Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
271/2009-6
Relator: JOSÉ EDUARDO SAPATEIRO
Descritores: ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS
DELIBERAÇÃO
LEGITIMIDADE
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/12/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Sumário: I – É ponto assente, em termos jurisprudenciais e doutrinais, face ao regime legal e processual regulador da propriedade horizontal, que o condomínio não possui personalidade jurídica.
II – A redacção algo dúbia do artigo 1437.º do Código Civil permite sustentar que o Administrador do Condomínio pode accionar e ser accionado, enquanto tal (como órgão executivo e representativo do CONDOMÍNIO) e a título pessoal, sem necessidade da presença em juízo deste último mas julgamos que não é esse o verdadeiro sentido e alcance das normas em análise, que apontam em direcção diversa, ou seja, que é o CONDOMÍNIO que recorre a tribunal ou aí é interpelado, muito embora seja devidamente representado pelo dito Administrador
III – A impugnação das deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos conhece uma norma especial: “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito” (número 6 do artigo 1433.º do Código Civil).
IV – A legitimidade activa está definida no número 1 do artigo 1433.º do Código Civil – qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação susceptível de ser anulada – ao passo que a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados
V – Muito embora, como direito a constituir, possamos admitir essa tese (a deliberação anulável, caso não seja suspensa e enquanto não declarada inválida pelo tribunal, representa a vontade colectiva dos condóminos e, nessa medida, vincula juridicamente o condomínio e deve ser executada pelo administrador, que está obrigado a cumpri-la), já em termos de direito constituído e atendendo aos precisos termos utilizados pelo legislador, parece-nos muito difícil, por falta de suporte normativo, defender que do lado passivo se perfila o conjunto dos condóminos ou o condomínio.
VI – Poder-se-ia chamar à colação o estatuído nos artigos 6.º e 22.º do Código de Processo Civil, como forma de justificar a demanda do condomínio, representado pelo administrador, em casos como o dos autos, mas importa dizer que a alínea e) restringe tal intervenção processual às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador e que são aqueles que se mostram essencialmente descritos nos artigos 1436.º e 1437.º do Código Civil, não existindo sobreposição, ainda que parcial, entre as realidades a que cada um dos regimes em confronto respeitam, nem que seja pela relação de “especialidade” ou de exclusão recíproca existente entre aquele previsto nos números 1 e 6 do artigo 1433.º e aquele outro contemplado nas quatro disposições acima.
VII – Havendo aqui uma situação de ilegitimidade passiva, estava vedado ao tribunal da 1.ª instância ou às partes a regularização da instância através dos previstos nos artigos 265.º, 269.º e 288.º, números 2 e 3 do Código de Processo Civil. (JES)
Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Lisboa:
I – RELATÓRIO
SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., Montijo, intentou, em 16/06/2008, esta acção declarativa constitutiva, com processo comum sumário, contra CONDOMÍNIO, MONTIJO, representado pelo Sr. Administrador Paulo residente em Montijo, pedindo, em síntese, que sejam anuladas as deliberações tomadas na assembleia de condóminos do Prédio sito no, Montijo, tomada em 16/04/2008, deliberações essas vertidas na Acta n.º 2/2008.
(…)
Citado o Réu, através de carta registada com Aviso de Recepção (fls. 31 e 32), veio o mesmo a apresentar, dentro do prazo legal, a respectiva contestação, conforme fls. 33 e seguintes, onde, para além de impugnar parte dos factos alegados pela Autora e responder às diversas questões suscitadas pela mesma na petição inicial, vem, desde logo, arguir a excepção dilatória de ilegitimidade passiva do Réu, nos seguintes moldes:
“1) A Autora intentou a presente acção contra o Condomínio sito no Montijo.
2) Porém, as acções de anulação das deliberações tomadas em assembleias de condóminos devem ser propostas contra os condóminos individualmente considerados.
3) O art.º 26.º, n.º 1 do C.P.C. determina que o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer, interesse esse que se exprime pelo prejuízo que para ele advém da procedência da acção.
4) No caso sub judice tem interesse directo em contradizer o alegado na petição inicial todos os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações que a Autora pretende impugnar,
5) Isto porque "todos eles podem ser prejudicados ou beneficiados com a decretação da nulidade pedida e a deliberação constitui um acto unitário (Abílio Neto, em Propriedade Horizontal, 2ª Ed., Ediforum, 1992, pág. 71).
6) Pelo que, são esses condóminos individualmente que devem figurar como partes nesta acção e não o Condomínio, como refere a Autora no artigo 4.º da petição inicial.
