Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
440/08.7GBSXL.L2-9
Relator: JOÃO CARROLA
Descritores: REFORMATIO IN PEJUS
DEFICIÊNCIA DA GRAVAÇÃO
PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE DA AUDIÊNCIA
IN DUBIO PRO REO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/21/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO PARCIAL
Sumário: Iº A questão relativa à deficiente gravação da prova deve ser suscitada e decidida na 1ª instância, porquanto é na fase de preparação do recurso sobre a matéria de facto que pelos interessados será detectada tal anomalia e avaliada a importância para a sua defesa dos depoimentos afectados e da necessidade da sua repetição;
IIº Tendo o tribunal procedido à reabertura da audiência, na sequência do provimento de recurso interposto pelo arguido, não o pode condenar no novo acórdão em pena mais desfavorável do que aquela que lhe fora aplicada no acórdão revogado pelo tribunal superior, sob pena de violação do princípio da proibição da reformatio in pejus;
IIIº Em relação à prova produzida na sequência da reabertura da audiência, determinada pelo tribunal superior, não se aplica o prazo previsto no art.328, nº6, do C.P.P., não ocorrendo perda de eficácia da prova anteriormente produzida;
IVº A violação do princípio in dubio pro reo pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, não ocorrendo pela simples verificação de versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes;
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.
No processo comum n.º 440/08.7GBSXL do 1.º Juízo Criminal do Seixal, para além de outro, o arguido A... foi submetido a julgamento, após ter sido acusado da prática de um crime de um crime de roubo, previsto no art.º 210º, nº 1, do Código Penal e, em co-autoria material com outro, um crime de furto qualificado, na forma tentada, previsto nos arts. 204º, nº 2, alínea e), e 23º, todos do Código Penal.
Realizada a audiência, foi o arguido condenado:
- Por um crime de furto qualificado, tentado, previsto nos artigos 204º, nº 2, alínea e), 22º e 23º, todos do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;
- Por um crime de roubo simples, previsto no artigo 210º, nº 1, do Código Penal, na pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão e,
-em cumulo jurídico daquelas, na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão.

Inconformado com a decisão, veio o arguido A... interpor recurso da mesma, com os fundamentos constantes da respectiva motivação que aqui se dá por reproduzida e as seguintes conclusões:
1. Parte relevante das gravações do Julgamento encontra-se inaudível, circunstância que é de conhecimento oficioso, gera a nulidade do Julgamento, obrigando à repetição da produção de prova, o que requer se declare.
2. Ao condenar agora o recorrente, passados dois anos, numa pena de 12 meses de prisão (efectiva) Tribunal recorrido violou o Princípio do Caso Julgado, tendo violado o disposto no art 409 do CPP.
3. Quando assim se não entendesse, não tendo havido repetição da prova nesta parte, sempre se dirá que, tendo ocorrido mais de 30 dias, a prova perdeu-se, não tendo o Tribunal recorrido poderes de cognição, no tocante aos factos susceptíveis de integrar a pratica de um crime de furto tentado (art 328 n.° 6 CPP).
4. O Tribunal recorrido deveria ter interpretado o disposto nos artigos 328 n.°6 e 409, mantendo a condenação em 10 meses de prisão, suspensa na sua execução.
5. A ofendida B... foi ouvida em audiência, sem a presença do arguido.
6. Quando foi ouvida, em 11.02.2011, 11hh51, declarou que tinha reconhecido o arguido com base nas fotografias que lhe tinham sido exibidas pela Policia Judiciária.
7. De acordo com o depoimento do inspector T1... da Policia Judiciária (11.03.2011, às 15h25 CD) "A PJ não tinha fotografias do arguido A... As fotografias de fls. 164 / 165 analisadas pela ofendida B..., já estavam no álbum há uns tempos e vieram duma esquadra desta zona (...)
8. Da conjugação destes elementos de prova, não tendo o arguido sido reconhecido em audiência, o Tribunal deveria tê-lo absolvido, atenda a inexistência de elementos seguros que permitam o contrário.
9. Ao não ter absolvido o arguido, o Tribunal recorrido violou o P. in dubio pro reo, enquanto corolário do P. da presunção de inocência do arguido em processo crime.
10. O Tribunal recorrido violou assim o artigo 355 do CPP, já que não valem em Julgamento quaisquer provas que não tenham sido produzidas ou examinadas em audiência.
11. Não tendo absolvido o arguido, o Tribunal recorrido violou o art 355 do CPP, tendo o interpretado o aludido preceito em violação do P. In Dúbio Pro Reo, enquanto corolário do P. da Presunção de Inocência do Arguido, consagrado no art 32 n.° 2 da Constituição da República
12. No essencial, a sentença recorrida, apesar de extensa, não fez uma exposição dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal, em termos de permitir a condenação do recorrente pelo crime por que foi condenado. Tudo em violação do disposto nos artigos 97 n.° 4 e 374 do CPP, bem como do art,° 668 do CPC aplicável por força do disposto no art.° 4 do CPP
13. Tais insuficiência e contradição, constituindo os vícios enunciados nas alíneas a) e b) do n°2 do artigo 410° do Código de Processo Penal (de conhecimento oficioso, Ac. do Plenário das Secções do STJ de 19.10.1995, in D.R.1-A Série de 28.12.1995) determinam a anulação do julgamento efectuado e o consequente reenvio do processo para novo julgamento, ou quando assim se não entenda, para prolação de nova sentença que leve em conta que se alegou.
14. O Tribunal recorrido violou o disposto nos art 355 e 374 do CPP, preceitos que deveriam ter sido interpretados mediante a absolvição do arguido, através de decisão fundamentada.
15. Ao não ter condenado o arguido numa pena única que abrangesse as penas dos dois processos, o Tribunal recorrido violou o disposto nos artigos 77 e 78 do Código penal, preceitos que deveriam ter sido interpretados mediante a condenação do arguido numa pena única resultante do cúmulo das penas aplicadas nos dois processos.
16. Se se entender que o recorrente praticou os factos constantes da acusação, a Tribunal violou os artigos 50, 70, 71, 72, 73 do C.P., sendo certo que os deveria ter interpretado condenando o arguido numa pena significativamente inferior à aplicada, sempre suspensa na sua execução, interpretando assim correctamente os artigos 50, 70, 71, 72, 73 todos do Código Penal.”
Termina pela revogação da sentença recorrida e sua substituição por outra que absolva o arguido da pratica do crime de roubo, condenando-o, pela pratica do crime de furto na forma tentada (em pena não superior a 10 meses), em cúmulo jurídico com a pena aplicada no processo que correu termos nas varas criminais de Lisboa, numa pena significativamente inferior, especialmente atenuada, suspensa na sua execução, atenta a idade, plena integração profissional, social e familiar, ausência de antecedentes criminais de relevo e diminuição acentuada da necessidade da pena.
O Digno Magistrado do Ministério Público respondeu concluindo:
1) – A gravação deficiente que não permite a audição integral de todos ou parte dos depoimentos prestados e, por via disso, não permite a sindicância da decisão, integra a nulidade a que alude o art. 363º do C.P.P..
2) – Tal nulidade deve ser arguida no prazo para o recurso da decisão sobre a matéria de facto, quando se requeira a reapreciação da prova gravada – isto é, 30 dias a contar do depósito da sentença na secretaria do tribunal (art. 411º, nº 4 do C.P.P.).
3) – No caso vertente, ouvida a gravação da prova, e contrariamente ao invocado pelo recorrente, não se detecta qualquer deficiência que afecte o direito fundamental do arguido ao recurso em matéria de facto, tanto mais que o mesmo interpôs recurso também sobre aquela referida matéria.
4) - Aliás, verifica-se que o próprio recorrente não logrou concretizar qual a parte ou partes da gravação que alegadamente se encontrariam afectadas pelo citado vício.
5) – O acórdão recorrido não violou a proibição da reformatio in pejus a que alude o art. 409º, nº 1 do C.P.P.
6) – Na verdade, em 31.07.2009, foi exarado o acórdão que consta de fls. 809 e ss., o qual condenou, para além do mais, o arguido A... pela prática de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 204º, nº 2, alínea e), 22º, 23º do C.Penal, na pena de dez meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano acompanhada de regime de prova.
7) - Do citado acórdão foi interposto recurso pelo arguido A..., sendo certo que forma igualmente interpostos vários recursos interlocutórios, quer pelo citado arguido quer pelo Ministério Público, recursos esses que visaram a apreciação de questões ocorridas no decurso do julgamento.
8) - O Venerando Tribunal da Relação de Lisboa não tomou conhecimento do recurso interposto do acórdão final (recurso principal), tendo, ao invés, dado provimento a dois dos recursos interlocutórios e, em consequência, ordenou a reinquirição de diversas testemunhas, a realização de outras diligências de prova e o prosseguimento do julgamento também no que concerne à matéria do processo 605/08 (crime de roubo imputado ao arguido A...).
9) - Não existe assim a formação de qualquer caso julgado quanto ao crime de furto e quanto à pena de prisão que lhe foi aplicada no acórdão inicial, nem qualquer violação da citada proibição pois a alteração verificada no acórdão ora recorrido foi realizada pela primeira instância e relativamente a matéria ainda não apreciada pelo Tribunal Superior.
10) - A prova produzida nas sessões de julgamento ocorridas antes dos autos serem remetidos para o Tribunal da Relação de Lisboa não perdeu a sua eficácia, conforme alega o recorrente – art. 328º, nº 6 do C.P.P.
11) - A situação que ocorreu no caso vertente não é susceptível de ser enquadrada no conceito de interrupção ou adiamento da audiência de julgamento e, como tal, a dilação verificada nas várias sessões de julgamento em nada contende com o prazo a que alude o art. 328º , nº 6 do C.P.P..
12) - Com efeito, impunha-se ao Tribunal “ a quo “, tão-só, dar cumprimento ao ordenado pelo Tribunal da Relação de Lisboa, isto é, a reinquirição de testemunhas, a produção de outras diligências de prova e o prosseguimento do julgamento para conhecimento do outro crime imputado ao arguido A....
13) - A decisão recorrida foi elaborada com respeito pelos requisitos impostos no art. 374º, nº 2 do C.P.P., tendo, em especial, expressado os motivos de facto e de direito que fundamentaram a decisão e as provas que serviram de base para formar a convicção do Tribunal, não estando, pois, ferida de nulidade face à conjugação dos arts. 374º, nº 2 e 379º do C.P.P.
14) - O comando ínsito no nº2 do art. 374º do C.P.P. não pode ser entendido como a exigência de que sejam transcritas as declarações do arguido e os depoimentos das testemunhas produzidos em audiência de julgamento.
15) – Assim, só a ausência total de referência às provas que serviram para fundamentar a decisão, ou a omissão da indicação dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, constituí a nulidade a que alude a alínea a) do, nº 1 do art. 379º do C.P.P..
16) - Em nosso entender, a indicação das provas e a exposição dos motivos que fundamentaram a decisão constantes do acórdão recorrido satisfazem a exigência do citado art. 374º, nº 2 do C.P.P., pois permitem seguir, de forma segura e inequívoca, o exame do processo lógico ou racional que esteve na base da decisão do tribunal.
17) - Por outro lado, estamos convictos que o Tribunal “ a quo “ fez um correcto apuramento e valoração da matéria de facto, segundo as regras da experiência, em obediência ao preceituado no art. 127º do C.P.P..
18) - E essa prova, ao invés do que refere o recorrente, é suficiente para concluir, que foi o arguido A... quem se apoderou do veículo automóvel de matrícula …-…-…, juntamente com outros indivíduos, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
19) - A convicção do Tribunal fundou-se no conjunto da prova produzida em julgamento (em especial, nas declarações da testemunha B… – o qual relatou ao tribunal, de forma serena, com invulgar clareza e imparcialidade, a forma como os factos ocorreram), prova esta que foi analisada criticamente e de acordo com as regras da experiência comum, e é, repete-se, suficiente, para fundamentar a factualidade dada como provada na decisão condenatória.
20) - Desta forma, sendo efectivamente suficiente essa mencionada prova , outra solução não restava ao tribunal que não fosse dar os referidos factos como provados e , consequentemente , condenar o recorrente nos moldes em que o fez.
21) - A escolha da pena a aplicar ao arguido é alcançada pelo julgador com recurso a critérios jurídicos fornecidos pelo legislador, não se tratando, pois, de um poder discricionário.
22) – Se o tipo criminal em causa admite a condenação com uma pena privativa ou com uma pena não privativa da liberdade, o art. 70º do mesmo código impõe que se opte por esta última, se tal se mostrar adequado e suficiente às finalidades da punição expressas no art. 40º.
23) – Para a determinação da pena concreta aplicável ao arguido, pesam as orientações fornecidas pelo art. 71º do C.Penal, nomeadamente as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, deponham a favor ou contra ele.
24) – Atendendo a tais orientações legais e ao quadro fáctico apurado nos presentes autos, consideramos acertada a decisão dos Mmº Juízes a quo no que concerne à opção pelas diversas penas privativas da liberdade, assim como a medida concreta destas encontrada.
25) - E , atendendo ainda às orientações legais prescritas nos arts. 77º e 78º do C.Penal , consideramos acertada a decisão dos Mmos. Juízes a quo no que concerne à medida concreta da pena única do concurso que foi aplicada ao recorrente, sendo certo que não competia, nesta fase, cumular essa pena com as penas aplicadas ao arguido noutros processos.
26) - E, por último, a sensatez foi total quando se decidiu pela não suspensão dessa pena, pois que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Termina pela manutenção da decisão.

