Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1585/06.3TCSNT.L1-1
Relator: RUI VOUGA
Descritores: MÉDICO
ACTO MÉDICO
EXAME MÉDICO
LEGES ARTIS
ERRO
RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL
RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
PRESSUPOSTOS
NEXO DE CAUSALIDADE
DANOS MORAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/10/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - À face do nosso direito probatório vigente, não há nenhuma imposição legal de que determinados factos só admitam prova pericial, isto é, só possam ser provados através de prova pericial.
II - Daí que, por muito conveniente e adequada que seja a prova pericial para a demonstração de certos factos, nada obsta a que a sua prova seja obtida com recurso à prova testemunhal ou à prova documental.
III - E, sendo assim como é, nada impõe que a existência de uma malformação (consistente na ausência do membro inferior esquerdo do feto) aquando da realização de determinadas ecografias obstétricas só pudesse ser provada através duma perícia de índole técnico-científica.
IV - Sendo o Réu o médico especialista de ginecologia-obstetrícia que efectuou as quatro ecografias obstétricas à Autora, mas cujos relatórios nunca referiram qualquer das malformações detectadas após o nascimento da respectiva filha , nem sequer a ausência nesta do membro inferior esquerdo , e tudo isto apesar de, quer as malformações, quer a ausência de membro inferior esquerdo , serem susceptíveis de ser detectadas ( segundo o estado de evolução da medicina e com recurso aos equipamentos médicos disponíveis) nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu à Autora, tal obriga a concluir que o Réu/médico actuou com negligência, não observando, como podia e devia, o dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia, em violação das leges artis por que se regem os médicos, sensatos, razoáveis e competentes.
V - Acresce que, existe nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa do Réu/médico ao omitir a detecção, nos quatro exames ecográficos que efectuou à Autora , durante a gravidez desta que culminou no nascimento, com vida, da Autora C , da inexistência, no feto, do membro inferior esquerdo e ao omitir a consequente prestação desta informação clínica aos pais do nascituro - e o dano moral sofrido pelos Autores/Apelados ao verem-se inesperadamente confrontados, no momento do parto, com uma filha nascida sem o membro inferior esquerdo.
VI - O tribunal , porém, não pode substituir-se aos pais (rectius, à mulher grávida) na ponderação da maior ou menor valia da opção pela não interrupção da gravidez e pelo consequente nascimento com vida do feto, para o efeito de concluir que, afinal, ter um filho sem uma perna é, seguramente, muito melhor do que não ter filho nenhum e, como tal, não são indemnizáveis pelo médico que sonegou a informação médica que teria possibilitado interromper aquela gravidez todos os danos de índole patrimonial e não patrimonial decorrentes da condição física diminuída daquele filho vivo.
VII- De resto, desde que a lei penal vigente no país autorizava os pais da criança a interromper a gravidez, ante a previsão segura de que ela iria nascer sem uma perna, não pode deixar de concluir-se que o médico ecografista que, com violação das leges artis, não detectou essa malformação congénita incurável e, como tal, não informou tempestivamente os pais desse facto, assim obstando a que eles exercessem o seu indeclinável direito de fazer cessar aquela gravidez, está constituído na obrigação de indemnizar os pais de todos os danos de índole patrimonial e não patrimonial que eles não teriam sofrido se tivessem logrado obstar ao nascimento com vida da sua filha.
VIII- Tudo isto para concluir que, caso os AA. não tivessem deixado deserto o recurso subordinado que chegaram a interpor da sentença , certo que o Tribunal da Relação condenaria o R. a indemnizar os AA./Apelados de todos os prejuízos de índole patrimonial e atribuiria a estes uma indemnização por danos não patrimoniais de montante muito superior à arbitrada na sentença recorrida ( apenas de €7.500 a cada autor), cujos parâmetros se circunscreveram, exclusivamente, ao dano não patrimonial consubstanciado no choque psicológico causado pelo facto de os AA. terem sido surpreendidos, só no momento do parto, com o facto inesperado de a sua filha não ter membro inferior esquerdo, descurando, indevidamente, aqueloutra dimensão do dano moral traduzida na dor sofrida pelos Autores A e B devido ao facto de a filha ficar limitada para o resto da sua vida em vários aspectos.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Cível da Relação de Lisboa:

A  e  B , solteiros, maiores, por si e na qualidade de representantes legais da menor C , todos residentes na Avenida ….., em M..., Sintra, intentaram uma acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, ordinário, contra D ( médico ) , com domicílio profissional na Avenida …., C..., e E ( Clínica …..,LDA.) , com sede na Avenida …., C..., pedindo que os Réus fossem condenados a pagar:
a) à Autora C , a título de indemnização por danos morais, a quantia de € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros);
b) à Autora B , a título de indemnização por danos morais, a quantia de €100.000 (cem mil euros);
c) ao Autor A , a título de indemnização por danos morais, a quantia de €100.000 (cem mil euros);
d) a todos os Autores a quantia de € 10.000 (dez mil euros), a título de indemnização por danos patrimoniais;
e) e ainda a pagar, de futuro, todas e quaisquer quantias, a título de despesas, que os Autores possam vir a ter face ao crescimento da Autora C .
Para tanto, alegaram, em síntese, que:
- os Autores maiores vivem em união de facto, tendo a Autora B sido seguida ecograficamente pelo Réu D , ao serviço e nas instalações da Ré E , na gravidez de que nasceu a Autora menor, filha de ambos;
- nas ecografias feitas à Autora B , o Réu D , que não tinha a especialidade de ecografista obstreta mas a de radiologista, não se apercebeu de malformações e patologias do feto, vindo as mesmas a ser verificadas, pela primeira vez, por ocasião do nascimento da Autora C  ;
- Tais malformações e patologias eram perceptíveis ecograficamente e teriam permitido aos Autores maiores, se conhecidas antes do parto, prepararem-se para o nascimento de sua filha com deficiências ou optarem pela interrupção da gravidez, o que lhes não foi possível pela negligência ou dolo do Réu, o que lhes causou danos vários de ordem não patrimonial;
-  a Autora C  deve ser indemnizada pelos Réus por ter sofrido danos não patrimoniais e todos os Autores devem ser indemnizados pelos danos patrimoniais decorrentes dos tratamentos efectuados e a efectuar;
- A Ré sociedade sabia que o Réu D não detinha os conhecimentos necessários à prática de ecografias obstétricas e, apesar disso, manteve-o a fazê-las ao seu serviço e nas suas instalações.
O R. D  contestou, alegando (nuclearmente) que:
- contrariamente ao alegado pelos Autores, a Autora C nasceu com o membro inferior, que foi amputado logo após o nascimento;
- as patologias não podiam ser verificadas em ecografias, sendo certo que este R. é especialista em ecografias obstétricas.
Por seu turno, a Ré  E , apresentou contestação autónoma, alegando:
- que apenas disponibiliza as suas instalações a uma sociedade de que é sócio o Réu D  , que nessa qualidade as usa;
- que o Réu D  é especialista na área de ecografias obstétricas;
- e que desconhece o alegado quanto a malformações e patologias da Autora C, bem como quanto a danos sofridos pelos Autores, matérias que impugna.
Findos os articulados, o processo foi saneado, tendo sido proferido despacho saneador  que conheceu parcialmente de mérito, nos termos do artigo 510º, nº 1, alínea b), do Código de Processo Civil, por entender ser indiferente à decisão a prova ou não prova dos factos alegados como fundamento dos pedidos formulados pela Autora C,  sendo a acção logo julgada improcedente quanto aos pedidos desta Autora[1].
No mais, entendeu-se determinar o prosseguimento dos autos com organização da base instrutória (cfr. fls. 237 a 242).
Instruída a causa (com realização de prova pericial, tendo por objecto as 4 ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu à Autora B [cfr. o relatório pericial constante dos autos, a fls. 462-464]), teve depois lugar a audiência de discussão e julgamento, finda a qual foi proferida sentença (datada de 26/11/2010) com o seguinte teor decisório:
«Em face do exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
1) Absolvo a 2ª Ré dos pedidos contra ela formulados pelos AA  A  e  B ;
2) Condeno o 1º Réu a pagar a cada um dos AA A e B a quantia de €7.500, a título de danos morais, no mais o absolvendo dos pedidos por estes AA formulados.
Custas pelos AA e pelo Réu na proporção dos respectivos decaimentos, que é de 45,5 % para os AA A  e  B e 3,5% para o 1º Réu – art. 446º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.»
 Inconformado com o assim decidido, o Réu D apelou da referida sentença, tendo rematado as concernentes alegações com as seguintes conclusões:
«A) Nenhuma prova foi feita, no processo, que permita afirmar que, em qualquer uma das datas de realização das quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu à Autora B , a ausência do membro inferior esquerdo do feto já se havia produzido ou ocorrido e que, portanto, era um dado presente, susceptível de ser visualizado e detectado pelo Réu.
B) Sem a prova (necessariamente pericial) daquele facto técnico-científico, não é possível concluir que “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ”, conforme a decisão recorrida deu como provado, na sua fundamentação de facto, já que o primeiro facto, não demonstrado no processo, é um pressuposto lógico intransponível do segundo.
C) A matéria de facto constante da alínea H) da fundamentação de facto que presidiu à decisão recorrida foi, assim, indevidamente dada como provada, já que assentou em pressuposto técnico-científico que não foi objecto, no processo, de qualquer prova, designadamente pericial, em violação do disposto no artigo 388.º do CC.
D) Não existe, assim, matéria de facto validamente provada, no processo, que permita sustentar a conclusão de direito de que o Réu, ao não visualizar, nas ecografias realizadas, a ausência do membro inferior esquerdo do feto, e ao não relatar, nos respectivos relatórios, a existência de tal malformação, actuou com negligência, não observando, como podia e devia, o dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia, em violação das leges artis.
E) Não se encontram preenchidos, assim, os requisitos da ilicitude e da culpa por referência à conduta do Réu, pelo que a Sentença recorrida, ao condená-lo no pagamento de uma indemnização aos Autores, fundada em responsabilidade civil extracontratual, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.
F) A dor, choque e sofrimento vividos pelos Autores resultaram do facto de terem sido confrontados com uma filha que nasceu sem a perna esquerda, não de apenas terem tomado conhecimento de tal malformação após o nascimento da criança.
G) A conduta do Réu foi, assim, indiferente para a produção do referido dano moral, o qual não deixaria de ter ocorrido se os Autores tivessem sido informados por aquele, antes do nascimento da sua filha, da mencionada deformação física.
H) A alegada conduta ilícita e culposa do Réu não foi, assim, causa adequada do dano moral em apreço, pelo que a decisão recorrida, ao condenar o ora Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Autores, fundada em responsabilidade civil extracontratual, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.
I) A frustração da natural expectativa dos Autores de terem uma filha saudável, sem deficiências, resultou da sua confrontação com a mencionada ausência do membro inferior esquerdo da criança, sentimento que não deixaria de existir caso os pais tivessem sido informados da situação no decurso da gravidez da mãe.
J) A alegada conduta ilícita e culposa do Réu não foi, assim, causa adequada do citado dano moral, pelo que a decisão recorrida, ao condenar o Recorrente no pagamento de uma indemnização aos Autores, a título de responsabilidade civil extracontratual, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.
K) O processo não contém qualquer prova sobre a eficácia ou benefício resultante, para os Autores, do acompanhamento psicológico de que foram privados em razão de não terem sido informados, pelo Réu, de que iriam ter uma filha sem o membro inferior esquerdo.
L) Na ausência total de tal prova, a simples invocação da privação de tal acompanhamento psicológico, em abstracto, não permite configurar tal facto como um dano moral credor da tutela do direito, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 496.º do CC.
M) Pelo que a decisão recorrida, ao condenar o Réu no pagamento aos Autores de uma indemnização, em razão daquele facto, violou o n.º 1 do artigo 483.º do CC.
Nestes termos, E nos mais de direito, sempre do douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido provimento à presente Apelação, com a consequente revogação da Sentença Recorrida e absolvição do Recorrente do pedido, como é de inteira JUSTIÇA.»
Os Autores/Apelados contra-alegaram, pugnando pelo não provimento da Apelação do R. D  e formulando as seguintes conclusões:
«A) O presente recurso interposto pelo Réu, ora recorrente, na parte respeitante à fundamentação de facto é manifestamente infundado nos termos do art. 705º do C.P.C. na redacção anterior à que lhe foi dada pelo Decreto Lei 303/2007 de 24 de Agosto de 2007, ficando desta forma prejudicada a fundamentação de direito.
B) O apelante considera não ter sido efectuada prova que permita afirmar que aquando da realização das ecografias obstétricas por si executadas, a ausência do membro inferior esquerdo do feto já havia ocorrido.
C). Ora, foi o próprio apelante que impugnou este facto em sede de contestação, pelo que ao tribunal ad quo competia apreciar se a bebé teria nascido sem o membro inferior esquerdo (como alegaram os autores), ou se pelo contrário teria nascido com ambos os membros inferiores (como alegou o apelante)
D) Posto que tendo sido impugnada tal matéria, ao invés de ter sido alegada a título de excepção, não enferma a douta sentença recorrida de falta de prova, ou prova indevida, em violação do disposto no artigo 388º do CC.
E) A conduta do réu foi ilícita pela violação das legis artis a que estava obrigado, devendo ter observado a evolução da gravidez de acordo com os seus especiais conhecimentos e perícia.
F) Devendo como médico especialista em ginecologia-obstetricía com frequência de curso de aperfeiçoamento em ecografia fetal ter detectado a ausência do membro inferior esquerdo do feto e desse facto ter dado conhecimento aos apelados.