7) Este foi também o entendimento do Tribunal na acção 1942/06.5 TBMTJ que correu termos no 3.º Juízo desta Comarca.
8) Até porque ao intentar uma acção contra o condomínio, a. Autora está a intentar uma acção contra si própria, uma vez que também ela é condómina.
9) Assim, nos termos do art.° 494.º, alínea e) e 493.º n.º 2 do Código de Processo Civil, estamos perante uma excepção dilatória de ilegitimidade que implica a absolvição do Réu da instância.”
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A Autora, notificada da contestação do Réu, veio responder-lhe nos termos de fls. 72 e seguintes, aí tendo pugnado, num extenso articulado, pela legitimidade do Condomínio, devidamente representado pelo seu administrador.
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Foi então proferido, a fls. 88 e seguintes, despacho saneador, com data de 10/10/2008, onde foi conhecida a excepção de ilegitimidade do Réu deduzida na contestação, nos seguinte termos:
“O Réu, na sua Contestação, veio excepcionar com a sua ilegitimidade para a presente acção, alegando em suma, que o condomínio não tem legitimidade para a causa mas sim todos os condóminos individualmente considerados. Até porque ao intentar a acção contra o condomínio, estão a demandar-se a si próprios, por serem condóminos.
A Autora veio responder à excepção, alegando que o Réu é parte legítima na acção, pois tem interesse na demanda, conforme estabelece o art.º 262 do CPC. Acrescenta que as próprias contas do condomínio podem ser afectadas com a declaração de nulidade da decisão.
Cumpre decidir.
A questão da legitimidade passiva nas acções de anulação/impugnação de deliberações de assembleia de condóminos não tem sido pacífica na jurisprudência e doutrina, como aliás se pode constatar pelos argumentos esgrimidos nestes autos.
Entende parte da jurisprudência que o administrador do condomínio não tem legitimidade passiva nas acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos. Tais acções devem ser propostas, não contra os administradores, mas contra os condóminos.
Para outra parte da jurisprudência, o administrador tem legitimidade passiva, porque actua como representante orgânico do condomínio, sendo certo que a deliberação exprime a vontade do condomínio, do grupo, e não dos condóminos (individualmente considerados, ou dos que aprovaram a deliberação). Para além disso, sendo um acto do condomínio, a legitimidade passiva cabe ao administrador. Acresce que a redacção do art.º 1433 n.º 4 do C. Civil é anterior à reforma de 94 e não foi objecto de actualização.
Torna-se agora necessário que este Tribunal se pronuncie sobre tal questão.
E desde já se adianta que, analisados os argumentos avançados por ambas as correntes, se entende que o Réu não é parte legítima para a presente acção.
Vejamos.
De acordo com o disposto no art.º 62.º, alínea e) do CPC, tem personalidade judiciária "o condomínio resultante da propriedade horizontal relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador".
Este preceito vem de encontro ao disposto no art.º 1436.º e 1437.º do Código Civil, onde já se previa a legitimidade do administrador do condomínio como Autora ou Réu. Aliás, havia já quem entendesse que a personalidade judiciária do condomínio resultava já do art.º 1437.º do C. Civil (neste sentido José Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto, in Código de Processo Civil Anotado, Volume 1, Coimbra Editora, 1999, P. 21), pois resulta directamente do n.º 2 do citado preceito que o administrador pode ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício.
Continuando na análise do arte 1437.º do C. Civil, verifica-se que administrador tem legitimidade para agir em juízo, quer contra qualquer dos condóminos, quer contra terceiros, na execução das funções que lhes pertencem (n2 1) – legitimidade activa –, assim como lhe confere legitimidade passiva para ser demandado, mas apenas nas acções respeitantes às partes comuns do edifício (n2 2).
Este preceito refere-se à chamada legitimidade formal, isto é a capacidade judiciária ou processual – susceptibilidade de estar a parte, pessoal e livremente em juízo e não à legitimidade "ad causam" que só em concreto e caso a caso pode ser averiguada.
É que nem sempre a personalidade judiciária coincide com a capacidade processual. Pode falhar esta, apesar de existir aquela. É o que se passa no condomínio, ao qual é reconhecida personalidade judiciária embora sem a correspondente capacidade processual. E, sendo assim torna-se necessário que o exercício dos direitos processuais fique a cargo de terceiro, que assim adquire legitimidade formal, agindo no processo, embora em nome e no interesse das partes que representam. Quer dizer, na falta de capacidade processual há necessidade do seu suprimento e é essa a função do art.º 1437.º do C. Civil.