Neste Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve vista nos autos.

II.
Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.
Da sentença recorrida consta a seguinte:
II - FACTOS PROVADOS E FUNDAMENTAÇÃO DA PROVA:
São os seguintes os
1. Factos Provados:
I
(Repete-se aqui o conjunto de factos em que interveio o arguido A... já dados como provados e não impugnados)
1. No dia 30/9/2008, pelas 7h30, os arguidos C.. e A... decidiram apropriar-se dos vários bens existentes no interior da residência sita na Rua Eu…, nº …, …, …, área desta comarca do Seixal, propriedade de D...
2. Em execução desse plano e nessa mesma ocasião, os arguidos dirigiram-se à referida residência.
3. Aí chegados, os arguidos, utilizando uma pedra, partiram o vidro da porta da sala da residência e entraram nessa casa.
4. De imediato, circularam pela residência, onde estavam colocados e guardados os vários bens de D.., entre os quais se encontravam vários electrodomésticos no valor total de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros).
5. Quando deambulavam pela residência, os arguidos abriram portas e mexeram nos vários móveis ali existentes.
6. Foi então que o arguido C.. retirou um relógio de marca Yeweisi, um anel em imitação de ouro e um brinco a imitar pérola e guardou-os num dos bolsos do fato de treino que vestia.
7. Por sua vez, o arguido A.. retirou uma pulseira trabalhada a imitar ouro e guardou-a consigo.
8. Os arguidos apenas não retiraram mais objectos do interior da residência de D.., porque E…, Cabo da GNR e T2…, Guarda da mesma força, entraram nessa casa, a pedido de F.., nora do proprietário, e encontraram-nos escondidos debaixo da cama colocada num dos quartos.
9. O relógio de marca Yeweisi, o anel em imitação de ouro, o brinco a imitar pérola e a pulseira trabalhada a imitar ouro foram recuperados e entregues ao respectivo proprietário, tendo estes objectos o valor total de € 100 (cem euros).
10. Na divisão onde foram encontrados os arguidos, estava colocada uma mobília de quarto e um computador no valor de € 1.200 (mil e duzentos euros).
11. Os arguidos actuaram sempre de forma concertada, e em concretização de plano prévio e comum, para cuja execução conjugaram esforços e intentos.
12. Ao agirem da forma supra descrita, os arguidos pretendiam apropriar-se, com intenção de fazer seus, os objectos que se encontravam guardados no interior da residência de D.., bens esses propriedade daquele, estando cientes que os mesmos não lhes pertenciam e que actuavam sem o conhecimento e contra a vontade do seu dono, só não o conseguindo fazer por terem sido abordados pelos militares da G.N.R.
*
II
13. No dia 5/8/2008, pelas 0h58, o arguido A..., acompanhado de outros indivíduos, decidiram apropriar-se do veículo automóvel com a matrícula …-…-… de marca e modelo Audi A4, propriedade de G.., que se encontrava estacionado na Avenida ….
14. Em acto contínuo, o arguido e esses indivíduos, que se faziam transportar num veículo automóvel de marca BMW, pararam esse veículo em frente à viatura de G.., bloqueando-lhe a saída. Na ocasião, o arguido e os indivíduos que o acompanhavam apresentavam a boca tapada com lenços e nas cabeças tinham os capuzes dos casacos que vestiam.
15. De imediato, o arguido e esses indivíduos saíram do veículo BMW e dirigiram-se para junto da viatura de G.., uns deslocando-se para junto da porta do condutor dessa viatura, onde se encontrava G.., e os demais deslocaram-se para junto da porta oposta à do condutor, onde estava B….
16. Os indivíduos que estavam junto à porta do condutor, começaram a forçá-la, levando a que esta se abrisse.
17. Imediatamente, um dos indivíduos agarrou G.. pelos colarinhos da camisa e puxou-o para fora do veículo automóvel. Quando se encontrava no exterior do veículo, o arguido desferiu-lhe um pontapé no peito, fazendo com que fosse projectado para o chão, onde bateu com as costas e a nuca.
18. Quando C… se apercebeu da presença dos indivíduos ao lado do carro onde se encontrava, começou a gritar por socorro e abriu rapidamente a porta.
19. Aproveitando que G.. e B.. estavam fora do veículo automóvel de matrícula …-…-…, um dos elementos do grupo no qual se encontrava o arguido introduziu-se nessa viatura e abandonou o local, fazendo-se transportar na mesma, ao passo que os restantes saíram dali na viatura BMW.
20. Em consequência da queda, G.. sofreu ferida incisa do couro cabeludo e traumatismo dorso-lombar direito, tendo recebido tratamento médico no Hospital Garcia da Orta.
21. O arguido e os demais indivíduos actuaram sempre de forma concertada e em concretização de plano prévio e comum, para cuja execução conjugaram esforços e intentos.
22. Agindo da forma descrita, o arguido e os seus companheiros pretendiam apoderar-se do veículo automóvel de matrícula …-…-…, que sabiam não lhe pertencer, o que conseguiram, utilizando para o efeito a força física.
23. O arguido actuou de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era punida e punida por lei penal.

