Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1917/20.1T8FNC.L1-8
Relator: TERESA SANDIÃES
Descritores: PROCESSO DE PROMOÇÃO E PROTECÇÃO
MEDIDA DE ACOLHIMENTO RESIDENCIAL
MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS
MEDIDA DE ACOLHIMENTO JUNTO DA FAMÍLIA NATURAL
PERMANÊNCIA DO MENOR EM INSTITUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/08/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: -  Não estando em causa a criação de uma situação de perigo pontual, nem a subsequente alteração de postura na vertente das responsabilidades parentais por parte da progenitora e/ou alegado progenitor, ou qualquer conduta de outro familiar nos termos apontados, no espaço de cerca de nove meses, desde o nascimento do menor, é totalmente desajustada a medida de apoio junto dos pais, bem como o acolhimento junto da família natural (na pessoa de outros familiares).
- A medida de acolhimento residencial - aplicada a título cautelar, vigora desde 18/05/2020, tendo o menor nascido em 11/05/2020, data a partir da qual se verificou a situação de perigo - apenas se deverá manter quando existam dados que permitam concluir por um juízo de prognose favorável, no sentido de um regresso rápido à família natural.
- A permanência do menor em instituição, decorridos nove meses, com o fito de os pais virem a adquirir competências parentais, quando nunca revelaram qualquer disponibilidade séria ou recetividade para o efeito, é, do ponto de vista do superior interesse do menor – critério primacial e orientador -, inaceitável.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

O Ministério Público, no interesse da criança recém-nascida, do sexo masculino, à data sem registo, nascida a 11/05/2020, no Hospital…, filha de FF, instaurou processo judicial de promoção e proteção urgente e requereu a aplicação de medida cautelar de acolhimento residencial, nos termos dos arts. 3º, n.º 1 e 2, als. a), c) e f), 4ºals. a) a e), 11º, n.º 1, c), n.º 2, 34º, als. a) e b) e 37, n.º 1, da LPCJP.
Em 18/05/2020 foi proferida decisão com o seguinte teor:
“(…) Atendendo à situação de facto indiciada de incapacidade da progenitora do menor em assumir as suas responsabilidades parentais, verifica-se que, não existindo qualquer outro adulto que possa assumir a guarda da mesma, a única medida de promoção e protecção dos direitos do menor que se afigura adequada é a sua colocação aos cuidados de uma entidade que disponha de meios de acolhimento que garantam os cuidados necessários à promoção da sua segurança, saúde, educação, bem-estar e desenvolvimento integral, nos termos previstos nos arts.º 35º, nº 1, alínea f) e nº 2, in fine, e 49º da LPCJP.
Decisão:
Pelo exposto, decide-se:
A) Aplicar ao recém nascido, do sexo masculino, ainda sem registo, nascido a 11/05/2020, no Hospital…, filho de FF, a medida de promoção e protecção, a título provisório, de acolhimento residencial, em cama de emergência, na ISSM;
B) Autorizar as visitas dos pais ao menor, em termos a definir pela instituição de acolhimento;
C) Determinar o acompanhamento da execução da medida pela EMAT, que deverá relatar, regularmente e de forma circunstanciada, a situação da menor de modo a possibilitar a direcção e o controlo da execução da medida aplicada por este Tribunal (arts. º 59º, nº 2 e 62º, nº 1 da LPCJP). Comunique o conteúdo deste despacho à EMAT. Notifique o Ministério Público, os pais do menor.
* * *
Tendo em conta a decisão provisória supra proferida, determina-se o prosseguimento do presente processo como processo judicial de promoção e protecção do menor (art.º 92º, nº 3 da LPCJP).
* * *
Declara-se aberta a instrução. (…)”
Em 29/07/2020, depois de ter sido adiada por falta da progenitora e alegado progenitor, foi realizada diligência para tomada de declarações à progenitora e alegado progenitor, tendo estes faltado. Foi determinada a solicitação à Ordem dos Advogados para nomeação de patrono ao menor e progenitora e ordenada a notificação do Ministério Público, progenitora, e patronos nomeados para alegarem por escrito, querendo, e apresentarem meios de prova no prazo de 10 dias (artigo 114.º, n.º 1, da Lei n.º 147/99 de 1 de setembro).
O Ministério Público apresentou alegações, pugnando pela aplicação a favor da criança BB da medida de confiança a instituição com vista à adoção.
A progenitora apresentou alegações, opondo-se à aplicação de medida de promoção e proteção de Confiança a Pessoa Selecionada para Adoção e pugnando pela sua substituição por outra, designadamente a aplicação da medida de Apoio junto de outro Familiar, ou no limite e caso assim não se entenda a medida de Acolhimento Residencial por um prazo legalmente estabelecido em conjunto com um plano de reinserção/intervenção a ser decretado.
Foi realizado debate judicial com inquirição de testemunhas e alegações, ao qual faltou a progenitora e alegado progenitor.
Em 01/02/2021 foi proferida decisão, com o seguinte dispositivo:
“Nestes termos e pelos fundamentos expostos, o Tribunal decide:
a). Aplicar a favor da criança - BB, nascido a 11-05-2020 - acolhido na Casa de Acolhimento, X, a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, mantendo-se o menor sob a guarda do CAT X, ao abrigo do disposto nos artigos 3º nºs 1 e 2 al. c) e f), alínea g) do nº 1 do art. 35º, 38º e 38º A, als a) e b) da LPCJP e 1978º nº 1, al. c) e d) do Código Civil;
b) . Designar como curador provisório da criança o/a Sr. (ª) Director (a) da Casa de Acolhimento;
c) . Inibir a progenitora da criança do exercício das responsabilidades parentais - cfr. artigo 1978º A do Código Civil;
d) . Proibir as visitas por parte da família natural da criança a esta - cf. artigo 62º A nº 6 da LPCJP;
e) . Determinar que o Serviço de Adopções do ISS comunique aos autos, logo que selecionado o casal adoptante (ou a pessoa adoptante) para nomeação como curador provisório ao menor BB, ao abrigo do disposto nos artigos 629 A, n9s 2 e 3 da LPCJP. Esta medida dura até ser decretada a adopção e não está sujeita a revisão - cf. artigo 629 A nº 1 da LPCJP, sem prejuízo do disposto no n9 2 do artigo 629 A da LPCJP.”
A progenitora interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:
“I. Conforme, os diversos Relatórios juntos aos autos e designadamente do Relatório Social de Avaliação Diagnóstica elaborado nos termos do artº 108 nº 2 da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo, a Requerida terá abandonado o hospital no dia a seguir ao nascimento do seu filho, sem ter alta do serviço de obstetrícia, tendo ficado o menor BB nos cuidados intensivos neonatais.