Assim, conclui-se que, só quanto a actos de conservação e punição dos cargos comuns, aos actos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns o administrador pode demandar e ser demandado nessa qualidade (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2.2.2006, Processo n.º 05B4296 e de 29.11.2006, Processo n2 06A2913, disponíveis na Internet em WWW.DGSI.PT).
Face a esta explanação, parece concluir-se que a introdução da alínea e) no art.º 6.º do CPC, quando da reforma em 1995, não trouxe nada que já não resultasse da lei substantiva (art.º 1437.º do C. Civil), pois se o administrador podia já agir em juízo no âmbito dos seus poderes funcionais, é porque a lei reconhecia implicitamente ao condomínio, a necessária personalidade judiciária, sem que o preceito seria absurdo (cfr. Acórdão do STJ de 29.11.2006, supra indicado).
No caso concreto estamos perante uma acção de anulação/impugnação de deliberação de assembleia de condóminos, que vem prevista no art.º 1433.º do C. Civil.
Acontece que em matéria de deliberação da assembleia de condóminos o administrador não tem quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa. A apreciação e votação das questões submetidas à assembleia de condóminos só a estes pertence, não desempenhando, nessa sede, o administrador, qualquer papel.
Refere o arte 1433.º do C. Civil que as deliberações da assembleia contrárias à lei ou a regulamentos anteriormente aprovados são anuláveis a requerimento de qualquer condómino que os não tenha votado, o que significa que a conduta pode ser sancionada com a anulabilidade, isto é, a deliberação contrária à lei ou ao regulamento, é da exclusiva responsabilidade dos condóminos que a votarem, não envolvendo o exercício de qualquer poder ou desempenho de funções da parte do administrador, enquanto tal.
Consequentemente, no que respeita às acções de impugnação das deliberações tomadas pela assembleia de condóminos, não estamos no âmbito dos poderes do administrador, pelo que, nesse domínio, não goza o condomínio de personalidade judiciária como resulta do art.º 6 do CPC e já resultava implicitamente do disposto no art.º 1437.º do C. Civil.
Daí que, nesta matéria são os próprios condóminos que devem ser pessoalmente accionados, dada a falta de personalidade judiciária do condomínio, embora a sua representação em juízo caiba ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito – art.º 1433.º n.º 6 do C. Civil (cfr. neste sentido Acórdão do STJ de 29.11.2006, que temos vindo a seguir de perto).
Quer isto dizer que, embora a legitimidade passiva para as acções onde se impugne uma deliberação tomada na assembleia de condóminos seja dos próprios condóminos, porque essa anulação produz efeitos em relação a todos eles, a sua representação judiciária compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito.
Estando perante uma representação judiciária, determinada por lei, estamos perante uma situação diferente à que vem referida no art.º 1437.º do C. Civil, que não pressupõe a prévia atribuição de personalidade judiciária como acontece no art.º 1433.º n.º 6 do C. Civil.
Em conclusão, o condomínio, na pessoa do seu administrador, não tem legitimidade passiva para a presente acção, pelo que terá de ser julgada procedente a excepção de ilegitimidade deduzida na contestação.
A ilegitimidade constitui uma excepção dilatória (arte 4942 al. e) do CPC), que obsta a que o Tribunal conheça do mérito da causa e conduz à absolvição da instância (art.º 493.º, n.º 2 do CPC).
Pelo exposto, considero procedente a excepção dilatória de ilegitimidade, absolvendo o Réu da instância.
Custas a cargo da Autora.
Registe e Notifique”.
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A Autora, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 96 e seguintes, interpor recurso de apelação da mesma, que foi admitido a fls. 125 dos autos, tendo-lhe sido atribuído efeito meramente devolutivo.
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A Apelante Autora apresentou alegações de recurso (fls. 72 e seguintes) e formulou as seguintes conclusões:
“a) Decidiu-se na sentença que a recorrida, na pessoa do seu administrador, não teria legitimidade passiva para a presente demanda isto uma vez que a legitimidade estaria na pessoa de cada um dos condóminos que haviam votado a deliberação e para atingir tal arrima a sentença com os seguintes argumentos:
1) Só quanto aos actos de conservação e punição dos cargos comuns (Sic), aos actos conservatórios ou relativos à prestação de serviços comuns o administrador pode ser demandado nessa qualidade;
11) Que o administrador não teria quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa em matéria de deliberações da assembleia de condóminos;
III) Que seriam os condóminos individualmente considerados que teriam interesse na demanda e não o condomínio;
IV) Realça a sentença que esta é uma questão que tem dividido a jurisprudência.