(Mais se provou que)
24. O valor do veículo automóvel de matrícula ...-...-... ascendia, à data dos factos, ao montante aproximado de € 17.500.
25. Em 5/8/2008, pelas 11h50, o veículo acima referido foi restituído ao seu proprietário.
26. O arguido A... frequentou o ensino até ao 10º ano de escolaridade; antes de ser preso, vivia com a mãe, o irmão e uma sobrinha, sendo o agregado familiar sustentado pelo rendimento laboral daquela; é considerado como uma pessoa correcta e de bem.
27. (Do relatório social do arguido A... para determinação da sanção salienta-se:)
“O processo de socialização caracterizou-se pela dificuldade em se adaptar às regras familiares e na fácil associação a grupos de pares marginais, com os quais se identificou. Apesar de beneficiar de um enquadramento familiar responsável e pautado por valores normativos, que lhe concedeu algumas possibilidades de ter efectuado um crescimento adaptado e mais gratificante ao ter residido alguns anos em Inglaterra, A... não conseguiu organizar uma vida dentro dos valores socialmente aceites, mantendo-se desenquadrado ao nível formativo/ocupacional e adoptando condutas ilícitas, denotando características pessoais ao nível da dificuldade de efectuar aprendizagens no sentido de modificar positivamente comportamentos”.
28. À ordem dos presentes autos, esteve preso preventivamente desde Outubro de 2008 até Julho de 2009.
29. Nos termos que constam de fls. 969 a 983, o arguido A... foi condenado, por acórdão transitado em julgado, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em co-autoria, no dia 31 de Agosto de 2009, de um crime de roubo qualificado, previsto pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal.
*
2. Factos Não Provados:
Não se provou que
- O valor dos bens referidos no ponto 4) ascendesse a € 4.000;
- Para impedir que a porta fosse aberta, G.. empurrou a porta, fazendo com que um deles ficasse preso contra o BMW;
*
3. Fundamentação da Prova
Quanto aos factos do dia 30/9/2008, referidos em I:
A prova baseou-se em primeiro lugar na confissão “mitigada” dos arguidos, que admitiram ter participado nos factos, embora procurando dar-lhe uma interpretação mais favorável à sua posição processual.
De seguida, atendeu-se ao relato feito pela testemunha T2…, elemento da Guarda Nacional Republicana, que se deslocou ao local a pedido de um particular, e que viria a deter os dois arguidos no interior da residência, mais precisamente escondidos debaixo de uma cama, com alguns bens na sua posse, o que não deixa dúvidas sobre a autoria do crime.
Ponderou-se ainda o depoimento da testemunha F.., residente no 1º andar da moradia e que ouviu barulhos no piso inferior, motivo pelo qual chamou as autoridades. Recorda-se de, nessa ocasião, ter visto a porta de acesso a essa habitação com um vidro partido e ainda uma pedra no chão.
A testemunha D.., proprietário da residência em causa, apenas teve conhecimento dos resultados do furto, pois não viu quem o fez. Deu conta em audiência de quais os bens que ali se encontravam e o respectivo valor, acrescentou ainda que uma porta interior ficou danificada em resultado da actuação dos autores do furto.
Ponderou-se, ainda, o auto de apreensão de fls. 15, determinante para a identificação dos bens encontrados na posse de cada um dos arguidos.
À luz da experiência comum, não restam dúvidas que os arguidos são os autores deste furto, já que se encontravam no interior de uma residência e com bens que não lhes pertenciam na sua posse, sem qualquer justificação para tanto.
A testemunha T3..., inquirida sobre estes factos, nada soube dizer de relevante.
*
Quanto aos factos do dia 5/8/2008, referidos em II:
O arguido A... não prestou declarações sobre estes factos.
Porém, foi reconhecido por uma das vítimas do roubo, a testemunha B..., que descreveu em audiência o que se passara, concretamente a altura e o local em que os factos tinham ocorrido e a forma como tinham tido lugar.
A testemunha foi categórica em afirmar que no momento em que efectuou o reconhecimento pessoal no inquérito não teve quaisquer dúvidas relativamente à pessoa que indicou, que foi precisamente esse arguido, como se vê no auto de fls. 433.
Em audiência, reiterou que o arguido A... fazia parte do grupo que praticou os factos, imputando-lhe a iniciativa e a autoria de parte das agressões (murros e pontapés) de que foram vítima, tanto ela como o seu companheiro, G.., sendo o seu depoimento totalmente credível.
A sua credibilidade resultou não só dos vastos pormenores que referiu, quer no que toca ao desenrolar dos acontecimentos, quer no que diz respeito às características físicas do arguido A..., como pela serenidade que evidenciou ao longo da sua presença na sala de audiência.
Não obstante os membros do grupo que atacou o casal utilizarem gorros e camisolas com capuz, esta testemunha referiu que, no decurso dos confrontos físicos, puxou o gorro que um deles usava, apercebendo-se assim de quem se tratava e que essa pessoa correspondia à pessoa que viria a reconhecer em inquérito, alguns dias depois, ou seja, o arguido A....
Mais, esta testemunha habilitou o Tribunal a dissipar eventuais dúvidas, já que referiu ainda que a pessoa que agredia o seu companheiro parou e olhou para ela quando esta afirmou em voz alta “A...”, pretendendo assim manifestar-se e insurgir-se contra as agressões que o seu companheiro era vítima, episódio que relatou de forma espontânea e imparcial.
Em adição e de forma suplementar, também descreveu com pormenor o rosto da pessoa que agredia o seu companheiro e que, como se acabou de dizer, hesitou por alguns instantes, quando ouviu o nome “A...”, salientando a sobrancelha com dois cortes que o arguido então tinha, facto esse que não passou despercebido ao Tribunal por, justamente, ainda hoje o arguido apresentar essa fisionomia particular.
Já não assim quanto a H.... Embora admita poder tratar-se da pessoa que logo após as agressões se pôs em fuga ao volante do Audi, ao passo que os demais membros do grupo abandonaram o local na viatura com que se transportavam, a testemunha B... não tem a certeza de que assim seja e daí o reconhecimento com dúvidas de fls. 402/403, razão que importa a ausência de prova do seu envolvimento – aliás, nem sequer foi constituído arguido durante o inquérito.
A testemunha G.. descreveu os factos de forma em tudo idêntica à testemunha B..., só não sabendo quem os efectuou.
Concretizou o valor do veículo no momento em que o adquiriu, confirmou que o mesmo lhe foi restituído pelas autoridades policiais algumas horas depois dos factos, descreveu de forma pormenorizada o seu estado e os danos que o mesmo apresentava e, finalmente, deu conta das despesas efectuadas com o veículo (€ 5.000 só para peças), pois foi a pessoa que tratou da sua reparação.
Foram ainda ponderados:
Termos de apreensão e entrega de objectos (fls. 111, 116, 117 e 281), documentos relativos ao internamento da testemunha G.. (fls. 350/352), fotos do Audi (fls. 146/150) e auto de reconhecimento pessoal (fls. 433).
Os exames periciais efectuados (fls.144, 745/747 e 776/778) revelaram-se inconclusivos.
T1… é inspector da Policia Judiciária e confirmou apenas que o reconhecimento pessoal do arguido A... por parte da testemunha B... obedeceu a todas as formalidades legais, desconhecendo quaisquer outros factos relevantes.
T4..., quando se encontrava nas redondezas do local onde os factos decorreram, ouviu uma voz feminina a gritar por socorro. Abeirou-se e viu que se tratava da testemunha B... e do seu companheiro, acompanhadas de algumas pessoas que já prestavam os primeiros socorros, nada mais sabendo de relevante.
*
Sobre as condições pessoais, sociais e familiares do arguido A...:
Serviu de prova o relatório social elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social, junto aos autos no dia 11 de Março de 2011.
Ponderaram-se também os depoimentos das testemunhas T5..., mãe do arguido, T6..., vizinho, T7..., vizinha, T8…, familiar do arguido, e T9…, marido da testemunha anterior, que se pronunciaram a esse respeito.
Analisado, por fim, o certificado de registo criminal, a fls. 701, e a certidão do acórdão condenatório referido no ponto 29) dos factos provados (fls. 968/983).
O Tribunal analisou e ponderou os demais documentos juntos aos autos.”

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme jurisprudência uniforme do STJ (cfr. Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada), sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do C.P.P. (cfr. Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95).
No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, as questões suscitadas são:
1. Nulidade do julgamento por deficiência da prova gravada que impede a respectiva audição;
2. Violação da proibição de reformatio in pejus, e, subsidiariamente, a perda de eficácia da prova produzida no primeiro julgamento quanto ao crime de furto;
3. Violação do principio in dubio pro reo;
4. Nulidade da sentença por ausência de fundamentação e exame critico da prova;
5. A sentença encontra-se afectada dos vícios a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 410º CPP;
6. A não realização do cumulo jurídico;
7. Medida da pena por exagerada e que seria de atenuar especialmente e suspender na sua execução.