II. Nos termos do referido Relatório Social, a Requerente apresenta uma situação pessoal e social de elevada desproteção/vulnerabilidade pessoal, familiar e social (situação de sem abrigo e consumo de estupefacientes).
III. Desde que saiu do Hospital, o menor BB encontra-se à guarda do CAT X.
IV. FF (a mãe) é oriunda de uma família com múltiplas fragilidades, com historial de alcoolismo dos pais, o que poderá ter contribuído para o seu passado errante FF tem 34 anos e ainda tem fortes possibilidades de refazer a sua vida e de corrigir atitudes e comportamentos tomados certamente pela sua adição.
V. A toxicodependência, é antes de mais uma doença que carece de tratamento da qual se pode curar, se assim quiser e lhe for dada essa oportunidade e o acompanhamento adequado e que permitirão refazer a sua vida junto do seu filho e do seu companheiro o que é sempre o mais desejável para todos e principalmente para o menor BB, a possibilidade de crescer junto dos seus pais e do seu agregado familiar.
VI. Atento o primado da família biológica, há efetivamente que apoiar as famílias disfuncionais, dando a possibilidade destas reencontrarem o equilíbrio.
VII. A adoção deve ser a última medida, pois é a única que tem carácter definitivo e como tal deve ser a última solução a adotar, após serem definitivamente esgotadas todas as alternativas possíveis para a substituição do meio familiar da criança.
VIII. Deve-se privilegiar-se a permanência na família, se necessário, com apoios de natureza psico-pedagógica, social ou económica, interessa procurar respostas criativas, usar recursos ainda não explorados e avaliar as ações e projetos de forma reguladora.
IX. No vertente caso, poderá ainda ser possível a opção por uma medida de apoio junto da família alargada, ou no limite o internamento do menor, que poderá ser concebível como uma situação transitória procurando que, durante o tempo de internamento, se faça um trabalho com a família ou se encontrem outras alternativas.
X. Neste pressuposto, a Requerida, manifesta a sua expressa oposição à aplicação de medida de Confiança a Pessoa Selecionada para a Adoção, a Família de Acolhimento ou a Instituição com Vista á Adoção.
XI. Pois ainda se revelam, exequíveis e adequadas ao interesse que se pretende sempre salvaguardar, o do menor, a possibilidade de aplicação de outras medidas, que não a Adoção.
Porquanto,
XII. E apesar do historial de conflitos e de afastamento que caracterizam as relações intrafamiliares da Requerida FF, mãe do menor, refere o Relatório social acima identificado, que LL (irmão uterino de FF) e a sua atual companheira, ambos manifestaram interesse em aceitar ter o BB nos seus cuidados.
XIII.
XIV. De igual modo e conforme a informação constante do Relatório Social junto aos autos, MM (mãe de JJ, suposto progenitor de BB), refere que na eventualidade de BB ser seu neto não descartou a possibilidade de apoiar na prestação de cuidados à criança.
XV. “Na aplicação de medidas de promoção e proteção de menores deve dar-se prevalência às soluções que permitam a integração na família natural; e só quando esta não se mostre viável se deverá optar por soluções institucionais, preferindo a estas a adoção;”. In Acórdão da Relação de Lisboa de 19-09-2006.
XVI. Neste quadro circunstancial, impunha-se uma melhor averiguação das condições de vida dos progenitores, dos tios maternos e ou da avó da paterna do menor, e por conseguinte devidamente ponderada a opção por uma medida de apoio junto da família, no limite de acolhimento residencial por um prazo legalmente estabelecido em conjunto com um plano um reinserção/intervenção a ser decretado de modo a permitir o restabelecimento de vida da mãe.
O que não sucedeu!
XVII. No vertente caso, resulta evidente que, por um lado não foram devidamente averiguadas as condições de vida e competências da família alargada do menor BB, atenta a superficialidade das informações carreadas para os autos através dos relatórios elaborados pelos Serviços Sociais, em muito sustentada na “vox populi” da comunidade, o que não se pode aceitar!
XVIII. Por outro lado, durante quase um ano os serviços sociais pouco ou nada fizeram para dotar os pais e ou até a família alargada se assim se comprovasse essa necessidade de competências parentais para receber o seu filho de volta, através de programa próprio para este tipo de situação.
XIX. O que se considera uma questão essencial, por se atentar que desde a institucionalização em Maio de 2020, os serviços do Estado pouco ou nada fizeram para os preparar para "receber o filho", a reunião havida com os progenitores, designadamente pela CPCJ, a reunião havida com os tios maternos e um contacto com a avó paterna, foram os únicos contactos diga-se visitas por parte da Segurança Social, durante quase um ano, os quais foram manifestamente insuficientes.
XX. Consideramos que deviam ter sido os pais e em concreto a mãe ora recorrente, durante o período de institucionalização acompanhados com vista a ser dotados de técnicas e estratégias relativas à parentalidade, como sendo através de programas próprios para estas famílias – traduzidos num serviço de apoio especializado às famílias com crianças e jovens, vocacionado para a prevenção e reparação de situações de risco psicossocial mediante o desenvolvimento de competências parentais, pessoais e sociais das famílias.
XXI. Neste caso salvo o devido respeito, que é muito por todas as entidades envolvidas, nenhuma destas procedeu com a devida diligência, atuando de forma superficial, desconsiderando o principal objetivo que seria dotar os pais de competências parentais com vista a receber o seu filho após a institucionalização, prestando-lhe os devidos cuidados, estabilidade e segurança, constituindo violação de direitos sociais protegidos constitucionalmente (art.° 67° alínea c) d) e) da Constituição da República Portuguesa.
XXII. Por seu turno, o art. 69°, da CRP, estabelece que as crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão, devendo, o Estado, assegurar especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal.
XXIII. Retirar-se as crianças aos pais e colocá-las numa instituição sem que, durante o tempo de "separação" nada ou muito pouco se promova junto da família, não acautela este primado da constituição.
XXIV. Ora, se o Estado defende que as crianças devem, em princípio estar junto dos pais, e em casos de perigo pode o mesmo Estado afastá-los, não deverá o Estado durante este período de separação preparar a família para receber o filho? Aqui falhou, claramente o Estado!
