Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3015/2006-6
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: DIREITO DE PREFERÊNCIA
EFICÁCIA REAL
TROCA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/18/2006
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: 1. A questão jurídica do direito de preferência convencional e sua eficácia real deve ser analisada à luz do regime jurídico vigente à data em que as partes celebraram a escritura pública.
2. São essencialmente distintos quanto à sua natureza os institutos jurídicos de compra e venda e o da permuta, sendo da essência da compra o pagamento a dinheiro da coisa vendida, enquanto que é essência da troca, ou escambo, dar uma coisa que não seja dinheiro, por outra.
3. Estipulando as partes, numa negociação, para uma delas, uma obrigação cujo objecto se centra na prestação de coisa diferente de dinheiro – assente em permuta - inexiste contrato de compra e venda.
4. E mesmo que o referido contrato de permuta seja oneroso, não existe igualdade de circunstâncias entre uma prestação de “dare” – que caracteriza a permuta - e o pagamento de uma quantia pecuniária – o preço - que caracteriza a compra e venda.
5. Consistindo o pacto de preferência na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa ou em contrato quiçá de conteúdo equivalente, nele não é, por isso, enquadrável a permuta.
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I – 1. T…, Lda. propôs acção com processo comum contra:
Ex.., Lda.,
M… e
G…

Pedindo que lhe seja reconhecido o direito de substituir a R. Ex…como adquirente do imóvel que identifica.

Alegou, para tanto, que:
Anteriormente, fez destacar de um imóvel urbano de que era comproprietária, o prédio que vendeu aos RR. J… e G…; e como para este prédio só tinha acesso pelo seu prédio, então acordou-se que, em caso de transmissão a título oneroso do imóvel, a A. teria direito de preferência sobre o mesmo.
Contudo, os RR. J… e G… ignoraram a obrigação a que estavam adstritos para consigo e, sem previamente lhe haverem proposto a aquisição nas mesmas condições em que o vieram a fazer, transmitiram o referido prédio à R. Ex…, Lda.
Transmissão da qual a A. só agora teve conhecimento, tendo aqueles invocado que se tratou de uma permuta, pelo que realizou depósito, à ordem dos autos, correspondente à soma dos valores declarados dos imóveis permutados, acrescido das despesas com escritura e registos pagos pela R. Ex….
Conclui pedindo o reconhecimento do seu direito de preferência, com as consequências legais.

2. Contestando, os RR. arguíram que se a A. sabe que o negócio, relativamente ao qual se pretende substituir ao adquirente, foi uma permuta, então não pode sustentar a sua posição e formular um pedido por referência a uma compra e venda. E tendo-o feito, tal facto determina a ineptidão da petição inicial.
Invocam, ainda, a prescrição do direito da A., porquanto à data da propositura da acção já haviam decorrido mais de seis meses após o conhecimento pela A. de tal negócio.
Concluem, assim, pedindo a improcedência da acção.

3. Na resposta à contestação apresentada a A. impugnou os factos excepcionados e requereu a intervenção principal provocada de José … e “Esp… - Sociedade Imobiliária, Lda.”, alegando que pela contestação tomou conhecimento que, já na pendência da acção, estes últimos adquiriram o direito de propriedade cuja preferência de aquisição é o objecto daquela, a fim de que a decisão a proferir possa obter o seu efeito útil, nos termos do artigo 28° do CPC.

4. Admitida as intervenções requeridas, foram citados os intervenientes José … e “Esp…, Lda.”, tendo ambos contestado; o primeiro com a mera referência de “fazer seus os articulados dos RR.” (cf. fls. 124); por sua vez a “Esp…, Lda. ” invoca, tal como os RR., a prescrição do direito da A. quanto ao exercício do seu direito de preferência e conclui nos mesmos termos (“fazendo seus os articulados da parte a que se associa” – cf. fls. 126).

5. Ao exarar o despacho saneador o Tribunal “a quo” indeferiu a ineptidão da petição inicial, por falta de elementos de facto, e relegou para momento posterior o conhecimento da prescrição do direito de acção da A..

6. Realizada audiência de discussão e julgamento o Tribunal “a quo” proferiu sentença na qual indeferiu a excepção de caducidade do direito de acção da A., mas julgou improcedente, por não provada, a acção, e absolveu os RR. do pedido.