G) A conduta do apelante é pois negligente, traduzindo-se numa omissão de dever de cuidado, ao não ter observado e relatado o que de acordo com as legis artis estava obrigado a fazer.
H) Sendo este facto causa adequada a que os pais criassem uma falsa expectativa de que estava tudo bem com o seu bebé e causa do choque que viveram aquando do nascimento;
I) Recorrendo ou não a acompanhamento psicológico caso fossem detentores da informação da malformação congénita do seu bebé, a verdade é que a ela tinham direito e não seriam surpreendidos aquando nascimento. Seriam pois, portadores de um correcto diagnóstico pré-natal e estariam preparados para o nascimento de um bebé portador de malformação congénita.
J) Não carecia portanto de prova o benefício do acompanhamento psicológico, pois o que se impunha ao alegante era que tivesse informado os pais.
L) O benefício ou não de um eventual acompanhamento psicológico só poderia ser  avaliado se o apelante não tivesse tido uma conduta ilícita e culposa, e tivesse portanto agido de acordo com o que estava obrigado, situação em que não existiria sequer a presente acção, por desnecessária.
M) Carecem as alegações do apelante de qualquer fundamento de facto ou de direito; tendo a douta sentença recorrida, aplicado correctamente o direito ao caso concreto, não merecendo por tal qualquer censura.
Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida, assim se fazendo JUSTIÇA»
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
O  OBJECTO  DO  RECURSO
Como se sabe, sem embargo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer ex officio, é pelas conclusões com que o recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintéctica, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida: art. 690º, nº 1, do C.P.C.) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem [2] [3].
Efectivamente, muito embora, na falta de especificação logo no requerimento de interposição, o recurso abranja tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (art. 684º, nº 2, do C.P.C.), esse objecto, assim delimitado, pode vir a ser restringido (expressa ou tacitamente) nas conclusões da alegação (nº 3 do mesmo art. 684º) [4] [5]. Por isso, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas e arrumadas, não podendo delas conhecer o tribunal de recurso.
Por outro lado, como meio impugnatório de decisões judiciais, o recurso visa tão só suscitar a reapreciação do decidido, não comportando, assim, ius novarum, i.é., a criação de decisão sobre matéria nova não submetida à apreciação do tribunal a quo.
Ademais, também o tribunal de recurso não está adstrito à apreciação de todos os argumentos produzidos em alegação, mas apenas – e com liberdade no respeitante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 664º, 1ª parte, do C.P.C., aplicável ex vi do art. 713º, nº 2, do mesmo diploma) – de todas as “questões” suscitadas, e que, por respeitarem aos elementos da causa, definidos em função das pretensões e causa de pedir aduzidas, se configurem como relevantes para conhecimento do respectivo objecto, exceptuadas as que resultem prejudicadas pela solução dada a outras (art. 660º, nº 2, do C.P.C., ex vi do cit. art. 713º, nº 2).
No caso sub judice, emerge das conclusões da alegação de recurso apresentada pelo Réu ora Apelante que o objecto da presente Apelação está circunscrito a 3 questões:
a) Se o tribunal “a quo” julgou erradamente a matéria de facto ao considerar provado que “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ” (resposta à matéria do quesito 6º da Base Instrutória);
b) Se, uma vez alterada a decisão sobre matéria de facto, nos termos propugnados pelo Apelante, deve ser revogada a sentença recorrida, julgando-se a acção improcedente e absolvendo-se o Réu/Apelante dos pedidos indemnizatórios contra ele formulados pelos Autores/Apelados (dado não existir matéria de facto validamente provada, no processo, que permita sustentar a conclusão de direito de que o Réu, ao não visualizar, nas ecografias realizadas, a ausência do membro inferior esquerdo do feto, e ao não relatar, nos respectivos relatórios, a existência de tal malformação, actuou com negligência, não observando, como podia e devia, o dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia, em violação das leges artis);
c) Se, de qualquer modo, inexiste nexo de causalidade entre a invocada conduta ilícita e culposa do Réu/Apelante e o dano moral sofrido pelos Autores/Apelados ao verem-se confrontados com uma filha nascida sem o membro inferior esquerdo (já porque a dor, choque e sofrimento vividos pelos Autores resultaram do facto de terem sido confrontados com uma filha que nasceu sem a perna esquerda, e não de apenas terem tomado conhecimento de tal malformação após o nascimento da criança - pelo que aquele dano moral não deixaria de ter ocorrido se os Autores tivessem sido informados pelo Réu, antes do nascimento da sua filha, da mencionada deformação física -, já porque o processo não contém qualquer prova sobre a eficácia ou benefício resultante, para os Autores, do acompanhamento psicológico de que foram privados em razão de não terem sido informados, pelo Réu, de que iriam ter uma filha sem o membro inferior esquerdo).

MATÉRIA DE FACTO
Factos  Considerados  Provados na 1ª Instância:
Devidamente ordenados, segundo uma sequência lógica e cronológica, os factos que a sentença recorrida elenca como provados são os seguintes:
A) A Autora C nasceu em 25 de Novembro de 2004, filha dos Autores A e B. (matéria da alínea A dos Factos Assentes)
B) A Autora C nasceu no termo de 37 semanas de gravidez. (matéria da alínea B dos Factos Assentes)
C) O Réu efectuou, nas instalações da Ré, quatro ecografias obstétricas a B, em 15 de Abril de 2004, em 18 de Junho de 2004, em 2 de Agosto de 2004 e em 8 de Outubro de 2004. (matéria da alínea C dos Factos Assentes)
D) Após o nascimento da Autora C foi-lhe detectado o seguinte: agenésia do rim esquerdo; comunicação interventricular subaórtica; comunicação interauricular com persistência do canal arterial e hipoplasia do pulmão esquerdo. (matéria da alínea D dos Factos Assentes)
E) A Autora C apresentava anomalia da grelha costal e da parede abdominal à esquerda, com assimetria toráxica. (resposta à matéria do quesito 1º da Base Instrutória)
F) A autora C nasceu sem o membro inferior esquerdo, com apenas uma massa disforme violácea sem estrutura óssea ligada à anca do lado esquerdo e que foi removida através de intervenção cirúrgica realizada no dia subsequente ao nascimento. (resposta à matéria dos quesitos 2º, 3º e 5º da Base Instrutória)
G) Os relatórios das ecografias referidas em C) nunca referiram qualquer das malformações mencionadas em D) nem a ausência de membro inferior esquerdo da Autora C. (matéria da alínea D dos Factos Assentes)
H) A agenésia do rim esquerdo, a comunicação interventricular subaórtica, a comunicação interauricular, a hipoplasia do pulmão esquerdo são susceptíveis de ser detectadas em ecografias obstétricas e que a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B. (resposta à matéria do quesito 6º da Base Instrutória)
I) Os relatórios ecográficos sem descrição de anomalias impediram os Autores de tentarem obter autorização para a interrupção daquela gravidez ou de terem acompanhamento psicológico que os preparasse antes do nascimento da sua filha. (resposta à matéria dos quesitos 31º e 32º da Base Instrutória)
J) O Réu é médico especialista de ginecologia-obstetrícia tendo frequentado o IIIº Curso de Aperfeiçoamento em Ecografia Fetal em Março de 2003. (resposta à matéria do quesito 8º da Base Instrutória)
L) A Ré consentia ao Réu que prestasse serviços de realização, análise e emissão de relatórios de ecografias obstétricas nas suas instalações. (resposta à matéria do quesito 12º da Base Instrutória)
M) A Ré tinha estabelecido acordo com a R.G., Lda, nos termos do qual esta presta à Ré serviços na área de ecografias obstétricas mediante contrapartida pecuniária, sendo o Réu quem realiza as consultas e exames ao serviço de R.G., Lda, sem receber instruções, ordens ou remuneração da Ré. (resposta à matéria dos quesitos 13º a 15º da Base Instrutória)
N) A Autora C esteve internada na Unidade de Cuidados Especiais Neonatais de 25 a 30 de Novembro de 2004, sendo posteriormente submetida a uma intervenção cirúrgica ao coração. (resposta à matéria dos quesitos 16º e 17º da Base Instrutória)
O) Em virtude das malformações com que nasceu, a autora C teve que tomar, pelo menos, duas vezes ao dias, um manipulado cuja validade era de 14 dias e tinha que ser conservado no frigorífico e ainda tinha que tomar Lasix. (resposta à matéria dos quesitos 18º e 19º da Base Instrutória)
P) A Autora C efectuou fisioterapia três vezes por semana e era acompanhada por sua mãe ou pelo pai. (resposta à matéria dos quesitos 20º e 21º da Base Instrutória)
Q) E necessita de acompanhamento em consultas de cardiologia pediátrica e foi seguida em várias especialidades no Hospital Amadora/Sintra (resposta à matéria dos quesitos 22º e 23º da Base Instrutória).
R) A autora C necessita de utilizar uma prótese no membro inferior no valor de cerca de €4.000, podendo ascender a €29.000,00 consoante o desenvolvimento da pessoa e o material utilizado, sendo que a prótese é articulada com o crescimento até aos 20 anos de idade. (resposta à matéria dos quesitos 24º, 25º e 26º da Base Instrutória)
S) A Autora C tem que frequentar um centro de reabilitação devido à ausência do membro inferior esquerdo. (resposta à matéria do quesito 27º da Base Instrutória)
T) Os Autores A e B continuam a ser acompanhados em consultas de psicologia no Hospital Amadora/Sintra, em virtude do choque e dor que sofreram com as malformações e patologias com que nasceu sua filha C, com o facto de a filha ficar limitada para o resto da sua vida em vários aspectos. (resposta à matéria dos quesito 28º a 30º da Base Instrutória).
O  MÉRITO  DA  APELAÇÃO
1) SE O TRIBUNAL “A QUO” JULGOU ERRADAMENTE A MATÉRIA DE FACTO, AO CONSIDERAR PROVADO QUE “A AUSÊNCIA DE MEMBRO INFERIOR ESQUERDO PODIA SER DETECTADA NAS ECOGRAFIAS OBSTÉTRICAS EFECTUADAS PELO RÉU A B ” (RESPOSTA À MATÉRIA DO QUESITO 6º DA BASE INSTRUTÓRIA).
O Réu ora Apelante impugna, no presente recurso, a decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal recorrido, no segmento em que considerou  provado que “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B” (resposta à matéria do quesito 6º da Base Instrutória).
Na tese do Apelante, este facto (a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ) só podia ter sido considerado provado se, antes de mais, tivesse sido feita prova de que, em qualquer das datas em que foram realizadas as quatro ecografias executados pelo Réu à Autora B, já se verificava a ausência do membro inferior esquerdo do feito.
Ora, nenhuma prova foi feita, no processo, que permita afirmar que, em qualquer uma das datas de realização das quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu à Autora B , a ausência do membro inferior esquerdo do feto já se havia produzido ou ocorrido e que, portanto, era um dado presente, susceptível de ser visualizado e detectado pelo Réu.
De sorte que, sem a prova (necessariamente pericial) daquele facto técnico-científico, não é possível concluir que “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B”, conforme a decisão recorrida deu como provado, na sua fundamentação de facto, já que o primeiro facto, não demonstrado no processo, é um pressuposto lógico intransponível do segundo.
Consequentemente, a matéria de facto constante da alínea H) da fundamentação de facto que presidiu à decisão recorrida foi, assim, indevidamente dada como provada, já que assentou em pressuposto técnico-científico que não foi objecto, no processo, de qualquer prova, designadamente pericial, em violação do disposto no artigo 388.º do Cód. Civil.
Quid juris ?
Como é sabido, o CPC de 1939 estabelecia como regra a inalterabilidade da decisão do tribunal colectivo sobre a matéria de facto constante do questionário. Solução que, podendo ser criticada (por, eventualmente, cercear excessivamente as garantias de um bom julgamento), tinha, todavia, uma justificação lógica e cabal: «na verdade, não havendo redução a escrito das provas produzidas perante o tribunal colectivo, não podia a Relação controlar o modo como o mesmo Colectivo apreciara essas provas»[6].
Posteriormente, «o CPC de 1961 procurou ampliar os poderes da Relação no que toca, não só à apreciação das respostas à matéria de facto dadas pelo tribunal de 1ª instância, mas também à imposição duma fundamentação mínima relativamente às decisões do Colectivo, e determinou a possibilidade de anulação, ainda que oficiosa, quando as respostas à matéria de facto fossem deficientes, obscuras ou contraditórias»[7].
Todavia, «na prática, apesar de se prever um segundo grau de jurisdição em matéria de facto, face à redacção anterior do art. 712º [do C.P.C.], só muito excepcionalmente tal garantia era exequível»[8].
De facto, perante a anterior redacção da al. a) do nº 1 do cit. art. 712º, a Relação só gozava do poder-dever de alterar a decisão sobre a matéria de facto se do processo constassem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão – o que apenas sucedia quando, havendo prova testemunhal, todas as testemunhas tivessem sido ouvidas por deprecada, estando os respectivos depoimentos reduzidos a escrito[9], ou se os elementos fornecidos pelo processo impusessem decisão diversa insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas[10].
«Nos demais casos, que a experiência demonstrou constituírem a larga maioria, bastava que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, o tribunal indicasse, ainda que em termos genéricos ou imprecisos, a interferência de prova testemunhal, declarações emitidas pelas partes, esclarecimentos prestados pelos peritos ou por quaisquer outras pessoas ouvidas na audiência de discussão e julgamento ou, ainda, o resultado da observação directa que o tribunal retirasse das inspecções judiciais, para que o tribunal superior ficasse impedido de sindicar a decisão proferida pelo tribunal “a quo”»[11].