XXV. Dando a lei preferência a soluções que mantenham a criança dentro do círculo da sua família natural, a decisão a proferir sobre a medida a decretar deve pressupor uma prévia exclusão de outras soluções, nomeadamente através da averiguação e apuramento de factos relativos aos elementos familiares adultos da criança que viabilizem a formulação de conclusão segura sobre se é, ou não, viável a sua participação em medida que, suprindo a incapacidade dos progenitores, obste ao rompimento da criança com a sua família natural.
XXVI. A medida de confiança a instituição com vista a futura adoção (como a da confiança a pessoa selecionada para a adoção) só deverá ser adotada quando esteja afastada a possibilidade de retorno da criança ou do jovem à sua família natural (princípio da prevalência da família biológica, expresso no art. 4º, g), da LPCJP) e não puder salvaguardar-se a continuidade das ligações afetivas.
XXVII. O superior interesse da criança deve ser realizado tanto quanto possível dentro do enquadramento familiar natural, da família biológica e/ou alargada.
XXVIII. Nesse sentido e com o devido respeito pelo Tribunal e que é muito, a primeira opção não poderá ser a de aplicação imediata de medida de promoção e proteção da confiança a instituição com vista a futura adoção, determinando-se que sejam averiguadas todas as condições objetivas e subjetivas que a avó paterna ou os tios maternos reúnem, ou no limite caso assim não se venha a entender, deverá ser aplicada a medida de acolhimento residencial por um prazo legalmente estabelecido em conjunto com um plano um reinserção/intervenção a ser decretado de modo a permitir o restabelecimento de vida da mãe e que permite acautelar como se pretende o superior interesse do menor.
XXIX. Não demonstra a decisão que o tenham sido - bem pelo contrário! Atalhou-se caminho, atropelaram-se factos e, sobretudo, obviaram-se alternativas válidas e eficazes, ao decidir-se pela institucionalização do menor com vista à adoção;
XXX. A douta decisão proferida, não é proporcional ao risco (tanto mais que o mesmo não se encontra efetivado), nem se encontra demonstrado ser último e único recurso.
XXXI. E é, igualmente, violadora de lei, quando não respeita os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, da responsabilidade parental porque, face a tudo quanto coube exposto, não se encontra demonstrado que os mesmos são, atualmente, incapazes ou ineptos para prover aos cuidados básicos do filho, seja de forma autónoma ou com intervenção e ajuda de terceiros e do princípio da prevalência da família, porquanto quer o tio materno, quer a avó paterna demonstraram ter vontade para acolher a menor ou, eventualmente apoiar os progenitores com o menor.
XXXII. Não pode o Tribunal, com base em considerações da comunidade local espelhadas em relatórios datados designadamente de 14.05.2020 como é o da CPCJ, não sustentados factual ou documentalmente e que mais não representam do que juízos de prognose, ou eventualmente até falsidades sem mais, pela ineptidão desses familiares para acolherem o menor.
XXXIII. Tal asserção careceria de fundamentação muito mais densa e de prova irrefutável - o que não se verificou, pois mesmo que se tenha considerado que não se tenha estabelecido um vínculo minimamente seguro e estável, carece de todo e qualquer sentido, já que, seguindo-se este caminho, o menor BB virá a ser adotado por quem não terá com ela qualquer vínculo.
XXXIV. Além do mais, se o menor BB se encontra numa situação estável na instituição, não há motivos para promoção de outra medida senão a de melhorar a sua condição presente e potencial e mais concretamente trabalhar com os progenitores e ou com a família alargada com vista a recebê-lo desta feita com competências parentais reforçadas.
XXXV. O menor BB mantendo-se institucionalizado, vê minimizado, senão mesmo afastado, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento.
XXXVI. Apesar da sua tenra idade a mudança para uma casa distinta, por via da adoção acarreta mais riscos que garantias de salvaguarda dos seus interesses.
XXXVII. A institucionalização de crianças tem sido alvo de um novo olhar, no sentido de proporcionar às crianças acolhidas um local de vida mais individualizado, afetivo e estimulante, o que passa pela diminuição do número de crianças internadas por unidade de acolhimento, por maior estabilidade e preparação do pessoal interveniente, pela abertura ao contacto com a família ou outras pessoas ligadas à criança e à boa inserção na comunidade, existindo diversos estudos nesse sentido essa é, também, a filosofia consagrada na LPCJP: cfr. artigos 53.° e 58.°).
XXXVIII. O BB está bem integrado no CAT X - sendo pois aconselhável que por ora se mantenha na aludida instituição por determinado prazo, sem prejuízo da revisão semestral imposta pelo art.° 62.° n.° 1 da LPCJP.
XXXIX. Permitindo assim que, a mãe adquira e fortaleça competências parentais nas diversas dimensões da vida familiar e que visem o regresso da criança ou do jovem ao seu meio familiar, designadamente nos casos de acolhimento em instituição ou em família de acolhimento, através de uma intervenção focalizada e intensiva que pode decorrer em espaço domiciliário e ou comunitário, (Portaria n.° 139/2013 de 2 de Abril - art.° 8o).
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado provado e procedente e, consequentemente, ordenando a revogação do Acórdão recorrido, aplicando ao menor medida que melhor salvaguarda o seu superior interesse, seja a integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto dos progenitores, ou caso, assim não se entenda, substituir-se a medida adotada de confiança a instituição com vista a futura adoção prevista no artigo 35.° alínea g) da L.P.C.J.P., pela medida anteriormente aplicada nestes autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais.”
O M.P. apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da decisão recorrida, com as seguintes conclusões:
“1º Por acórdão de 1 de Fevereiro de 2021, foi aplicada ao menor BB, nascido a 11/05/2020, filho de FF, a medida de proteção e promoção de confiança a instituição com vista a futura adoção, nos termos do disposto nos artºs 35º, nº 1, al. g), 38º e 38º-A, al. a) e b) da LPCJP, e 1978º, nºs 1, al. d) do Código Civil.
2º Inconformada com tal decisão, a progenitora do menor, interpôs o presente recurso, no âmbito do qual formulou, em síntese, as seguintes conclusões:
. não lhe foram dadas oportunidades para de refazer a sua vida e de corrigir comportamentos e atitudes tomados em consequência da sua adição;
. não foi devidamente avaliada e ponderada a integração do menor na família alargada, designadamente no agregado do tio materno ou da mãe do suposto progenitor;
. mantendo-se o menor acolhido, enquanto os pais ou família alargada, se reorganizam e trabalhem/reforcem as suas competências parentais, não resulta qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento;
3º Tendo em conta os fatos descritos, e dado como provados, improcedem totalmente os argumentos apresentados pela recorrente.
