Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4811/2003-4
Relator: MARIA JOÃO ROMBA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ADVOGADO
DESPEDIMENTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/22/2003
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: ALTERADA A SENTENÇA.
Sumário: Embora revista características híbridas, mas próprias de um contrato de trabalho, outras próprias de um contrato de prestações de serviços, a prestação por uma advogada de actividade profissional própria de advocacia, virada sobretudo, para a consultoria no âmbito de um escritório de advogados, sendo-lhe os trabalhos distribuídos e a respectiva execução controlada e revista pelos advogados titulares do escritório, a quem cabia a última palavra até se considerarem concluídos, deve ser qualificada como integrando um contrato de trabalho sobretudo se, de diversidade dos indícios considerados, o acento tónico incidiu sobre aqueles que revelam tratar-se de exercício de uma actividade profissional juridicamente subordinada, porque dependente da orientação e supervisão dos RR.
Decisão Texto Integral:   Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa
            A, advogada, intentou no Tribunal de Trabalho de Vila Franca de Xira a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, com forma comum, contra
1- Sociedade «B e Associados»,
2- Dr. B,
3- Dr. C e
4 - Drª D , alegando em síntese, exercerem os três últimos RR., em conjunto e em comunhão de esforços a actividade de advocacia, como modo de vida, utilizando publicamente a designação «B e Associados», sem que todavia, até 16/2/2000 tivessem procedido à outorga da escritura notarial de constituição de sociedade, pelo que se trata de uma sociedade irregular.
Em 31/1/97 a A. e RR. celebraram um contrato de trabalho sem termo, passando a A., em 3/2/97 a exercer a actividade de advogada sob as ordens direcção e fiscalização dos RR. a tempo inteiro e  em regime de exclusividade, o que sucedeu até 4 de Janeiro de 2000.
Nesta data foi-lhe comunicado pelo 2º R. que passava a executar um horário de 4 horas de trabalho diárias, de 2ª a 6ª fª, deixava de exercer as funções de chefia do escritório da Av. Sidónio Pais, deixando de ocupar  a sala que lhe estava destinada desde Dezembro de 1998, passando a ocupar outras salas, partilhando-as com outros colegas, no escritório da Av. António Augusto Aguiar e que o seu salário de 250.000$00 ia ser reduzido para 150.000$00.
Tendo a A. comunicado ao referido 2º R., no dia 10/1/2000 que não aceitava as ordens dadas (redução do horário de trabalho e do salário e despromoção), foi-lhe por este comunicado que então cessava funções imediatamente, recusando-se, todavia, a formalizar por escrito tal decisão.
A  A. continuou a comparecer  no seu local de trabalho nos dia 11 e 12 de Janeiro, mas nesta data não conseguiu entrar por ter sido substituída a fechadura e os funcionários lhe terem comunicado que tinham ordens para não a deixar entrar.
Em 21/1/2000 o 3º R. em representação de todos os demais enviou-lhe uma carta a comunicar a cessação do contrato em 11/1.
Conclui ter sido ilicitamente despedida, reclamando a indemnização por antiguidade e o pagamento dos salários intercalares entre os 30 dias que antecederam a propositura da acção e a data da sentença, bem como os subsídios de férias e de Natal, que nunca lhe foram pagos.
Mais alega ter prestado trabalho suplementar e em dias de descanso, reclamando o pagamento da respectiva retribuição, bem como uma indemnização de 1.000.000$00 pelos danos não patrimoniais causados.
Pede a condenação solidária dos RR. a pagar-lhe a quantia global de 4.007.979$00, acrescida de juros de mora vencidos (que liquida em 350.000$00) e vincendos.
Após audiência de partes contestaram os 2º, 3º e 4º RR. excepcionando a inexistência e falta de personalidade jurídica e judiciária da 1ª demandada e por impugnação, sustentando que o vínculo estabelecido entre eles e a A. não era um contrato de trabalho, mas de prestação de serviços.
A A. respondeu à excepção.
Após os articulados foi proferido despacho que considerou dispensável a realização de audiência preliminar e fixação da base instrutória.
Procedeu-se a audiência de julgamento que culminou com a decisão que fixou a matéria de facto.
Seguiu-se a prolação de sentença que julgou procedente a excepção dilatória de falta de personalidade judiciária da 1ª R., absolvendo-a da instância, mas julgou a acção improcedente por não provada, absolvendo os 2º, 3º e 4ª RR. dos pedidos.
Inconformada, apelou a A.. formulando no final das respectivas alegações as seguintes conclusões: .......