A primeira das questões suscitadas pelo recorrente e que acima se encontra elencada diz respeito à nulidade do julgamento por inaudibilidade de partes importantes da prova gravada.
E como primeira nota acerca desta questão não podemos deixar de estranhar que, por um lado, o recorrente não identifique em concreto que partes de depoimentos não consegue ouvir da gravação, de que arguidos ou arguidos e/ou testemunhas em concreto e, por outro lado, não invoque a essencialidade e necessidade desses depoimentos para eventual impugnação da matéria de facto provada.
De resto, percorridas as motivações e conclusões do seu recurso e no que toca à impugnação da decisão fáctica apenas se fica o recorrente pela invocação da violação do principio in dubio pro reo e dos vícios de insuficiência da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova (al.s a) e c) do n.º 2 do art.º 410 CPP9 e que mais à frente analisaremos. Ora, para aferir destas questões nãos e mostra necessário o recurso às gravações da prova uma vez que as mesmas serão resultantes do texto da própria decisão recorrida, como resulta do acórdão do STJ de STJ de 16JUN99, in BMJ 488, pág. 262.
De qualquer modo, sempre diremos que as nulidades processuais devem ser suscitadas perante o tribunal em que as mesmas foram cometidas e, caso o requerente se não conforme com a decisão proferida sobre o requerimento de arguição de nulidade, desta caberá recurso, nos termos gerais.
Assim, a “inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada”, a que se refere o n.º 3 do artigo 410º do Código de Processo Penal, respeita necessariamente à decisão recorrida e não ao procedimento que antecedeu a sua prolação.
Pelo que a apreciação, em recurso, da nulidade por falta de documentação das declarações prestadas em audiência pressupõe que a mesma foi previamente arguida perante o tribunal a quo, e por este decidida.
É importante salientar que apenas este entendimento se coaduna, quer com a função geral atribuída aos recursos – a de reponderação da decisão proferida, dentro dos mesmos pressupostos em que se encontrava o tribunal recorrido no momento em que a proferiu –, quer com o modo como a lei adjectiva penal perspectiva e regula a impugnação da matéria de facto em via recursória.
Na verdade, a admitir-se que poderia em recurso suscitar-se uma nulidade não apreciada pelo tribunal a quo, estaria o tribunal de recurso a conhecer ex novo de uma questão que não foi colocada nem conhecida pelo tribunal recorrido, o que não é admissível uma vez que os recursos são meios de impugnação e de correcção de decisões judiciais, e não meio de obter decisões novas, não podendo servir o n.º 3 do artigo 410.º CPP como um meio de contornar este princípio fundamental em matéria de recursos, que apenas cede caso se trate de questões de conhecimento oficioso (o que não é o caso, já que a nulidade em causa se mostra configurada na lei, desde 2007, como uma nulidade dependente de arguição).
Acresce que, atendendo ao modo como estão delineados na lei os recursos em que se entenda proceder à impugnação da matéria de facto com a reapreciação da prova gravada, só esta solução é compatível com o respectivo regime.
Com efeito, quando no recurso se impugna a decisão sobre a matéria de facto e se pretende a reapreciação dos elementos de prova produzidos que serviram de fundamento à decisão recorrida, o tribunal superior deve reapreciar a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos concretos pontos de facto que o recorrente especifique como incorrectamente julgados, verificando se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida e avaliando os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (vide os Acórdãos do S.T.J., de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www. dgsi.pt)».
E, para isso, recai sobre o recorrente o ónus de proceder à tríplice especificação a que alude o artigo 412.º, n.º3, do Código de Processo Penal, nos termos do qual quando impugne a decisão proferida sobre a matéria de facto, o recorrente deve especificar:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida;
c) As provas que devem ser renovadas”.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo a especificação das «concretas provas» com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
Além disso, relativamente às duas últimas especificações recai ainda sobre o recorrente uma outra exigência: havendo gravação das provas, essas especificações devem ser feitas com referência ao consignado na acta, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens (das gravações) em que se funda a impugnação, pois são essas que devem ser ouvidas ou visualizadas pelo tribunal, sem prejuízo de outras relevantes (n.º 4 e 6 do artigo 412.º do CPP).
É aliás em virtude destas exigências, absolutamente imprescindíveis para a apreciação do recurso – perspectivado como um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente erros de julgamento do facto que o recorrente deverá expressamente indicar e não como um novo julgamento do objecto do processo –, e atento o maior labor que as mesmas implicam para o recorrente, que se justifica, materialmente, o alargamento do prazo de recurso de 20 para 30 dias, nos termos do artigo 411.º, n.º 4 do Código de Processo Penal, sempre que o recurso tem por objecto a reapreciação da prova gravada.
Ora, se não é colmatada pelo tribunal a quo a nulidade em análise, caso a mesma se verifique, nem o recorrente dispõe dos elementos imprescindíveis para a elaboração da motivação do recurso (mesmo dispondo de um outro registo de memória, não pode identificar as passagens concretas dos depoimentos das testemunhas com referência ao suporte digital), nem o tribunal superior pode apreciar e decidir da conformidade da decisão com a prova produzida, atenta a impossibilidade do recorrente de delinear o objecto do recurso em conformidade com as indicadas prescrições legais e atenta a impossibilidade de reapreciar o que não existe ou não é perceptível.
Tudo a pressupor que a questão da eventual nulidade decorrente da imperceptibilidade da gravação tenha sido já arguida, apreciada e colmatada na 1.ª instância, pois que só após o sujeito processual inconformado tem ao seu dispor os meios necessários para exercer efectivamente o seu direito ao recurso em matéria de facto, ou seja, só após está em condições de exercer o seu direito de impugnar a matéria de facto e pedir a reapreciação da prova a um tribunal superior, cumprindo as prescrições dos n.ºs 3 e 4 do artigo 412.º do Código de Processo Penal.
Apenas deste modo fica cabalmente assegurado o direito fundamental ao recurso consagrado no artigo 32.º, n.º 1 da Constituição da República.
É assim de entender, como se decidiu no Acórdão da Relação de Lisboa de 2010.03.24, Proc. 86/08.0SULSB.L1 3ª Secção, in www.pgdlisboa.pt), que a questão da deficiente gravação deve ser suscitada e decidida na 1ª instância porquanto, no limite, é na fase de preparação do recurso sobre a matéria de facto que pelos interessados será detectada tal anomalia e avaliada a importância para a sua defesa dos depoimentos afectados e da necessidade da sua repetição, foi recentemente proferido
Como igualmente se assinalou no já citado Acórdão da Relação de Coimbra de 2009.06.02 - depois de recordar a doutrina de Alberto dos Reis, em sede de processo civil -, “só a nulidade de sentença penal pode ser arguida em sede de recurso da decisão final (…), sendo certo que a nulidade por falta ou deficiência de documentação reporta-se a actos ocorridos numa fase prévia à sentença e que não a inquinam com qualquer nulidade das previstas no artigo 379.º do C.P.P., pelo que se submete ao regime geral sobre nulidades processuais”.
Retomando o caso sub judice não só a questão da nulidade por deficiência de gravação não foi suscitada na 1.ª instância, nem o tribunal recorrido sobre ela se pronunciou nem o recorrente demonstra minimamente que pretendia fazer uma impugnação da decisão fáctica nos moldes exigidos no art.º 412º n.º 3 CPP e se viu impossibilitado de no fazer em virtude dessa eventual deficiência de gravação.
Não pode, por isso, ser a mesma suscitada no presente recurso, que tem apenas por objecto a sentença condenatória pelo que, nesta parte, não poderá tomar-se conhecimento do recurso.
A segunda das questões invocadas pelo recorrente - Violação da proibição de reformatio in pejus – arranca da argumentação de que tendo o recorrente sido condenado, na pena de 10 meses de prisão suspensa na sua execução por um ano sujeita a regime de prova, pela prática de crime de furto tentado nos presentes autos por acórdão de 31.07.2009 que foi objecto de recurso por parte do mesmo e que, na procedência de recursos interlocutórios interpostos por outros sujeitos possessórias, determinou a reabertura da audiência, para a mesma abranger factos integrantes de um crime de roubo que se mostrava imputado ao recorrente, com a consequente elaboração de novo acórdão, no qual a pena relativa ao crime furto qualificado, tentado, previsto nos artigos 204º, nº 2, alínea e), 22º e 23º, todos do Código Penal, se viu alterada para 1 (um) ano de prisão.
O princípio da proibição da reformatio in pejus encontra-se previsto no art.º 409º CPP onde se estipula:
Interposto recurso de decisão final somente pelo arguido, pelo Ministério Público, no exclusivo interesse daquele, ou pelo arguido e pelo Ministério Público no exclusivo interesse do primeiro, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo de qualquer dos arguidos, ainda que não recorrentes.”
O texto citado parece inculcar a ideia que a aplicação deste principio se encontra reservada para o tribunal superior aquando da apreciação de recurso ou recursos interpostos por e no interesse do arguido. Porém, com já se referia no acórdão do STJ de 27-11-2003 proferido no P.º 03P3393, em que foi relator o Exmo. Juiz Conselheiro Simas Santos e disponível em www.gde.mj.pt/jstj: “… vem entendendo recentemente este mesmo Tribunal (cfr. Jorge Dias Duarte, Proibição de reformatio in pejus. Consequências processuais, Maia Jurídica, ano I, nº. 2 págs. 205-220), decorre do princípio da proibição da reformatio in pejus que, se em recurso só trazido pelo arguido, for ordenada a devolução do processo, não poderá a instância vir a condenar o recorrente em pena mais grave do que a infligida anteriormente.
Mas a compreensão daquele princípio integra o processo justo, o processo equitativo, tributário da estrutura acusatória do processo, consagrada constitucionalmente e do princípio da acusação, que impõe que nos casos em que a acusação se conforma com uma decisão e o recurso é interposto apenas pelo arguido, ou no seu interesse exclusivo, fiquem limitados os parâmetros da decisão e condicionado no processo o poder de decisão à não alteração em desfavor do arguido.
O recurso estabelece, assim, um limite à actividade jurisdicional, constituído pelos termos e pela medida da condenação do arguido (único) recorrente, mesmo se o arguido tenha pedido no recurso a anulação do julgamento ou o reenvio para outro tribunal, por se postularem as mesmas razões, sendo que a solução contrária se traduziria em atribuir ao tribunal do reenvio (ou do novo julgamento ou da devolução) poderes que não estavam cometidos ao tribunal de recurso (cfr. neste sentido o voto de vencido do Conselheiro Henriques Gaspar, no Ac. de 9.4.03, proc. nº. 4628/03-3 e os Acs. de 29.4.03, proc nº. 768/03-5 , relatado pelo Conselheiro Carmona da Mota e de 8.7.2003, proc. nº. 2616/03-5, do mesmo Relator).”
Idêntico entendimento foi seguido no Ac. da Relação do Porto proferido no P.º 1375/07.6PBMTS.P1 datado de 14-10-2009, disponível em www.gde.mj.pt/jtrp. “Na verdade, o sentido da proibição da reformatio in pejus é o de obstar a que o arguido possa ver alterada a sentença penal, em seu prejuízo quando só a defesa recorreu, ou mesmo quando também o Ministério Público recorreu, mas no exclusivo interesse do arguido.
Na verdade, o referido princípio encontra consagração constitucional no artigo 32º, nº 1, da CRP, na parte em que, a par das garantias de defesa, eleva à dignidade de princípio constitucional, o direito ao recurso.
A proibição da reformatio in pejus não é absoluta, mas consagra tanto a decisão do tribunal de recurso como a que venha a ser proferida em novo julgamento determinado por anterior decisão que reenvia o processo para novo julgamento.
Tal entendimento, digamos assim, mais lato que o que aparentemente resulta da letra da lei (artº 409º do CPP), da lei, encontra-se devidamente desenvolvido e fundamentado de forma clara e cristalina no Acórdão do Tribunal Constitucional nº 236/2007, in www.tribunalconstitucional.pt o qual, (…), sufragamos, destacando aqui, apenas este pequeno passo: “Na verdade é igualmente inibidora do exercício do direito de recurso a possibilidade de, embora por via indirecta (na sequência de anulação do primeiro julgamento), o arguido, em situações em que é o único recorrente (ou na situação equiparada de o Ministério Público interpor recurso no exclusivo interesse da defesa), ver, a final, a sua posição agravada com uma condenação mais pesada do que a inicialmente infligida, apesar de o Ministério Público se haver conformado com esta”.
Ora, a situação que se coloca no presente recurso é perfeitamente similar aquela que se refere no Douto Acórdão que acaba de transcrever-se parcialmente, pois o arguido foi condenado, em cúmulo jurídico, na pena de 18 anos de prisão e, na sequência de recurso apenas por ele interposto e, tendo sido decidida pelo Acórdão de fls. 1039 a 1065 a invalidade do julgamento realizado, e ordenada a realização de novo julgamento, na decisão final que teve lugar na sequência do novo julgamento, o arguido foi condenado em cúmulo jurídico na pena de 20 anos de prisão.”
Resulta dos entendimentos citados que, no caso concreto, na sequência de recurso - também interposto pelo arguido, embora não tenha apreciado essa concreta condenação pelo crime de furto qualificado tentado em 10 meses de prisão suspensa por igual período com sujeição a regime de prova - foi elaborada uma nova decisão condenatória em que veio a alterar a pena por tal crime para 1 (um) ano de prisão (não interessando para a discussão a integração agora dessa pena parcelar em cumulo jurídico), essa alteração da pena configura violação do principio da reformatio in pejus previsto no art.º 409º n.º 1 CPP .
Assim, pelas razões aduzidas e sem necessidade de outras explanações, cumpre deixar dito que ao arguido assiste razão quanto a esta vertente do recurso, o que tomará em conta.