4º Com efeito, a recorrente, no próprio dia em deu à luz o menor BB, sem dar conhecimento à equipa de saúde e sem alta médica, abandonou o hospital deixando o filho nos cuidados intensivos e neonatais, mantendo-se incontatável.
5º No único contato que a CPCJ conseguiu estabelecer com a recorrente, e onde foi advertida e informada da necessidade de proceder ao registo do nascimento do filho, e dos documentos necessários para o efeito, a mesma nada fez, tendo sido a criança registada apenas no dia 19 de Maio, pela assistente social junto do hospital, Drª R., conforme consta do respetivo assento de nascimento junto a fls. 19.
6º Mantendo-se incontatável e na condição de sem abrigo, não tendo comparecido na EMAT, no Tribunal ou no CAT onde o menor foi acolhido.
7º Tendo, assim, inviabilizado a possibilidade de beneficiar de qualquer apoio e orientação no sentido de adquirir recursos e competências para assumir os deveres parentais.
8º Por outro lado, ficou também provado que a recorrente é toxicodependente e consumiu produtos estupefacientes durante toda a gravidez, a qual não foi vigiada.
9º Apenas às 30 semanas de gravidez, e aquando da identificação de pessoas sem abrigo para confinamento em CAT face à situação de pandemia, a recorrente iniciou a vigilância da gravidez, mas logo se colocou em fuga, tendo sido efetuada a 3ª consulta médica quando foi localizada e internada na Casa de Saúde C..
10º A recorrente é também mãe de outra criança com 8 anos de idade, que se encontra aos cuidados do progenitor, sendo esta uma figura ausente ao longo da vida do filho, o que é um indício claro de uma parentalidade negativa.
11º Ora, de tais fatos, a única conclusão a retirar é que esta criança, por decisão consciente da mãe, foi abandonada no momento em que veio ao mundo, sem qualquer preocupação desta em saber do seu estado, apesar de ter ficado, o que bem sabia, nos cuidados intensivos e neonatais pela conduta negligente e irresponsável sua durante a gravidez (consumo de estupefacientes e falta de vigilância e acompanhamento médico na gravidez ).
12º A circunstância da sua toxicodependência não pode justificar esta atitude de desinteresse, desapego e irresponsabilidade, pois a haver vontade, existem recursos na comunidade para o seu tratamento.
13º Porém, decorrido um ano sobre o nascimento do filho, a recorrente não procurou, nem se mobilizou para procurar ajuda, seja para tratamento à sua adição, seja para conseguir condições materiais e competências parentais para assumir os cuidados deste.
14º Pelo contrário, sabendo que o filho, desde que nasceu, se encontra numa casa de acolhimento, sem o afeto e a presença contínua de uma mãe, ou figura de referência, não o procurou no CAT, nem mostrou qualquer interesse pelo mesmo, comparecendo nos serviços da segurança ou nas diligências do tribunal, de que teve perfeito conhecimento.
15º Não existem, pois, dúvidas, de que este comportamento da recorrente consubstancia um verdadeiro e flagrante ABANDONO!
16º E não existem quaisquer indicadores de mudança, ou intenções de mudança, e muito menos de uma mudança sustentada que permitam fazer um juízo de prognose favorável à integração do BB no agregado familiar materno em tempo útil para este, quer a longo prazo.
17º Quanto ao alegado progenitor, o menor não tem paternidade estabelecida, este apareceu no hospital por duas vezes para visitar o menor, não se mobilizou para o registar e também nunca compareceu no tribunal, nem na EMAT, apesar de pessoalmente notificado.
18º Nunca visitou o menor no CAT e, além disso, também é consumidor de produtos estupefacientes.
19º Perante tais fatos, a conclusão a retirar é que este alegado pai não manifesta interesse pelo menor, não tem condições nem competências parentais para assumir a responsabilidade pelo seu processo de desenvolvimento.
20º No que concerne à família alargada, ficou demonstrado que nenhum elemento mostrou interesse sério, e condições, para integrar o menor no seu agregado.
21º A avó materna, é referenciada na comunidade por problemas crónicos de alcoolismo, e nunca demonstrou interesse pelo neto, visitando-o no hospital ou no CAT X..
22º A mãe do alegado progenitor, para além de ter suspeitas relativamente à paternidade do menor, mostrou-se ambivalente relativamente à possibilidade de apoiar na prestação dos cuidados à criança face às problemáticas associadas ao casal ( toxicodependência ), acrescido do fato de já ser responsável por uma neta de 9 anos de idade que integra o seu agregado familiar.
23º Os tios maternos, também nunca manifestaram junto das entidades sociais, ou no tribunal, interesse sério e consistente em assumir os cuidados do sobrinho.
24º Relatam que a progenitora, com quem não mantêm contatos ou relações, não possui competências pelo seu historial de toxicodependência, mas consideram não haver necessidade de intervenção do tribunal e das entidades competentes em matéria de infância e juventude na situação do sobrinho.
25º Ou seja, também quanto à família alargada, também não é possível fazer um juízo de prognose favorável à integração do menor BB no seu agregado, em tempo útil para este.
26º É completamente contrário aos interesses do menor defender, como o faz a recorrente, que uma criança de apenas 1 ano de idade e que não conhece outra casa que não o CAT, passe mais tempo na casa de acolhimento até que os pais adquiram e fortaleçam competências parentais nas suas diversas dimensões, porquanto a adoção acarreta mais riscos do que garantias de salvaguarda dos seus interesses, já que mantendo-se institucionalizado vê minimizado, senão afastado, qualquer perigo grave para a sua segurança, saúde, formação, educação e desenvolvimento.
27º É sabido que todas as crianças necessitam de cuidados individualizados, não compatíveis com a permanência prolongada numa instituição, onde tudo é partilhado, desde os cuidados básicos, aos afetos e atenções.
28º E, por melhores que sejam os cuidados que recebe no Centro de Acolhimento, estes são prestados por vários cuidadores, impedindo a criança de estabelecer laços afetivos securizantes, ou seja, relações afetivas de qualidade, estáveis e duradouras, como qualquer outra criança que vive com os pais e essenciais ao seu desenvolvimento.
29º A permanência prolongada em acolhimento é considerada um mau trato, pois como se disse, não permite a vinculação segura do menor a uma figura de referência, essencial ao seu saudável desenvolvimento.
30º Nem a recorrente, nem o alegado progenitor, até ao momento, desenvolveram esforços nesse sentido, nem manifestaram interesse em desenvolvê-los, apesar da criança estar numa instituição desde os seus primeiros dias de vida.
31º O BB tem agora 1 ano de idade e está privado de uma família desde que nasceu, não conhecendo, sequer, quem foram os responsáveis por o trazerem a este mundo.