      Nada obsta à apreciação do recurso que suscita, como questão central, a de saber se a factualidade apurada é suficiente para permitir qualificar a relação estabelecida entre a A., por um lado e, por outro, os  2º, 3º e 4º RR, como jus-laboral.
           Se a resposta a esta for positiva, importará então apreciar se a A foi ilicitamente despedida e com que consequências e se tem direito aos subsídios de férias e de Natal.

Na 1ª instância foi considerada provada a seguinte matéria de facto:
1.) Os 2°, 3° e 4° RR. exercem em conjunto a actividade de advocacia, com clientela comum, partilhando os respectivos custos e receitas.
2.) Os mesmos RR. utilizam publicamente impressos com a denominação "E  e B - Advogados Associados".
3.) Até 16/2/2000 os RR. não tinham constituído qualquer sociedade, designadamente com a denominação "Sociedade B e Associados".
4.) Os RR. utilizavam em alguns pagamentos cheques em que figurava como titular "B e Associados".
5.) Além dos RR., prestavam serviços de advocacia, nos seus escritórios, advogados e advogados estagiários, em condições acordadas entre os mesmos, sendo requisito indispensável que tivessem bom conhecimento da língua inglesa.
6.) A A. obrigou-se a exercer a actividade de advocacia para os RR. em 3 de Fevereiro de 1997, na sequência do acordo com o R. B, em resposta a anúncio a solicitar a colaboração de advogados.
7.) Como contrapartida da actividade prestada aos RR. A. auferiu inicialmente a retribuição mensal de 150.000$00, que passou para 175.000$00 a partir de Julho de 1997, 185.000$00 a partir de Janeiro de 1998, 200.000$00 a partir Março de 1998, 225.000$00 a partir de Julho de 1998, e 250.000$00 a partir de Abril de 1999.
8.) As alterações da retribuição da A. resultaram da avaliação periódica pelos RR. do desempenho da sua actividade.
9.) As retribuições eram pagas até ao último dia de cada mês, o que também sucedia relativamente aos advogados que trabalhavam no escritório, incluindo os RR., e aos empregados dos escritórios.
10.) As retribuições da A. eram entregues contra a emissão por esta, embora não simultâneo, de recibos de honorários de advocacia, Modelo n.º 6 de IRS, vulgarmente conhecidos por "recibos verdes", a favor do R. B até Abril de 1997, e do R. C a partir Maio de 1997.
11.) A A. começou a prestar a sua actividade para os RR. no escritório sito na Av. António Augusto de Aguiar, Lisboa, partilhando um gabinete de trabalho, temporariamente, com outros advogados e uma contabilista do escritório.
12.) No exercício da sua actividade competia à A. o estudo, análise e elaboração de contratos, na maioria dos casos com base em minutas já existentes no escritório, com redacção, supressão ou aditamento de cláusulas, conforme as circunstâncias particulares dos contraentes; o estudo, análise e elaboração de pareceres jurídicos e documentos vários, designadamente de correspondência ou consulta de clientes do escritório; redacção desses trabalhos em inglês ou tradução/retroversão (inglês/português/inglês) se necessário; o estudo e análise das legislações portuguesa e angolana, com vista à realização dos mesmos trabalhos; intervenção em diligências judiciais a coberto de mandato forense conferido, pelo menos através de dois substabelecimentos dos RR. e de uma procuração conferida ao R. B e à A., em representação de clientes do escritório; intervenção em repartições públicas  em representação de clientes do escritório; elaboração de notas/registos, descrevendo os trabalhos efectuados e tempos gastos na sua execução com vista ao apuramento de honorários a cobrar aos clientes do escritório, com redacção em inglês (time-sheets); arquivamento dos trabalhos em pastas próprias, e contactava com clientes do escritório, se necessário.
13.) O estudo e elaboração dos contratos e pareceres podiam ser efectuados individualmente ou em equipa (em conjunto com outros advogados do escritório), com revisões sucessivas pelos próprios e pelos RR., a quem cabia a última palavra até se considerarem concluídos, sendo apresentados aos clientes como da exclusiva responsabilidade dos RR..
14.) Tais trabalhos eram previamente distribuídos à A. como a outros advogados, caso a caso, ou em reuniões para o efeito, segundo o critério dos RR..
15.) A actividade dos RR. reportava-se basicamente à consultoria de empresas, com reduzido número de processos judiciais, tendo a A. sido encarregada de raríssimas intervenções em Tribunal.
16.) Não foi convencionado entre os RR. e a A. que actividade desta devesse ser prestada em 40 horas ou em qualquer outro número de horas semanais, não tendo os RR. determinado ou imposto à A. o cumprimento de horário para a entrada, permanência ou saída do escritório.