«Aqui se fundaram, embora em termos não exclusivos, as principais críticas apontadas ao sistema [da oralidade plena ou pura, implementado no CPC de 1939 e continuado no CPC de 1961] e que acabaram por levar o legislador a aprovar as medidas intercalares previstas no Dec-Lei nº 39/95, de 15 de Fevereiro, posteriormente mantidas na redacção final do CPC»[12].
Efectivamente, o cit.  DL nº 39/95 veio possibilitar um recurso amplo sobre a matéria de facto, ao prescrever a possibilidade de registo ou documentação da prova, solução que a revisão do CPC operada em 1995/1996 (pelos Decretos-Leis nºs 329-A/95, de 12-XII,  e 180/96, de 25-IX)  sedimentou.
Assim, «a decisão do tribunal de 1ª instância sobre a matéria de facto passou a poder ser alterada, não só nos casos previstos desde 1939, mas também quando, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tenha sido impugnada, nos termos do art. 690º-A, a decisão com base neles proferida»[13].
O cit. DL. nº 39/95 aditou ao Código de Processo Civil então vigente os arts. 522º-A, 522º-B, 522º-C, 684º-A e 690º-A, atinentes ao registo dos depoimentos, à forma de gravação e ao modo como se deveria proceder para impugnar a matéria de facto, em sede de recurso.
Após a mencionada Revisão de 1995/96 do Código de Processo Civil, o fulcral art. 690º-A passou a ter a seguinte redacção:
[“Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão de facto”]
1- Quando se impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Quais os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Quais os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ainda ao recorrente, sob pena de rejeição do recurso, proceder à transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda.
3 - Na hipótese prevista no número anterior, incumbe à parte contrária, sem prejuízo dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, proceder, na contra-alegação que apresente, à transcrição dos depoimentos gravados que infirmem as conclusões do recorrente.
4- O disposto nos nºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso nos termos do nº2 do art. 684º-A”.
Posteriormente, o Decreto-Lei nº 183/2000, de 10 de Agosto, eliminou a exigência (estabelecida na redacção originária do nº 2 deste art. 690º-A) de que o recorrente procedesse, sob pena de rejeição do recurso, à “transcrição, mediante escrito dactilografado, das passagens da gravação em que se funda”, passando a prescrever que o início e o termo da gravação de cada depoimento, informação ou esclarecimento devem ficar registados na acta da audiência de julgamento (cfr. o nº 2 aditado por este diploma ao cit. art. 522º-C do CPC) e possibilitando que as partes possam recorrer da matéria de facto com base na simples referência ao assinalado na acta (cfr. a nova redacção conferida por este diploma aos nºs 2 e 3 do cit. art. 690º-A), devendo o tribunal de recurso proceder à audição e visualização do registo áudio e vídeo, respectivamente, excepto se o juiz relator considerar necessária a sua transcrição, a qual será realizada por entidades externas para tanto contratadas pelo tribunal (cfr. o nº 5 aditado ao cit. art. 690º-A por este diploma).
Porém, o poder de cognição do Tribunal da Relação sobre a matéria de facto não assume uma amplitude tal que implique um novo julgamento de facto.
Desde logo, a possibilidade de conhecimento está confinada aos pontos de facto que o recorrente considere incorrectamente julgados, com os pressupostos adrede estatuídos no art. 690º-A nºs 1 e 2 do CPC [14].
«A expressão “ponto da matéria de facto” procura acentuar o carácter atomístico, sectorial e delimitado que o recurso ou impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto em regra deve revestir, estando em harmonia com a terminologia usada pela alínea a) do nº 1 do art. 690º-A: na verdade, o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente»[15] [16] [17] [18].
Por outro lado, o controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.
Efectivamente, «a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no art. 655º, nº 1, do CPC: “o juiz aprecia livremente as provas, decidindo segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/transcrição[19] [20] [21].
Ora, «contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo» [22] [23] [24].
«O que é necessário e imprescindível  é que, no seu livre exercício de convicção, o tribunal indique «os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado» [25].
De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (art. 653º, nº 2, do CPC).
«Determinando a norma jurídica que o juiz faça uma análise crítica das provas produzidas (expressão que já estava prevista, no que concerne à sentença, no art. 659º, nº 3) e que especifique os fundamentos decisivos para a sua convicção, deve ser posto definitivamente de parte o método (ou o “expediente”) frequentemente utilizado de apresentar, como fundamentação, os simples meios de prova, v.g. “os depoimentos prestados pelas testemunhas e a inspecção ao local”»[26]. «A exigência legal, para ser acatada, impõe que, de acordo com as circunstâncias do caso concreto, se estabeleça o fio condutor entre a decisão da matéria de facto (resultado) e os meios de prova que foram usados na aquisição da convicção (fundamentos), fazendo a respectiva apreciação crítica, nos seus aspectos mais relevantes»[27].
«Por conseguinte, quer relativamente aos factos provados quer quanto aos factos não provados, deve o tribunal justificar os motivos da sua decisão, declarando por que razão, sem perda da liberdade de julgamento garantida pela manutenção do princípio da livre apreciação das provas (art. 655º do CPC), deu mais credibilidade a uns depoimentos e não a outros, julgou relevantes ou irrelevantes certas conclusões dos peritos, achou satisfatória ou não a prova resultante de documentos particulares, etc.»[28].
«Nesta perspectiva, se a decisão do julgador, devidamente fundamentada, for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção»[29].
Daí que - conforme orientação jurisprudencial prevalecente - «o controle da Relação sobre a convicção alcançada pelo tribunal da 1ª instância deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão, sendo certo que a prova testemunhal é, notoriamente, mais falível do que qualquer outra, e na avaliação da respectiva credibilidade tem que reconhecer-se que o tribunal a quo, pelas razões já enunciadas, está em melhor posição»[30] [31] [32].
Na verdade, «só perante tal situação [de flagrante desconformidade entre os elementos de prova e a decisão] é que haverá erro de julgamento; situação essa que não ocorre quando estamos na presença de elementos de prova contraditórios, pois nesse caso deve prevalecer a resposta dada pelo tribunal a quo, por estarmos então no domínio e âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, que não compete a este tribunal [ad quem] sindicar (artº 655-1 do CPC), e pelas razões já supra expandidas»[33] [34] [35] [36].
Em conclusão: «mais do que uma simples divergência em relação ao decidido, é necessário que se demonstre, através dos concretos meios de prova que foram produzidos, que existiu um erro na apreciação do seu valor probatório, conclusão difícil quando os meios de prova porventura não se revelem inequívocos no sentido pretendido pelo apelante ou quando também eles sejam contrariados por meios de prova de igual ou de superior valor ou credibilidade»[37] [38] [39] [40] [41].
É que «o tribunal de 2ª jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção expressa pelo Tribunal “a quo” tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os demais elementos existentes nos autos) pode exibir perante si»[42] [43].
«Sendo, portanto, um problema de aferição da razoabilidade - à luz das regras da ciência, da lógica e da experiência (Miguel Teixeira de Sousa in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, pág. 348) -, da convicção probatória do julgador recorrido, aquele que essencialmente se coloca em sede de sindicabilidade ou fiscalização do julgamento fáctico operado pela 1ª instância, forçoso se torna concluir que, na reapreciação da matéria de facto, à Relação apenas cabe, pois, um papel residual, limitado ao controle e eventual censura  dos casos mais flagrantes, como sejam aqueles em que o teor de algum ou alguns dos depoimentos prestados no tribunal “a quo” lhe foram indevidamente indiferentes, ou, de outro modo, eram de todo inidóneos ou ineficientes para suportar a decisão a que se chegou» [44].
Casos excepcionais de manifesto erro na apreciação da prova, de flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto serão, por exemplo, os de o depoimento de uma testemunha ter um sentido em absoluto dissonante ou inconciliável com o que lhe foi conferido no julgamento, de não terem sido consideradas - v.g. por distracção - determinadas declarações ou outros elementos de prova que, sendo relevantes, se apresentavam livres de qualquer inquinação, e pouco mais.
«A admissibilidade da respectiva alteração por parte do Tribunal da Relação, mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação»[45].
«Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas»[46] [47].
Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se o aqui Apelante deu cumprimento aos procedimentos legalmente exigíveis que lhe possibilitam o recurso sobre a decisão de facto e, em caso afirmativo, se lhe assiste razão.
Sob o ponto de vista formal, há que reconhecer que o ora Apelante cumpriu o que lhe era exigido pela lei processual para poder atacar a decisão de facto da 1.ª instância, na medida em que indicou os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (al. a), do n.º 1 do art.º 690.º-A, do CPC) e mencionou os concretos meios probatórios, constantes do processo, que – na sua perspectiva - imporiam decisão de facto diversa da recorrida (al. b), do n.º 1, do art.º 690.º-A, do CPC), irrelevando que o não tenha feito por referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, nº 2, do CPC (como exige o nº 2 do cit. art. 690º-A), por isso que, no caso concreto, a razão decisiva pela qual –  na óptica do Apelante – deve ser alterada a resposta dada ao Quesito 6º da base Instrutória não tem que ver com uma errónea valoração dos meios de prova de índole testemunhal ou documental produzidos nos autos, isto é, com uma indevida credibilidade porventura conferida pelo tribunal de 1ª instância ao depoimento de certas testemunhas (em detrimento de outras) ou com uma injustificada desvalorização de determinados depoimentos testemunhais, antes radica na sustentação da tese segundo a qual o facto concreto dado como provado pelo tribunal “a quo” (naquele segmento da resposta ao aludido Quesito 6º da Base Instrutória posta em crise pelo Apelante) seria, em si mesmo, insusceptível de prova directa, na ausência de prova doutro facto por ele pressuposto.
Efectivamente, o que o Apelante nuclearmente sustenta é que o tribunal de 1ª instância nunca poderia considerar provado que “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ”, sem a prévia prova (necessariamente pericial) dum outro facto técnico-científico, a saber: em qualquer uma das datas de realização das quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu à B , a ausência do membro inferior esquerdo do feto já se havia produzido ou ocorrido e, portanto, era um dado presente, susceptível de ser visualizado e detectado pelo Réu.
Mas terá o Apelante razão, agora no plano substancial ?
A resposta a esta questão só pode ser negativa.
É verdade que a resposta afirmativa à questão de saber se “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ” pressupõe, logicamente, que a ausência do membro inferior esquerdo do feto já existisse, nas datas em que foram realizadas as quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu à Autora B.
Simplesmente, nada impunha que a existência dessa malformação (consistente na ausência do membro inferior esquerdo do feto), nas datas de realização das quatro aludidas ecografias obstétricas executadas pelo R., tivesse de ser directamente quesitada e, ainda menos, que ela só pudesse ser provada através duma perícia de índole técnico-científica.
Na verdade, embora a demonstração da possibilidade de ser detectada a ausência do membro inferior esquerdo, nas quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu na pessoa da Autora B , tenha, necessariamente, como pressuposto lógico que essa malformação, consistente na ausência do membro inferior esquerdo do feto, já existisse nas datas em que foram realizadas essas quatro ecografias obstétricas executadas pelo R., o tribunal, ao dar como provada aquela possibilidade, considerou, implicitamente, como provada a existência da referida malformação nas datas em que foram efectuadas as aludidas ecografias.
E, para tanto, não se fazia absolutamente mister que tivesse tido lugar uma perícia de índole científica destinada, especificamente, a comprovar a existência dessa ausência do membro inferior esquerdo, nas datas em que foram realizadas as quatro ecografias em questão. De facto – ao contrário do que parece sustentar o Apelante -, à face do nosso direito probatório vigente, não há nenhuma imposição legal de que determinados factos só admitam prova pericial, isto é, só possam ser provados através de prova pericial. Por muito conveniente e adequada que seja a prova pericial para a demonstração de certos factos, nada obsta a que a sua prova seja obtida com recurso à prova testemunhal ou à prova documental [48] [49] [50] [51] [52] [53] [54] [55].
De resto, no caso dos autos, o facto mencionado na resposta dada ao aludido Quesito 6º da Base Instrutória (“a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ”) foi dado como provado pelo tribunal “a quo” com base nos depoimentos prestados por testemunhas especialmente qualificadas (a saber: Drª M..., médica pediatra, ao tempo do nascimento da menor Directora Clínica do Hospital …..; Dr. G. …… – médico ginecologista-obstetra, que foi quem efectuou o parto por meio de cesariana da autora B  ; Dr. A. ….. – médico cardiologista pediátrico, especialista de ecografias pediátricas e fetais, que foi quem introduziu em Portugal as ecocardiografias fetais; e Dr. J. ….. – médico ginecologista-obstetra, colega do 1º Réu, com experiência de 25 anos na realização de ecografias fetais), sobretudo com base nos depoimentos destes dois últimos médicos, ambos peritos na área das ecografias fetais, os quais revelaram a inequívoca susceptibilidade de todas as malformações detectadas na Autora B  logo após o seu nascimento (agenésia do rim esquerdo; comunicação interventricular subaórtica; comunicação interauricular com persistência do canal arterial e hipoplasia do pulmão esquerdo), com excepção para a persistência do canal arterial (que só sucede após o nascimento) e, bem assim, da apontada ausência do membro inferior esquerdo serem detectadas em ecografias fetais, embora com diversos graus de facilidade ou dificuldade (menores para o membro e maiores para as anomalias cardíacas e pulmonar), havendo em concreto que ponderar outras questões como a posição do feto, quantidade de líquido amniótico, mãe gorda, tipo de equipamento.