32º Como mãe, competia à requerente, no interesse do filho, velar pela sua segurança e saúde, prover ao seu sustento e dirigir a sua educação (artº 1878º do C. Civil).
33º Pelo contrário, abandonou-o logo quando nasceu, deixando-o à sua sorte, nem procurando, desde então, saber onde está, se está bem, se já fala, a cor dos olhos, do cabelo.. enfim… tudo o que qualquer mãe gostaria de saber.
34º Este comportamento da recorrente comprometeu seriamente os vínculos afetivos próprios da filiação, os quais, aliás, nunca se chegaram a estabelecer.
35º Acresce, e como ficou demonstrado, não existir nenhum elemento da família biológica, nomeadamente os progenitores, avós ou tios, que reúna condições, para integrar o BB no seu agregado e proporcionar-lhe o ambiente necessário ao seu desenvolvimento integral.
36º Ora, todos os instrumentos jurídicos em matéria de proteção da infância, quer nacionais, quer internacionais, e aos quais Portugal se encontra vinculado, defendem que nenhuma criança se desenvolve à margem de uma família, garantindo-se que nenhuma criança é separada dos pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem que a separação é necessária no interesse superior da criança (artºs da CRP e 9º da Convenção Sobre os Direitos da Criança).
37º E o art. 20º desta Convenção refere, ainda, que no caso da criança que, no seu interesse superior, não possa ser deixada no seu ambiente familiar, o Estado deve assegurar-lhe uma proteção alternativa a qual pode incluir, entre outras, a adoção.
38º Por outro lado, dispõe o art. 69º, nº 1 da CRP:” As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral.”
39º A Convenção dos Direitos da Criança, que Portugal ratificou já em 1990, consagra no seu artº 3º, nº 1 o princípio da prevalência do interesse superior da criança, quando estipula que todas as decisões relativas a crianças, adotadas pelas instâncias judiciais, sociais e administrativas, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.
40º Também a LPCJP, no seu artº 4º, ao enumerar os princípios orientadores da intervenção judicial e administrativa na promoção e proteção de crianças e jovens, coloca à cabeça o princípio do superior interesse da criança.
41º O art. 1874º do Cód. Civil, por seu turno, dispõe:” compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela sua segurança, saúde, sustento e educação”.
42º E o direito dos pais à educação e manutenção dos filhos – art. 36º, nº 5 da CRP – é um direito-dever, estabelecido tal como todos os poderes funcionais, no interesse dos filhos, não constituindo um puro direito subjetivo dos pais, princípio esse que subjaz igualmente na Convenção Sobre os Direitos das Criança.
43º Ou seja, quando a família não cumpre com esses seus deveres para com a criança, e no interesse desta, veio a determinar-se, por via constitucional, a restrição dos direitos garantidos à família biológica, dando-se prevalência ao superior interesse da criança em viver integrada numa família que lhe assegure adequada e permanentemente os cuidados de que necessita, com aqueles colidentes e que deve ser julgado prevalecente.
44º No caso do BB é manifesto que a família biológica não protegeu esta criança, expondo-o situações que puseram em risco a sua saúde e bem estar, e que determinaram que o seu acolhimento residencial logo após o seu nascimento.  
45º A progenitora do BB violou gravemente os seus deveres de mãe, nomeadamente o dever de proteção e de prestação dos cuidados básicos.
46º Face à matéria de facto apurada em sede de debate judicial, outra conclusão não pode extrair-se que não seja a impossibilidade, no presente imediato, ou a curto prazo, de o BB crescer em segurança no seio da sua família natural ou alargada.
47º O interesse superior do BB reclama a sua integração numa família que o ame, proteja e lhe proporcione todos os cuidados de que necessita em ordem ao seu bem estar e desenvolvimento integral.
48º A adoção também permite estabelecer laços de filiação, já que esta não se restringe a laços biológicos. A parentalidade não resulta de uma certidão de nascimento, mas sim, “num processo de vinculações recíprocas que se aprofundam pela qualidade das trocas que se estabelecem” .
49º Concluímos, pois, que a decisão mais adequada ao interesse superior do BB, verificando-se, como se verifica, a situação prevista no artº 1978º, nº 1, al. c) e d) do Código Civil, foi a decretada confiança a instituição com vista a futura adoção.
Termos em que se nos afigura que a decisão recorrida deve ser mantida na íntegra, assim se negando provimento ao recurso.”
A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. BB nasceu a 11/05/2020 e é filho de FF.
2. A progenitora abandonou o hospital a 11/05/2020, sem ter alta do serviço de obstetrícia, tendo deixado a criança nos cuidados intensivos e neonatais;
3. A progenitora vivia na condição de sem abrigo, consumia produtos estupefacientes (não obstante não admitir) e a gravidez decorreu sem assistência médica.
4. Só a partir das 30 semanas, após a situação de contingência por pandemia em que deu lugar ao acolhimento da progenitora, este deu início o acompanhamento clínico, mas de imediato se colocou em fuga.
5. Quando localizada foi realizada a terceira consulta e a progenitora foi internada na Casa de Saúde C.;
6. Quando a progenitora abandonou o hospital sem alta clínica, era desconhecido o seu paradeiro.
7. Entretanto teve alta e deveria ter integrado o agregado familiar da avó materna o que não fez.
8. Alegadamente estará a residir com uma pessoa que afirma ser o pai da criança de nome JJ.
9. O alegado pai da criança compareceu no hospital duas vezes para visitá-la, após o abandono da mesma pela progenitora.
10. A progenitora FF é toxicodependente e durante toda a gravidez consumiu substancias estupefacientes.
11. A progenitora não mais voltou ao hospital.
12. O alegado progenitor da criança é consumidor de produtos estupefaciente.
13. A criança BB deu entrada na Casa de Acolhimento X no dia 19.05.2020, depois de ter alta clínica.
14. Assim, não fora a circunstância de ainda estar hospitalizada e de aí receber os cuidados devidos, a criança estaria entregue a si própria, no contexto em que a progenitora consome estupefacientes, não tem qualquer modo se subsistência, vive na condição de sem-abrigo e, não recebeu cuidados durante a gestação, por decisão sua.
15. A integridade física e emocional desta criança está efetivamente em perigo, dado que foi abandonada pela progenitora, que não revela qualquer interesse pelo seu bem-estar e que nem sequer providenciou pelo seu registo.