17.) A A. observava habitualmente o horário de funcionamento do escritório estabelecido para os empregados - das 10 horas às 18 horas, de 2ª a 6ª feira, sem prejuízo de poder entrar ou sair mais tarde ou mais cedo, o que sucedia, por vezes.
18.) Em caso de urgente necessidade os RR. podiam encarregar a A. da realização de trabalhos, à noite ou em fins de semana, no escritório ou no domicilio da A..
19.) Porque as instalações da Av. António Augusto de Aguiar se tornassem exíguas, os RR. arrendaram outras na Av. Sidónio Pais, também em Lisboa, em finais de 1998.
20.) Para onde transitaram empregados do escritório da Av. António Augusto Aguiar.
21.) Bem como a A. e outros advogados e advogados estagiários que colaboravam com os RR. no 1º escritório.
22.) Dispondo a A. de um gabinete para seu uso exclusivo no novo escritório.
23.) A partir dessa altura a A. passou a comparecer a reuniões diárias marcadas pelos RR., pelas 9 horas no escritório da Av. António Augusto de Aguiar, de curta duração (menos de meia hora), após o que seguia para Av. Sidónio Pais.
24.) Naquelas reuniões intervinham a A., os advogados e advogados estagiários que colaboravam com os RR. e um destes que a dirigiam, superintendendo-os tecnicamente.
25.) Sendo nessas reuniões feita a coordenação dos trabalhos dos dois escritório e o ponto da situação dos pendentes, com os  esclarecimentos mútuos que fossem solicitados.
26 .) A A., como os demais intervenientes na reunião, deveriam informar, se fosse caso disso, eventuais atrasos ou faltas de comparência, o que também sucedia no dia a dia.
27.) Podiam ocorrer outras reuniões semanais ou mensais com os mesmos  intervenientes e a mesma finalidade.
28.) Aquando da transferência para o novo escritório a A. era, de entre os advogados que colaboravam com os RR., a de maior antiguidade e servia de elo de ligação entre os dois escritórios comunicando aos RR. os assuntos de mais relevo que ocorriam no escritório da Sidónio Pais.
29 .) Como resolvia, em primeira mão, outros assuntos de relevância menor, que ali ocorressem.
30.) Mas sem que os RR. a tivessem encarregado de coordenar ou dirigir os serviços administrativos desse escritório ou dos empregados que ali trabalhavam, cabendo aos RR. a direcção e coordenação de todos os serviços dos dois escritórios.
31.) A solicitação dos RR., a A. participou em alguns processos de selecção de advogados estagiários e funcionários administrativos ou paquetes, realizando até as respectivas entrevistas.
32.) Comunicando as observações efectuadas aos RR., a quem incumbia a decisão sobre as admissões.
33.) Para a execução das suas tarefas, a A. servia-se dos equipamentos existentes nos escritórios dos RR., que eram comuns a todos os advogados que ali trabalhavam.
34.) Podendo a A. servir-se de bens próprios (livros ou publicações) do mesmo modo que tinha toga própria para uso em actos judiciais e viatura própria que utilizava em deslocações em serviço externo, se fosse necessário, sendo reembolsada pelos quilómetros percorridos.
35.) O nome da A. figurava, como advogada, nos cabeçalhos de impressos do escritório (folhas timbradas, telecópias, cartões) e em publicações nacionais e internacionais de nomes, endereços, telefones de meios de comunicação de advogados, designadamente com dados pessoais/habilitações.
36.) A A. estava inscrita na Ordem dos Advogados e pagava as respectivas quotas, bem corno as contribuições para a Caixa de Previdência dos Advogados e Solicitadores.
37.) Não eram conhecidos clientes próprios da A..
38.) Os RR. consentiam/permitiam que os Advogados ou Advogados estagiários que com eles colaboravam tivessem clientes próprios, desde que não prejudicassem a actividade que exerciam para os RR., nem conflituassem com os interesses dos clientes dos escritórios.
39.) Os empregados dos escritórios dos RR. eram admitidos, habitualmente, mediante a celebração de um contrato de trabalho escrito, sendo-lhes atribuído urna categoria profissional.
40.) Os vencimentos dos mesmos empregados eram actualizados uma vez por ano em função do valor da inflação (entre o mínimo desse valor e o máximo desse valor e meio).
41.) A A. não participava nas reuniões destinadas aos empregados dos RR..
42.) A A. gozava férias anualmente em períodos previamente acordados com os RR. e demais advogados que com eles colaboravam, por forma a garantir que nos escritórios houvesse sempre advogados, mesmo em férias judiciais.
43.) A A. não auferia subsídio de férias e de Natal, não foram acordados com os RR., e que a A. não reclamava.