Na dependência desta questão alegava o recorrente, de uma forma subsidiária, que, caso não se verificasse a violação dessa proibição de reformatio in pejus, a prova produzida no primeiro julgamento acerca dos factos integrantes do crime de furto já haviam perdido a respectiva eficácia aquando da realização do segundo.
Independentemente da decisão que já avançámos quanto à questão da reformatio in pejus, sempre diremos quanto a este concreto aspecto, seguindo na esteira do Ac. Rel. Lisboa de 03/18/2004 em que foi Relator, o ora primeiro adjunto, Carlos Benido:

“O artº 328º, nº 1, do CPP estabelece a regra da continuidade da audiência. Impõe-se que a audiência decorra sem qualquer interrupção ou adiamento até ao seu encerramento, com respeito pelos princípios da concentração e continuidade da audiência, visando a garantia de uma justiça célere e eficaz. Nos nºs 2 e 3, do referido preceito indicam-se as excepções a tal regra. Nos nºs 4 e 5 estabelecem-se as respectivas formalidades a observar. No caso que ora nos ocupa, dispõe o nº 6 que “o adiamento não pode exceder trinta dias. Se não for possível retomar a audiência neste prazo, perde eficácia a produção de prova já realizada”.
O termo “adiamento” aqui utilizado deve ser interpretado em sentido amplo, compreendendo o adiamento em sentido técnico-jurídico e a interrupção (cfr. Ac. do STJ de 03-07-96, C. J., Acs. do STJ, Ano IV, Tomo II, pág. 208).
E, por outro lado, deve ser perspectivado em sentido restritivo, não se impondo uma concreta produção de prova na sessão subsequente.
Com efeito, nem a letra nem o espírito da norma pressupõem que entre uma sessão e outra, não podendo, é certo, mediar mais de 30 dias, deva, em cada uma delas, produzir-se efectivamente prova.
A este propósito é paradigmático o exemplo referido pelo Ex.mo PGA no seu douto parecer, e que transcrevemos: “Ponha-se a hipótese: adiamento da audiência (dentro dos 30 dias) para audição de uma testemunha e ela falta. Com vista à descoberta da verdade, sendo o seu depoimento imprescindível, e devendo designar-se nova data de julgamento para o efeito, decorridos que sejam mais de 30 dias, perderá eficácia toda a prova já produzida, só porque na audiência anterior não foi possível ouvir o testemunho e produzir qualquer outra prova?”.
Assim, (...) a prova produzida até à sessão de (...) não tinha perdido eficácia.
Todavia, desde então, não foi realizada qualquer outra sessão de julgamento.
Quais as consequências face ao citado preceito?
A solução consagrada no nº 6 do artº 328º é uma manifestação do princípio da continuidade da audiência e da imediação da prova e visa obstar aos erros de julgamento em matéria de facto que poderiam decorrer do transcurso de um prazo demasiado longo entre cada uma das sessões da audiência, com a consequente perda ou diluição da memória, por parte do juiz, do Ministério Público e dos advogados relativamente ao que da produção das provas entretanto realizada tenha resultado.
Pretende-se, como escreve o Prof. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, III, 2ª Ed., Editorial Verbo, págs. 222/223, “que não haja possibilidade de manipulação da prova, ajustando-a à que entretanto foi produzida, e que os juízes possam manter fresco na memória tudo quanto se passou em audiência de julgamento, pois que o seu juízo há-de basear-se apenas nas provas produzidas ou examinadas na audiência. Numa audiência que se arraste com frequentes interrupções e adiamentos é maior o risco de esquecimento do que se passou nas sessões anteriores do que se todas se concentrarem no tempo”.
A consequência do desrespeito desta norma é a perda da eficácia da prova assim produzida (cfr. Ac. da Rel. do Porto de 17-04-02, C. J., Ano XXVII, Tomo II, pág.241); nulidade do julgamento, segundo certa corrente jurisprudencial (cfr. Ac. da Rel. de Évora de 11-10-94, C. J., Ano XIX, Tomo IV, pág. 285); mera irregularidade (cfr. Ac. do STJ de 15-10-97, C. J., Acs. do STJ, Ano V, Tomo III, pág. 197).
Como escreve Maia Gonçalves, “Código de Processo Penal”, Anotado, 9ª Ed., Almedina, pág. 589, o que é susceptível de perder valor são as provas prestadas oralmente em audiência, pois a prova documental permanece nos autos e o risco de esvanecimento da memória relativamente a ela não existe.
Mas nesta senda, afigura-se-nos que idêntica solução tem que aceitar-se quando tenha havido documentação das declarações orais prestadas em audiência, pois que aí o registo efectuado fica no processo e pode por isso ser utilizado em qualquer altura pelos intervenientes processuais para o efeito de rememorar o que foi dito e quando tal se mostre necessário.
Ora, o julgamento decorre com documentação da prova oral, mediante registo magnetofónico.
Assim sendo, não tem cabimento, a não ser numa inaceitável visão do formalismo processual como um fim em si mesmo, a perda de eficácia da prova.
Daí que, se acolha a jurisprudência deste Tribunal no Ac. de 16-10-02 citado pelo Ex.mo P.G.A., proferido no Proc. nº 4668/02 da 3ª Secção, relatado pelo Sr. Desembargador Santos Monteiro, em caso idêntico ao destes autos, e que se sumaria nos seguintes termos: “arrastando-se o julgamento por várias sessões, algumas das quais espaçadas por mais de 30 dias, havendo lugar à documentação da prova, não se mostra infringida a directriz do artº 328º, nº 6, do CPP, que importa interpretar restritivamente”.
No mesmo sentido, cfr. Ac. desta Relação de 27-02-02, C. J., Ano XXVII, Tomo I, pág. 153, assim sumariado: “Quando se proceda à gravação da prova, o princípio da continuidade da audiência não é ofendido, quando seja ultrapassado o prazo estabelecido no nº 6 do artigo 328º do CPP”.
Nem mesmo a aplicação do Acórdão Uniformizador de Jurisprudência n.º 11/ 11/2008, de 29.10.2008 (DR, I, 11.12.2008), fixou a seguinte jurisprudência:
Nos termos do artigo 328.º, n.º 6, do Código de Processo Penal, o adiamento da audiência de julgamento por prazo superior a 30 dias implica a perda de eficácia da prova produzida com sujeição ao princípio da imediação;
Tal perda de eficácia ocorre independentemente da existência de documentação a que alude o artigo 363.º do mesmo diploma”. (destaque nosso)
Como decorre da simples leitura do art.º 328.º, a lei só admite duas excepções à regra da continuidade da audiência que se iniciou: as interrupções (necessariamente por curtos períodos) para satisfação das necessidades básicas dos participantes (de alimentação, repouso, etc.) e os adiamentos provocados por obstáculos (necessidade de ouvir pessoas que não estavam convocadas para a audiência ou de produzir qualquer outro meio de prova superveniente e indisponível no momento, necessidade de solicitar a elaboração de relatório social, necessidade de substituir o defensor, pedindo o novo defensor prazo para preparar a defesa, etc.) que surjam no decurso da audiência e não seja possível remover com a interrupção. Quando se impõe o adiamento, a audiência terá mais que uma sessão. Os intervalos entre as várias sessões da audiência não podem ir além de 30 dias. Se for excedido esse prazo, e só nesse caso, perde eficácia a produção de prova até então realizada.
Não foi o que aconteceu neste processo; nestes autos, a audiência só foi retomada na sequência de determinação proferida por esta Relação, em decisão de recurso interposto, perante a necessidade de audição de uma testemunha e a reinquirição de outras duas pelo que não tem aqui possibilidade de ocorrer qualquer perda de eficácia da prova anteriormente produzida já que nenhuma interrupção nem adiamento se verificou.

