de Segurança Pública, da forma como o foi, pessoalmente, respondeu em conformidade e deslocou-se de imediato ao Posto Policial. Tudo teria feito de igual modo se fosse do seu conhecimento a injunção imposta.
13. Estes foram os fundamentos que sustentaram o requerimento que efectuou junto do Tribunal a quo, em 02/05/2011, e de cuja decisão agora se interpõe recurso.
14. Na fundamentação que motivou a emissão de mandados de captura para a arguida, no sentido de lhe ser aplicada a pena de 120 dias de prisão subsidiária resultante da conversão da pena de multa, não paga, de 180 dias à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz a pena de € 900,00 (novecentos euros) e ainda na pena efectiva de 90 dias de prisão, o Tribunal a quo, fundamenta a sua decisão de uma forma, ou seja,
15. A fls. 337, vem o Tribunal a quo, fundamentar a sua decisão no facto de a arguida ter sido notificada na pessoa do seu Ilustre Defensor, conforme despacho proferido a fls. 331.
16. Não referindo em altura nenhuma que a arguida tenha sido pessoalmente notificada para o efeito.
17. Nessa sequência, a requerente veio requerer a nulidade de tal decisão judicial, face aos fundamentos que ali constavam, pois salvo melhor opinião, tal facto constitui nulidade, nos termos previstos no artigo 121.°, n.º 2 (à contrário), do Código de Processo Penal pois trata-se de nulidades relativas à falta de notificação, bem como à convocação para acto processual.
18. Todavia, e apesar de tal nunca ter sido mencionado no referido despacho, veio o Tribunal a quo, agora fundamentar a sua decisão de forma completamente diferente, dizendo que a “a arguida foi notificada, por via postal simples, para a morada indicada no TIR de fls. 240, para no prazo de 10 dias, informar o motivo pelo qual não procedeu ao pagamento da multa, ou requereu a sua substituição por trabalho gratuito a favor da comunidade ou o pagamento da pena de multa em prestações, sob pena de ver convertida a pena principal de multa (fls. 330, 331, 333 e 334). Decorrido tal prazo a arguida nada disse ou requereu, nem pagou a pena de multa.”.
19. Acrescenta o tribunal a quo que “resulta, ainda dos autos que a arguida foi pessoalmente notificada, através de OPC competente (fls. 350 verso) do despacho que converteu a pena de multa não paga em prisão subsidiária e que tornou exequível a pena de prisão (..)”.
20. Ora, conforme se afere pelos dois despachos, dos quais agora se recorre, os mesmos não são coerentes entre si, pois se por um lado, no despacho que fundamentou a emissão de mandados de captura para a arguida o tribunal a quo, se fundamentou no facto de considerar a arguida devidamente notificada na pessoa do seu Ilustre Defensor Oficioso, no segundo despacho, o tribunal fundamenta a sua decisão no facto da arguida ter sido notificada pessoalmente pelo OPC competente.
21. Ficando assim na dúvida, quais os fundamentos que estiveram na origem da emissão dos referidos mandados de captura para cumprimento efectivo de pena.
22. Acontece porém, que a arguida, logo que teve efectivamente conhecimento de tal situação, de imediato procedeu ao pagamento das duas multas devidas, ou seja,
23. No próprio dia em que foi detida procedeu ao pagamento da multa em que havia sido condenada no valor de € 900,00 (novecentos euros) conforme se afere pelo doc. 1.
24. E, no dia 02/05/2011, procedeu de imediato ao pagamento da outra multa no valor de € 450,00 (quatrocentos euros), conforme doc. 2.
25. Todavia, perante tal factualidade, veio o tribunal a quo, entender que “no que respeita ao pagamento da quantia de € 450, o mesmo mostra-se extemporâneo e, por conseguinte, não tem a virtualidade, pretendida pela arguida, de ver considerada extinta a pena principal de prisão. A liquidação definitiva da pena de prisão aplicada à arguida foi, inclusivamente promovida a fls. 378-379, com a qual se concorda, pelo que o tribunal determina o fim da pena de prisão a cumprir pela arguida no dia 28/07/2011”.