b) Bem ao contrário do entendido pela sentença o condomínio/recorrido tem interesse na demanda e isto quer se veja a questão numa perspectiva de legitimidade directa quer indirecta pois que ambas beneficiam da cobertura do artigo 26.º do CPC.
c) No presente caso o recorrido tem um interesse pelo menos indirecto pois são as suas contas que podem ser afectadas com a declaração de nulidade da deliberação, contas essas que, por expressa imposição legal, são autónomas e têm de existir.
d) Não faz qualquer sentido que perante um pedido de anulação de uma deliberação cada um dos condóminos que nela anuiu pudesse, de per se, opor-se a tal e defender uma individual e singular posição uma vez que tal posição singular não existe para ser defendida, ou, e dito de outro modo, a posição singular que se transmite através do voto é absorvida pela deliberação da assembleia.
e) E para demonstrar da bondade da tese da aqui recorrente basta fazer um paralelo com as sociedades comerciais, uma vez que o mesmo é possível nada o impedindo.
f) Com efeito, e em relação a estas, quando algum dos sócios pretende impugnar uma determinada deliberação tem de propor a acção contra a sociedade.
g) Por fim revela-se também revelador de algum desacerto o dizer-se que o administrador não teria quaisquer poderes nem exerce qualquer função administrativa em matéria de deliberações da assembleia de condóminos pois que tal é fazer por ignorar o artigo 1436.º do Código Civil em particular as alíneas a) e h) de tal preceito legal.
h) Pois que executar as deliberações do condomínio significa, sem grande esforço pensa-se, que desempenha também funções administrativas uma vez que não se pode executar sem que, mais ou menos, se deixem de desempenhar funções administrativas.
i) Violou a sentença os artigos 6.º, e) e 26.º do CPC, 1433.º, n.º 1 e 1436 a) e h) do Código Civil, não se podendo, assim, manter antes devendo ser revogada e substituída por uma decisão que ordene a prossecução dos autos para apreciação de meritis.
Nestes termos e nos melhores de Direito deverá o presente recurso merecer provimento e, em consequência, ser revogada a decisão que assim não entendeu substituindo-se a mesma por uma decisão que ordene a regular apreciação dos autos para apreciação de mérito, tudo o mais com as consequências legais.”
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O Réu, na sequência da correspondente notificação, apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. Veio a Autora interpor recurso da douta sentença que absolveu a Ré da instância porquanto considerar que a mesma é parte ilegítima da presente acção.
B. O Tribunal a quo considerou que "o condomínio, na pessoa do seu administrador, não tem legitimidade passiva para apresente acção".
C. Alega a Recorrente posição oposta.
D. O art.º 26.º, n.º 1 do CPC dispõe que o Réu é parte legítima quando tem interesse em contradizer, interesse esse que se exprime pelo prejuízo que para ele possa advir da procedência da acção.
E. No caso em apreço, só tem interesse em contradizer os condóminos individualmente considerados que aprovaram as deliberações em assembleia de condóminos.
F. Refere o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2008 que "A legitimidade – activa ou passiva – para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos. São eles, efectivamente, os titulares do interesse em demandar".
G. O condomínio bem como o administrador não são sujeitos das deliberações cuja anulação se pede, pois que essas deliberações são votadas e aprovadas pela assembleia de condóminos a que o mesmo preside, podendo até este último ser um terceiro sem direito a voto.
H. E assim sendo, não se vê que face á lei possa o condomínio ser considerado como parte legitima desta acção.
I. Refere ainda a este propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 24 de Junho de 2008, que as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condomínio são "uma questão entre condóminos: a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação radica sem dúvida, nos próprios condóminos".
J. Isto porque "todos eles podem ser prejudicados ou beneficiados com a decretação da nulidade pedida e a deliberação constitui um acto unitário" (Abílio Neto, in Propriedade Horizontal, 2.ª Ed., Ediforum, 1992, pág. 71).
K. E só aos condóminos que votaram favoravelmente a deliberação é que pode ser imputada alguma responsabilidade resultante da anulabilidade, pois caso contrário até os condóminos faltosos, que votaram contra ou que se abstiveram seriam, também, responsabilizados por eventuais prejuízos que daí pudessem advir.
Termos em que deve improceder a motivação dos Recorrentes, e em consequência, ser integralmente mantida a douta sentença recorrida.
V. Exas. no entanto, melhor decidirão e farão, como sempre a habitual JUSTIÇA!”
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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS
Os factos relevantes para apreciação e julgamento do presente recurso de apelação mostram-se descritos no relatório do presente Aresto, cujo teor aqui se dá por reproduzido.