A terceira das questões suscitadas - violação do principio in dubio pro reo – mostra-se fundamentada pelo recorrente com a argumentação de que a condenação do arguido não podia ser proferida uma vez que a testemunha B... não reconheceu o arguido em audiência e por ausência de elementos seguros que provam o contrário, impunha-se a absolvição, isto sem que o recorrente consiga identificar se a absolvição pretendida se refere ao crime de furto ou de roubo, ou a ambos, embora a referência que faz à testemunha B... nos incline para que a questão seja posta unicamente quanto ao crime de roubo por que foi condenado.
O princípio in dubio pro reo, não significa dar relevância às dúvidas que as partes encontram na decisão ou na sua interpretação da factualidade descrita e revelada nos autos. É, antes, uma imposição dirigida ao juiz, no sentido de este se pronunciar de forma favorável ao réu, quando não houver certeza sobre os factos decisivos para a solução da causa. Mas daqui não resulta que, tendo havido versões díspares e até contraditórias sobre factos relevantes, o arguido deva ser absolvido m obediência a tal princípio. A violação deste princípio pressupõe um estado de dúvida no espírito do julgador, só podendo ser afirmada, quando, do texto da decisão recorrida, decorrer, por forma evidente, que o tribunal, na dúvida, optou por decidir contra o arguido.
Tal princípio deve ser perspectivado e entendido, como remate da prova irredutivelmente dúbia, destinado a salvaguardar a legitimidade da intervenção criminal do poder público. O Estado não deve exercer o seu ius puniendi quando não obtiver a certeza de o fazer legitimamente. Consequentemente, só releva e restringe o seu âmbito de aplicação à questão de facto, é mais do que o equivalente processual do princípio da culpa, desligando-se, quanto ao fundamento, da presunção de inocência e abarcando, quer as dúvidas sobre o facto crime, quer a incerteza quanto à perseguibilidade do agente. E finalmente o controle da sua efectiva boa ou má aplicação está dependente de os tribunais cumprirem a obrigação de fundamentarem a sua convicção.
Só que a situação de dúvida tem que se revelar de algum modo, e designadamente através da sentença. A dúvida é a dúvida que o tribunal teve, não a dúvida que o recorrente acha que, se o tribunal não teve, deveria ter tido. E para controlo daquela boa aplicação não deixamos de citar aqui a fundamentação vertida na decisão ora em recurso:
O arguido A... não prestou declarações sobre estes factos.
Porém, foi reconhecido por uma das vítimas do roubo, a testemunha B..., que descreveu em audiência o que se passara, concretamente a altura e o local em que os factos tinham ocorrido e a forma como tinham tido lugar.
A testemunha foi categórica em afirmar que no momento em que efectuou o reconhecimento pessoal no inquérito não teve quaisquer dúvidas relativamente à pessoa que indicou, que foi precisamente esse arguido, como se vê no auto de fls. 433.
Em audiência, reiterou que o arguido A... fazia parte do grupo que praticou os factos, imputando-lhe a iniciativa e a autoria de parte das agressões (murros e pontapés) de que foram vítima, tanto ela como o seu companheiro, G.., sendo o seu depoimento totalmente credível.
A sua credibilidade resultou não só dos vastos pormenores que referiu, quer no que toca ao desenrolar dos acontecimentos, quer no que diz respeito às características físicas do arguido A..., como pela serenidade que evidenciou ao longo da sua presença na sala de audiência.
Não obstante os membros do grupo que atacou o casal utilizarem gorros e camisolas com capuz, esta testemunha referiu que, no decurso dos confrontos físicos, puxou o gorro que um deles usava, apercebendo-se assim de quem se tratava e que essa pessoa correspondia à pessoa que viria a reconhecer em inquérito, alguns dias depois, ou seja, o arguido A....
Mais, esta testemunha habilitou o Tribunal a dissipar eventuais dúvidas, já que referiu ainda que a pessoa que agredia o seu companheiro parou e olhou para ela quando esta afirmou em voz alta “A...”, pretendendo assim manifestar-se e insurgir-se contra as agressões que o seu companheiro era vítima, episódio que relatou de forma espontânea e imparcial.
Em adição e de forma suplementar, também descreveu com pormenor o rosto da pessoa que agredia o seu companheiro e que, como se acabou de dizer, hesitou por alguns instantes, quando ouviu o nome “A...”, salientando a sobrancelha com dois cortes que o arguido então tinha, facto esse que não passou despercebido ao Tribunal por, justamente, ainda hoje o arguido apresentar essa fisionomia particular.
Já não assim quanto a H.... Embora admita poder tratar-se da pessoa que logo após as agressões se pôs em fuga ao volante do Audi, ao passo que os demais membros do grupo abandonaram o local na viatura com que se transportavam, a testemunha B... não tem a certeza de que assim seja e daí o reconhecimento com dúvidas de fls. 402/403, razão que importa a ausência de prova do seu envolvimento – aliás, nem sequer foi constituído arguido durante o inquérito. ”, isto para além da referência que se mostra feita à prova documental existente nos autos e que já em sede de acusação pública havia sido indicada como meio de prova.
Com facilmente se depreende da citação feita, não só o tribunal recorrido não evidenciou qualquer dúvida quanto à autoria do facto por parte do recorrente A... como explicou, com análise critica dos elementos fornecidos pela testemunha, como chegou a tal conclusão, não deixando ali qualquer margem para dúvidas acerca da certeza nessa convicção.
Improcede, neste particular, a alegada violação do indicado principio.

A nulidade da sentença por ausência de fundamentação e exame crítico da prova invocada pelo recorrente como quarta questão mostra-se também votada ao fracasso.
Para além de na invocação da apontada nulidade da sentença o recorrente se bastar por uma referência genérica, não conseguindo apontar em que concreto aspecto se mostra omissa tal fundamentação, até por referência a qualquer um dos factos provados, ou o exame critico da prova não permita estabelecer o percurso lógico seguido pelo tribunal na formação da respectiva convicção quanto à participação e em que grau do recorrente nos factos ilícitos por que veio a ser responsabilizado.
O n.º 2 do art.º 374º CPP estabelece que “ Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”, o que servirá para convencer os interessados e a comunidade em geral da correcta aplicação da justiça no caso concreto.
Face ao texto legal só uma ausência total de referência às provas que serviram para fundamentar a decisão ou a omissão da indicação dos motivos, de facto e de direito, que fundamentaram a decisão, é susceptível de integrar a violação do comando ínsito naquele normativo legal e a consequente nulidade invocada a que alude a alínea a) do, n.º 1 do art.º 379º do C.P.P., o que não se verifica no caso em apreço.
A fundamentação não tem de se conformar com um modelo rígido e uniforme, devendo ser mais ou menos aprofundada consoante as particularidades de cada caso: a existência ou inexistência de versões contraditórias ou de pontos que hajam de ser esclarecidos para que sejam perceptíveis os motivos pelos quais a convicção do tribunal se orientou num sentido e não noutro. O que se exige é que o tribunal, a partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a sua convicção, enuncie as razões de ciência extraídas destas, os motivos porque optou por uma das versões eventualmente em confronto, os motivos da credibilidade atribuída aos depoimentos, documentos ou exames com que privilegiou na sua convicção, de forma a permitir a reconstituição e análise crítica do percurso lógico que seguiu na determinação dos factos como provados ou não provados.
Decai também aqui o recurso.