7. Inconformada a A. Apelou, tendo formulado as seguintes conclusões:
I - A decisão decorrida dá como certo a existência de um pacto de preferência entre a Recorrente e alguns Recorridos e qualifica como obrigacional o referido pacto de preferência com base no artigo 421° do Código Civil, com a redacção actual, e quando analisado à luz da redacção do Código Civil anterior a 1986, pelo que incorre em manifesto lapso de interpretação da lei.
II - Tendo julgado improcedente a acção, violou a sentença, nomeadamente, o artigo 421° do Código Civil, à luz da redacção anterior a 1986.
III – Porquanto, a decisão recorrida ao fazer depender a existência de eficácia real da exigência de menção expressa e directa da mesma, incorre num manifesto lapso do juiz na qualificação jurídica dos factos, de acordo com o previsto no artigo 669° do CPC, pois a verificação de eficácia real do pacto de preferência advém da celebração de escritura pública e do registo do referido pacto de permanência, e não da necessidade da atribuição expressa de eficácia real, conforme se verifica hoje à luz do regime actual.
IV - Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso e revogada a decisão proferida, nos termos dos artigos 668° nº 4 e 669° do CPC.

8. Não foram apresentadas contra-alegações.

9. Corridos os Vistos legais,
Cumpre Apreciar e Decidir.


II – Os Factos:

- Mostram-se provados os seguintes factos:

A) Em 31.05.1984, a A. “T… - Administração de Propriedades, Lda.”, R…, Go… e Ale…, declararam vender a M… e G…, que declararam comprar, livre de ónus e encargos, o prédio urbano sito na Quinta da Tapada dos Grilos, composto por edifício de r/c e 1° andar, com 110 m2 e logradouro com 3.000 m2, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Belas sob o artigo 1887°, desanexado do descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz, sob o nº 2.960, a fls. 152 vº, do Livro B-8 (1ª Secção) de que os vendedores são proprietários da totalidade – cf. doc. de fls. 7 a 11, 72 a 77 e alínea A) dos Factos Assentes.
B) Então, e no âmbito do acordado, declarou-se que "os compradores constituem a favor dos vendedores direito de preferência na eventual transmissão a título oneroso do imóvel objecto deste contrato", e que "exceptuada a hipótese de autorização expressa dada pelos vendedores, fica vedado aos compradores o loteamento do logradouro do prédio e a construção de quaisquer edifícios destinados a habitação ou comércio" (cf. doc. de fls. 7 a 11 e alínea B) dos Factos Assentes).
C) Com base em apresentações de 08.08.1984, foram inscritas registralmente as declarações provadas em A) e B), de compra e venda, de preferência e de exigência de autorização expressa (cf. doc. de fls. 12 a 15 e alínea C) dos Factos Assentes).
D) O prédio objecto das declarações provadas em A) e B) foi posteriormente descrito na referida Conservatória do Registo Predial de Queluz, sob o nº 65.391, de fls. 79v°, do Livro B-175, e está actualmente descrito na mesma sob a ficha nº 03815/001221 da freguesia de Belas (alínea D) dos Factos Assentes).
E) O prédio objecto das declarações provadas em A) e B) não tem quaisquer acessos à via pública, nem possibilidade de os ter, sem ser pelo prédio com descrição provada em F) (resposta ao Quesito 1.)
F) Em 26.07.1999, com rectificação em 15.10.1999, com o teor do documento 3 junto à petição inicial, a fls. 16 a 20, R…, G…, que também usa G…, e Ale…, declararam vender à “T… - Administração de Propriedades, Limitada”, que declarou comprar, livre de ónus e encargos, o direito de compropriedade de dois terços do prédio misto denominado "T…" – M…, descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz, sob o nº 03655, da freguesia de Belas, e inscrito na matriz predial urbana respectiva sob o artigo 699° e na matriz cadastral da dita freguesia, sob o artigo 8 da Secção M, declarando-se que a compradora ficou como única proprietária do imóvel (alínea E) dos Factos Assentes).
G) Em 12.12.2000, com o teor do documento 7 junto à petição inicial, a fls. 21 a 25, M… e G…, declararam a “Exp…, Limitada”, que lhe transmitiam livre de encargos o prédio urbano sito na Quinta da T…, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Belas, sob o artigo 1887°, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Queluz, sob o nº 65.391, do Livro B - 175, e “Exp… - Investimentos Imobiliários, Lda.”, declarou que, por permuta, e como contraprestação transmitia a M…, livre de encargos a fracção autónoma designada pela letra "H", correspondente à garagem n°3 na segunda cave do prédio urbano sito no …, Massamá, freguesia de Belas, e que atribuem a cada um dos imóveis objecto da permuta o valor de PTE 1.000.000$00 (alínea F) dos Factos Assentes).
H) Por apresentação de 21.12.2000, foram inscritas registralmente as declarações provadas em G), de aquisição por permuta, a favor de “Exp…, Lda.”, do imóvel objecto das declarações provadas em A) e B) (alínea G) dos Factos Assentes).
I) Em 28.12.2000, com o teor do documento 9 junto à petição inicial, a fls. 27 a 31, M… e G…, declararam vender a “N… - Construções, Limitada”, que declarou comprar, livre de ónus ou encargos, o prédio urbano fracção autónoma designada pela letra "H", correspondente à garagem nº 3 na segunda cave do prédio urbano sito no …, Massamá, freguesia de Belas, pelo preço de um milhão de escudos (alínea H) dos Factos Assentes).
J) Os RR. J… e G… não tinham qualquer necessidade da garagem nº 3 que declararam adquirir por permuta, como se prova em G), nem pretenderam com esse acto fazer qualquer investimento (resposta ao Quesito 3.).
L) E os RR. J… e G… não quiseram com o declarado em G), adquirir a referida garagem, antes por convenção com a Ré “Ex…” quiseram afastar o exercício do direito de preferência pela A. (resposta ao Quesito 4.)
M) Por apresentação de 13.06.2001, foi inscrita registralmente a favor de José …, a aquisição por compra do imóvel objecto das declarações provadas em A) e B) (alínea I) dos Factos Assentes).
N) Por apresentação de 13.06.2001, foi inscrita registralmente a favor de “E… - Sociedade Imobiliária, Lda.”, a aquisição por compra do imóvel objecto das declarações provadas em A) e B) (alínea J) dos Factos Assentes).
O) Esta acção foi proposta em 11.06.2001, e os RR. foram citados depois de 15.06.2001 (alínea L) dos Factos Assentes).
P) Por apresentação de 28.06.2001 e de 25.10.2001. foi inscrita registralmente esta acção (cf. certidão registral, documento junto pela A. em 26.03.02, a fls. 107 a 111).