É certo que – como bem referiu o tribunal “a quo”, no despacho (proferido após o encerramento da discussão da causa) em que decidiu a matéria de facto controvertida -, nenhuma destes dois médicos visionou as ecografias efectuadas na autora C e que tão pouco foi possível constatar aquelas lesões na perícia realizada, tanto mais tendo em conta a dificuldade de visionamento das imagens (cujo suporte se vai degradando com o tempo) e também porque a dinâmica da ecografia não se compagina com uns instantâneos fixos de certos e limitados momentos do visionamento em exame ecográfico.
Mas «daí não decorre a conclusão lógica e necessária que não existiam ou não eram susceptíveis de detecção, genericamente, em ecografias obstétricas e, em concreto, nas efectuadas pelo Réu à autora B » (cfr. o aludido despacho).
«Na verdade, apurada que foi a genérica susceptibilidade de detecção de tais anomalias, embora com os mencionados diversos graus de dificuldade e taxas de detecção, e não alegada e provada qualquer das circunstâncias que pudessem colidir com o visionamento em condições normais do feto – actual C  -, senão na parte em que resulta da documentação clínica que o feto era pélvico – o que, só por si e tendo em conta os conhecimentos específicos de que tal posicionamento acarreta maiores dificuldades de visionamento e também maiores preocupações quanto ao desenvolvimento dos membros inferiores e bacia, maiores cuidados e atenção, senão mesmo delonga na realização dos referidos exames ecografias fetais se impunham ao 1º Réu –; impõe lógica e necessariamente a conclusão de que pelo menos a ausência do membro inferior esquerdo podim ser detectada nas ecografias efectuadas a B . Isto é, naturalmente, na perspectiva de uma prática médica cuidada e diligente, sendo que a verificar-se qualquer das dificuldades apontadas, deveria ter sido a mesma referenciada em qualquer dos relatórios ecográficos e repetido o mesmo exame pouco tempo depois ou referenciada a grávida para um acompanhamento em consulta de especialidade correspondente que tirasse as dúvidas ou, pelo menos, as tentasse tirar» (ibidem).
Ademais, para além da referida prova testemunhal, a questionada resposta dada ao aludido Quesito 6º da Base Instrutória também se baseou no teor do relatório pericial constante dos autos (a fls. 462-464) – perícia que incidiu sobre as 4 ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu à Autora B -, do qual consta, explicitamente, que a ausência do membro inferior esquerdo era uma malformação que podia ter sido diagnosticada nas ecografias obstétricas realizadas à Autora B às 15 semanas + 6 dias, às 21 semanas + 2 dias e às 31 semanas + 6 dias, salvo se as condições técnicas de realização dos exames o não permitissem – o que não é de todo referido nos respectivos relatórios (cfr. fls. 462).
Perante os limitados meios de que esta Relação dispõe, a apreciação da Mm.ª Juiz a quo - efectivada no insubstituível contexto da imediação da prova -, surge-nos assim como claramente sufragável, com iniludível assento na prova produzida e em que declaradamente se alicerçou, nada justificando por isso a respectiva alteração.
O presente caso, manifestamente, não se reconduz, pois, a um daqueles casos flagrantes e excepcionais em que - como vimos - essa alteração é de ocorrência forçosa, por ter havido, na primeira instância, um manifesto erro na apreciação da prova, uma flagrante desconformidade entre os elementos probatórios disponíveis e a decisão do tribunal recorrido sobre matéria de facto.
Improcede, por isso, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se intocada a matéria de facto fixada pela 1ª instância, designadamente, a questionada resposta dada ao Quesito 6º da Base Instrutória.
2) SE, UMA VEZ ALTERADA A DECISÃO SOBRE MATÉRIA DE FACTO, NOS TERMOS PROPUGNADOS PELO APELANTE, DEVE SER REVOGADA A SENTENÇA RECORRIDA, JULGANDO-SE A ACÇÃO IMPROCEDENTE E ABSOLVENDO-SE O RÉU/APELANTE DOS PEDIDOS INDEMNIZATÓRIOS CONTRA ELE FORMULADOS PELOS AUTORES/APELADOS (DADO NÃO EXISTIR MATÉRIA DE FACTO VALIDAMENTE PROVADA, NO PROCESSO, QUE PERMITA SUSTENTAR A CONCLUSÃO DE DIREITO DE QUE O RÉU, AO NÃO VISUALIZAR, NAS ECOGRAFIAS REALIZADAS, A AUSÊNCIA DO MEMBRO INFERIOR ESQUERDO DO FETO, E AO NÃO RELATAR, NOS RESPECTIVOS RELATÓRIOS, A EXISTÊNCIA DE TAL MALFORMAÇÃO, ACTUOU COM NEGLIGÊNCIA, NÃO OBSERVANDO, COMO PODIA E DEVIA, O DEVER OBJECTIVO DE CUIDADO QUE SOBRE ELE IMPENDIA, EM VIOLAÇÃO DAS LEGES ARTIS).
Improcedendo a impugnação da decisão sobre matéria de facto proferida pelo tribunal de 1ª instância, mantendo-se inalterada a resposta dada ao referido Quesito 6º da Base Instrutória, isto é, permanecendo provado que “a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B ”, óbvio é que a sentença recorrida não merece qualquer censura, no segmento em que concluiu que o Réu ora Apelante omitiu um dever de cuidado na realização do acto médico, ao não ter constatado, aquando da realização daquelas ecografias, a ausência do membro inferior esquerdo do feto e ao não ter reportado essa ausência aos AA pais da menor C .
De facto, ficou provado que:
- Após o nascimento da Autora C foi-lhe detectado o seguinte: agenésia do rim esquerdo; comunicação interventricular subaórtica; comunicação interauricular com persistência do canal arterial e hipoplasia do pulmão esquerdo. (matéria da alínea D dos Factos Assentes);
- A Autora C apresentava anomalia da grelha costal e da parede abdominal à esquerda, com assimetria toráxica. (resposta à matéria do quesito 1º da Base Instrutória);
- A autora C nasceu sem o membro inferior esquerdo, com apenas uma massa disforme violácea sem estrutura óssea liga à anca do lado esquerdo e que foi removida através de intervenção cirúrgica realizada no dia subsequente ao nascimento. (resposta à matéria dos quesitos 2º, 3º e 5º da Base Instrutória);
- O Réu é médico especialista de ginecologia-obstetrícia tendo frequentado o IIIº Curso de Aperfeiçoamento em Ecografia Fetal em Março de 2003. (resposta à matéria do quesito 8º da Base Instrutória)
- O Réu efectuou, nas instalações da Ré, quatro ecografias obstétricas a B, em 15 de Abril de 2004, em 18 de Junho de 2004, em 2 de Agosto de 2004 e em 8 de Outubro de 2004. (matéria da alínea C dos Factos Assentes);
- Os relatórios das ecografias referidas na al. C) dos Factos Assentes nunca referiram qualquer das malformações mencionadas em D) nem a ausência de membro inferior esquerdo da Autora C. (matéria da alínea D dos Factos Assentes);
- A agenésia do rim esquerdo, a comunicação interventricular subaórtica, a comunicação interauricular, a hipoplasia do pulmão esquerdo são susceptíveis de ser detectadas em ecografias obstétricas e a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B. (resposta à matéria do quesito 6º da Base Instrutória);
- Os relatórios ecográficos sem descrição de anomalias impediram os Autores de tentarem obter autorização para a interrupção daquela gravidez ou de terem acompanhamento psicológico que os preparasse antes do nascimento da sua filha. (resposta à matéria dos quesitos 31º e 32º da Base Instrutória).
Perante esta factualidade, não pode senão subscrever-se o enquadramento jurídico que dela fez o tribunal “a quo”, na sentença ora recorrida, quando concluiu o seguinte:
«em face da natureza da prestação do concreto acto médico realizado – realização de ecografia prénatal – devemos afirmar, na sequência do que se deixou escrito supra, que o 1º Réu estava obrigado a observar a evolução da gravidez, de acordo com os seus especiais conhecimentos e perícia, compatíveis com os padrões por que se regem os médicos, sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo, segundo um grau de cuidado e competência que seria razoável esperar de qualquer médico com a mesma especialidade, agindo em semelhantes circunstâncias por forma a detectar a existência de qualquer anomalia genética, facultando aos pais essa informação. Com isto, não se está a afirmar a obrigação do médico 1º Réu de detectar toda e qualquer malformação congénita ou qualquer evolução desconforme com a normalidade da gravidez apreciada, mas apenas aquelas que segundo o estado de evolução da medicina e equipamentos médicos disponíveis seria expectável no caso descortinar.
Apurou-se que a agenésia do rim esquerdo, a comunicação interventricular subaórtica, a comunicação interauricular, a hipoplasia do pulmão esquerdo são susceptíveis de ser detectadas em ecografias obstétricas e que a ausência de membro inferior esquerdo podia ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu a B . Daqui decorre no caso a prova da omissão de um dever de cuidado na realização do acto médico ao não ter o 1º Réu afirmado na realização daquelas ecografias a ausência do membro inferior esquerdo e assim o ter reportado aos AA pais.»
«A responsabilidade médica (ou por acto médico) assume, em princípio, natureza contratual» (Ac. do STJ de 7/10/2010 [Proc. nº 1364/05.5TBBCL.G1; Relator - FERREIRA DE ALMEIDA], cujo texto integral pode ser acedido no sítio da Internet www.dgsi.pt).
«Pode, todavia, tal responsabilidade configurar-se como extracontratual ou delitual por violação de direitos absolutos (v.g os direitos de personalidade), caso em que assistirá ao lesado uma dupla tutela (tutela contratual e tutela delitual), podendo optar por uma ou por outra» (ibidem)[56] [57].
Enquanto «nos serviços prestados por entidades que operem ao abrigo do serviço nacional de saúde ou que com ele tenham protocolo, a responsabilidade civil operará para com o utente ao nível da responsabilidade extra-contratual», já «nas instituições ou consultórios em que não haja protocolo com o serviço nacional de saúde, ou seja, em que o utente pague o custo ou preço efectivo, a responsabilidade civil operará ao nível da responsabilidade civil contratual» - Ac. do STJ de 9/12/2008 (Processo nº 08A3323; Relator – MÁRIO CRUZ), cujo texto integral pode ser acedido no sítio da Internet www.dgsi.pt.
No caso dos autos, nenhuma factualidade foi alegada e se provou no sentido da existência de uma qualquer relação contratual entre os Autores A e B e o 1º Réu ora Apelante, no que tange à realização das ecografias de acompanhamento da gravidez da Autora B.
Tudo quanto se provou foi que:
- O Réu efectuou, nas instalações da Ré, quatro ecografias obstétricas a B, em 15 de Abril de 2004, em 18 de Junho de 2004, em 2 de Agosto de 2004 e em 8 de Outubro de 2004. (matéria da alínea C dos Factos Assentes);
- A Ré consentia ao Réu que prestasse serviços de realização, análise e emissão de relatórios de ecografias obstétricas nas suas instalações. (resposta à matéria do quesito 12º da Base Instrutória);
- A Ré tinha estabelecido acordo com a R.G., Lda, nos termos do qual esta presta à Ré serviços na área de ecografias obstétricas mediante contrapartida pecuniária, sendo o Réu quem realiza as consultas e exames ao serviço de R.G., Lda, sem receber instruções, ordens ou remuneração da Ré. (resposta à matéria dos quesitos 13º a 15º da Base Instrutória).
Esta escassa factualidade também não é suficiente para se concluir que os actos  médicos praticados pelo 1º Réu – as ecografias que realizou – o tenham sido no contexto de uma relação contratual existente entre os Autores A e B e a 2ª Ré (CLÍNICA ……, LDA.).
«Na verdade – como certeiramente observa a sentença recorrida -, ignora-se, porque não alegado, se os AA recorreram às instalações daquela Clínica, onde por esta lhes foi apresentado o 1º Autor como médico para realizar o serviço de ecografias pré-natais que pretendiam, encarando esta 2ª Ré como a entidade prestadora de serviço médico, sendo seu executante o 1º Réu ou se ali se deslocaram em busca do serviço deste médico, sendo com este que estabeleceram a relação de confiança médico/cliente e, por conseguinte, um contrato de prestação de acto médico».
De modo que, não havendo base factual suficiente para se poder concluir que entre os AA. A e B e qualquer dos RR. intercedeu uma relação contratual, a eventual  responsabilidade civil por danos causados em consequência dos actos médicos praticados pelo 2º Réu ora Apelante nas instalações da 1ª Ré, corporizados nas quatro ecografias obstétricas executadas por aquele na pessoa da Autora B , só pode fundar-se no regime jurídico da responsabilidade por factos ilícitos instituído nos arts. 483º e segs. do Código Civil.
Donde que, para haver lugar ao direito à indemnização, é necessário provar-se:
1) Que houve a violação de um direito da vítima ou de uma disposição destinada a proteger interesses alheios;
2) Que essa violação foi ilícita;
3) Que essa violação ilícita é imputável ao agente (nexo de imputação do acto ao agente);
4) Que houve um dano;
5) Que existe um nexo de causalidade entre a violação ilícita do direito do lesado e o dano por ele sofrido;
6) Que houve culpa do agente, a menos que a lei a exclua especificamente.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (art. 487º, nº 2, do Código Civil).
«Em termos gerais, ponto comum à responsabilidade contratual e à responsabilidade extracontratual, ter o médico agido culposamente significa ter o mesmo agido de tal forma que a sua conduta lhe deva ser pessoalmente censurada e reprovada, pois em face das circunstâncias concretas do caso, o médico devia e podia ter actuado de modo diferente» - Ac. do STJ de 15/12/2011 (Proc. nº 209/06.3TVPRT.P1.S1; Relator – GREGÓRIO DA SILVA JESUS), cujo texto integral pode ser acedido no sítio da Internet www.dgsi.pt.