44.) O nome da A. não constava dos mapas ou quadros de pessoal dos RR., de horários de trabalho, de folhas de férias para a Segurança Social, ou de apólices de seguro contra acidentes de trabalho.
45.) A A. tinha as chaves dos escritórios dos RR., o que também sucedia com alguns advogados e empregados.
46.) Os advogados e advogados estagiários que colaboravam com os RR. não se consideravam trabalhadores por conta destes.
47.) Em finais de 1999 surgiram desinteligências e desentendimentos entre a A. e advogados estagiários da Sidónio Pais, o que foi comunicado ao R. B.
48.) Na tentativa de sanar o diferendo, o R. B propôs à A., em 4 de Janeiro de 2000, que voltasse a exercer as suas funções no escritório da Av. António Augusto de Aguiar, partilhando um gabinete com outros advogados, com redução da carga horária para a manhã ou para a tarde (meio tempo), e consequentemente redução da retribuição para 150.000$00/mês, sendo concedida à A. uns dias para responder à proposta.
49.) No dia 10 de Janeiro de 2001 a A. declarou para o R. Pereira de Miranda que não aceitava tal proposta, e que se iria manter no seu posto de trabalho no escritório da Av. Sidónio Pais, dando a entender que se considerava empregada dos RR..
50.) Ao que o R. B retorquiu que, nesse caso, não consentia que a A. ali continuasse, devendo cessar as funções imediatamente, e entregar as chaves do escritório.
51.) Como a A. comparecesse no dia seguinte no escritório da Sidónio Pais, o R. B mandou mudar as respectivas fechaduras, e deu instruções aos empregados do escritório para que impedissem a entrada da A..
52.) Por tal facto foi a A.,. nos dias 13 e 14 de Janeiro de 2000, impedida de entrar naquele escritório, ao qual se dirigira acompanhada de amigos, únicas pessoas, além dos empregados que presenciaram o impedimento.
53.) Em 21 de Janeiro de 2000 foi enviado à A. a carta junta a fls. 25, subscrita pelo R. C, na qual se refere que "tendo cessado no passado dia 11 de Janeiro a sua prestação de serviços de advogada a este escritório"... se solicita que proceda ao levantamento dos seus bens pessoais".
54.) Não eram conhecidos à A. outros rendimentos para além do que auferia como contrapartida da actividade prestada aos RR..
55.) De que necessitava para prover à satisfação das suas necessidades.
56.) A ruptura da relação com os RR. e a consequente perda da retribuição, criaram na A. grande intranquilidade e angústia quanto à sua situação económico-profissional.
57.) A A. andou em tratamento médico psiquiátrico por síndroma depressivo em período posterior à ruptura da relação com os RR.

       A questão de direito que importa dilucidar, como atrás se referiu, consiste essencialmente em saber se temos dados de facto suficientes para caracterizar a relação estabelecida entre A. e RR. como jurídico-laboral, sendo certo que os RR. qualificam a relação em causa como emergente de um contrato de prestação de serviços, ao passo que a A. persiste em qualificar o contrato em questão como de trabalho.
          De acordo com as noções resultantes dos art. 1152º e 1154º do CC, as notas distintivas entre estes tipos con­tra­tuais situam–se, por um lado, no respectivo objecto – a prestação devida, no contrato de trabalho, é uma actividade, intelectual ou manual, enquanto no contrato de prestação de serviços é o resultado dessa actividade – por outro, no ca­rácter subordinado ou autónomo da prestação. Sendo ainda que, enquanto o contrato de trabalho é, por definição, one­roso, o de prestação de serviços pode ser oneroso ou gra­tuito: no contrato de trabalho há sempre remuneração; mas na prestação de serviços também pode havê–la, e, na maior parte dos casos, em regra esse elemento está também presente, pelo que não poderá ser esse o elemento determinante para estabelecer a dis­tinção entre as duas figuras.
         Quanto ao objecto da prestação devida consistir numa activi­dade ou apenas no resultado dela, é um critério que não pode, de todo, ser separado daquele outro fundado na dicotomia subordinação jurídica/autonomia. É que, sendo a prestação devida pelo trabalhador, por força do contrato e em contrapartida da remuneração, um facere, ela carece, para se concretizar, da definição, por parte da entidade patronal, do modo, tempo e lugar de execução. Pressupõe, pois, a direcção da entidade patronal e, no verso da medalha, a subordinação jurídica do trabalhador.  Embora o empregador vise  obter da actividade do trabalhador um determinado resultado, esse resultado não faz parte do contrato. Já no contrato de prestação de ser­viços o objecto do contrato é um determinado resultado, que pressupõe naturalmente uma actividade. Mas, agora, o pro­cesso conducente à obtenção do resultado, a organização dos meios necessários e a própria ordenação da actividade estão fora do contrato, são determinados apenas pelo pres­tador, autonomamente, sendo indiferente para o credor do serviço.