III – O Direito:

1. Está em causa saber se, no caso sub judice, o A. tem direito de preferência relativamente à transmissão, de um imóvel, efectuada pelos RR. J… e G… à Ré Exp…, Lda.

2. A este propósito salienta-se que, de acordo com os elementos que resultam dos autos, os RR. defenderam-se alegando que não houve qualquer venda mas tão só uma permuta.
E o Tribunal “a quo” julgou a acção improcedente, por não provada, mas com fundamento no facto de “não se ter provado a eficácia real do pacto de preferência em que a A. fundamenta a sua pretensão”, “e inexistindo essa característica de sequela própria dos direitos reais não pode a A. “perseguir a coisa”, não sendo o seu direito oponível a terceiros.
Tal argumento não pode ser aceite porquanto as normas legais que regulam o instituto jurídico do pacto de preferência não consentem a interpretação adoptada na sentença. Tal não significa, porém, que se mostrem preenchidos os pressupostos legais indispensáveis à procedência da pretensão da A.
Efectivamente, a manutenção da sentença será o resultado que se alcança percorrendo uma via diversa da trilhada na sentença recorrida.
Vejamos como e porquê.

3. Com relevância para a decisão a proferir destaca-se o seguinte acervo fáctico:

A) Está provado nos autos que a A. vendeu aos 2º e 3º RR., por escritura lavrada em 31/5/1984, um prédio urbano sito na T… – alínea A) dos factos provados.
Tal prédio foi desanexado do prédio da A. e não tinha quaisquer acessos sem ser pelo prédio desta – al. E) dos factos provados.
Foi constituída a favor da A., e por escritura pública, o direito de preferência na eventual transmissão a título oneroso do referido prédio, constando expressamente da referida escritura que: “os compradores constituem a favor dos vendedores direito de preferência na eventual transmissão a título oneroso do imóvel objecto deste contrato” – doc. de fls. 7 a 11 – al. B) dos factos provados.
Mostra-se registada, em 8/08/1984, na respectiva conservatória do registo predial, a preferência a favor da A. – cf. doc. de fls. 15.

B) Provou-se ainda que:
Tal imóvel foi transmitido pelos 2º e 3º RR. à 1ª Ré “Exp…, Lda.”, em 12/12/2000, tendo esta declarado que, como contraprestação e por permuta, e pelo valor de 1.000.000$00, transmitia à Ré M… a fracção autónoma designada pela letra “H”, correspondente à garagem nº 3, melhor identificada nos autos na alínea G) dos factos provados.
E 16 dias depois, em 28/12/2000, foi a mesma fracção autónoma, designada pela letra “H”, vendida a um terceiro, pelo mesmo preço – al. I) dos factos provados.