26. Salvo o devido respeito que aliás é muito, não se concebe a decisão tomada pelo tribunal a quo, na medida em que, é a este que compete suprir oficiosamente as nulidades entretanto suscitadas.
27. Por outro lado, não se percebe, porque é que o tribunal a quo, fundamenta dois despachos de forma completamente diferente, nem tão pouco, porque é que não admitindo o pagamento da multa no valor de € 450,00, cujo depósito foi efectuado e se encontra à ordem dos presentes autos, não ordena a sua devolução.
28. Encontra-se a arguida, neste momento duplamente condenada, ou seja,
29. A cumprir uma pena de 90 dias de prisão, por cuja multa já efectuou o respectivo pagamento.
30. Questiona-se V. Ex.ª, se tal facto não poderá eventualmente configurar uma situação de detenção ilegal, nos termos do artº 222.° do Código Processo Penal.
Nestes termos e nos demais de Direito, requer-se a V.ª Exa. que compreendendo e acreditando no expendido, reconsidere a conversão operada relativamente à arguida quanto aos noventa dias de prisão efectiva aplicada, na medida em que se a mesma se tivesse tido perfeito conhecimento da Decisão, tal como o fez quanto à injunção relativa aos cento e vinte dias de prisão subsidiária, tinha, de igual modo, procedido em conformidade quanto aos noventa dias que se encontra a cumprir, demonstrando a sua transparência e interiorização do desvalor da sua conduta liquidando tal montante correspondente a iguais dias de prisão.

Respondeu a Exma. Procuradora-Adjunta suscitando a questão prévia da extemporaneidade do recurso e, à cautela, a sua improcedência.

Neste Tribunal, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu o seguinte (transcrito) parecer:
«Atendendo a que a recorrente já foi libertada – objectivo pretendido com o recurso interposto – penso ter perdido utilidade a apreciação do mesmo, pelo que se promove que se declare extinta a instância por inutilidade superveniente da lide».
Cumpriu-se o disposto no artº 417º, nº 2, do CPP, não tendo havido resposta.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Além do despacho recorrido, e acima transcrito, mostram-se com importância ao aquilatar da sorte do presente recurso, as seguintes incidências processuais:
a) Por sentença proferida em 18-01-2008, transitada em julgado, foi a arguida condenada pela prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, p. e p. pelos arts. 199º e 197º do CDADC, aprovado pelo DL nº 63/85, de 14/03, com as alterações introduzidas pelo artº 1º da Lei nº 114/91, de 3/09, na pena de 90 dias de prisão e 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00, substituindo-se a pena de prisão por 90 dias de multa, à mesma taxa diária, o que, por força do disposto no artº 6º do DL nº 48/95, de 15/03, resulta num global de 270 dias de multa à taxa diária de € 5,00;
b) A arguida não efectuou o pagamento da multa, nem veio requerer o respectivo pagamento em prestações ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, não obstante notificada para o efeito em 22-02-2010, por via postal simples com prova de depósito (cfr. fls. 330, 331, 333 e 334);
c) Em 28- 04-2010, o Ministério Público promoveu que:
- se declare exequível a pena de 90 dias de prisão aplicada à arguida a título de pena principal, nos termos do disposto no artº 44º, nº 2, do C. Penal;
- a conversão da pena de multa na correspondente prisão subsidiária, de 120 dias, nos termos do disposto no artº 49º, nº 1, do C. Penal;
- oportunamente, sejam mandados passar os competentes mandados de detenção, devendo os mesmos conter a advertência da possibilidade de, a todo o tempo, poder evitar total ou parcialmente a execução da prisão subsidiária, pagando no todo ou em parte, a multa em que foi condenada (artigo 49º, nº 2, do C. Penal) [cfr. fls. 335 e 336];
d) Sobre esta promoção incidiu, em 3-05-10, o seguinte (transcrito) despacho:
«A arguida A... foi condenada na pena de 90 dias de prisão – substituída por multa de igual período – e pena de 180 dias de multa à taxa diária de cinco euros.
Não cumpriu a pena em que foi condenada no âmbito dos presentes autos, nem se mostrou viável a sua execução patrimonial para lograr coercivamente o cumprimento.