Na tarefa de impugnação da decisão condenatória argumenta o recorrente que a mesma se encontra afectada dos vícios a que aludem as alíneas a) e c) do n.º 2 do art.º 410º CPP, ou seja, os de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de erro notório na apreciação da prova.
Em matéria de vícios previstos no art.º 410º n.º 2 do CPP e alegados, cumprirá desde já dizer que o recorrente continua a ignorar o melhor dos ensinamentos doutrinário e jurisprudenciais acerca dos mesmos e a trazer aos recursos sempre a mesma argumentação quanto à tipificação desse vícios, confundindo o da al. a) - insuficiência para a decisão da matéria de facto provada - com problemas de (in)suficiência de prova e o da al. c) - erro notório da apreciação da prova - com o problema da livre convicção do tribunal na apreciação das provas a tal sujeitas ou com o da errada ou insuficiente apreciação do valor delas.
Para além disso, a invocação desses vícios passa ainda na maior parte dos casos pelo recurso a uma argumentação que ultrapassa o quadro resultante do texto da decisão, por si só ou conjugada com as regras da experiência.
Vejamos ainda:
O fundamento do recurso pode ser um “error in procedendo ou um error in judicando
Fica vedada a consulta a outros elementos do processo nem é possível a consideração de quaisquer elementos que lhe sejam externos.
O que está em questão nos invocados vícios é a decisão recorrida e não aquela sobre a qual a decisão incidiu; Daí a limitação importante que o artº 410º nº 2 contém.
No dizer do Prof. Germano M. Silva, in Curso P.P., vol. III, 324, 307,iEdit. Verbo, 1994 “... o nosso sistema processual inclina-se para que o objecto do recurso seja a decisão em si, embora se façam concessões através do recurso extraordinário de revisão; se o objecto do recurso é julgar se a decisão proferida foi justa ou injusta, então não interessa senão comparar a decisão com os dados que o juiz decidente possuía. Esta posição tem importância prática muito grande, pois que não é possível juntar nas alegações de recurso novos elementos de prova que não foram considerados na decisão recorrida.
Quanto ao primeiro dos vícios, da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, o mesmo “Consiste na insuficiência da matéria de facto para a decisão de direito. A matéria de facto provada não permite uma decisão de direito, necessitando ser completada. A insuficiência deve existir internamente, dentro da própria sentença ou acórdão.
Tem de se verificar matéria de facto insuficiente para a decisão por haver lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito. (cfr Prof. Germano M. Silva, in Curso P.P., vol. III, 325, Edit. Verbo, 1994)
Conforme Ac. STJ de 4.11.98, proferido no P.º 1415/97, a indicada insuficiência “É a que decorre da omissão de pronúncia, pelo tribunal, sobre facto(s) alegado(s) ou resultante(s) da discussão da causa que seja (m) relevante(s) para a decisão ou seja, a que decorre da circunstância de o tribunal não ter dado como provados ou como não provados todos os factos que, sendo relevantes para a decisão da causa, tenham sido alegados pela acusação e pela defesa ou resultado da discussão. O vício nada tem a ver com insuficiência de prova ( se não é feita prova bastante de um facto e, sem mais, ele é dado como provado, haverá então um erro na apreciação da prova) nem com insuficiência dos factos provados para a decisão de direito proferida ( em que também há erro já não na decisão sobre a matéria de facto mas, sim, na qualificação jurídica desta).”
Ora, se bem entendemos a argumentação do recorrente que antecede a invocação destes vícios – o facto de o tribunal ter retirado do depoimento da testemunha B... quando a mesma se refere ao reconhecimento feito no inquérito e do depoimento da testemunha T1... acerca da proveniência das fotos utilizadas nesse reconhecimento – esta argumentação dirige-se concretamente à suficiência da prova (e não à suficiência do facto provado para a decisão de atribuição da responsabilidade penal do facto ilícito ao arguido). Também o argumento de esse reconhecimento não ter sido feito em audiência nunca poderia reconduzir-se ao apontado vicio uma vez que esse reconhecimento, adquirido para os autos durante o inquérito, não necessita de ser repetido na audiência nem ali examinado porque já referido na acusação e, portanto, conhecido do recorrente.
Este problema há muito que tem solução estabilizada na jurisprudência do STJ, destacando aqui as referências a este propósito feitas no Código Penal anotado do Conselheiro Maia Gonçalves e o dos Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, onde se encontram bastos esclarecimentos a propósito da confusão que se tem gerado com a interpretação do referido art. 355.º, na exigência absurda de que todas as provas, incluindo as provas documentais constantes do processo, têm de ser reproduzidas na respectiva audiência de julgamento, se se pretende fazê-las valer e entrar com elas para a formação da convicção do tribunal.
A exigência do art. 355.º prende-se apenas com uma necessidade de evitar que concorram para a formação daquela convicção provas que não tenham sido apresentadas e feitas juntar ao processo pelos intervenientes, com respeito pelo princípio do contraditório, e não que tenham de ser reproduzidas na audiência, isto é, lidas ou apresentadas formalmente aos sujeitos processuais todas as provas documentais dele constantes. Basta que existam no processo com pleno conhecimento dos sujeitos processuais, que puderam inteirar-se da sua natureza, da sua importância e do seu conteúdo, bem como do seu valor probatório, para que qualquer desses sujeitos possa, em audiência, requerer o que se lhe afigurar sobre elas, examiná-las, contraditá-las e realçar o que, do seu ponto de vista, valem em termos probatórios. Neste sentido, tais provas são examinadas em audiência, sob a presidência dos princípios da imediação e do contraditório, podendo concorrer sem reservas para a convicção do tribunal.
Ora, se as provas, nomeadamente as provas documentais, já constam do processo, tendo sido juntas ou indicadas por qualquer dos sujeitos processuais e tendo os outros sujeitos delas tomado conhecimento, podendo examiná-las e exercer o direito do contraditório em relação a elas, não se vê razão para que elas tenham de ser obrigatoriamente lidas ou os sujeitos processuais obrigatoriamente confrontados com elas em julgamento para poderem concorrer para a formação da convicção do tribunal. O sujeito processual que assim o requeira pode sempre fazer examinar esta ou aquela prova, chamando a atenção para este ou aquele aspecto, ou pôr em causa de qualquer forma o seu valor e mesmo a sua validade. Daí que o princípio da produção da prova na audiência de julgamento, tal como decorre do art. 355.º do CPP, se manifeste nestes casos, mesmo independentemente da sua concreta (re)produção ou da leitura do seu conteúdo em audiência, sendo essa leitura permitida (isto é, não proibida) - Cf. Acórdão do STJ de 23/2/2005, Proc. n.º 37/2005, da 3.ª Secção, in Sumários dos Acórdãos do STJ n.º 88, p.105) .
Por outro lado, "o erro notório na apreciação da prova, nas condições em que se encontra legalmente previsto e balizado, é, de natureza ou por definição, intrínseco da decisão recorrida, e não deve obter raízes no exterior da mesma." (Ac. S.T.J., de 11-6-1992, BMJ 418-478).
E "...existe erro notório na apreciação da prova quando esse erro é de tal modo evidente que não passa despercebido ao comum dos observadores, ou seja, quando o homem médio facilmente dele se dá conta.
...Serão, portanto, casos de erro notório na apreciação da prova aquele em que um acórdão recorrido menciona que o arguido estava às 10 horas de um dia em Coimbra e às 10 horas e 30 minutos desse mesmo dia em Lisboa e aquele em que se diga que o arguido deu um tiro procurando atingir o coração da vitima, que efectivamente atingiu e esfacelou, mas que não houve da sua parte intenção de matar." (Maia Gonçalves, C.P.P.Anotado, 1992, pág. 568).
Cabe salientar que "a discordância com a decisão do Tribunal recorrido no que respeita à forma como este teria apreciado a prova produzida em audiência de julgamento, não constitui o vício do erro notório na apreciação da prova - Ac. do S.T.J. de 11-7-91, proc. 41953 - ponto 1 do sumário, in Base de Dados respectiva).
Ora tal vício também não se mostra revelado face ao teor da decisão recorrida e, quanto à existência do mesmo, não assiste razão ao recorrente ao apontá-lo.
O que ocorre, é que o recorrente "ficciona", a existência do erro notório na apreciação da prova, porque afere essa existência pela matéria alegada na motivação do recurso, sem qualquer argumentação que em concreto a ele se refira e sem correspondência, aliás, nos factos apurados e consoante o foram.
Conclui-se, por esta via, pela inexistência dos vícios aludidos pelo recorrente.

Como sexta questão insurge-se o recorrente quanto à não realização, na decisão recorrida, de cumulo jurídico a abranger a pena em que o recorrente já havia sido condenado e que se encontrava a cumprir.
Se bem que o recorrente não identifique, por referência ao P.º e Tribunal, qual a pena que entende deveria ser objecto de cúmulo, parece-nos pelo elenco dos factos provados que se referirá ao p.º e condenação identificados no facto 29: “condenado, por acórdão transitado em julgado, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, pela prática, em co-autoria, no dia 31 de Agosto de 2009, de um crime de roubo qualificado, previsto pelo artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), com referência ao art. 204º, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal.” (sublinhado e destaques nossos).
Tendo em atenção a data do cometimento dos factos objecto dos presentes autos - 5/8/2008 e 30/9/2008 – bem como a data do transito em julgado da decisão condenatória relativa à pena de 4 anos e 6 meses de prisão – apesar de não mencionada no facto 29, a certidão relativa à mesma indica ser 25-10-2010 (cfr. fls. 9689 – importaria na decisão recorrida ter sido dado cumprimento ao disposto no art.º 78.º CP que no seu n.º 1. dispõe: “Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.”
Sendo certo que à data da primeira decisão condenatória proferida nos autos esta condenação transitada em julgado ainda não havia sido proferida, certo é que a mesma já havia sido proferida e havia transitado em julgado aquando da decisão ora em recurso, tanto mais que o colectivo deu conhecimento da mesma no facto provado 29, como se disse.
E por essa razão o cúmulo jurídico não só deveria incluir tal pena parcelar como as penas parcelares específicas dos presentes autos.
Embora em moldes que adiante exporemos dada a essencialidade para essa temática da última das questões invocadas pelo recorrente dado ser relativa à medida das penas.