C) Apurou-se também que os RR. J… e G… não tinham qualquer necessidade da garagem nº 3 que declararam adquirir por permuta, nem pretenderam com esse acto fazer qualquer investimento (al. J) dos factos provados e resposta ao Quesito 3.).
Os RR. J… e G… não quiseram, com a referida permuta, adquirir a referida garagem, antes por convenção com a Ré “Exp…” quiseram afastar o exercício do direito de preferência pela A. (al. L) dos factos provados e resposta ao Quesito 4.)

Deste circunstancialismo fáctico provado e sua subsunção legal podem ser extraídas diversas consequências jurídicas, e será com base nelas que se decidirá a pretensão formulada pela A.

Impõe-se, pois, no presente recurso, apurar o alcance dos seguintes institutos jurídicos:
1º - O direito de preferência convencional e a eficácia real;
2º - A permuta e o instituto de preferência.

Posto isto, temos que:

4. O direito de preferência convencional e a eficácia real:

4.1. Segundo o art. 414º do CC, o pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa.
O pacto de preferência apenas possui, em regra, eficácia obrigatória ou relativa inter partes, mas por convenção das partes pode assumir efeitos em relação a terceiros, assumindo, então, a natureza de direito real (direito real de aquisição) revestido de eficácia real, nos termos do art. 421º do CC.
Neste caso, uma vez o violado o direito convencional de preferência, o preferente poderá agir contra o terceiro, substituindo-o na respectiva posição contratual, porquanto o seu direito, nos termos do art. 421º do CC, goza de eficácia real.

4.2. A questão jurídica suscitada nos autos do direito de preferência e sua eficácia real deve ser analisada à luz do regime jurídico vigente à data em que as partes celebraram a escritura pública em causa e na qual convencionaram que “os compradores constituem a favor dos vendedores direito de preferência na eventual transmissão a título oneroso do imóvel objecto deste contrato”.
Ou seja: em 31 de Maio de 1984cf. alíneas A) e B) inseridas nos factos provados.

Nessa data, vigorava então no domínio dos pactos de preferência, e quanto à atribuição da sua eficácia real, a redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 379/86, de 11 de Novembro, ao art. 421º do CC, na qual se estabelecia expressamente que:
“1. O direito de preferência pode, por convenção das partes gozar de eficácia real se, respeitando a bens imóveis, ou a móveis sujeitos a registo, constar de escritura pública e estiver registado nos termos da respectiva legislação.
2. É aplicável, neste caso, com as necessárias adaptações, o disposto no art. 1410º do CC”.

Posteriormente, tal normativo sofreu alterações, v.g., com o Dec. Lei nº 379/86, de 11 de Novembro, embora as alterações não se possam considerar significativas, uma vez que apenas foi substituída a expressão inserida na parte final do nº 1 do art. 421º - “constar de escritura pública e estiver registado nos termos da respectiva legislação” - por “forem observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos no art. 413º”.
Daí que Menezes Cordeiro se refira a esta alteração, de 1986, como tendo constituído uma alteração meramente formal, porquanto “tratou-se apenas de uniformizar a preferência real pela promessa real, em moldes que não implicam modificações substanciais”. (1)

Tal alteração, porém, ocorreu depois da data em que as partes aqui em causa celebraram a escritura de compra e venda nos termos que constam das alíneas A) a C) dos factos provados. Pelo que não pode ser considerada.
E resulta claramente dos autos que, no caso sub judice, as partes convencionaram livre e voluntariamente o direito de preferência sobre o imóvel identificado nos autos, fazendo-o por escritura pública e registando esse facto na respectiva conservatória – cf. os factos provados e inseridos nas alíneas A) a C).
Atribuindo-lhe, nesses termos, eficácia real.

Assim sendo, não se pode aceitar a conclusão extraída pelo Tribunal “a quo”, na sentença recorrida, no sentido de que não existe, in casu, eficácia real, porquanto à luz da redacção então vigente (e só esta importa e não a redacção actual) nada mais era exigido pelo normativo citado para além da consignação desse facto em escritura pública e subsequente registo.
Requisitos legais que foram inequivocamente observados pelas partes.
Por conseguinte, se acaso tivesse sido realizado contrato de compra e venda não haveria dúvidas quanto à procedência da acção.
Porém, in casu, foi realizada uma permuta, tendo o bem sido permutado e não vendido pelos RR.