Por outro lado, não veio a mesma requerer o cumprimento da multa nos termos previstos no art. 47°, nº 3 do C. Penal ou a substituição de tal multa por trabalho, nos termos do artigo 48.°, n.º 1, do mesmo diploma.
A arguida foi ainda posteriormente notificada para justificar o não cumprimento da pena, na pessoa do seu Il. Defensor, nos termos do art. 113°, nº 9 a contrario do CPP, tudo conforme despacho de fls. 331.
Porém, a arguida nada veio dizer, o que nos leva a considerar o incumprimento injustificado.
Pelo exposto e perante a total inércia da arguida, no longo período que já decorreu desde o trânsito da condenação – que só poderá ser interpretado como alheamento da pena aplicada - declara-se exequível a pena de noventa dias de prisão e converte-se a pena de multa de 180 dias à taxa diária de cinco euros, não cumprida, na pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária (artigo 49.°, n.º 1, do Código Penal).
Após trânsito, remeta boletins ao Registo criminal e expeça mandados para cumprimento da pena.» (cfr. fls. 337).
e) A arguida foi pessoalmente notificada deste despacho em 18-02-11 (cfr. fls. 353, 355 a 356 e vº);
f) Em 24-03-11, foi proferido o seguinte (transcrito) despacho:
«Fls. 356 e 356 verso – visto.
Transitado que se encontra o despacho de fls. 337, remeta os boletins e expeça os mandados.».
g) A arguida foi detida, em cumprimento dos mandados de detenção, em 29-04-11, tendo nesta data procedido ao pagamento da quantia de € 900,00 e, em 2-05-11, ao pagamento da quantia de € 450,00 (cfr. fls. 384 a 391, 367 e 368);
h) Em 2-05-11, a arguida apresentou requerimento invocando razões para não ter procedido ao pagamento da multa (nunca foi contactada pelos defensores nem foi notificada pelo tribunal) e requerendo que se “reconsidere a conversão operada relativamente à arguida quanto aos noventa dias de prisão efectiva aplicada, na medida em que se a mesma tivesse tido perfeito conhecimento da Decisão, tal como o fez quanto à injunção relativa aos cento e vinte dias de prisão subsidiária, tinha, de igual modo, procedido em conformidade quanto aos noventa dias que se encontra a cumprir, demonstrando a sua transparência e interiorização do desvalor da sua conduta liquidando tal montante correspondente a iguais dias de prisão”;
i) Sobre este requerimento incidiu o despacho recorrido e supra transcrito em I.
2. Questões prévias.
2.1. O Ministério Público, na resposta ao recurso apresentado pela arguida, suscita a questão da extemporaneidade do recurso, porquanto, segundo ele, a recorrente interpôs recurso do despacho de fls. 337, chamando, para o efeito, à colação, o despacho de fls. 393.
Todavia, em 7-05-2011, data em que foi apresentada a motivação de recurso, já o despacho de fls. 337 havia transitado em julgado – como bem sabe a recorrente, que utilizou o despacho de fls. 393 como pretexto para o sindicar – não podendo, salvo melhor opinião, a ora recorrente dele recorrer.
Vejamos:
Como bem refere o Ministério Público, a recorrente utilizou o despacho de fls. 393 como pretexto para sindicar o despacho de fls. 337.
Tal resulta, desde logo, dos três primeiros parágrafos da motivação em que a recorrente refere que o recurso é interposto da decisão que revogou a medida da pena aplicada à arguida e a converteu em pena efectiva de prisão de 90 dias.
Nessa sequência, a Mma. Juiz “a quo” no entendimento de que «não resulta totalmente claro do recurso interposto pela arguida, notifique o Ilustre Mandatário da mesma para vir aos autos esclarecer se pretende interpor recurso do despacho de fls. 337, que converteu a pena de multa não paga em prisão subsidiária e tornou exequível a pena principal de 90 dias de prisão, ou se pretende interpor recurso do despacho de fls. 393, que indeferiu o pedido da arguida de fls. 360 a 360 no sentido do tribunal “reconsiderar a conversão operada relativamente aos noventa dias de prisão efectiva”.».