16. A progenitora não reúne, pois, quaisquer condições para acolher a criança e dela cuidar.
17. Foi aberto processo de promoção e proteção na CPCJ, mas a progenitora não deu consentimento para a intervenção.
18. Notificada a progenitora e o alegado progenitor para tomada de declarações nos presentes autos (notificação pessoal por OPC), os mesmos não compareceram.
19. No que concerne à família alargada, a avó materna da criança, CC, é referenciada na comunidade pelos problemas crónicos de alcoolismo.
21. MM, progenitora do alegado pai da criança, manifestou insegurança quanto à paternidade da criança, mas manifestou disponibilidade para apoiar na prestação de cuidados à criança, caso se prove que é seu neto.
22. LL, irmão da progenitora da criança e a sua companheira, têm uma filha menor de idade e tinham conhecimento da gravidez de FF e consideram não haver necessidade de intervenção do tribunal.
23. O modo de vida e comportamento da progenitora, que abandonou a criança no hospital, logo após o seu nascimento, que depois, não mostrou qualquer ato de arrependimento, procurando saber do seu estado, diligenciando pelo seu registo, coloca a criança numa situação de total desproteção e vulnerabilidade, porquanto não presta os cuidados necessários e adequados à sua idade, colocando em risco a satisfação das suas mais elementares necessidades de cuidados materiais e afeto, de forma estável e permanente.
24. Por parte da progenitora existe um historial negativo de parentalidade em relação ao filho mais velho.
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A decisão recorrida considerou não resultarem provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa.
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Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo apelante e das que forem de conhecimento oficioso (arts. 635º e 639º do NCPC), tendo sempre presente que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (art.º 5º, nº3 do NCPC).
Assim, a única questão a decidir consiste em aferir da aplicação da medida de promoção e proteção de confiança a instituição com vista a futura adoção.
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A apelante insurge-se contra a medida de promoção e proteção decretada, pugnando pela sua revogação e substituição por medida de integração e acolhimento junto da sua família natural, seja o acolhimento e apoio junto dos progenitores ou, caso assim não se entenda, medida anteriormente aplicada nestes autos de acolhimento institucional, sujeita a revisão nos termos legais.
As crianças têm direito à proteção da sociedade e do Estado, com vista ao seu desenvolvimento integral, especialmente contra todas as formas de abandono, de discriminação e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições, assegurando o Estado especial proteção às crianças órfãs, abandonadas ou por qualquer forma privadas de um ambiente familiar normal (artº 69º, nºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa).
Tem também consagração constitucional o direito e dever dos pais na educação e manutenção dos filhos (artº 36º, nº 5), direito que pode sofrer compressão ou exclusão quando os pais não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (artº 36º, nº 6), constituindo, pois, um poder-dever essencialmente estabelecido no interesse dos filhos.
A Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova Iorque a 26.01.1990, publicada no DR nº 211/1990, Série I, 1º Suplemento, de 12. 09.1990, ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 49/90, de 12.09 e que entrou em vigor em Portugal no 30º dia após a data do seu depósito (DR nº 248, Série I, de 24.10.1990), no seu artº 3º sublinha o “interesse superior da criança” como princípio prevalecente na tomada de decisões relativas a crianças.
De igual modo o artº 4 da LPCJP (Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, aprovada pela Lei nº 147/1999, de 1 de setembro) dá primazia ao princípio do interesse superior da criança e jovem.
Prevê o artº 35º da LPCJP como medidas de promoção e proteção: apoio junto dos pais; apoio junto de outro familiar; confiança a pessoa idónea; apoio para a autonomia de vida; acolhimento familiar; acolhimento residencial; confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.
Estabelece o artº 38º-A da LPCJP (Lei n.º 147/99, de 01 de setembro) que:
A medida de confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista a futura adoção, aplicável quando se verifique alguma das situações previstas no artigo 1978.º do Código Civil, consiste:
a) Na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de candidato selecionado para a adoção pelo competente organismo de segurança social;
b) Ou na colocação da criança ou do jovem sob a guarda de família de acolhimento ou de instituição com vista a futura adoção.
E o artº 1978º do CC dispõe que:
1 - O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações:
a) Se a criança for filha de pais incógnitos ou falecidos;
b) Se tiver havido consentimento prévio para a adoção;
c) Se os pais tiverem abandonado a criança;
d) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança;
e) Se os pais da criança acolhida por um particular, por uma instituição ou por família de acolhimento tiverem revelado manifesto desinteresse pelo filho, em termos de comprometer seriamente a qualidade e a continuidade daqueles vínculos, durante, pelo menos, os três meses que precederam o pedido de confiança.
2 - Na verificação das situações previstas no número anterior, o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança.
3 - Considera-se que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças.
4 - A confiança com fundamento nas situações previstas nas alíneas a), c), d) e e) do n.º 1 não pode ser decidida se a criança se encontrar a viver com ascendente, colateral até ao 3.º grau ou tutor e a seu cargo, salvo se aqueles familiares ou o tutor puserem em perigo, de forma grave, a segurança, a saúde, a formação, a educação ou o desenvolvimento da criança ou se o tribunal concluir que a situação não é adequada a assegurar suficientemente o interesse daquela.
No artº 20 da Convenção Sobre Direitos da Criança estabeleceu-se que a criança temporária ou definitivamente privada do seu ambiente familiar ou que, no seu interesse superior, não possa ser deixada em tal ambiente tem direito à proteção e assistência especiais do Estado (nº 1), que os Estados Partes asseguram a tais crianças uma proteção alternativa, nos termos da sua legislação nacional (nº 2), a qual pode incluir, entre outras, a forma de colocação familiar, a kafala do direito islâmico, a adoção ou, no caso de tal se mostrar necessário, a colocação em estabelecimentos adequados de assistência às crianças (nº3).
“Na doutrina e na jurisprudência mais recentes é largamente dominante o entendimento segundo o qual a prova de uma das circunstâncias das alíneas do art. 1978.º, n.º 1, não constitui presunção absoluta de que os vínculos afectivos próprios da filiação não existem ou estão seriamente comprometidos; de modo diverso, a inexistência ou o comprometimento destes constituiu um pressuposto autónomo relativamente às circunstâncias integradoras das alíneas a) a e) do art. 1978.º do CC. A conclusão de que assim acontece, no termo do processo de promoção e protecção, pressupõe um exercício que passe pelas seguintes etapas: aferição das dificuldades parentais; constatação da impossibilidade de mudança do comportamento parental; ponderação sobre o que é mais ameaçador para o desenvolvimento da criança: a permanência no contexto familiar ou a ruptura com ele; resposta à questão de saber se os pais biológicos, com os seus comportamentos, comprometem seriamente os vínculos afectivos próprios da filiação.” [i]
“I - A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção, prevista no art.35º, alínea g) da LPJCP (Lei nº 147/99, de 1/9), foi introduzida pela Lei nº 31/2003, de 22/8, e pressupõe que se demonstre, desde logo, uma situação de perigo.