     O critério decisivo para a distinção entre os tipos contratuais em questão acaba, pois, por ser o critério da subordinação jurídica versus autonomia.
A subordinação jurídica, reverso da supremacia que corresponde à expressões "direcção" e "autoridade" utilizadas no art. 1º da LCT e art. 1152º do CC, consiste, em termos técnicos, numa situa­ção de sujei­ção, em que se encontra o trabalhador, de ver concretizado, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direcção, o dever de prestar que sobre ele recai. Mas que se pode bastar com a mera possibilidade de o empregador dirigir ou fiscalizar o serviço, ainda que raramente o faça. Com efeito, de acordo com o ensinamento do Prof. Galvão Teles[1] “a subordinação ... consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a actividade em si mesma, quanto mais não seja no tocante ao lugar ou momento da sua prestação.”
         Citando o Prof. Jorge Leite[2] diremos que o conteúdo e a intensidade do poder do empregador de organizar e dirigir a prestação do outro variam em função de vários factores, em especial em função da natureza da actividade em causa (tendem a ser tanto menores quanto mais complexa for a actividade) e das condições em que é exercida (tenderá a ser mais ténue a daquele que exerce a sua actividade fora do espaço físico-organizacional da empresa). Mas mesmo naquelas situações em que o trabalhador goza de grande independência técnica que corresponde, em princípio, a um elevado grau de qualificação, determinando que o núcleo da própria actividade escape à esfera das instruções do empregador, não goza de autonomia na programação e na organização da actividade: o tempo, o local e os meios de realização da prestação são definidos pelo credor e não pelo devedor.
       A crescente flexibilização das formas de emprego tem contribuído para um aumento exponencial dos casos nebulosos, de fronteira, em que se torna por vezes extremamente difícil ajuizar se estamos perante uma situação de  trabalho subordinado ou de trabalho autónomo.
         É certo que estamos no domínio da autonomia da vontade, pelo que haverá que ter em conta o acordo das partes. Sendo escassos os elementos que permitam identificar a vontade comum das partes no momento da celebração do contrato (frequentemente reduzida a uma expressão mínima) e dando ele início a uma relação duradoura, esses elementos terão de ser colhidos através  do modo como as partes desenvolveram, na prática, essa  relação.
            É uma afirmação consensual na doutrina e na jurisprudência que o apuramento da subordinação não pode ser encontrado através do método subsuntivo, sendo usual o recurso ao método tipológico, que consiste na procura de indícios que permitam uma aproximação ao modelo típico.
   «No elenco dos indícios de subordinação, é geralmente conferida ênfase particular aos que respeitam ao chamado “momento organizatório” da subordinação: a vinculação a horário de trabalho, a execução da prestação em local definido pelo empregador, a existência de controlo externo do modo de prestação, a obediência a ordens, a sujeição à disciplina da empresa, tudo elementos retirados da situação típica de integração numa organização técnico-laboral predisposta e gerida por outrem. Acrescem elementos relativos à modalidade de retribuição (em função do tempo, em regra), à propriedade dos instrumentos de trabalho e, em geral, à disponibilidade dos meios complementares da prestação. São ainda referidos indícios de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e da segurança social do trabalho por conta de outrém»[3]
     A qualificação de um contrato como de trabalho (heterodeterminado) depende da referenciação, na relação concreta, de um conjunto de indícios que globalmente valorados revelem, de algum modo, a existência do poder de autoridade típico do contrato de trabalho e da sujeição que em contrapartida recai sobre o outro contraente, sendo certo que “cada um desses índices pode assumir um valor significante muito diverso de caso para caso”[4]
            O caso vertente é precisamente um daqueles que se situam numa zona cinzenta, revestindo características híbridas, próprias das duas espécies contratuais referenciadas.
       Desde logo se verifica que tinha, nitidamente, por objecto a prestação de uma actividade – a própria da advocacia, virada sobretudo para a consultoria (cfr. nºs 6, 12 e 15 da matéria de facto) - e não um resultado, embora os resultados obtidos nessa actividade pudessem relevar, por exemplo, para efeitos da evolução remuneratória, o que é perfeitamente consentâneo tanto com um contrato de trabalho, como com um de prestação de serviços.