Como última questão, invoca o recorrente que a medida da pena é exagerada atenta a personalidade do arguido, a sua idade, as exigências de prevenção, a sua plena integração social, familiar e profissional, excelente comportamento no cumprimento das medidas de coacção e ausência de antecedentes criminais à data dos factos, e que tal pena seria de atenuar especialmente e suspender na sua execução.
O recorrente, no tocante a esta questão limita-se a enunciar generalidades sem se referir em concreto que pena qualifica de exagerada, se a pena parcelar relativa ao crime de roubo uma vez que quanto ao crime de furto o recorrente invocava, como acima já se apreciou, violação da proibição de reformatio in pejus, ou se a pena resultante do cumulo então efectuado.
Vejamos as considerações eleitas pelo colectivo quanto à determinação das penas na decisão recorrida:
São as seguintes as penas abstractas aplicáveis:
Furto Qualificado, tentado: prisão de 1 mês até 5 anos e 4 meses (aqui, há atenuação especial, por se tratar de crime tentado - art. 23º, nº 2 do Código Penal).
Roubo Simples: prisão de 1 a 8 anos;
A determinação das medidas concretas das penas, dentro daqueles limites, deve considerar os fins de protecção de bens jurídicos com tutela penal e a reintegração social dos agentes e corresponder ao grau da sua culpa, como limite máximo da reacção penal, e às exigências de reprovação e prevenção do facto, como patamar mínimo, sem deixar de atender às concretas circunstâncias agravantes e atenuantes previstas.
Vejamos as circunstâncias relativas aos factos e ao arguido:
No furto à residência, releva o valor dos bens apreendidos e a existência de violência gratuita e desnecessária, pois o interior da residência foi danificado.
No assalto ao casal G.. e B..., o valor do veículo não pode ser contabilizado, mas houve uma violência muito extrema, gratuita e desnecessária, com agressões – escusadas – às vítimas. Grande constrangimento das vítimas (pelas palavras e pela violência). Ilicitude forte deste assalto, planeado e ponderado e com instrumentos de disfarce, e a coberto da noite, para melhor levarem a cabo os seus intentos. A viatura foi recuperada, mas com danos graves.
Circunstâncias pessoais:
Actuação com dolo directo, em ambos os casos;
A ausência de sinais relevantes e visíveis de arrependimento e autoresponsabilização (não convenceu o Tribunal do arrependimento que referiu sentir, pela falta de espontaneidade do mesmo, no tocante aos factos praticados a 5/8/2008);
Comportamento posterior aos factos, voltando a praticar crime de roubo agravado, escassos meses após terminar o julgamento no âmbito destes autos.
A seu favor:
A postura que apresentou em audiência, admitindo grande parte dos factos que lhe eram imputados, relativamente aos praticados em 5/8/2008, e embora tal não possa assumir uma grande atenuante face à abundante prova entretanto reunida, também não poderá deixar de demonstrar uma relativa auto-censura;
O seu passado releva como factor atenuante, pois é evidente que o desenvolvimento da sua personalidade decorreu em quadro sócio-familiar muito inadequado e, por isso, de algum modo, propiciador de envolvimento na marginalidade;
O arguido cometeu estes crimes pouco tempo depois de entrar na imputabilidade penal; Ainda hoje não completou 21 anos de idade e - tristeza a dele - já experimentou um período importante de prisão preventiva. Não tem percurso escolar nem grande inserção social e familiar. A sua imaturidade, grande, não é de estranhar, face à sua idade.
A pesar muito no sentido de uma sanção não muito pesada. E menos a ausência de antecedentes criminais, pois verdadeiramente ainda nem sequer tem idade para já ter sido condenados.
A modesta situação sócio-económica do arguido, a atestar uma menor preparação para manter uma conduta lícita.
Finalmente, a referir que o encadeamento dos factos num período de tempo relativamente curto diminui, de forma sensível, a sua gravidade, pois dá um sinal de que os crimes poderão ter tido natureza episódica.
Tudo visto e ponderado, consideram-se ajustadas as seguintes penas:
- pelo crime de furto qualificado, 12 meses de prisão;
- pelo crime de roubo, 3 anos e 2 meses de prisão;
*
Importa agora fixar a pena única de todos estes crimes em concurso, que resultará da ponderação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, tomando como limite mínimo a pena parcelar mais elevada e máximo a soma aritmética das penas, havendo que referir, apenas, que o encadeamento dos factos num período de tempo relativamente curto diminui, de forma sensível, a sua gravidade, pois dá um sinal de que os crimes poderão ter tido natureza episódica.
Os demais factores alusivos à sua personalidade já foram elencados e, tudo ponderado, considera-se, adequada, em cúmulo, a pena, de 3 anos e 6 meses de prisão de prisão.”
Se quanto à pena relativa ao crime de furto já anteriormente nos pronunciámos em termos de, relativamente à mesma, ter de ser observado o principio da proibição de reformatio in pejus, e concordando na essência com o tratamento tido pelo colectivo quanto ao crime de roubo, não podemos deixar de tecer uma ou outra consideração a este respeito.
O momento inicial, irrenunciável e decisivo da fundamentação da pena repousa numa ideia de prevenção geral, uma vez que ela (pena) só ganha justificação a partir da necessidade de protecção de bens jurídico-penais.
Por outro lado, há que ter presente que um dos princípios a que obedece o Código Penal é o princípio da culpa, segundo o qual não pode haver pena sem culpa, nem pena superior à medida da culpa.
Relevantes para avaliar da medida da pena necessária para satisfazer as exigências de culpa verificada no caso concreto são os factores elencados no art.º 71.º, n.º 2, do Cód. Penal e que, basicamente, têm a ver, quer com os factos praticados, quer com a personalidade do agente que os cometeu.
Aproveitando, o ensinamento do Professor Figueiredo Dias (Ob. Cit, 245), porque a culpa jurídico-penal é a “censura dirigida ao agente em virtude da atitude desvaliosa documentada num certo facto e, assim, num concreto tipo-de-ilícito”, há que tomar em consideração todas as circunstâncias que caracterizam a gravidade da violação jurídica cometida (o dano, material ou moral, causado pela conduta e as suas consequência típicas, o grau de perigo criado nos casos de tentativa e de crimes de perigo, o modo de execução do facto, o grau de conhecimento e a intensidade da vontade nos crimes dolosos, a reparação do dano pelo agente, o comportamento da vítima, etc.) e a personalidade do agente [condições pessoais e situação económica, capacidade para se deixar influenciar pela pena (sensibilidade à pena), falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, e conduta anterior e posterior ao facto].
Depois de uma referência aos critérios de determinação da pena, o tribunal fundamentou a aplicação da pena de prisão nos termos já acima citados e de que destacamos que no plano da lesão de bens jurídicos pessoais, a conduta em apreço apresenta um grau de violência assinalável, pois envolveu atentado concreto contra a integridade física do ofendido: um pontapé no peito, fazendo com que fosse projectado para o chão, onde bateu com as costas e a nuca, sofrendo ferida incisa do couro cabeludo e traumatismo dorso-lombar direito, tendo recebido tratamento médico no Hospital Garcia da Orta.
O dolo com que o arguido agiu é intenso, porque directo.
Nada se sabe quanto aos sentimentos que o arguido tenha demonstrado na prática do crime ou aos motivos que o terão impelido a delinquir, para além do inerente propósito de beneficiar economicamente do bem subtraído.
Quanto aos antecedentes criminais, sendo verdade que à data dos factos eles não existiam, certo é que a conduta posterior a esses revelaram já uma propensão para o crime pouco usual para um agente tão novo.
O arguido mostra-se familiarmente enquadrado, caracterizado por um processo de socialização marcado por dificuldade em se adaptar às regras familiares e na fácil associação a grupos de pares marginais, com os quais se identificou, não conseguiu organizar uma vida dentro dos valores socialmente aceites, mantendo-se desenquadrado ao nível formativo/ocupacional e adoptando condutas ilícitas, denotando características pessoais ao nível da dificuldade de efectuar aprendizagens no sentido de modificar positivamente comportamentos, tudo elementos que revelam um quadro pessoal muito diferente daquele que invoca no recurso.
Em face dos elementos reunidos nos autos e que cumpre ponderar, pode constatar-se que, relativamente ao arguido em presença o grau de culpa é elevado e as exigências de prevenção especial revestem razoável intensidade.
A gravidade da violação jurídica cometido pelo arguido é bastante elevada se avaliarmos os factos na sua globalidade e, sobretudo, se se atender ao seu modo de execução, com utilização de violência física de dimensão considerável e exercida sobre uma pessoa com manifestas dificuldades em defender-se perante a intervenção de vários indivíduos que acompanhavam o arguido, o que nos leva a situar o grau de ilicitude do facto muito acima daquilo que é comum num roubo simples cometido na via pública.
Por outro lado, as circunstâncias da acção do arguido revelam uma vontade muito firme e inabalável em concretizar a subtracção e a apropriação ilícitas, revelando uma grande intensidade dolosa.
Assim, o grau de ilicitude e a intensidade do dolo levam-nos a situar a culpa num patamar bem acima da mediania referida no acórdão recorrido.
Acresce que, no caso, se revelam muito elevadas as exigências de prevenção geral e especial pelas razões mencionadas no acórdão.
Estar socialmente integrado importa um quadro referencial muito diferente daquele que resulta dos factos provados no caso. É, antes de mais, ser cidadão responsável, que cumpre as suas obrigações e tem uma conduta fiel ao direito.
Por isso que, a merecer algum reparo a medida da pena aplicada no tocante ao crime de roubo, é pela sua benevolência, e não por excessiva.
E dentro do quadro de elementos ponderadores da pena nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto a, por um lado, a não aplicação ao recorrente do regime penal especial especifico dos jovens e, por outro lado, da substituição da pena de prisão por pena de prisão suspensa na respectiva execução pelos fundamentos invocados, com os quais se concorda na integra, isto apesar da alteração que acima se mencionou quanto à pena parcelar do crime de furto, com

Com a confirmação da pena de prisão relativa ao crime de roubo - pena de 3 (três) anos e 2 (dois) meses de prisão - e a necessidade de respeitar a condenação anteriormente sofrida especifica do crime de furto qualificado na forma tentada – pena de 10 meses de prisão suspensa na respectiva execução pelo período de um ano acompanhada de regime de prova – estamos em condições de, em primeiro lugar, concluir que o cumulo jurídico feito nos presentes autos terá de ser desfeito e, em segundo lugar, face à obrigatoriedade de efectivação de cumulo jurídico que abranja a pena em que o recorrente foi condenado no P.º mencionado no facto 29 da matéria de facto provada, constatar da necessidade de elaboração de outro acórdão que proceda ao cumulo jurídico de todas essas penas no qual será de apreciar da possibilidade ou impossibilidade de manutenção da suspensão da pena de prisão relativa ao crime de furto qualificado.

III.
Tudo visto e ponderado, acordam os Juízes desta Secção Criminal em conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido A... e, em consequência:
- Revogar a decisão recorrida no tocante à pena de relativa ao crime de furto qualificado, tentado, previsto nos artigos 204º, nº 2, alínea e), 22º e 23º, todos do Código Penal;
- Fixar a pena por tal crime em 10 (dez) meses de prisão suspensa na respectiva execução pelo período de 1 (um) ano acompanhada de regime de prova;
- Revogar o acórdão recorrido no tocante ao cúmulo jurídico ali efectuado e pena única dele resultante;
- Determinar a elaboração de outro acórdão para efeitos de realização de cumulo jurídico nos termos dos art.ºs 77º e 78º CP que abranja as penas parcelares objecto dos presentes autos, nos moldes acima decididos, e a pena relativa ao processo e crime mencionado no facto 29, cumulo aquele em que se deverá apreciar da possibilidade ou impossibilidade (com a eventual revogação) de manutenção da suspensão da pena de prisão relativa ao crime de furto qualificado objecto dos presentes autos.
Sem custas.

Lisboa, 21 de Dezembro de 2011.

Relator: João Carrola;
Adjunto: Carlos Benido;