II - O perigo exigido na alínea d) do nº1 do art.1978º do CC é aquele que se apresenta descrito no art.3º da LPCJP, conforme expressamente se remete no nº3 do art.1978º do CC, sem que pressuponha a efectiva lesão, bastando, assim, um perigo eminente ou provável.
III - Apesar de na alínea d) do nº1 do art.1978º (na redacção da Lei nº31/2003) estar previsto apenas a incapacidade dos pais por doença mental, o espectro normativo, numa interpretação teleológica, abrange outras situações similares.
IV - A não existência ou sério comprometimento dos vínculos afectivos próprios da filiação ( nº1 do art.1978º do CC) é um requisito autónomo comum a todas as situações tipificadas.
V - Por isso, é condição de decretamento da medida de confiança judicial que se demonstre não existir ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação, através da verificação objectiva (independente de culpa da actuação dos pais) de qualquer das situações descritas no nº1 do art.1978º do CC.
VI - Os vínculos afectivos próprios da filiação (art.1978º, nº1 CC) devem ter um suporte factual consistente na interacção dinâmica entre pais e filhos, assente numa parentalidade responsável (próprios da filiação).
VII - A medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para a adopção ou a instituição com vista a futura adopção (arts.38º-A e 62º-A da LPCJP), para além de afastar o perigo do menor, visa simultaneamente a confiança pré-adoptiva, dispensando a acção prévia de confiança judicial destinada adopção, significando que o instituto da adopção é agora cada vez mais orientado para protecção das crianças e dos jovens.
VIII - Toda a intervenção deve ter em conta o interesse superior da criança, princípio consagrado no art.3º, nº1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança, que a Lei de Protecção das Crianças e Jovens em Perigo coloca à cabeça dos princípios orientadores (alínea a) do art.4º), e enquanto conceito jurídico indeterminado carece de preenchimento valorativo, cuja concretização deve ter por referência os direitos fundamentais, como o direito da criança ao desenvolvimento integral da sua personalidade e a situação casuística.” [ii]
Revertendo ao caso dos autos.
A apelante defende que dado o caráter definitivo da adoção, não devia ter sido aplicada a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção, sem lhe ter sido dada a oportunidade de adquirir e fortalecer competências parentais e sem se aprofundar as condições da família alargada.
O presente processo iniciou-se em 18/05/2020 e a decisão recorrida foi proferida em 01/02/2021.
A progenitora, ora apelante, ausentou-se do hospital, sem alta clínica, após o parto do BB, ocorrido em 11/05/2020, e nesse dia, deixando o filho nos cuidados intensivos neonatais, onde nunca o procurou, não deixando contato. Após a colocação deste no Centro de Acolhimento X, em 19/05/2020, nunca visitou o menor. Nunca compareceu em Tribunal, pese embora as diversas tentativas para o efeito. A progenitora consome estupefacientes, não tem qualquer modo de subsistência, vive na condição de sem-abrigo e não recebeu cuidados durante a gestação, por decisão sua. Por seu turno, o alegado progenitor deslocou-se ao hospital para visitar o menor por duas vezes, consome estupefacientes.
Compete aos pais, no interesse dos filhos, velar pela segurança e saúde destes, prover ao seu sustento, dirigir a sua educação, representá-los, ainda que nascituros, e administrar os seus bens (artº 1878º, nº 1 do CC).
A apelante incumpriu os seus deveres para com o filho.
O menor BB foi sujeito a perigo para a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, perigo que é pressuposto da aplicação de qualquer medida de promoção e proteção (artº 1º e 3º, nºs 1 e 2, al c) da LPCJP).
O primordial princípio que norteia a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo é o interesse superior da criança e do jovem, previsto no artº 4º, nº 1, al. a) da PPCJP, destacando-se, ainda, dos elencados neste preceito legal, o princípio da proporcionalidade e atualidade, segundo o qual a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (al. e); os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, de acordo com os quais a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família (als.f) e g)).
A medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adoção, por constituir a última ratio, pressupõe que nenhuma outra é adequada e a verificação dos respetivos pressupostos.
E é este, adianta-se, o caso dos autos.
Como vimos, desde o dia do parto que a progenitora abandonou as instalações hospitalares, sem deixar contato, ali abandonando o recém-nascido, não teve mais qualquer contato com o filho, não o tendo visitado nem procurado e o alegado progenitor apenas se deslocou ao hospital por duas vezes para visitá-lo.
Ocorrem na situação dos autos as circunstâncias objetivas enunciadas nas alíneas c) e d) do nº 1 do artº 1978º do CC.
A educação, formação e desenvolvimento de BB encontram-se comprometidos, pelo seu abandono após o parto e subsequente conduta omissiva por parte da progenitora e alegado progenitor, que revelam manifesta incapacidade para assumir as responsabilidades parentais.
O quadro factual traduz-se na inexistência de vínculos afetivos próprios da filiação por parte da progenitora e alegado progenitor. Aqueles vínculos pressupõem necessariamente “a inerente auto-responsabilização do progenitor pelo cuidar do filho, por lhe dar orientação, estimulá-lo, valorizá-lo, amá-lo e demonstrar esse amor de forma objetiva e constante, de molde que a própria criança encare o progenitor como referência com as referidas caraterísticas.” [iii]
De salientar que no relatório elaborado pela EMAT, junto aos autos, se refere que a apelante não revelou disponibilidade de envolvimento num processo de intervenção e não deu consentimento para essa intervenção – circunstância que inviabiliza qualquer possibilidade de receber o proclamado apoio do Estado, quer na vertente estritamente pessoal, relacionada com consumo de estupefacientes, quer na vertente de aquisição de responsabilidades parentais.
Não basta, em sede de recurso, vir pugnar pela necessidade de apoio psicopedagógico, social e económico, se a sua atitude é de negação, de obstaculização a qualquer tentativa de prestação de apoio por parte dos serviços.
Veja-se que apenas às 30 semanas de gravidez, quando foi acolhida, em virtude da situação de contingência por pandemia, iniciou acompanhamento clínico da gravidez, mas de imediato se colocou em fuga. Localizada e depois de obter alta clínica da Casa de Saúde C., onde, entretanto foi internada, devendo integrar o agregado familiar da avó materna, não o fez.