     Por outro lado, atenta a matéria dos pontos 7, 9, 54 e 55, é inequívoco que entre a A. e os RR. existia uma situação de subordinação económica, o que, sendo típico do contrato de trabalho também se pode verificar, como verifica efectivamente na maior parte dos casos, nos contratos de prestação de serviços, designadamente naqueles que são usuais no seio de profissões liberais como é a advocacia. Haja em vista o denominado contrato de avença.
Sendo o objecto da prestação devida pela A. a sua actividade profissional, há que apurar se a referida actividade era prestada de uma forma heterodeterminada ou autodeterminada, ou seja, com ou sem subordinação jurídica.
           Nos dados de facto colhidos não abundam os sinais inequívocos de subordinação jurídica, embora se revelem alguns que poderão apontar nesse sentido, coexistindo, todavia com outros de sinal contrário, que apontam no sentido da autonomia. Mostra-se assim imprescindível analisar a relevância de cada um e de todos no seu conjunto.
Um elemento que frequentemente é apontado como indício de subordinação jurídica ou de heterodeterminação é a existência de uma remuneração fixa, estabelecida em função do tempo (no caso mensal), na medida em que, sendo contrapartida da prestação da outra parte, revela que essa prestação é de carácter duradouro, que é uma actividade e não apenas o resultado dela. Mas, como já atrás se referiu, temos que reconhecer que sendo também um elemento típico do contrato de avença (cujo objecto aliás é também uma actividade), é muito pouco significativo, tornando-se irrelevante no caso.
      Pode também ser considerado sinal de subordinação, o facto de o local de prestação da actividade do A. ser predominantemente, as instalações dos escritórios dos RR. onde a A. dispunha de um gabinete, suscitando-se-nos dúvidas sobre se utilizava equipamento dos mesmos. Neste campo, o que está assente é que os equipamentos existentes nos escritórios era comum a todos os advogados que ali trabalhavam (sendo que, como decorre, por exemplo dos doc. juntos a fls. 109 e 110, eram bem mais do que os três demandados), estando ainda assente que a A. também se podia servir de bens próprios dela. Seria interessante saber com mais precisão quais os equipamentos utilizados pela A. que eram comuns a todos os advogados (incluindo portanto ela própria) que trabalhavam no escritório, pois estando assente (nº 5) que os escritórios eram dos RR. parece-nos pelo menos estranho que equipamentos como, por exemplo, secretárias, mesas, cadeiras, estantes, telefones, faxes pertencessem em compropriedade ao colectivo que ali trabalhava, com estatutos tão diferentes como os dos RR. e o da A. ou outros advogados porventura tão dependentes quanto ela.
Mais significativo no sentido de afastar claramente o carácter autodeterminado da actividade da A. afigura-se-nos ser a forma como o trabalho lhe era distribuído e a respectiva execução controlada e supervisionada pelos três advogados ora RR. e apelados (cfr. nºs 13, 14, 18, 23, 24, 25, 26 e 27 da matéria de facto). Contrariamente ao que considerou o Sr. juiz recorrido, na sentença, não nos parece, salvo melhor opinião, que a circunstância de o estudo e elaboração dos contratos e pareceres poder ser efectuado pela A. individualmente ou em equipa, em conjunto com outros advogados do escritório, constitua um indício de autodeterminação na execução do trabalho,  equiparável à situação do prestador de serviços, que  pode recorrer a colaboradores, uma vez que, no caso, os colaboradores em causa eram outros advogados do escritório, integrados por conseguinte na mesma organização em que a A. se inseria. O trabalho em equipa no seio de uma empresa não é incompatível com a subordinação jurídica, podendo mesmo considerar-se que, na medida em que revela integração numa organização empresarial, constitui um indício dessa subordinação. Particularmente relevante parece-nos ainda o facto de os contratos e pareceres assim elaborados serem revistos pelos RR, a quem cabia a última palavra até se considerarem concluídos, sendo apresentados aos clientes como da responsabilidade dos RR. Este dado revela que o risco da actividade da A. relativamente aos contratos e pareceres corria por conta dos RR. o que constitui, sem dúvida, um indício de que essa parte da actividade da A. (que seria a parcela que mais a ocupava – cfr. nº 12 e 15) não era autodeterminada e por conta própria mas era heterodeterminada pelos RR.