«No caso da responsabilidade civil dos médicos, o padrão do bom pai de família tem como correspondente o padrão de conduta profissional que um médico medianamente competente, prudente e sensato, com os mesmos graus académicos e profissionais teria tido em circunstâncias semelhantes, naquela data» - cit. Ac. do STJ de 15/12/2011.
No campo da responsabilidade civil médica, o médico «deve actuar de acordo com o cuidado, a perícia e os conhecimentos compatíveis com os padrões por que se regem os médicos, sensatos, razoáveis e competentes do seu tempo (…) [exigindo-se-lhe] que actue com aquele grau de cuidado e competência que é razoável esperar de um profissional do mesmo ‘ofício’ (especialista ou não especialista), agindo em semelhantes circunstâncias» (JOÃO ÁLVARO DIAS in “Culpa médica – algumas ideias – força”, publicado in Revista Portuguesa do Dano Corporal, ano IV, nº 5, págs. 21-22).
Ora, tendo sido o Réu ora Apelante o médico especialista de ginecologia-obstetrícia que efectuou, nas instalações da Ré E , quatro ecografias obstétricas à Autora B , em 15 de Abril de 2004, em 18 de Junho de 2004, em 2 de Agosto de 2004 e em 8 de Outubro de 2004, cujos relatórios nunca referiram qualquer das malformações detectadas após o nascimento da Autora C (a saber: agenésia do rim esquerdo; comunicação interventricular subaórtica; comunicação interauricular com persistência do canal arterial e hipoplasia do pulmão esquerdo), nem a ausência de membro inferior esquerdo da Autora C, isto apesar de  aquelas malformações serem susceptíveis de ser detectadas em ecografias obstétricas e não obstante a ausência de membro inferior esquerdo poder ser detectada nas ecografias obstétricas efectuadas pelo Réu à Autora B (cfr. a resposta à matéria do quesito 6º da Base Instrutória), não pode deixar de concluir-se que o Réu/Apelante, ao não detectar – nas quatro ecografias obstétricas por si executadas à Autora B – malformações passíveis de ser detectadas segundo o estado de evolução da medicina e com recurso aos equipamentos médicos disponíveis e ao não informar, consequentemente, ambos os AA. da existência daquelas malformações e da ausência do membro inferior esquerdo do feto, actuou com negligência, não observando, como podia e devia, o dever objectivo de cuidado que sobre ele impendia, em violação das leges artis por que se regem os médicos, sensatos, razoáveis e competentes.
Eis por que a presente apelação improcede, necessariamente, quanto a esta 2ª questão.
3) SE, DE QUALQUER MODO, INEXISTE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A INVOCADA CONDUTA ILÍCITA E CULPOSA DO RÉU/APELANTE E O DANO MORAL SOFRIDO PELOS AUTORES/APELADOS AO VEREM-SE CONFRONTADOS COM UMA FILHA NASCIDA SEM O MEMBRO INFERIOR ESQUERDO (JÁ PORQUE A DOR, CHOQUE E SOFRIMENTO VIVIDOS PELOS AUTORES RESULTARAM DO FACTO DE TEREM SIDO CONFRONTADOS COM UMA FILHA QUE NASCEU SEM A PERNA ESQUERDA, E NÃO DE APENAS TEREM TOMADO CONHECIMENTO DE TAL MALFORMAÇÃO APÓS O NASCIMENTO DA CRIANÇA - PELO QUE AQUELE DANO MORAL NÃO DEIXARIA DE TER OCORRIDO SE OS AUTORES TIVESSEM SIDO INFORMADOS PELO RÉU, ANTES DO NASCIMENTO DA SUA FILHA, DA MENCIONADA DEFORMAÇÃO FÍSICA -, JÁ PORQUE O PROCESSO NÃO CONTÉM QUALQUER PROVA SOBRE A EFICÁCIA OU BENEFÍCIO RESULTANTE, PARA OS AUTORES, DO ACOMPANHAMENTO PSICOLÓGICO DE QUE FORAM PRIVADOS EM RAZÃO DE NÃO TEREM SIDO INFORMADOS, PELO RÉU, DE QUE IRIAM TER UMA FILHA SEM O MEMBRO INFERIOR ESQUERDO).
A Sentença ora recorrida, julgando parcialmente procedente a presente acção, condenou o Réu, ora Recorrente, a pagar a cada um dos Autores, ora Recorridos, a quantia de € 7 500, a título de danos morais, resultantes da frustração da expectativa destes últimos de que iriam ter uma filha saudável, sem deficiências, e da impossibilidade de se preparem psicologicamente para tal facto, com que foram confrontados no momento do nascimento da sua filha.
Para tanto, louvou-se no seguinte argumentário:
«Dizem os AA que se viram privados, por força da conduta do 1º Réu, de se preparar psicologicamente para a circunstância de que iriam ter um filho deficiente.
Afigura-se-nos que o recurso às ecografias visa por parte dos futuros pais essencialmente assegurar a evolução normal da gravidez e a normalidade genética do feto e seu desenvolvimento, sendo que a conduta do 1º Réu implicou que no caso lhes tivesse sido criada a legítima convicção de que tudo estava bem, quando tal não era verdade, sendo exigível de acordo com as legis artis que o 1º Réu tivesse apurado a ausência do membro inferior esquerdo e disso tivesse dado conta aos AA.
Com isso evitava o Réu ter criado uma falsa expectativa aos AA de que iriam ter um filho saudável, que se viu gorada no momento do nascimento, tendo-os impedido de se prepararem psicologicamente com antecedência para a situação com a qual viriam a ser inevitavelmente confrontados, possivelmente com recurso a acompanhamento psicológico.
Temos por certo que relativamente as estes danos não patrimoniais – traduzidos na frustração de uma expectativa e na impossibilidade de preparação psicológica para o facto, se verificam todos os supra apontados pressupostos da responsabilidade civil aquilina, reconhecendo-se aos AA o direito de serem pelos mesmos indemnizados pelo 1º Réu».
(…)
«Visto isto, ponderando nos factos elencados em C), D), E), G), H), I, R) e S), considerando que os AA sempre haveriam de sofrer por saberem que iriam ter uma filha com deficiências congénitas e sempre haveriam de sofrer ao verem as suas efectivas limitações no dia-a-dia, mas que poderiam ter sido acompanhados para aprenderem previamente ao nascimento a lidar com tais inevitabilidades, podendo e devendo ter-lhes sido evitado o choque e dor da surpresa, num momento que deve ser exclusivamente de alegria como o nascimento de um filho e em relação ao qual o comportamento do 1º Réu tudo lhes levou a crer que seria exclusivamente de alegria, entendemos justa, necessária e adequada uma indemnização que se situe para cada um dos progenitores no valor €7.500».
Dissentindo do tribunal “a quo”, sustenta, ex adverso, o Réu/Apelante que, no caso sub judice, inexiste nexo de causalidade entre a invocada conduta ilícita e culposa do Réu/Apelante e o dano moral sofrido pelos Autores/Apelados ao verem-se confrontados com uma filha nascida sem o membro inferior esquerdo (já porque a dor, choque e sofrimento vividos pelos Autores resultaram do facto de terem sido confrontados com uma filha que nasceu sem a perna esquerda, e não de apenas terem tomado conhecimento de tal malformação após o nascimento da criança - pelo que aquele dano moral não deixaria de ter ocorrido se os Autores tivessem sido informados pelo Réu, antes do nascimento da sua filha, da mencionada deformação física -, já porque o processo não contém qualquer prova sobre a eficácia ou benefício resultante, para os Autores, do acompanhamento psicológico de que foram privados em razão de não terem sido informados, pelo Réu, de que iriam ter uma filha sem o membro inferior esquerdo).
Quid juris ?
A tese – propugnada pelo Réu ora Apelante – segundo a qual a dor, choque e sofrimento vividos pelos Autores resultaram do facto de terem sido confrontados com uma filha que nasceu sem a perna esquerda, e não de apenas terem tomado conhecimento de tal malformação após o nascimento da criança, pelo que aquele dano moral não deixaria de ter ocorrido se os Autores tivessem sido informados pelo Réu, antes do nascimento da sua filha, da mencionada deformação física, não tem a menor aderência à realidade.
É verdade que os Autores, mesmo que tivessem sido prevenidos pelo Réu/Apelante, antes do nascimento da sua filha, de que a mesma iria nascer sem o membro inferior esquerdo (rectius, com apenas uma massa disforme violácea sem estrutura óssea ligada à anca do lado esquerdo e que teria de ser removida através de intervenção cirúrgica realizada logo após o seu nascimento), não deixariam, decerto, de experimentar sentimentos de tristeza e angústia, desde logo pela antevisão imediata das enormes dificuldades e privações que a sua filha iria, muito provavelmente, experimentar ao longo do seu desenvolvimento e vida futura, pelo simples facto de não dispor dum dos membros inferiores (in casu, a perna esquerda).
Simplesmente, essa informação prévia acerca da inexistência do membro inferior esquerdo do feto, se tivesse sido efectivamente prestada pelo Réu antes do nascimento da Autora Carolina, teria, com elevadíssimo grau de probabilidade, habilitado os Autores pais da menor a prepararem-se psicologicamente, com antecedência relativamente ao nascimento, para o facto inelutável de que a sua filha iria nascer sem a perna esquerda. Pelo contrário, o facto de os relatórios das quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu à Autora TELMA nunca referirem qualquer das malformações detectadas logo após o nascimento da menor (agenésia do rim esquerdo; comunicação interventricular subaórtica; comunicação interauricular com persistência do canal arterial e hipoplasia do pulmão esquerdo) nem a ausência de membro inferior esquerdo da Autora C, levou a que os Autores A e B tivessem, muito naturalmente, confiado, indevidamente, durante todo o tempo por que perdurou a gravidez, em que a sua filha iria nascer sem nenhum problema de saúde.
Por isso, o facto de eles só terem tomado conhecimento de tal malformação (a ausência de membro inferior esquerdo) após o nascimento da criança, e não antes, fez com que a inesperada notícia de que a criança não tinha perna esquerda tivesse constituído para ambos, nas horas, nos dias e nas semanas imediatamente subsequentes ao parto, um verdadeiro choque psicológico, do qual, aliás, ainda se não refizeram definitivamente – como o comprova o facto de os Autores A e B continuarem (na data do encerramento da discussão da causa [23/4/2010: cfr. a Acta de Audiência de Julgamento constante de fls. 718-719), isto é, mais de cinco anos transcorridos sobre o dia do nascimento da sua filha [25/11/2004)], a ser acompanhados em consultas de psicologia no Hospital Amadora/Sintra, em virtude do choque e dor que sofreram com as malformações e patologias com que nasceu sua filha C, com o facto de a filha ficar limitada para o resto da sua vida em vários aspectos (resposta aos quesitos 28º a 30º da Base Instrutória).
A omissão, por parte do Réu, do comportamento devido – detecção da falta do membro inferior esquerdo do feto durante a gravidez da mãe e consequente informação de tal facto aos pais – não foi, portanto, indiferente para a produção do dano não patrimonial sofrido pelos Autores A e B , já que não se pode dizer que os Autores teriam sofrido o mesmo choque e dor por que passaram a seguir ao nascimento da sua filha, ainda que o Réu tivesse prestado a informação médica correcta que, indevidamente, omitiu.
Sustenta – é certo – o Apelante que o processo não contém qualquer prova sobre a eficácia ou benefício resultante, para os Autores, do acompanhamento psicológico de que foram privados em razão de não terem sido informados, pelo Réu, de que iriam ter uma filha sem o membro inferior esquerdo. Pelo que, na ausência de prova deste facto, não poderia presumir-se que esse apoio psicológico, se tivesse sido prestado aos Autores A e B , teria surtido efeito e eles deixariam de ter experimentado o choque e dor por que passaram a seguir ao nascimento da sua filha, dado não se tratar de facto notório e, como tal, não carecido de alegação nem de prova (nos termos do art. 514º, nº 1, do CPC).
O argumento não procede, porém, já que o facto alegadamente carecido de alegação e de prova (a eficácia ou benefício resultante, para os Autores, do acompanhamento psicológico de que foram privados em razão de não terem sido informados, pelo Réu, de que iriam ter uma filha sem o membro inferior esquerdo) é, em si mesmo, indemonstrável e, portanto, insusceptível de ser objecto de prova directa.
Na verdade, o acompanhamento psicológico nunca pode, pela natureza das coisas, aspirar a eliminar totalmente os traumas psicológicos de que padecem as pessoas carecidas de apoio psicológico, apenas visando, quando muito, minorar, tanto quanto possível, o mal-estar interior de que padece um ser humano, em determinado momento da sua vida, em razão de acontecimentos ou situações altamente indesejáveis com que se vê inesperadamente confrontado.
Assim sendo – e ao invés do que pretende o Réu/Apelante -, existe nexo de causalidade entre a conduta ilícita e culposa do Réu/Apelante – ao omitir a detecção, nos quatro exames ecográficos que efectuou à Autora B , durante a gravidez desta que culminou no nascimento, com vida, da Autora C , da inexistência, no feto, do membro inferior esquerdo e ao omitir a consequente prestação desta informação clínica aos pais do nascituro - e o dano moral sofrido pelos Autores/Apelados ao verem-se inesperadamente confrontados, no momento do parto, com uma filha nascida sem o membro inferior esquerdo.
