Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19/17.2F1PDL.L1-A-9
Relator: FILIPA COSTA LOURENÇO
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Decisão: INDEFERIDA
Sumário: I-Carece o Ministério Público de legitimidade para deduzir a reclamação prevista no artigo 417º/8, 419 nº 3 a) do Código de Processo Penal, pela simples razão de que a decisão sumária não teve como objecto recurso por si interposto, e que sobre o qual até emitiu parecer no sentido da sua improcedência;
II- Só o recorrente, ou seja, o verdadeiro afectado pela decisão sumária pode lançar mão da reclamação prevista no artigo 417º/8 C P Penal.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9ª secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

Nos presentes autos de recurso penal em separado com o nº 19/17.2F1PDL.L1-A, interposto pelo arguido L… devidamente identificado nos autos, foi efectuado o exame preliminar neste Tribunal da Relação de Lisboa pela Juíza Desembargadora relatora e foi considerado existirem motivos atendíveis e legais, para a rejeição do recurso passando então a proferir decisão sumária, a qual, se encontra junta aos autos a folhas 80.
O arguido não reagiu contra tal decisão, mesmo tendo sido antes convidado a aperfeiçoar o requerimento do recurso que tempestivamente apresentou.
No prazo legal, veio o MºPº e ora reclamante, a fls. 83 e 84 que se tem aqui por integralmente reproduzida, deduzir uma reclamação para a conferência ao abrigo do disposto no artº 417º nº 6 do CPP, alegando em suma a nulidade daquela decisão por omissão de pronúncia, por não ter sido conhecido objecto do recurso e requerendo que tal nulidade seja conhecida e suprida em sede de conferência a realizar neste Tribunal da Relação, 9ª secção, o que e salvo o devido respeito por outra opinião, não corresponde à verdade, pois houve decisão sobre o modo do recurso apresentado pelo arguido que levou à sua rejeição.
O recurso foi interposto, unicamente, pelo arguido, como já foi dito.
Notificado da decisão sumária, não veio o arguido reclamar para a conferência, nos termos do artigo 417º/8 C P Penal. Nesta circunstância, quem tem, naqueles termos, legitimidade para reclamar para a conferência?
O arguido, porque recorrente, e, por isso, afectado pela decisão sumária, necessariamente.
Parece-nos que não o MºPº.
Com efeito, a decisão sumária conforma-se, negativamente, em relação à decisão do recurso, pois ela só tem lugar quando alguma circunstância obsta ao seu conhecimento, quando deve o mesmo ser rejeitado, quando existe causa extintiva do procedimento ou da responsabilidade criminal que põe termo ao processo, ou é o único motivo do recurso ou quando a questão a decidir fora, já, judicialmente apreciada de modo uniforme e reiterado, artigo 417º/6 alíneas a), b), c), d) C P Penal.
Em suma a decisão sumária incide sobre o recurso.
Ora, e sendo assim, como temos por seguro que é, é de toda a lógica e coerência, que somente o recorrente, ou seja, o verdadeiro afectado pela decisão sumária possa lançar mão da reclamação prevista no artigo 417º/8 C P Penal (Cfr. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 2ª edição actualizada, pág. 1145, “a nova competência do relator é provisória, podendo o sujeito ou participante processual afectado reclamar para a conferência dos despachos proferidos pelo relator”).
O que, aliás, entronca no que se pode ter, genericamente, por legitimidade para reagir contra uma decisão da qual se discorda, e que é pressuposto que, em regra, respeita àquele que é afectado por essa decisão.
A legitimidade estará vinculada à lesão de direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos.
Se se reconhecesse legitimidade ao Ministério Público para deduzir a reclamação prevista no artigo 417º/8 C P Penal, quando não tivesse interposto o recurso - objecto de decisão sumária - estar-se-ia a criar e sustentar um autêntico absurdo, quer interpretativo, quer processual (vide AC TRP de 8.06.2011 in www.dgsi.pt que supra se transcreveu parcialmente)
Na verdade, desde logo, estar-se-ia a possibilitar ao MºPº reagir a uma decisão que não se pronunciou, sobre recurso “ que nem sequer interpôs” e que, até emitiu parecer no sentido da sua improcedência.
“Depois, porque o recorrente não veio reagir contra a decisão sumária, com ela se conformando, donde, o prosseguimento dos termos do recurso, que o recorrente não intentou prosseguir, ficar-se-ia a dever a sujeito processual que não havia discordado da decisão recorrida, e que dela não interpusera recurso, enfatiza-se.
Finalmente, se não tivesse sido interposto recurso por sujeito processual diferente do MºPº e, obviamente, este não o interpusesse, o que sobreviria, sem mais, era o trânsito em julgado da decisão, o que possibilita a ilação de que tem de ser esta a consequência quando, tendo havido recurso interposto, o seus termos venham a cessar com a decisão sumária a rejeitá-lo por manifestamente improcedente. E isto - acrescente-se - tenha a decisão sumária o fundamento (…) que tiver.
Isto é, carece o Ministério Público de legitimidade para deduzir a reclamação prevista no artigo 417º/8, 419 nº 3 a) C P Penal, pela simples razão de que a decisão sumária não teve como objecto recurso por si interposto. Antes, o foi pelo arguido, que não apresentou reclamação contra a decisão sumária.” ( vide supra Ac já citado)
Aliás diga-se até transversalmente que nestes termos tem interesse o Ac de fixação de jurisprudência, que ao abrigo do disposto no artigo 446 nº3 do Código de Processo Penal, procedeu ao reexame da jurisprudência constante do Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº5/94 de 27/10/1994 decidindo-se, em face da evolução jurisprudencial descrita que:
“Em face das disposições conjugadas dos artigos 48° a 53º, e 401, do Código de Processo Penal o Ministério Público não tem interesse em agir para recorrer de decisões concordantes com a sua posição anteriormente assumida no processo", remetendo-se ainda para a sua leitura integral.
Mais se dirá no entanto que, também na reclamação apresentada o MºPº não se vincou em prol de quem foi apresentada, nem que esta, (que já se viu que “in casu” não é admissível) fosse para a melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência (e mesmo assim só possível em termos recursais).

No mais, sempre diremos e agora quanto à substância da globalidade da decisão sumária ora reclamada, que este Tribunal Colectivo, analisando-a, delibera confirmar a integralidade da mesma, subscrevendo-a e reproduzindo aqui, para todos os efeitos legais, todos os seus fundamentos atrás aflorados naquela decisão que se dá aqui por inteiramente reproduzida, o que se declara.
                              
DISPOSITIVO:
1.Pelo exposto indefere-se, pelos motivos supra expostos a reclamação confirmando-se a decisão reclamada;
2. Sem custas, uma vez que MºPº delas está isento;    
3. Notifique-se e demais diligências necessárias.
                              
Lisboa, 7 de Fevereiro de 2019 (elaborado em computador e revisto pela relatora, artigo 94º nº 2 do CPP)
Filipa Costa Lourenço
Anabela Cabral Ferreira