A arguida, por requerimento de fls. 469/470 (fax) e 475/476 (original), veio esclarecer «que o recurso por si interposto diz respeito ao despacho de fls. 393».
Ora, tendo o despacho de fls. 393 sido proferido em 5-05-2011, é manifesto que o recurso apresentado no dia 7-05-2011 é tempestivo.
Termos em que improcede, sem mais, a suscitada questão prévia.

2.2. Na vista a que se refere o artº 416º, do CPP, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta, no entendimento de que a libertação da recorrente era o objectivo pretendido com o recurso, promoveu a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide uma vez que a recorrente já foi libertada.
Vejamos:
Com o presente recurso visa a recorrente que se “reconsidere a conversão operada relativamente à arguida quanto aos noventa dias de prisão efectiva aplicada”. Daí que, e contrariamente ao referido pela Exma. PGA, o recurso não tenha perdido utilidade. A arguida só foi libertada devido ao efeito suspensivo atribuído ao recurso (cfr. despacho de fls. 471).
O recurso mantém, pois, toda a sua utilidade, pelo que improcede, sem mais, a questão suscitada pela Exma. PGA.

3. Como referido em supra 1., a arguida foi condenada, por sentença proferida em 18-01-2008, transitada em julgado, pela prática de um crime de aproveitamento de obra contrafeita ou usurpada, p. e p. pelos arts. 199º e 197º do CDADC, aprovado pelo DL nº 63/85, de 14/03, com as alterações introduzidas pelo artº 1º da Lei nº 114/91, de 3/09, na pena de 90 dias de prisão e 180 dias de multa à taxa diária de € 5,00, substituindo-se a pena de prisão por 90 dias de multa, à mesma taxa diária, o que, por força do disposto no artº 6º do DL nº 48/95, de 15/03, resulta num global de 270 dias de multa à taxa diária de € 5,00.
A arguida não efectuou o pagamento da multa, nem veio requerer o respectivo pagamento em prestações ou a sua substituição por trabalho a favor da comunidade, não obstante notificada para o efeito em 22-02-2010, por via postal simples com prova de depósito (cfr. fls. 330, 331, 333 e 334).
Por essa razão, por despacho proferido em 3-05-2010, foi declarada exequível a pena de noventa dias de prisão e convertida a pena de multa de 180 dias à taxa diária de cinco euros, não cumprida, na pena de 120 (cento e vinte) dias de prisão subsidiária (cfr. fls. 337).
Este despacho, contrariamente ao invocado pela recorrente (cfr. conclusões 4 a 8), foi pessoalmente notificado à arguida, pelo OPC, em 18-02-11 (cfr. fls. 353, 355 a 356 e vº).
E, não tendo sido impugnado, transitou em julgado no dia 14-03-2011 (cfr. arts. 113º, nº 1, al. a), 104º, nº 1, 411º, nº 1, al. a), todos do CPP, e 144º, nºs 1 e 2, do CPC).
Daí que, não se conheça do invocado pela recorrente no que a tal despacho diz respeito.

4. Curemos agora de saber se é admissível a pretensão da arguida/recorrente pagar a multa resultante de substituição de pena de prisão inicialmente fixada, após despacho transitado em julgado que ordenou o cumprimento da pena de prisão, por não ter pago a multa.
Vejamos então o regime estabelecido na lei para o cumprimento da pena de multa aplicada em substituição da pena de prisão em que a arguida foi condenada, tendo em conta que o actual regime penal e o processual penal, era e é á data da decisão o emergente da Lei nº 59/2007, de 4/09 (C. Penal) e Lei nº 48/2007, de 29/08 (C. Processo Penal) ambos em vigor desde 15 de Setembro de 2007.
Neste âmbito:
- artº 43º, nºs 1 e 2, do C. Penal estatui que:
“1 - A pena de prisão aplicada em medida não superior a um ano é substituída por pena de multa ou por outra pena não privativa da liberdade aplicável, excepto se a execução da prisão for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes. É correspondentemente aplicável o disposto no artigo 47º.
2 - Se a multa não for paga, o condenado cumpre a pena de prisão aplicada na sentença. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 3 do artigo 49°”.