Efectivamente, o artigo 563º do Código Civil consagrou, quanto ao nexo de causalidade, a doutrina da causalidade adequada, na formulação negativa de ENNECCERUS-LEHMAN, nos termos da qual a inadequação de uma dada causa para um resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, que, por isso mesmo, só ocorreu por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias.
Esta doutrina, nomeadamente no que concerne à responsabilidade por facto ilícito culposo - contratual ou extracontratual - deve interpretar-se, de forma mais ampla, com o sentido de que o facto que actua como condição só deixará de ser causa do dano desde que se mostre por sua natureza de todo inadequado e o haja produzido apenas em consequência de circunstâncias anómalas ou excepcionais e de que a citada doutrina da causalidade adequada não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o dano[58] [59] [60].
A esta luz, é manifesto que, no caso dos autos, a conduta ilícita e culposa do Réu/Apelante – ao omitir a detecção, nos quatro exames ecográficos que efectuou à Autora B , durante a gravidez desta que culminou no nascimento, com vida, da Autora C , da inexistência, no feto, do membro inferior esquerdo e ao omitir a consequente prestação desta informação clínica aos pais do nascituro – não foi, de todo, indiferente para a produção do dano não patrimonial sofrido pelos Autores/Apelados ao verem-se, inesperadamente, confrontados, no momento do parto, com uma filha nascida sem o membro inferior esquerdo – o que tanto basta para se poder afirmar a existência de nexo de causalidade adequada entre o facto ilícito e culposo praticado pelo Réu/Apelante e o dano moral sofrido pelos Autores/Apelados.
Consequentemente, a Apelação do Réu também improcede, quanto a esta derradeira questão.
De resto, a sentença recorrida apenas valorizou – para o efeito de responsabilizar o Réu ora Apelante pelo seu ressarcimento – o dano não patrimonial adveniente para os Autores/Apelados A e B do facto de só no momento do parto terem tomado conhecimento de que a sua filha C não possuía o membro inferior esquerdo, circunstância que os impediu de se prepararem psicologicamente, com antecedência, para essa funesta eventualidade.
Isto porque, tendo embora ficado provado que os relatórios ecográficos das quatro ecografias executadas pelo Réu/Apelante sem descrição de anomalias impediram os Autores de tentarem obter autorização para a interrupção daquela gravidez (resposta à matéria dos quesitos 31º e 32º da Base Instrutória), a sentença recorrida partiu do erróneo pressuposto jurídico de que, como quer que fosse, os AA. já não podiam, interromper licitamente aquela gravidez.
Para tanto, a sentença recorrida alicerçou-se num triplo argumento:
- por um lado, segundo o testemunho dos médicos ouvidos em audiência de julgamento, que já integraram comissões de ética em hospitais públicos com vista à concessão da necessária autorização para a realização da sobredita interrupção voluntária da gravidez, não seria possível, com base na mera ausência de um membro (superior ou inferior), obter-se tal autorização, visto a ausência dum membro não contender com a qualidade de vida da futura pessoa em moldes intoleráveis, embora com reconhecidas limitações em termos de locomoção;
- por outro lado, não se mostrando provado que, detentores da informação omitida – ausência de membro inferior esquerdo –, os AA decidiriam, inquestionavelmente, fazer o aborto, não se pode concluir pela existência de um dano na esfera jurídica dos AA e pela verificação de nexo de causalidade entre o facto e o dano, entendido este como o nascimento da filha dos AA.;
- finalmente, no plano lógico, é difícil admitir que um filho vivo, embora com uma deficiência que acarreta algumas adversidades/limitações na sua vida corrente e um inerente maior esforço no exercício das obrigações parentais, mas que não contende com uma existência passível de ser vivenciada, isto é, concretamente aferível em termos de fenómenos físicos mas também de consciência, seja apenas e exclusivamente um dano e um dano indemnizável nos termos do art. 496º, nº 1, do Código Civil, já que não se provou (porque tal nem sequer foi alegado) que os AA não tenham uma relação normal de pais-filha com a respectiva filha, ou seja, que não invistam nessa relação todo o seu amor, sendo o mesmo retribuído, e dela não retirem por isso as alegrias da maternidade/paternidade (ter uma filha sem uma perna é, seguramente, muito melhor do que não ter filha nenhuma).
Ora, estes pressupostos fácticos em que assentou o tribunal “a quo” para concluir, definitivamente, que, no caso “sub judice”, os Autores/Apelados, ainda que tivessem sido tempestivamente informados pelo Réu ora Apelante de que a sua filha iria nascer sem membro inferior esquerdo, nunca teriam direito a interromper licitamente aquela gravidez, estão totalmente errados.
Desde logo, há que dizer, com toda a frontalidade, que as opiniões manifestadas pelos médicos inquiridos em audiência de julgamento, acerca da probabilidade ou improbabilidade de as comissões de ética existentes em hospitais públicos concederem ou não a necessária autorização para a realização da sobredita interrupção voluntária da gravidez, não passam disso mesmo, de meras opiniões.
Nesta matéria, a única opinião juridicamente vinculante é a do legislador penal, expressa no texto da lei penal em vigor à data da prática dos factos.
Ora, na data em que foram realizados as quatro ecografias obstétricas executadas pelo Réu/Apelante (isto é, em 15 de Abril de 2004, em 18 de Junho de 2004, em 2 de Agosto de 2004 e em 8 de Outubro de 2004), a al. c) do nº 1 do art. 142º do Código Penal (na redacção introduzida pela Lei nº 90/97, de 30 de Julho) estipulava que:
«Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por um médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:
(…)
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de grave doença ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo
Sabendo-se que, na versão resultante da cit. Lei nº 90/97, deixou de se exigir que a malformação congénita seja grave (requisito que, desde então, apenas passou a exigir-se da doença) – o que tem como consequência que passou a ser permitida a interrupção da gravidez quando a malformação seja incurável, mas não grave (nomeadamente, em caso de agenesia de um rim, de um testículo ou até de um dedo: cfr., explicitamente neste sentido JORGE DE FIGUEIREDO DIAS in “Comentário Conimbricense do Código Penal”, Parte Especial, TOMO I, Artigos 131º a 201º”, 1999, p. 186) e sendo óbvio que a inexistência dum qualquer membro inferior constitui uma malformação congénita incurável, não pode deixar de se concluir que os AA., se tivessem sido informados pelo Réu/Apelante, aquando da ecografia obstétrica realizada em 2 de Agosto de 2004 (às 21 semanas + 2 dias), daquela malformação congénita, dispunham ainda de quase três semanas completas para poderem interromper licitamente a gravidez em curso da Autora B .
Não colhe, portanto, o argumento – esgrimido pela sentença recorrida – segundo o qual não foi produzida qualquer prova certa e inequívoca de que, com as apuradas deficiências congénitas, seria autorizado o aborto se requerido pelos AA., pronunciando-se clara e contundentemente em sentido contrário a Drª Maria ……   .
De facto, a lei penal vigente à data da realização dos mencionados exames ecográficos não fazia minimamente depender a licitude da interrupção da gravidez, nestes casos de previsão segura de doença grave ou malformação congénita incurável, da obtenção duma qualquer autorização administrativa a conceder por quaisquer comissões de ética existentes nos hospitais.
Tudo quanto se exigia era que a interrupção da gravidez fosse efectuada por um médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e que fosse realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, prazo este comprovado por intermédio de ecografia ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis.
A esta luz, era ao Réu/Apelante (e não aos Autores/Apelados) que incumbia a alegação e prova de que, no caso dos autos, os AA., mesmo que tivessem sido avisados pelo Réu, aquando da ecografia realizada em 2 de Agosto de 2004 (às 21 semanas + 2 dias), da aludida malformação congénita, não teriam nunca logrado que a gravidez da Autora B fosse interrompida por um médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido. Pelo que a dúvida porventura existente sobre o êxito ou inêxito da pretensão dos Autores/Apelados de interromper a gravidez, naquela ocasião, não pode deixar de ser resolvida, nos termos do art. 516º do CPC, contra o Réu/Apelante (a quem a prova dessa circunstância factual aproveitaria), e não contra os Autores/Apelados.
Tão pouco se pode partilhar aqueloutra tese – subscrita pela sentença recorrida – segundo a qual só se poderia concluir pela existência de um dano na esfera jurídica dos AA. e pela verificação de nexo de causalidade entre o facto e o dano, entendido este como o nascimento da filha dos AA., se se tivesse feito prova de que, uma vez detentores da informação omitida pelo Réu/Apelante – ausência de membro inferior esquerdo –, os AA decidiriam, inquestionavelmente, fazer o aborto, isto é, interromper a gravidez em curso, assim obstando ao nascimento da sua filha C .
É que o dano não é aqui consubstanciado pelo nascimento da filha dos AA., mas antes por todas aquelas despesas e incómodos acrescidos que eles já tiveram de realizar (a) Em virtude das malformações com que nasceu, a autora C teve que tomar, pelo menos, duas vezes ao dias, um manipulado cuja validade era de 14 dias e tinha que ser conservado no frigorífico e ainda tinha que tomar Lasix [resposta à matéria dos quesitos 18º e 19º da Base Instrutória]; b) A Autora C efectuou fisioterapia três vezes por semana e era acompanhada por sua mãe ou pelo pai [resposta à matéria dos quesitos 20º e 21º da Base Instrutória]; c) E necessita de acompanhamento em consultas de cardiologia pediátrica e foi seguida em várias especialidades no Hospital Amadora/Sintra [resposta à matéria dos quesitos 22º e 23º da Base Instrutória]) e que ainda vão ter de suportar futuramente (a) A autora C necessita de utilizar uma prótese no membro inferior no valor de cerca de €4.000, podendo ascender a €29.000,00 consoante o desenvolvimento da pessoa e o material utilizado, sendo que a prótese é articulada com o crescimento até aos 20 anos de idade [resposta à matéria dos quesitos 24º, 25º e 26º da Base Instrutória]; b) A Autora C tem que frequentar um centro de reabilitação devido à ausência do membro inferior esquerdo [resposta à matéria do quesito 27º da Base Instrutória]).
A estes prejuízos de ordem patrimonial acresce ainda o dano não patrimonial consubstanciado na dor sofrida pelos Autores A e B devido ao facto de a filha ficar limitada para o resto da sua vida em vários aspectos (resposta à matéria dos quesito 28º a 30º da Base Instrutória).
Ora - como é de meridiana evidência -, caso os Autores/Apelados tivessem logrado interromper a gravidez da A. B , com fundamento na previsão segura de que o nascituro sofria duma malformação congénita incurável, consubstanciada na inexistência de membro inferior esquerdo (como lhes era facultado pela lei penal então vigente: cfr. supra), é óbvio que eles nunca teriam sofrido nem os aludidos prejuízos de ordem patrimonial, nem o mencionado dano não patrimonial.
Donde que – ao contrário do erroneamente entendido pela sentença recorrida -, existe um evidente nexo de causalidade entre o facto ilícito e culposo praticado pelo Réu/Apelante (consubstanciado na sonegação aos AA. da informação médica de que o feto iria nascer sem membro inferior esquerdo) e aqueles prejuízos de ordem patrimonial e não patrimonial sofridos pelos Autores/Apelados.
Finalmente, a observação contida na sentença recorrida, segundo a qual um filho vivo, embora com uma deficiência que acarreta algumas adversidades/limitações na sua vida corrente e um inerente maior esforço no exercício das obrigações parentais, mas que não contende com uma existência passível de ser vivenciada, é um bem muito mais valioso do que a vantagem que a interrupção da gravidez proporcionaria aos Autores (porque ter uma filha sem uma perna é, seguramente, muito melhor do que não ter filha nenhuma) - já que ficou por demonstrar (nem tal foi sequer alegado) que os AA não tenham uma relação normal de pais-filha com a respectiva filha, ou seja, que não invistam nessa relação todo o seu amor, sendo o mesmo retribuído, e dela não retirem por isso as alegrias da maternidade/paternidade -, não tem o menor cabimento, no contexto dum processo judicial como o presente, destinado a apurar da existência ou não do dever de indemnizar a cargo do médico que realizou os exames ecográficos efectuados durante a gravidez de que resultou o nascimento duma criança portadora duma malformação congénita tão grave como é, seguramente, a inexistência dum membro inferior (duma perna).
Efectivamente, desde o momento que a lei penal, ponderando todos os bens jurídicos conflituantes em presença, autoriza a interrupção voluntária da gravidez, num caso como o dos autos, a opção pelo uso ou não uso dos procedimentos clínicos tendentes a impedir o nascimento com vida do feto pertence exclusivamente aos pais, rectius, à mulher grávida.
Assim sendo, o tribunal não pode substituir-se aos pais (rectius, à mulher grávida) na ponderação da maior ou menor valia da opção pela não interrupção da gravidez e pelo consequente nascimento com vida do feto, para o efeito de concluir que, afinal, ter um filho sem uma perna é, seguramente, muito melhor do que não ter filho nenhum e, como tal, não são indemnizáveis pelo médico que sonegou a informação médica que teria possibilitado interromper aquela gravidez todos os danos de índole patrimonial e não patrimonial decorrentes da condição física diminuída daquele filho vivo.
Desde que a lei penal vigente no país autorizava os pais desta criança a fazer interromper aquela gravidez, ante a previsão segura de que ela iria nascer sem uma perna, não pode deixar de concluir-se que o médico ecografista que, com violação das leges artis, não detectou essa malformação congénita incurável e, como tal, não informou tempestivamente os pais desse facto, assim obstando a que eles exercessem o seu indeclinável direito de fazer cessar aquela gravidez, está constituído na obrigação de indemnizar os pais de todos os danos de índole patrimonial e não patrimonial que eles não teriam sofrido se tivessem logrado obstar ao nascimento com vida da sua filha.