Ora, todo o instituto do direito de preferência tem subjacente um contrato de compra e venda. (2) Contrato no qual a permuta não é enquadrável.

Vejamos porquê.

5. A permuta e o instituto de preferência:

5.1. Conforme decorre da lei e se referiu no ponto anterior, o pacto de preferência consiste na convenção pela qual alguém assume a obrigação de dar preferência a outrem na venda de determinada coisa – cf. art. art. 414º do CC.
Anote-se que a lei fala em “dar preferência” na “venda”.
Além disso, permite, por extensão, que a obrigação de preferência possa ter por objecto outros contratos com ela compatíveis. (3)
Expressão que, no entender de Antunes Varela, pode abarcar os contratos de locação, de aluguer, de fornecimento e todos os contratos onerosos em que tenha sentido a opção sobre quaisquer outros concorrentes.
Todavia, o mesmo Autor adverte que não tem integração em tal previsão a “troca”. Efectivamente, pelas suas características, é difícil admitir a preferência na troca, pois não é possível ao preferente oferecer ao transmitente objecto igual ao que o adquirente entregou. (4)

Na verdade, conforme se salientou em ponto anterior, é essência do direito de preferência a de conferir ao respectivo titular a faculdade de, em igualdade de condições (tanto por tanto), se poder substituir a qualquer terceiro (adquirente do bem imóvel sobre que incidiu o direito de preferência) nas mesmas circunstâncias em que se convencionou essa outra venda e pelo preço correspondentemente acordado. O que não ocorre com o contrato de permuta.
Daí também a necessidade, para o exercício dessa preferência na compra e venda, de se proceder ao depósito do “preço devido” e equivalente ao da referida transacção, bem como o de ter conhecimento prévio dos elementos essenciais da alienação – cf. art. 1410º do CC.
Ora, no contrato de permuta esses elementos não são os mesmos, inexistindo qualquer referência ao preço ou a um valor como contrapartida pela aquisição. Sendo essencialmente distintos quanto à sua natureza os institutos de compra e venda e o da permuta.

5.2. Com efeito, já Dias Ferreira, no "Código Civil Português Anotado" - então Código de Seabra – (5) , escrevia que:
«É da essência da compra o pagamento a dinheiro da coisa vendida... é da essência da troca, ou escambo como se dizia na velha Ordenação, dar uma coisa que não seja dinheiro, por outra». (6)

Por sua vez Cunha Gonçalves, no Tratado, vol. VIII, págs. 628 e segts., distingue minuciosamente entre a compra e venda e a troca, citando o seguinte exemplo:
«A operação em que uma pessoa dá títulos de crédito e outra um prédio é de troca e não de venda; porque embora os títulos possam ser rapidamente reduzidos a dinheiro... eles não são dinheiro, não representam preço».

Também o Prof. Raul Ventura na Revista da Ordem dos Advogados, (7) depois de afirmar que o «preço» é elemento essencial da compra e venda, acrescenta:
«Se as partes, estipularam para uma delas ... uma obrigação cujo objecto seja um dare de coisa diferente do dinheiro... poderá haver outro contrato... mas não haverá compra e venda». (8)

Pode ainda ler-se, mais recentemente, na obra “Estudos de Homenagem ao Professor Inocêncio Galvão Telles”, (9) em estudo da autoria do Prof. J. Oliveira Ascensão, que:
«Os actos que desencadeiam o direito de preferência são, tradicionalmente, a venda e o aforamento. Mas à venda foi assimilada a dação em pagamento... A troca não é abrangida…»

5.3. A igual conclusão somos levados quando analisamos os normativos inseridos no Código Civil:
- art. 410º, que estabelece a noção legal sobre pacto de preferência fala em “dar preferência na venda de determinada coisa”…;
- o art. 416º sobre conhecimento do preferente refere que “querendo vender a coisa que é objecto do pacto”…;
- o art. 1408º sobre direito de preferência de comproprietário diz expressamente que “o comproprietário goza do direito de preferência e tem o primeiro lugar entre os preferentes legais no caso de venda, ou dação em cumprimento”,…;
- e por fim o art. 1410º, sobre acção de preferência, estabelece que “o comproprietário a quem não se dê conhecimento da venda ou dação em cumprimento”.