E este pagamento deve ser feito após o trânsito em julgado e no prazo de 15 dias a contar da notificação para o efeito - artº 489º, do CPP, salvo se for autorizado o pagamento em prestações (ex vi do artº 43º, nº 1 e 47º, do C. Penal e artº 489º, nº 3, do CPP).
- A fim de evitar o cumprimento da pena de prisão, o condenado, nos termos do artº 49º, nº 3 ex vi do artº 43º, nº 2, do C. Penal pode requerer a suspensão da execução da pena de prisão provando que o não pagamento da multa não lhe é imputável.
Daqui resulta um regime jurídico próprio e autónomo dos demais, perfeitamente estabelecido pelo legislador que remete para as normas que lhe quer aplicar, e a ser-lhe aplicável outros normativos eles dependem de ser tempestivamente requeridos – artº 490º, nº 1, do CPP).
Ora a arguida não cumpriu a pena aplicada na sentença e nada fez em tempo oportuno, e apenas quando foi detida para cumprimento da pena de prisão, veio pagar a multa.
Mas obviamente fê-lo fora de tempo.
Na verdade tendo sido condenada devia tê-la pago no tempo oportuno ou justificado a falta de pagamento, inclusive no tempo para que foi notificada e com expressa cominação de cumprimento da pena de prisão, tendo tido mais do que tempo e oportunidade para o fazer, sendo certo que é a ela que compete fazer tudo para cumprir a pena em que foi condenada e não ao tribunal andar atrás da arguida a alertá-la para que a cumpra.
É que em face do regime jurídico estabelecido pelo legislador para a pena de multa de substituição, não é aplicável o normativo do artº 49º, nº 2, do C. Penal que apenas é aplicável á pena de multa aplicada a titulo principal (permitindo o cumprimento da pena de multa a todo o tempo, para evitar a prisão subsidiária), diferenciação no cumprimento da pena que se impõe e admite, como expressa Figueiredo Dias, “A Pena de Multa de Substituição”, in RLJ, Ano 125, págs. 163-165 e 206, e em “Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime”, Coimbra, 1993, págs. 368-370.
Idêntica posição é defendida por Maia Gonça1ves, in “Código Penal Anotado”, Almedina, 16ª ed., 2004, págs. 184-186, referindo designadamente que “a disposição do nº 2 (do artigo 44º, do CP) significa, em primeiro lugar, que, se a multa aplicada em substituição da prisão não for paga, o condenado cumprirá, em regra, a prisão aplicada na sentença, como se esta não tivesse decretado a substituição (...)”.
A jurisprudência tem vindo a seguir os mesmos trilhos: Acs. da Relação de Coimbra de 13-11-2007, Proc. nº 2393/06.7PCCBR.C1; de 3-02-2010, Proc. nº 70/06.8TAGVA-B.C1 e de 3-03-2010, Proc. nº 129/04.6GBGVA-A.C1; Acs. da Relação de Lisboa de 15-03-2007, Proc. nº 1564/07 e de 6-10-2009, Proc. nº 7634/04.2TDLSB-A.L1-5; Acs. da Relação do Porto de 15-06-2005, Proc. nº 0543491; de 15-02-2006, Proc. nº 0516370; de 28-03-2007, Proc. nº 0647205 e de 29-04-2009, Proc. nº 117/07.0GAPFR.P1, que aqui seguimos de perto, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Tendo sido proferido despacho com trânsito em julgado a ordenar o cumprimento da pena de prisão, não pode a arguida evitar a prisão pagando a multa, pois não estamos perante a execução de uma prisão subsidiária mas antes, perante a execução de uma pena de prisão principal que a arguida não quis evitar, fazendo uso da substituição por multa que lhe havia sido concedida.
Aqui chegados, e em conclusão: O recurso não merece provimento.
Face ao decidido deve ser devolvida à arguida/recorrente a quantia por esta depositada de € 450,00 (cfr. fls. 367, 368 e 402).

III – DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da 9ª Secção deste Tribunal da Relação em:
Negar provimento ao recurso interposto pela arguida A..., confirmando o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia.

Lisboa, 19 de Janeiro de 2012

Relator: Carlos Benido;
Adjunto: Francisco Caramelo;