Tudo isto para concluir que, caso os AA. não tivessem deixado deserto o recurso subordinado que chegaram a interpor da sentença ora sob censura (cfr. o despacho de fls. 901/902), esta Relação condenaria o R. a indemnizar os AA./Apelados de todos os mencionados prejuízos de índole patrimonial e atribuiria a estes uma indemnização por danos não patrimoniais de montante muito superior à arbitrada na sentença recorrida, cujos parâmetros se circunscreveram, exclusivamente, ao dano não patrimonial consubstanciado no choque psicológico causado pelo facto de os AA. terem sido surpreendidos, só no momento do parto, com o facto inesperado de a sua filha não ter membro inferior esquerdo, descurando, indevidamente, aqueloutra dimensão do dano moral traduzida na dor sofrida pelos Autores A e B devido ao facto de a filha ficar limitada para o resto da sua vida em vários aspectos (resposta à matéria dos quesito 28º a 30º da Base Instrutória).
Estando, porém, esta Relação impedida, por motivo de ordem processual, de agravar a posição do Réu/Apelante (cfr. o art. 684º, nº 4, do C.P.C.), outra coisa não pode fazer senão confirmar a sentença recorrida, no segmento (posto em crise no recurso do Apelante) em que ela condenou o Réu a pagar a cada um dos AA  A e  B a quantia de € 7.500, a título de indemnização por danos morais.

DECISÃO
Acordam os juízes desta Relação em negar provimento à Apelação, confirmando integralmente a sentença recorrida.

Custas da Apelação a cargo do Réu/Apelante.

Lisboa, 10 de Janeiro de 2012
 
Rui Torres Vouga
Maria do Rosário Barbosa
Maria do Rosário Gonçalves
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[1] Muito embora a Autora C. tenha interposto recurso deste segmento do Despacho Saneador que julgou a acção imediatamente improcedente quanto aos pedidos (indemnizatórios) por ela formulados (cfr. fls. 253) – recurso esse que foi admitido como de Apelação, a subir a final e com efeito meramente devolutivo (arts. 691º, nº 1, 692º, nº 1, e 695º, nºs 1 e 2, todos do C.P.C.) -, a verdade é que a Apelante não apresentou as concernentes Alegações dentro do prazo marcado no art. 698º, nº 2, do C.P.C., pelo que tal recurso ficou, necessariamente, deserto, nos termos das disposições conjugadas dos arts. 291º, nº 2, e 690º, nº 3, ambos do C.P.C..
[2] Cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 362 e 363.
[3] Cfr., também neste sentido, os Acórdãos do STJ de 6/5/1987 (in Tribuna da Justiça, nºs 32/33, p. 30), de 13/3/1991 (in Actualidade Jurídica, nº 17, p. 3), de 12/12/1995 (in BMJ nº 452, p. 385) e de 14/4/1999 (in BMJ nº 486, p. 279).
[4] O que, na alegação (rectius, nas suas conclusões), o recorrente não pode é ampliar o objecto do recurso anteriormente definido (no requerimento de interposição de recurso).
[5] A restrição do objecto do recurso pode resultar do simples facto de, nas conclusões, o recorrente impugnar apenas a solução dada a uma determinada questão: cfr., neste sentido, ALBERTO DOS REIS (in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. V, págs. 308-309 e 363), CASTRO MENDES (in “Direito Processual Civil”, 3º, p. 65) e RODRIGUES BASTOS (in “Notas ao Código de Processo Civil”, vol. 3º, 1972, pp. 286 e 299).
[6] LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, 2003, p. 95.
[7] LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES, ibidem.
[8] ABRANTES GERALDES in “Temas da Reforma do Processo Civil”, II Vol., 3ª ed., Janeiro de 2000, p. 186.
[9] Na verdade, com o CPC de 1961, a possibilidade de certos depoimentos ficarem registados por escrito só ocorria em caso de depoimentos antecipados (arts. 520º e 521º), cartas precatórias ou rogatórias (arts. 563º e 623º) e depoimentos de determinadas entidades (nos termos dos arts. 625º e segs.): cfr. ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 185.
[10] «É o caso de o tribunal a quo ter desprezado a força probatória dum documento não impugnado nos termos legais» (MANUEL DE ANDRADE in “Noções Elementares de Processo Civil”. 1979, p. 209).  «Com efeito, encontrando-se junto aos autos documento que faça prova plena de certo facto se o juiz, na sentença, não o der como provado, incumbe à Relação alterar a decisão de 1ª instância, nessa parte, fazendo prevalecer a força probatória do documento (arts. 371º, nº 1, 376º, nº 1, e 377º do CC)» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA in “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 4ª ed., Abril de 2003, p. 202). «E o mesmo fenómeno ocorrerá no respeitante a um facto sobre que verse confissão judicial escrita, desde que desfavorável ao confitente (art. 358º, nº 1, do CC)» (FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, ibidem).
[11] ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., pp. 193-194.
[12] ABRANTES GERALDES in ob. e vol. citt., p. 186.
[13] LEBRE DE FREITAS-ARMINDO RIBEIRO MENDES in “Código de Processo Civil Anotado” cit., Vol. 3º cit., p. 96.
[14] Cfr., no sentido de que «a garantia do duplo grau de jurisdição em matéria de facto converge com o ónus específico de alegação do recorrente no que concerne à delimitação do objecto do recurso e à respectiva motivação», pelo que «não pode ser recebido o recurso sobre a decisão da matéria de facto se o recorrente não indicar os segmentos por ele considerados afectados de erro de julgamento e os motivos da sua discordância por via da concretização dos meios de prova produzidos susceptíveis de implicar decisão diversa da impugnada», o Ac. do S.T.J. de 1/7/2004, proferido no Proc. nº 04B2307 e relatado pelo Conselheiro SALVADOR DA COSTA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[15] CARLOS LOPES DO REGO in “Comentários ao Código de Processo Civil”, Vol. I, 2ª ed., 2004, p. 608.
[16] Este é aliás o sentido que o legislador pretendeu dar à possibilidade do duplo grau de jurisdição, em sede de matéria de facto, pois que expressamente refere, no preâmbulo do diploma que possibilitou a documentação da prova (Dec.-Lei n.º 39/95, de 15/12), que “…a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência – visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso”.
[17] Cfr., também no sentido de que, «apesar da maior amplitude conferida pela reforma de processo civil a um segundo grau de jurisdição em sede de matéria de facto, a verdade é que não se trata de um segundo julgamento, devendo o tribunal apreciar apenas os aspectos sob controvérsia», o Ac. da Rel. de Lisboa de 13-11-2001 (in Col. de Jur., 2001, tomo V, pág. 85).
[18] Cfr., igualmente no sentido de que «a reforma processual operada pelo DL nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei nº 180/96, de 25 de Setembro, dando nova redacção ao artº 712 do C. P. Civil, ampliou os poderes da Relação quanto à matéria de facto, mas não impõe a realização de novo e integral julgamento, nem admite recurso genérico contra a errada decisão da matéria de facto», o Ac. da Rel. do Porto de 19/09/2000 (in Col. Jur., Ano XXV - 2000, tomo IV, p. 186).
[19] Ac. da Relação de Coimbra de 3-10-2000 (in Col. de Jur., 2000, tomo IV, pág. 28).
[20] De facto, «é sabido que, frequentemente, tanto ou mais importantes que o conteúdo das declarações é o modo como são prestadas, as hesitações que as acompanham, as reacções perante as objecções postas, a excessiva firmeza ou o compreensível enfraquecimento da memória, etc.» (ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 201). «E a verdade é que a mera gravação sonora dos depoimentos desacompanhada de outros sistemas de gravação audiovisuais, ainda que seguida de transcrição, não permite o mesmo grau de percepção das referidas reacções que, porventura, influenciaram o juiz da primeira instância» (ibidem). «Existem aspectos comportamentais ou reacções dos depoentes que apenas podem ser percepcionados, apreendidos, interiorizados e valorados por quem os presencia e que jamais podem ficar gravados ou registados para aproveitamento posterior por outro tribunal que vá reapreciar o modo como no primeiro se formou a convicção dos julgadores» (ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 273).
[21] Cfr., no sentido de que «a gravação da prova, pela sua própria natureza não pode reproduzir todas as circunstâncias em que um determinado depoimento se processou, não podendo assim evidenciar tudo aquilo que é perceptível apenas através do concretizar do principio da imediação, não tornando assim acessível ao tribunal superior o controlo de todo o processo que habilitou o tribunal "a quo" a decidir como decidiu, o que tudo aconselha um particular cuidado aquando do uso pelo tribunal "ad quem" dos poderes de reapreciação dos pontos controvertidos da matéria de facto», o Ac. do S.T.A. de 18/1/2005, proferido no Proc. nº 01703/02 e relatado pelo Conselheiro ALBERTO AUGUSTO DE OLIVEIRA, cujo texto integral põe ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[22] Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004, proferido no Proc. nº 17/04 e relatado pelo Desembargador JORGE ARCANJO RODRIGUES, cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.
[23] «Ressalvam-se (…) do poder de livre apreciação do tribunal colectivo os casos em que a lei exija, para a existência ou para a prova de algum facto, qualquer formalidade especial» (ANTUNES VARELA in “Manual de Processo Civil”, 1984, p. 643). «No 1º caso, a formalidade diz-se ad substantiam; no 2º, ad probationem» (ibidem). «Em qualquer das circunstâncias, o colectivo não pode considerar o facto como provado, enquanto a formalidade exigida (ou a forma do seu suprimento, no caso da formalidade ad probationem) não tiver sido observada» (ibidem).
[24] «Estão, de acordo com essa regra [da liberdade de apreciação da prova pelo tribunal], sempre sujeitas à livre apreciação do julgador a prova testemunhal (art. 396º CC), a prova por inspecção (art. 391º CC) e a prova pericial (art. 389º CC)» (LEBRE DE FREITAS-MONTALVÃO MACHADO-RUI PINTO in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, 2001, p. 635). «Têm, pelo contrário, valor probatório fixado na lei os documentos escritos, autênticos (art. 371º-1 CC) ou particulares (art. 376º-1 CC), e a confissão escrita ou reduzida a escrito, seja feita em documento autêntico ou particular, mas neste caso só quando dirigida à parte contrária ou a quem a represente (art. 358º-2 CC)» (ibidem). «Já quando não reúna os requisitos exigidos para ter força probatória legal, a confissão fica sujeita à regra da livre apreciação (art. 361º CC); o mesmo acontece com o documento escrito (art. 366º CC)». «Valor probatório fixado por lei têm também as presunções legais stricto sensu (art. 350º CC) e a admissão (arts. 484º-1, 490º-2, 505º e outros semelhantes)» (ibidem).
[25] MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA in “Estudos Sobre o Novo Processo Civil, Lex, 1997, p. 348”.
[26] ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 256.
[27] ABRANTES GERALDES, ibidem.
[28] ABRANTES GERALDES in “Temas…” cit., II Vol. cit., p. 259.
[29] Cit. Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004.
[30] Cit. Ac. da Rel. de Coimbra de 25/5/2004.
[31] Cfr., também no sentido de que, «porque se mantêm vigorantes os princípios de imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca, de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto deve restringir-se aos casos de flagrante desconformidade entre os elementos de prova disponíveis e aquela decisão, nos concretos pontos questionados”, o Ac. da Rel. do Porto de 19/09/2000 (in “Col. Jur., Ano XXV - 2000, tomo 4, p. 186).
[32] Cfr., igualmente no sentido de que «a reanálise das provas gravadas pelo Tribunal da Relação só pode abalar a convicção criada pelo Juiz da 1.ª instância, traduzida nas respostas aos quesitos, e determinar a alteração dessas respostas, em casos pontuais e excepcionais, quando, não se tratando de confissão ou de qualquer facto só susceptível de prova através de documento, se verifique que as respostas dadas não têm qualquer fundamento face aos elementos de prova trazidos ao processo ou estão profundamente desapoiados face às provas recolhidas», o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/2003, proferido no Proc. nº 02A4324 e relatado pelo Conselheiro AFONSO CORREIA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[33] Ac. da Rel. de Coimbra de 25/11/2003, proferido no Proc. nº 3858/03 e relatado pelo Desembargador ISAÍAS PÁDUA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[34] Cfr., igualmente no sentido de que, «quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear numa opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum», o Ac. da Rel. de Coimbra de 6/03/2002 (in Col. Jur., 2002, tomo II, p. 44). Assim, «assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» (Ac. da mesma Relação de 18/8/2004, prolatado no Proc. nº 1937/04 e relatado pelo Desembargador BELMIRO ANDRADE, cujo texto integral pode ser livremente consultado no site htpp//www.dgsi.pt).
[35] Cfr., de igual modo no sentido de que «o artº 690º-A do C.P.C., que impõe ao recorrente o ónus de concretizar quais os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e de indicar os meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão diversa, deve ser conjugado com o artº 655º do C.P.Civil, que atribui ao tribunal o poder de apreciar livremente as provas, decidindo os juízes segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto», pelo que, «dos meios de prova concretamente indicados como fundamento da crítica ao julgamento da matéria de facto deve resultar claramente uma decisão diversa», sendo «por essa razão que a lei utiliza o verbo “impor”, com um sentido diverso de, por exemplo, “permitir”», o Ac. do STA de 6/7/2006, relatado pela Conselheira ANGELINA DOMINGUES e proferido no Proc. nº 0220/06, cujo texto integral está acessível, via Internet, no sítio www.dgsi.pt.