    Temos um outro dado, que, tal como o uso do equipamento, é ambíguo e duvidoso: está assente que não foi convencionado que a actividade da A. fosse prestada em 40 horas ou em qualquer outro número de horas semanais, não tendo os RR. imposto à A. o cumprimento de horário para a entrada, permanência ou saída. Este dado (embora saibamos que a A. observava habitualmente o horário de funcionamento do escritório estabelecido para os empregados – das 10 às 18h, de 2ª a 6ª fª - sem prejuízo de poder entrar ou sair mais tarde ou mais cedo),  aponta no sentido de que a prestação da A., pelo menos na sua expressão temporal, seria autodeterminada. Mas sabendo-se que, no âmbito de relações de trabalho, pode haver trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho (art. 13º a 15º do DL 409/71 de 27/9), não estando por isso sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, nem à determinação da hora de início e de termo do período de trabalho diário, a interpretação daquele dado - a não sujeição a horário nem a um período normal de trabalho - não terá de ser necessariamente a de que estamos perante um caso de trabalho autodeterminado. Tanto mais que, apesar de os RR. não terem estabelecido à A. horário de trabalho, nem período normal de trabalho, sabiam e aceitavam que ela trabalhava, em regra, o equivalente a uma jornada completa (das 10 às 18h), pois que a remuneravam em conformidade com essa quantidade de trabalho e, em Janeiro de 2000 lhe propuseram reduzir a carga horária para meio tempo (a manhã ou a tarde) e consequente redução da retribuição. Entendemos, neste quadro, que este dado não poderá ser sobrevalorizado como indício de autonomia.
      Também releva a nosso ver no sentido de afastar o carácter autónomo da prestação, a circunstância de a A. gozar as férias em períodos previamente acordados com os RR. e demais advogados do escritório, de forma a garantir que no escritório houvesse sempre advogados, mesmo em férias. Se bem que um acordo deste tipo possa perfeitamente existir também entre advogados que partilham um escritório e que exercem a advocacia num regime totalmente liberal, sem desvirtuar esse regime, no caso da A., que manifestamente não exercia a advocacia em regime liberal, mas dependente da direcção e supervisão dos RR (como atrás se viu quando nos referimos à forma como era distribuído e controlado o trabalho da A.), esse factor assume um cariz diferente, porque surge no contexto de um conjunto de outros elementos que revelam nitidamente que o exercício da actividade profissional não é auto mas heterodeterminado. Esse dado em si, considerado isoladamente, seria pouco significativo, mas no conjunto afigura-se-nos que reforça o carácter não autónomo do exercício.
          Temos por fim um conjunto de indícios de carácter formal e externo, como sejam o modelo de recibo e o regime fiscal e de segurança social, o não pagamento de subsídio de férias e de Natal que efectivamente são próprios de uma situação de trabalho autónomo, mas que pouca valia revelam para permitir traçar a qualificação, visto que muito frequentemente são usados fraudulentamente, por imposição da parte detentora de uma posição de supremacia na relação, com vista a despistar a qualificação laboral, e assim escapar à aplicação das respectivas normas imperativas que visam a protecção da parte mais fraca,  apenas sendo “aceites” por este precisamente porque a sua posição não é efectivamente tão livre e igual como a do outro contratante, porque tem subjacente a necessidade de angariar meios de subsistência. Daí que, quando contrapostos a outros elementos que revelem a subordinação jurídica, em nosso entender, tais elementos devam ser desvalorizados, não podendo ser-lhes atribuído qualquer peso no conjunto.
Dir-se-á que, sendo a A. advogada não será tão desprotegida socialmente como o trabalhador-tipo subjacente ao modelo que fez emergir o direito do trabalho com vista a instituir uma ordem pública social mais equilibrada. O advogado, profissional liberal por excelência, em princípio estaria suficientemente apetrechado para não carecer de se colocar ao abrigo desse “guarda-chuva”.
É certo que o advogado é, em geral, a profissão apontada como o modelo do profissional liberal, mas a realidade vem revelando cada vez mais um fenómenos novo, que alguns  não hesitam em denominar como a  “proletarização da advocacia”[5] que deve merecer a atenção da sociedade.
Não podemos deixar de reconhecer que em muitos casos a forma como a profissão é exercida não se encaixa no paradigma liberal e que seria conveniente que fosse devidamente regulado o exercício subordinado da profissão e maxime estabelecida com nitidez a diferenciação entre advogados sócios e não sócios das sociedades (acautelando a situação destes), como sugere Paulo Rangel no artigo citado, dado que o puro e simples enquadramento no regime jurídico-laboral poderá não ser o mais indicado.
       O caso vertente é um exemplo dessa nova realidade que, na ausência daquela desejada regulação, terá de ser solucionado à luz do direito existente.
E, da análise a que atrás procedemos, afigura-se-nos podermos concluir que, da diversidade de indícios considerados, o acento tónico incide sobre aqueles que revelam uma actividade profissional dependente da orientação e supervisão dos RR, por conseguinte, com  subordinação jurídica, permitindo a qualificação da relação como jus-laboral.