É, pois, manifesto que a apelante revela total rejeição aos apoios que as diversas entidades do Estado procuram prestar-lhe e não acata orientações, instruções das mesmas.
Sendo a toxicodependência uma doença o respetivo tratamento depende, em primeira linha, da vontade de ser tratado, existindo recursos, designadamente estatais, para o efeito.
Acresce que a apelante tem outro filho, relativamente ao qual existe um historial negativo de parentalidade.
Mal se compreende que a apelante pugne pela integração do menor na família natural, quando não há notícia nos autos de que algum elemento da família, restrita ou alargada, pela via materna ou alegadamente paterna, tenha tomado qualquer atitude minimamente consistente (e nunca poderia ser este o grau exigido) com assunção de laços afetivos ou vontade, intenção de assumir responsabilidades parentais ou sequer de prestar apoio à progenitora e alegado progenitor.
No que concerne à família alargada, a avó materna da criança, CC, é referenciada na comunidade pelos problemas crónicos de alcoolismo; MM, progenitora do alegado pai da criança, manifestou insegurança quanto à paternidade da criança, mas manifestou disponibilidade para apoiar na prestação de cuidados à criança, caso se prove que é seu neto. Por sua vez, LL, irmão da progenitora da criança e a sua companheira têm uma filha menor de idade e tinham conhecimento da gravidez de FF e consideram não haver necessidade de intervenção do tribunal.
Estes os factos apurados, que não foram impugnados, por via do disposto no artº 640º do CPC.
É a própria apelante que alega, nomeadamente, na conclusão IV do presente recurso, que ”FF (a mãe) é oriunda de uma família com múltiplas fragilidades, com historial de alcoolismo dos pais, o que poderá ter contribuído para o seu passado errante (…)”. O alcoolismo dos pais da apelante é, pois, realidade que a própria não refuta.  
Quanto ao tio materno e sua companheira, a defesa de inexistência de necessidade de intervenção do tribunal, cientes do quadro de toxicodependência da progenitora, seu modo de vida e abandono do menor, revela bem a falta de condições para assegurar um desenvolvimento integral e equilibrado do menor.
Não olvidemos que a paternidade do menor não se encontra, ainda, estabelecida. Além disso a posição verbalizada pela mãe do alegado progenitor, desacompanhada de qualquer ato consentâneo, não pode constituir interesse sério ou condições para integrar o menor no seu agregado.
Não estando em causa a criação de uma situação de perigo pontual, nem a subsequente alteração de postura na vertente das responsabilidades parentais por parte da progenitora e/ou alegado progenitor, ou qualquer conduta de outro familiar nos termos apontados, no espaço de cerca de nove meses, desde o nascimento do menor, é totalmente desajustada a medida de apoio junto dos pais, bem como o acolhimento junto da família natural (na pessoa de outros familiares).
Por seu turno, a medida de acolhimento institucional, aplicada a título cautelar, vigora desde 18/05/2020 e o menor nasceu em 11/05/2020, data a partir da qual se verificou a situação de perigo.
A institucionalização deve ocorrer durante o menor tempo possível, de modo a evitar tudo o que de prejudicial acarreta para o desenvolvimento das crianças, consabido que no centro de acolhimento não pode a criança beneficiar de cuidados, afetos individualizados, impedindo-a de estabelecer relações afetivas estáveis e duradouras. A medida de acolhimento residencial apenas se deverá manter quando existam dados que permitam concluir por um juízo de prognose favorável, no sentido de um regresso rápido à família natural.
E assim, caso isso não seja possível, o superior interesse da criança, reconhece-lhe o direito a proteção alternativa, que pode incluir a adoção, como previsto no artº 20º da Convenção sobre os Direitos da Criança.
No caso dos autos inexistem elementos que permitam realizar um juízo de prognose favorável relativamente a inserção da criança na família natural.
 A permanência do menor em instituição, decorridos nove meses, com o fito de os pais virem a adquirir competências parentais, quando nunca revelaram qualquer disponibilidade séria ou recetividade para o efeito, é, do ponto de vista do superior interesse do menor – critério primacial e orientador -, inaceitável.
Nestas circunstâncias cede forçosamente o primado da prevalência da família biológica.
 “Quando a família biológica é ausente ou apresenta disfuncionalidades tais que comprometem o estabelecimento de uma relação afectiva gratificante e securizante para a criança é imperativo constitucional que se salvaguarde o interesse da criança, particularmente através da adopção.” [iv]
 “I - Do regime legal e convencional em vigor emana a conceção de que o desenvolvimento feliz e harmonioso de uma criança se processa e deve realizar-se no seio da família biológica, tida como a mais capaz de proporcionar à criança o necessário ambiente de amor, aceitação e bem estar; porém, se esta não poder ou não quiser desempenhar esse papel, haverá que, sendo possível, optar pela sua integração numa outra família, através da adoção.
II - Constitui pressuposto da medida de confiança de menor para adoção que não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afectivos próprios da filiação - tal situação será constatada pela verificação objectiva de qualquer das situações previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art.º 1978.º do Código Civil (corpo do n.º 1 do art.º 1978.º).
III - Ou seja, a ocorrência de qualquer dessas situações constituirá via necessária para a demonstração da inexistência ou do sério comprometimento do vínculo afetivo entre o progenitor e a criança, para o efeito da confiança da criança para adoção; adicionalmente, porém, haverá que apreciar se essas situações traduzem, em concreto, inexistência ou sério comprometimento dos vínculos afetivos próprios da filiação.” [v]
Face ao quadro descrito quanto à inexistência de condições para integração do menor na família biológica, à impossibilidade de formação de prognose favorável que essas condições se viessem a verificar em tempo útil, à permanência em centro de acolhimento há mais de nove meses, praticamente coincidente com a sua idade, a medida aplicada revela-se a mais proporcional e adequada à salvaguarda do interesse da criança, do seu harmonioso e integral desenvolvimento.
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do recurso a cargo da apelante.
Lisboa, 8 de julho de 2021
Teresa Sandiães
Ferreira de Almeida
António Valente
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[i] Gonçalo Oliveira Magalhães, A (não) revisão da medida de promoção e protecção de confiança a pessoa seleccionada para adopção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adopção com fundamento na alteração das circunstâncias de vida dos pais da criança ou jovem, Julgar On line, fevereiro de 2018
[ii] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 27/04/2017, in www.dgsi.pt
[iii] Acórdão da Relação de Lisboa de 27-02-2014, in www.dgsi.pt
[iv] Acórdão da Relação de Coimbra de 04-04-2017, in www.dgsi.pt
[v] Citado Ac.R.L. de 27-02-2014