[36] Cfr., também no sentido de que «só quando os elementos dos autos levem inequivocamente a uma resposta diversa da dada na 1ª instância é que se deve alterar as respostas à base instrutória, pois só nestas circunstâncias estamos perante um erro de julgamento», mas «o mesmo não sucederá quando existam elementos de prova contraditórios, pois neste caso deve valer a resposta dada pelo tribunal recorrido, já que se entra então no âmbito da convicção e da liberdade de julgamento, o que não cabe ao Tribunal da Relação controlar – artº 655º do CPC», o Ac. da Rel. de Coimbra de  20/6/2006, proferido no Proc. nº 1750/06 e relatado pelo Desembargador GARCIA CALEJO (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[37] Ac. da Rel. de Lisboa de 13/11/2001 (in Col. Jur., 2001, tomo V, p. 85).
[38] Cfr., de igual modo no sentido de que «a alteração da matéria de facto pelo Tribunal da Relação nos termos do artigo 712º do Código de Processo Civil só pode ter lugar quando os elementos fornecidos pela análise do processo, incluindo os concernentes à prova testemunhal que haja sido gravada, imponham de forma clara tal solução e não quando essa análise possa apenas sugerir ou possibilitar decisão diversa da matéria de facto», o Ac. desta Relação de Lisboa de 10/11/2005, proferido no Proc. nº 3876/2005-6 e relatado pelo Desembargador AGUIAR PEREIRA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[39] Cfr., ainda no sentido de que «a plenitude do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto sofre naturalmente a limitação que a inexistência de imediação necessariamente acarreta, não sendo, por isso, de esperar do tribunal superior mais que a sindicância de erro manifesto na livre apreciação das provas», o Ac. do STJ de 10/3/2005, proferido no Proc. nº 05B016 e relatado pelo Conselheiro OLIVEIRA BARROS (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt).
[40] Cfr., também no sentido de que «a sindicância da Relação em sede de matéria de facto não visa alterar a decisão de facto com base na susceptibilidade de uma convicção diversa, fundada no depoimento das mesmas testemunhas, mas sim modificar o julgamento da matéria de facto porque as provas produzidas na 1ª instância (v. g. depoimentos prestados) impunham, decisiva e forçosamente, outra diversa da aí tomada», o Ac. da Rel. de Évora de 29/3/2007, proferido no Proc. nº 2824/06-3 e relatado pelo Desembargador TAVARES DE PAIVA (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt).
[41] Cfr., uma vez mais no sentido de que «porque o recurso da matéria de facto é um verdadeiro recurso e, como tal, para que proceda, importa que se possa concluir, com segurança, pela verificação de um erro de julgamento de facto, não bastará ao Tribunal da Relação adquirir uma convicção probatória divergente da que foi adquirida em primeira instância para que seja alterada a decisão de facto da primeira instância, sendo necessário para tanto que o Tribunal da Relação esteja em condições de afirmar a existência de um erro de apreciação e valoração da prova por parte do tribunal de primeira instância», o Ac. da Rel. de Coimbra de 19/1/2010, proferido no Proc. nº 495/04.3TBOBR.C1 e relatado pelo Desembargador CARLOS GIL (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt).
[42] Ac. da Relação de Coimbra de 3/10/2000 (in Col. Jur., 2000, tomo IV, p. 28).
[43] Dito isto, «o tribunal da Relação não pode deixar de reapreciar a matéria de facto (toda a matéria de facto atinente aos pontos de facto postos em causa, seja a documental, seja a pericial, seja a testemunhal, recolhida em escrito ou guardada em registo audio ou video)», pelo que «o tribunal da Relação não pode escudar-se numa fundamentação mais ou menos extensa ou mais ou menos rigorosa do tribunal recorrido para dizer “não vale a pena mais nada, não vale a pena ouvir sequer as cassetes de registo audio (ou video)”» (Ac. do STJ de 10/5/2007, proferido no Proc. nº 06B1868 e relatado pelo Conselheiro PIRES DA ROSA, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt). «Com a simples remissão para os fundamentos da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto não é suficiente para se considerar que a Relação fez uma análise crítica das provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, conforme é exigido pelo disposto no n.º2 do artigo 653º do Código de Processo Civil, aplicável por força do n.º2 do artigo 713º do mesmo diploma» (Ac. do STJ de 21/4/2010, proferido no Proc. nº 3473/06.4TJVNF-A.P1.S1 e relatado pelo Conselheiro OLIVEIRA VASCONCELOS, cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt). Isto porque: «Analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos consiste em o julgador explicar as razões que objectivamente o determinaram a ter ou não por averiguado determinado facto, em revelar qual o raciocínio lógico que o conduziu à resposta, qual o processo racional que utilizou» (ibidem). «Sendo assim, perante a afirmação que se ouviu a prova gravada e que se concorda com a fundamentação da 1ª instância quanto à matéria de facto, fica-se sem saber as razões, o processo racional utilizado, pelas quais a Relação teve essa concordância» (ibidem). «Razões que teriam que assentar numa análise concreta dos meios probatórios em causa, não bastando divagações genéricas sobre a matéria» (ibidem).
[44] Ac. da Rel. de Coimbra de 22/6/2004, prolatado no Proc. nº 1861/04 e relatado pelo Desembargador HÉLDER ALMEIDA (cujo texto integral está disponível para consulta no site htpp//www.dgsi.pt.).
[45] Cit. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 21/1/2003, proferido no Proc. nº 02A4324 e relatado pelo Conselheiro AFONSO CORREIA.
[46] Ibidem.
[47] Cfr., no sentido de que «deve ser alterada a resposta a um quesito, fundamentada em prova testemunhal e documental, se, ouvida aquela, ninguém fizer qualquer referência ao facto e analisados os documentos, estes não apoiarem o facto dado como provado», o Ac. da Rel. do Porto de 11/5/2004, proferido no Proc. nº 0421309 e relatado pelo Desembargador ALBERTO SOBRINHO (cujo texto integral pode ser acedido, via Internet, no sítio www.dgsi.pt).
[48] Cfr., no sentido de que «não existe qualquer disposição de direito probatório material que imponha a averiguação das causas que determinaram a morte de uma pessoa através de prova pericial, designadamente de um exame médico-legal, vigorando nesta matéria plenamente o princípio da liberdade de julgamento inscrito no artº. 655º, nº. 1 do CPC», o Ac. do STJ de 28/1/2004 (Proc. nº 03S3405; Relator – VÍTOR MESQUITA), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[49] Cfr., no sentido de que «a força probatória da prova pericial é apreciada livremente pelo Tribunal, não sendo exigido esse tipo de prova para concluir que uma pessoa se mostra ansiosa e nervosa com ruídos e fica impedido de descansar convenientemente durante a noite», o Ac. do STJ de 22/9/2009 (Proc. nº 161/05.2TBVLG.S1; Relator – SEBASTIÃO PÓVOAS), cujo texto integral pode ser acedido no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[50] Cfr., no sentido de que «em processo Civil, são admissíveis todos os meios de prova para demonstrar a causa da morte, estando a sua apreciação judicial sujeita ao princípio da liberdade de julgamento e da livre formação da convicção do julgador, consagrado no Artº 655º, nº 1, do Código de Processo Civil», o Ac. do STJ de 11/11/2010 (Proc. nº 2284/08.7TVLSB.L1; Relator – TEIXEIRA RIBEIRO), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt. Segundo este aresto, «não se ignora que certos meios de prova são mais idóneos que outros para provar determinados factos e que, por exemplo, os exames tanatológicos (autópsias, ou outros) são dos mais indicados, quando se trate de demonstrar a causa da morte, por a sua indagação e percepção requerer, por via de regra, sob o ponto de vista técnico-científico, conhecimentos especiais, que o comum das pessoas e dos julgadores não possuem – Artº 388º do Código Civil». (…) «Apesar disso, a sua força probatória é fixada livremente pelo tribunal, como o determinam os Artºs 389º do Código Civil, e 591º do Cód. Processo Civil, não tendo o julgador que obrigatoriamente seguir e aceitar as conclusões do exame pericial».
[51] Cfr., no sentido de que, «para a prova da genuinidade do título, nomeadamente da genuinidade da assinatura do aceite, não existe prova tarifada em processo civil, desde logo porque a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo Tribunal, em processo civil — art° 389° C.Civ., não se encontrando o tribunal impedido de se socorrer de outro material probatório, designadamente as testemunhas arroladas pelas partes», o Ac. da Rel. do Porto de 9/6/2009 (Proc. nº 4341/04.0TBVFR-A.P1; Relator – VIEIRA E CUNHA), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[52] Cfr., no sentido de que «o valor da prova pericial civil, contrariamente ao que acontece com a prova pericial penal, não vincula o critério do julgador, porquanto os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também não requer uma crítica material e científica, mas, para não resvalar em arbitrariedade, deve ser apreciada pelo Juiz, segundo a sua experiência, prudência e bom senso, embora não vinculado a quaisquer regras, medidas ou critérios», o Ac. do STJ de 5/7/2006 (Proc. nº 1785/06; Relator – HÉLDER ROQUE), cujo texto integral pode ser acedido no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[53] Cfr., no sentido de que «os exames médico-legais, mesmo quando efectuados nos Institutos de Medicina Legal, não revestem a natureza de documentos autênticos, não tendo o valor de meio de prova plena, porquanto apenas correspondem a meras apreciações técnicas, que, por mais qualificadas que sejam, estão sujeitas à livre apreciação do tribunal», o Ac. do STJ de 20/5/2003 (Proc. nº 03A1149; Relator – PONCE DE LEÃO), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[54] Cfr., no sentido de que «o valor da prova pericial civil não vincula o critério do julgador, que a pode rejeitar, independentemente de sobre ela fazer incidir uma crítica material da mesma natureza, ou seja, dito de outro modo, os dados de facto que servem de base ao parecer estão sujeitos ao princípio da livre apreciação da prova, e o juízo científico ou parecer, propriamente dito, também, não requer uma crítica material e científica», o Ac. do STJ de 6/7/2011 (Proc. nº 3612/07.6TBLRA.C2.S1; Relator – HÉLDER ROQUE), cujo texto integral pode ser acedido no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[55] Cfr., no sentido de que «pode o tribunal decidir sobre a matéria de facto de modo diferente do inculcado pelo relatório unânime dos peritos, por mais qualificados que estes sejam», sendo que, «mesmo quando é a lei que determina quem deve fazer a perícia, como é o caso das pericial médico-legais (art.º 568º-3), o seu resultado não é vinculativo, estando sempre sujeito à livre apreciação do julgador, feita perante o confronto de todas as provas produzidas», o Ac. desta Relação de Lisboa de 14/4/2011 (Proc. nº 162/05.0TBHRT.L1-2; Relator – EZAGUY MARTINS), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[56] Dito isto, «a tutela contratual é, em regra, a que mais favorece o lesado na sua pretensão indemnizatória, face às regras legais em matéria de ónus da prova da culpa (art.ºs 344.º, 487.º, n.º 1 e 799.º, n.º 1, todos do CC)» (cit. Ac. do STJ de 7/10/2010).
[57] Cfr., também no sentido de que, «na actuação do médico, o não cumprimento pelo mesmo dos deveres de cuidado e protecção a que está obrigado, pode ser causa de responsabilidade contratual, na medida em que viola deveres laterais a que contratualmente está obrigado, mas também de responsabilidade delitual, na medida em que a referida violação represente igualmente um facto ilícito extracontratual», sendo que, «embora com limitações (desde logo as que resultarem de eventuais acordos das partes, dentro do princípio da liberdade contratual), tem-se entendido que o lesado poderá optar pela tutela contratual ou extracontratual, consoante a que julgue mais favorável em concreto», o Ac. do STJ de 19/6/2001 (Proc. nº 01A1008; Relator – PINTO MONTEIRO), cujo texto integral pode ser acedido no sítio da web www.dgsi.pt..
[58] Cfr., neste sentido, o Ac. do STJ de 3/3/2005 (Proc. nº 04B4249; Relator – ARAÚJO DE BARROS), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[59] Cfr., também no sentido de que «o artigo 563º do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa, que não pressupõe a exclusividade do facto condicionante do dano, nem exige que a causalidade tenha de ser directa e imediata, pelo que admite:
- não só a ocorrência de outros factos condicionantes, contemporâneos ou não;
- como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano», o Ac. do STJ de 7/4/2005 (Proc. nº 05B294; Relator – FERREIRA GIRÃO), cujo texto integral está acessível no sítio da Internet www.dgsi.pt.
[60] Cfr., igualmente no sentido de que, segundo a doutrina da causalidade adequada consagrada no art. 563º do Cód. Civil, «a inadequação de uma dada conduta para um determinado resultado deriva da sua total indiferença para a produção dele, tendo este ocorrido apenas por circunstâncias excepcionais ou extraordinárias», o Ac. do STJ de de 7/10/2010 (Proc. nº 1364/05.5TBBCL.G1; Relator – FERREIRA DE ALMEIDA), cujo texto integral pode ser acedido no sítio da Internet www.dgsi.pt. «Se a lesão tiver provindo de um facto ilícito culposo (contratual ou extracontratual), deve, em ambos os domínios, entender-se que o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a sua natureza geral e em face das regras da experiência comum, se mostrar (de todo) indiferente para a verificação do dano» (ibidem). «Assim, a responsabilidade por facto ilícito culposo não pressupõe a exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha, só por si, determinado o resultado, pelo que qualquer condição que interfira no processo sequencial (causal) dos factos conducentes à lesão, e que não seja de todo em todo indiferente à produção do dano, segundo as regras normais da experiência comum, seja causa adequada do prejuízo verificado.» (ibidem).