III – OS FACTOS E O DIREITO
É pelas conclusões dos recursos que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
A Apelante impugna de direito o despacho proferido pelo tribunal a quo, por entender que o Réu CONDOMÍNIO, devidamente representado pelo Administrador, tem legitimidade passiva para ser demandado no quadro dos presentes autos, que visam a anulação de diversas deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, não tendo a Autora estado presente em tal reunião nem concordado com o teor daquelas decisões colectivas.
A questão suscitada neste recurso divide profundamente a nossa doutrina e jurisprudência, muito embora nos pareça que a posição maioritariamente defendida é a que se mostra sufragada no despacho impugnado.
Importará chamar, desde logo e em primeiro lugar, os dispositivos legais eventualmente aplicáveis à situação dos autos e que constam, respectivamente, do Código Civil (artigos 1433.º e 1437.º) e Código de Processo Civil (6.º e 22.º):
(…)
A única dúvida que, no âmbito deste recurso de apelação, se suscita é se a presente acção de impugnação de deliberações tomadas em sede da Assembleia de Condóminos, atento o seu objecto, podia ser proposta contra o Réu CONDOMÍNIO, embora representado pelo respectivo administrador, como aconteceu no caso em presença, ou se deveria, ao invés, ter sido instaurada contra todos os condóminos que votaram favoravelmente as deliberações alegadamente inválidas.
Pensamos que é ponto assente, em termos jurisprudenciais e doutrinais, face ao regime legal e processual regulador da propriedade horizontal, que o condomínio não possui personalidade jurídica (cf., por todos, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/12/1999, em BMJ, 492, página 406), muito embora possa demandar e ser demandado, conforme ressalta dos transcritos artigos 1437.º do Código Civil e 6.º, alínea e) e 22.º do Código de Processo Civil.
A redacção algo dúbia do primeiro dispositivo legal citado (1437.º) permite sustentar que o Administrador do Condomínio pode accionar e ser accionado, enquanto tal (como órgão executivo e representativo do CONDOMÍNIO) e a título pessoal, sem necessidade da presença em juízo deste último (neste sentido, jurisprudência emanada dos nosso tribunais superiores, designadamente no quadro do regime jurídico anterior ao actualmente em vigor – ver, por exemplo, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 18/01/1983, em BMJ, 323,393 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/04/1989 e de 8/11/1993, em CJ, 1989 e 1993, Tomos II e V, págs. 151 e segs. e 106 e segs. e Luís Pedro Moitinho de Almeida, “Propriedade Horizontal”, 3.ª Edição, Almedina, 2001, página 123) mas julgamos que não é esse o verdadeiro sentido e alcance das normas em análise, que devem ser, aliás, conjugadas com as outras duas disposições de natureza adjectiva igualmente reproduzidas e que apontam em direcção diversa, ou seja, que é o CONDOMÍNIO que recorre a tribunal ou aí é interpelado, muito embora seja devidamente representado pelo dito Administrador (neste sentido, ao que parece, Rui Vieira Miller, “A propriedade horizontal no Código Civil”, Almedina, 1998, páginas 321 e 322 e Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 22/01/1998, em BMJ, 480, páginas 562 e seguintes e do Tribunal da Relação do Porto de 6/07/2000, do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/04/2005 e do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/03/2004, todos em www.dgsi.pt).
A não ser assim e atendendo ao regime acima reproduzido, teriam de coexistir acções judiciais propostas pelo Administrador e outras instauradas pelo CONDOMÍNIO, embora representadas por aquele, com as inerentes dificuldades em dividir as matérias que poderiam ser alvo de umas e outras, num regime confuso e dúplice, que, temos para nós, não é o perseguido pelo legislador que, segundo o artigo 9.º, número 3 do Código Civil, consagrou presumivelmente “as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”.
Mas tal problemática não se confunde com a específica questão da impugnação das deliberações tomadas em Assembleia de Condóminos, dado existir uma norma especial relativa a tais hipóteses: A representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as acções compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para esse efeito (número 6 do artigo 1433.º do Código Civil).
A legitimidade activa está definida no número 1 da mesma disposição legal – qualquer condómino que não tenha aprovado a deliberação susceptível de ser anulada – ao passo que a legitimidade passiva é assacada aos demais condóminos que a votaram positivamente, muito embora representados judiciariamente pelo administrador, na pessoa do qual são citados.