No domínio jurisprudencial aparece igualmente defendido o entendimento de que o direito de preferência não existe no caso de permuta, citando-se, por todos, o Acórdão da Relação do Porto, de 3/2/2003. (10)

5.4. Por outro lado, não se pode deixar de ponderar que os direitos legais de preferência são um acentuado entrave ou limitação ao princípio da liberdade contratual, uma vez que restringem e limitam a liberdade negocial do obrigado à preferência, pelo que, alargar o direito real de preferência para lá dos casos de compra e venda e dação em cumprimento, únicos que a lei contempla, e permitir que sejam abarcados os casos de permuta de imóvel, significaria criar mais um direito real de aquisição (dado que tal direito de preferência é um direito real de aquisição) violando, assim, o princípio do numerus clausus ou de tipicidade que vigora no âmbito dos direitos reais.

Ora, estipulando as partes, numa negociação, para uma delas, uma obrigação cujo objecto se centra na prestação de coisa diferente de dinheiro – porquanto a permuta é a troca de uma coisa por outra - inexiste contrato de compra e venda.
E mesmo que o referido contrato de permuta seja oneroso, inexiste igualdade de circunstâncias entre uma prestação de “dare” – que caracteriza a permuta - e o pagamento de uma quantia pecuniária – o preço - que caracteriza a compra e venda. (11)
Com efeito, conforme se salienta no citado Acórdão, “inexiste fungibilidade entre alguém tornar-se dono de uma fracção autónoma ou receber o preço equivalente; é que o permutante pode, pura e simplesmente, não querer qualquer quantia pecuniária por não ser esse o leitmotiv do contrato”.
Tanto mais que a coisa transmitida pode ter um interesse diferente da que poderia ser satisfeita através de uma prestação pecuniária.
Tratando-se de um contrato de permuta, vulgo, de uma troca, não há, de facto, um preço, como elemento identificador ou referencial de molde a poder ser indicado desde logo como sendo o preço devido, aquele que deve ser depositado pelo preferente/Autor para se substituir ao adquirente/R.

6. Em Conclusão:
- Sufragando tal entendimento concluímos que, in casu, uma vez que o negócio celebrado não se traduziu num contrato de compra e venda inexiste direito de preferência e, consequentemente, não estavam os RR. obrigados a dar a preferência à A.

7. Repare-se que se outra fosse a solução, no caso sub judice, o preferente apenas teria que depositar a quantia de Esc. 1.000.000$00, que longe de equivaler ao preço do imóvel, representa apenas o diferencial entre os bens permutados.
E considerando o objecto do processo, integrado por uma pretensão que visa a exercitação do direito de preferência com transferência do bem para a esfera da Autora, não pode o Tribunal divergir dessa pretensão que integra o pedido formulado para uma qualificação autónoma e diversa dos factos, nomeadamente daqueles que constam das respostas aos quesitos 3º e 4º.
Consequências a que nem o Apelante alude nas suas conclusões de recurso.

8. Pelo exposto e com os presentes fundamentos falece a Apelação.


IV – Decisão:

- Termos em que, ainda que por via diversa, se acorda em julgar improcedente a Apelação, confirmando-se a sentença recorrida mas com os presentes fundamentos, absolvendo-se os RR. do pedido.

- Custas pela Apelante.

Lisboa, 18 de Maio de 2006.

Ana Luísa de Passos Geraldes

Fátima Galante

Ferreira Lopes



__________________
(1).-Cf. Menezes Cordeiro in “Estudos de Direito Civil”, 1º, pág. 78.

(2).-Ou quiçá um contrato de conteúdo equivalente.

(3).-E, neste caso, são-lhe aplicáveis, com as devidas adaptações, as disposições relativas ao contrato de compra e venda – cf. art. 423º do CC.

(4).-Veja-se, neste sentido, o citado Autor in “Código Civil Anotado”, vol. I, pág. 389.

(5).-Cf. obra citada, pág. 148 e segts, do 3º Vol.

(6).-Sublinhado nosso.

(7).-Cf. o estudo do referido Prof. in ROA., Ano 40, pág. 606.

(8).-Sublinhado nosso.

(9).-No Vol. III – subordinado à temática do "Direito do Arrendamento Urbano", a págs. 251 e segts. Sublinhado nosso.

(10).-Exarado no âmbito do Processo nº 0253146, in www.dgsi.pt.JTRP00035778.
No mesmo sentido pode ainda ler-se o Acórdão do STJ., in BMJ, nº 358, pág. 518 e segts.
(11).-Neste sentido, cf. o Acórdão citado da Relação do Porto, de 3/2/2003.