Assim sendo, não acompanhamos a sentença na parte em que julgou não provado a existência de um contrato de trabalho entre a A. e os 2º, 3º  e 4º RR., procedendo nesta parte o recurso.
Embora a 1ª R. não tenha personalidade jurídica, resulta do ponto 1 da matéria de facto que
os 2º, 3º e 4º RR constituíram entre si uma sociedade de advogados, de facto, para a qual a A. trabalhou subordinadamente a partir de 3/2/1997.
Nos termos do disposto pelo art. 997 nº 1 do CC os RR. respondem solidariamente pelas dívidas da sociedade.
Resulta do ponto 50 da matéria de facto que, em 10/1/2000, o 2º R. comunicou à A. a sua intenção de fazer cessar unilateralmente a relação existente, o que configura inequivocamente um despedimento, que, por não ter sido precedido de processo disciplinar, é ilícito (art. 12º nº 1 al. a) do RJ aprovado pelo DL 64-A/89 de 27/2, que denominaremos como LCCT).
Em consequência, de harmonia com o disposto pelo art. 13º nºs 1, a) e b), 2 a) e b) e 3 da LCCT, tem a A. direito (visto ser essa a opção manifestada na p.i.) à indemnização por antiguidade, calculada até esta data[6], de € 8.728,96 (250.000$00x7:200,482) e às retribuições vencidas desde 7/8/2000 (a acção foi intentada em 7/9/2000) até esta data, incluindo a das férias e subsídios de férias e de Natal entretanto vencidos, bem como os proporcionais devidos nos termos dos art. 10º nº 1 e 6º nº 2 do DL 874/76 de 28/12 e art. 2º nº 2 al. b) do DL 88/96 de 31/7,  a que serão deduzidas, se for caso disso, as importâncias relativas a rendimentos do trabalho auferidos em actividades iniciadas após o despedimento, cuja liquidação se relega para execução de sentença.
Nos termos das disposições conjugadas dos art. 2º nºs 1 e 2,  3º nºs 1 e 3, 6º nºs 1 e 2 do DL 874/76 de 28/12, bem como art. do 2º nºs 1 e 2 do DL 88/96 de 31/7 tem a A  direito ao pagamento das férias e subsídios de férias e subsídios de Natal  reclamados no art. 74º da p.i, no valor de € 8.053,31.
Sobre cada uma das prestações referidas são devidos juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data do respectivo vencimento, até integral pagamento, cuja liquidação se relega igualmente para execução de sentença.
Decisão
Pelo exposto se acorda em julgar procedente a apelação e em consequência em:
- revogar a sentença e em sua substituição declarar a existência de uma relação laboral entre a A. e os RR., bem como a ilicitude do despedimento decretado em 10/1/2000 e, consequentemente,
-condenar solidariamente os RR. a pagar à A. a quantia já liquidada de 16.782,27 € a título de indemnização por antiguidade e férias vencidas em 1/1/2000 e subsídios de férias e de Natal do período de Abril de 1997 a  2000, bem como a que se liquidar em execução de sentença, relativa às retribuições relativas ao período de 7/8/2000 até esta data, incluindo as férias, subsídio de férias e de Natal, mormente os proporcionais ao tempo de vigência do contrato no ano da cessação, deduzidos os rendimentos do trabalho por actividade iniciada após o despedimento, tudo acrescido de juros de mora à taxa supletiva legal, desde a data de vencimento de cada prestação, até integral pagamento.
          Custas da apelação pelos RR. e na 1ª instância por ambas as partes na proporção do decaimento.
Lisboa, 22 de Outubro de 2003
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
Filomena Carvalho(vencida quanto ao seguimento da decisão que relega a liquidação dos salários intercalares para execução de sentença, por haver elementos fácticos para fixá-los, já que não tendo sido provado pelos Réus para a Autora auferiu rendimentos de trabalho em actividade iniciada após o despedimento, não há que efectuar a sua dedução.
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[1] Contratos Civis, pag. 62-63.
[2] Direito do Trabalho, reimpressão, Coimbra 1999, vol. II, pag. 46.
[3] Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 10ª ed., pag. 133.
[4] Monteiro Fernandes, obra citada, pag. 134.
[5] Cfr. Paulo Castro Rangel, “Advocacia e Preconceito”, ROA ano 62, pag. 489 e Victor Russomano, Curso de Direito do Trabalho, Curitiba, 1997, pag 61, citado pelo Prof. Pedro Romano Martinez, “Trabalho Subordinado  e Trabalho Autónomo” in  Estudos do Instituto de Direito do Trabalho, I vol. pag. 281.
[6] Cfr. ac. do STJ de 9/10/2002 referido da revistas Questões Laborais nº 20, pag. 234.