Sandra Passinhas no seu livro “A Assembleia de Condóminos e o Administrador na Propriedade Horizontal”, 2.ª Edição, Almedina, Janeiro de 2002, páginas 346 e 437, defende que é o condomínio que deve ser demandado, na pessoa do seu administrador, citando ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 14/05/1998, em CJ, Tomo III, págs. 96 e segs. (cf., também a jurisprudência emanada pelo Tribunal da Relação do Porto, que vai nesse sentido, referindo-se, por todos os Acórdãos de 7/01/12999 e 6/2/2006, em www.dgsi.pt), mas tal posição impõe uma interpretação do regime legal aplicável que conflitua com o estatuído nos números 1 e 6 do artigo 1433.º do Código Civil, que coloca, claramente, nas correspondentes posições judiciais antagónicas os condóminos que não votaram as deliberações e aqueles que o fizeram (cf., neste sentido, entre outros, Abílio Neto, “Manual da Propriedade Horizontal”, 3.ª Edição, Outubro de 2006, Ediforum, páginas 348 e 349 e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2/02/2006, do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/3/2000, 4/3/2003, todos em www.dgsi.pt e ainda de 4/2/2003, em CJ, 2003, Tomo I, páginas 99 e seguintes, do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/6/2001, em CJ, 2001, Tomo III; páginas 27 e seguintes e do Tribunal da Relação de Évora de 2/07/1998, em BMJ n.º 479, 730).
Muito embora, como direito a constituir, possamos admitir tal solução (a deliberação anulável, caso não seja suspensa e enquanto não declarada inválida pelo tribunal, representa a vontade colectiva dos condóminos e, nessa medida, vincula juridicamente o condomínio e deve ser executada pelo administrador, que está obrigado a cumpri-la), já em termos de direito constituído e atendendo aos precisos termos utilizados pelo legislador, parece-nos muito difícil, por falta de suporte normativo, defender que do lado passivo se perfila o conjunto dos condóminos ou o condomínio, como afirma o aludido Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa.
Poder-se-ia chamar à colação o estatuído nos artigos 6.º e 22.º do Código de Processo Civil, como forma de justificar a demanda do condomínio, representado pelo administrador, em casos como o dos autos, mas importa dizer que a alínea e) restringe tal intervenção processual às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador e que são aqueles que se mostram essencialmente descritos nos artigos 1436.º e 1437.º do Código Civil, não existindo sobreposição, ainda que parcial, entre as realidades a que cada um dos regimes em confronto respeitam, nem que seja pela relação de “especialidade” ou de exclusão recíproca existente entre aquele previsto nos números 1 e 6 do artigo 1433.º e aquele outro contemplado nas quatro disposições acima identificadas (seria de admitir, em tese, que o condomínio pudesse ser demandado, na pessoa do administrador, que o representaria, nos termos do artigo 1437.º, número 2 do Código Civil, em acções de impugnação de deliberações que tivessem por objecto as partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal – afectação de espaços comuns gerais a interesses ou utilizações exclusivas de alguns condóminos – ou respeitassem aos outros poderes do administrador, mas não nos parece ser essa a ideia do legislador nem a posição defendida pela nossa doutrina e jurisprudência maioritárias).
Veja-se, no sentido por nós defendido, os seguintes Arestos do Supremo Tribunal de Justiça:

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/11/2006, Processo n.º 06A2913, relator: Moreira Alves (unanimidade):
I – O administrador não tem legitimidade para ser demandado como réu quando esteja em causa a impugnação de deliberações do condomínio.
II – O n.º 6 do art. 1433.º, quando conjugado com o art. 1437.º, ambos do CC, e com a al. e) do art.6.º do CPC, não pode ser interpretado no sentido de conferir legitimidade processual passiva ao administrador do Condomínio, assim como o art. 6.º, alínea e) do CPC não concede personalidade judiciária ao condomínio quanto às acções em que pode intervir o administrador, pura e simplesmente, mas apenas quanto àquelas em que o administrador intervém no exercício dos seus poderes funcionais.
III – No caso das acções em que se impugnam deliberações da assembleia de condóminos, não se está no âmbito dos poderes funcionais do administrador.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/09/2007, Processo n.º 07B787, relator: Bettencourt de Faria (maioria com voto de vencido):
A acção de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos tem de ser interposta contra os condóminos que as votaram, que naquela devem figurar como réus, embora representados em juízo pelo administrador, que é quem deve ser citado.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24/06/2008, Processo n.º 08A1755, relator: Moreira Camilo (maioria com voto de vencido):
I – A legitimidade – activa ou passiva – para as acções de impugnação de deliberações da assembleia de condóminos radica-se nos próprios condóminos, sendo os demandados representados judiciariamente pelo Administrador do condomínio ou por pessoa que a assembleia designar para esse efeito.
II – São eles, efectivamente, os titulares do interesse em demandar (legitimidade activa) ou em contradizer (legitimidade passiva), na definição constante do art. 26.º do CPC.

Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 06/11/2008, Processo n.º 08B2784, relator: Santos Bernardino (unanimidade):
1. Fora do âmbito demarcado nos arts. 6º/e) do CPC e 1437º do CC, e designadamente no campo da impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, a questão da legitimidade não respeita directamente ao condomínio a se, antes envolve os próprios condóminos, enquanto membros do órgão deliberativo que é a assembleia de condóminos.
2. A questão da impugnação das deliberações é uma questão entre condóminos: é neles que radica a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação.
3. Quanto à legitimidade activa para a acção impugnatória das deliberações: são os condóminos que não tenham votado a favor da sua aprovação que podem intentar, dentro dos prazos definidos na lei, a respectiva acção de anulação; e não se exige actuação coligada, qualquer deles o podendo fazer.
4. Quanto à legitimidade passiva: só devem ser demandados, na acção de anulação da deliberação, os condóminos que, tendo estado presentes ou representados na assembleia em que foi tomada a deliberação, votaram a favor da sua aprovação, e não também os presentes ou representados que se abstiveram nem os que não estiveram presentes nem representados, mesmo os que, posteriormente, nos termos do n.ºs 7 e 8 do art. 1432º do CC, hajam comunicado por escrito o seu assentimento ou se hajam remetido ao silêncio.

Permitimo-nos transcrever um excerto deste último Aresto do Supremo Tribunal de Justiça, com o qual concordamos em absoluto:
“Na propriedade horizontal, a administração das partes comuns do prédio cabe, em conjunto, a dois órgãos – a assembleia dos condóminos e o administrador (art. 1430º do Código Civil).
A assembleia dos condóminos é o órgão deliberativo composto por todos os condóminos, competindo-lhe decidir sobre os problemas do condomínio que se refiram às partes comuns, encontrando soluções para os resolver, delegando no administrador a sua execução e controlando a actividade deste. O administrador é o órgão executivo da administração, cabendo-lhe desempenhar as funções referidas no art. 1436º, próprias do seu cargo, assim como as que lhe forem delegadas pela assembleia ou cometidas por outros preceitos legais.
No que diz especificamente respeito ao administrador – e por forma a tornar efectivo o exercício dos poderes processuais do condomínio, contornando os obstáculos decorrentes da falta de personalidade e de capacidade jurídicas deste – o art. 6.º, alínea e) do CPC e o art. 1437º atribuem-lhe a função de representação processual do condomínio. Fazem-no, todavia, em apertados limites: apenas «relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador» [art. 6º, al. e)] ou «para agir em juízo (...) na execução das funções que lhe pertencem ou quando autorizado pela assembleia» (n.º 1 do art. 1437º), podendo ainda ser demandado «nas acções respeitantes às partes comuns do edifício», ou seja, quando estejam em causa “actos de conservação e de fruição das coisas comuns, actos conservatórios dos respectivos direitos ou a prestação de serviços comuns” (n.º 2 do mesmo art. 1437º).
Quer dizer:
O art.º 6.º, alínea e) do CPC ficciona, por razões de ordem prática, a personalidade judiciária do condomínio: atribui personalidade judiciária a quem, no rigor dos princípios, a não teria, porque carece de personalidade jurídica. Mas limita a amplitude da atribuição às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador; e, por isso, por força do disposto no art. 22º do mesmo Código, essa capacidade judiciária – ou seja, a susceptibilidade de estar, por si, em juízo, e que tem por base e por medida a capacidade do exercício de direitos (art. 9º do CPC) – é assegurada pelo administrador, em representação do condomínio.
Por seu turno, o art. 1437.º, ao contrário do que sugere o seu teor literal, refere-se, também ele, à capacidade processual e não à legitimidade adjectiva (ad causum) do condomínio. Ao conferir ao administrador a possibilidade de actuar em juízo, mais não faz do que concretizar uma aplicação do disposto no citado art. 22º do CPC – que estatui sobre a representação das entidades que carecem de personalidade jurídica – eliminando possíveis dúvidas sobre se aquele poderia, no exercício das suas atribuições, recorrer à via judicial. Fica claro, com o preceito em apreço, que o administrador da propriedade horizontal, na execução das funções que lhe pertencem ou quando munido de autorização da assembleia de condóminos – relativamente a assuntos que, exorbitando da sua competência, cabem, todavia, na competência desta assembleia – pode accionar terceiros ou qualquer dos condóminos, ou por eles ser demandado nas acções respeitantes às partes comuns do edifício. Como anota LUIS A. CARVALHO FERNANDES, “os poderes de representação do administrador não podem deixar de ser encarados e compreendidos à luz da falta de autonomia jurídica do condomínio. Correspondentemente, por referência à personalidade judiciária que lhe é reconhecida, do que no fundo se trata é atribuir, ao administrador, legitimação para agir em nome do conjunto dos condóminos.” (3).
O aludido normativo não resolve, pois, o problema da legitimidade do administrador, que, aliás, não se coloca, visto que este age, em juízo, enquanto órgão executivo do condomínio, e, portanto, em representação deste. Parte no processo, relativamente às partes comuns do edifício – e é só destas que se cura – é o condomínio, sendo, pois, relativamente a este, e não no tocante ao administrador, que se poderá colocar a questão da legitimidade.
Efectivamente, a legitimidade é uma posição das partes face ao objecto do processo, que, nos termos do art. 26º do CPC, terá de se aferir, em acções propostas pelo administrador ou em que este seja demandado, “pelo interesse que o património comum que representa (e não ele próprio) tenha em demandar ou em contradizer – expresso, no primeiro caso, pela utilidade derivada da procedência da acção e, no segundo, pelo prejuízo que essa mesma procedência possa ocasionar.”
Fora do âmbito demarcado nos dois mencionados preceitos – o art. 6º/e) do CPC e o art. 1437º – e, designadamente, no campo da impugnação das deliberações tomadas em assembleia de condóminos, a questão, em termos de legitimidade, não respeita directamente ao condomínio a se – ente sem personalidade jurídica própria, e com a limitada personalidade judiciária assinalada, e, por isso, não dotado da possibilidade de requerer ou de contra si ser requerida, em nome próprio, fora dos casos acima aludidos, qualquer das providências de tutela jurisdicional reconhecidas na lei – antes envolve os próprios condóminos, enquanto membros do órgão deliberativo que é a dita assembleia dos condóminos, à qual cabe, em primeira linha, a administração das partes comuns do edifício, e cujas deliberações, uma vez aprovadas e exaradas em acta, representam a vontade colegial e são vinculativas para todos eles, mesmo para os que na reunião não hajam participado, ou para os que, tendo participado, se hajam abstido na votação ou votado contra.
A questão da impugnação das deliberações é, pois, uma questão entre condóminos: a legitimidade para impugnar e para defender a deliberação radica, sem dúvida, nos próprios condóminos.”
Ainda que não se concorde com a ideia exposta, sempre se dirá que, não se sabendo exactamente o objecto das acções a que respeitam as despesas judiciais que a quota extraordinária aprovada e impugnada visa garantir (com excepção de uma instaurada pelo condomínio contra a Autora, na sua qualidade de construtora e/ou vendedora, com vista a reparar defeitos no prédio), era impossível configurar juridicamente essa situação como uma das que caberia no âmbito de aplicação do disposto nos citados artigos 6.º, alínea e), 22.º do Código de Processo Civil e 1436.º e 1437.º do Código Civil.
Logo, havendo aqui uma situação de ilegitimidade passiva, resta saber se o tribunal da 1.ª instância andou bem ao absolver o Réu da respectiva instância, ao invés de lançar mão dos mecanismos processuais de regularização da instância previstos nos artigos 265.º, 269.º e 288.º, números 2 e 3 do Código de Processo Civil.
Pensamos, contudo, que a recorrente não tem razão quando pugna pela possibilidade de regularização da instância no caso dos autos, pois, em rigor, não nos encontramos face a uma situação de ilegitimidade passiva por preterição do litisconsórcio necessário ou doutras situações em que seja exigida a presença adjectiva de diversas pessoas, que, caso não estejam no processo, podem ser facilmente chamadas a intervir no mesmo, mas antes perante a demanda de entidade diversa daquelas que deveriam estar na acção, ou seja, somos confrontados com um caso de substituição da parte incorrectamente demandada por uma outra, legalmente reconhecida como aquela que deve estar nos autos.
Nessa medida, a sanação da situação de ilegitimidade dos autos estava vedada processualmente ao tribunal da 1.ª instância bem como às partes da presente acção.
Logo, pelos motivos expostos, bem andou o despacho recorrido em considerar o Réu como parte ilegítima no quadro dos presentes autos.

IV – DECISÃO
Por todo o exposto e tendo em conta o artigo 713.º do Código do Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso de apelação interposto por SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA. e confirmar o despacho proferido pelo tribunal da 1.ª instância.
Custas do recurso pela Apelante.
Notifique e Registe.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2009
(José Eduardo Sapateiro)
(Teresa Soares)
(Rosa Barroso)