Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
200/14.6YRLSB-7
Relator: MARIA DO ROSÁRIO MORGADO
Descritores: TRIBUNAL ARBITRAL
HONORÁRIOS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/01/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: I. Na fixação dos honorários dos árbitros há que ponderar tratar-se de uma ação arbitral em que se discutem questões de elevada complexidade, em que estão em causa valores patrimoniais de elevado montante e em que o tempo a despender poderá ser superior a doze meses;
II. Por isso, o montante dos honorários a pagar deve obedecer a regras de proporcionalidade entre o montante arbitrado e o trabalho realizado.
III. O facto de a acção não ter sido contestada permite razoavelmente perspectivar uma concomitante redução das tarefas exigidas aos membros do Tribunal Arbitral.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa


I – Relatório


1. AG demandada em processo de arbitragem necessária iniciado, em 24/6//2013, pela sociedade N, relativo à comercialização de medicamento genérico contendo a substância ativa “Imatinib, mesilato” veio requerer ao Tribunal da Relação a redução do montante de honorários fixados pelo Tribunal Arbitral alegando, em síntese, que tais montantes são excessivos e pedindo a sua fixação nos montantes máximos de EUR 30.000,00, em caso de prosseguimento do processo para julgamento e de EUR 6.000,00, caso não seja deduzida contestação.

2. Notificada a demandante, ora requerida, para, ao abrigo do disposto no art. 60º, nº2, da lei nº 63/2011, de 14/12 se pronunciar, nada disse.

3. Seguidamente, vieram os Exmos membros do Tribunal Arbitral pronunciar-se, nos termos constantes de fls. 43 a 51.

Em síntese, referem que:

O valor da ação arbitral não está ainda fixado. Porém, tendo em conta o valor dos interesses económicos envolvidos, designadamente o pedido de condenação da demandada numa sanção pecuniária compulsória de EUR 40.000,00 por dia, admite-se que, por similitude de situações com outros processos arbitrais, o valor da arbitragem possa ascender a EUR 24.000.000,00.

Como consta da ata de instalação do tribunal arbitral, o objeto do litígio diz respeito ao exercício de direitos decorrentes de patentes e certificado complementar de proteção, como decorre do art. 101º, do CPI, relativamente a medicamentos genéricos indicados na lista publicada pelo INFARMED.

Posteriormente, as partes suscitaram várias questões relativas à alteração do objeto do litígio e arguição de nulidades, e que foram objeto de decisão pelo tribunal arbitral.

A demandada foi citada para contestar e não contestou.

Deu, no entanto, conhecimento ao tribunal arbitral de que havia requerido ao Tribunal da Relação a redução do valor dos honorários.

O tribunal arbitral proferiu, então, despacho declarando a suspensão da instância, até ser proferida decisão pelo Tribunal da Relação.

A demandante veio, contudo, assumir o pagamento dos honorários, pelo que o processo arbitral seguiu a sua normal tramitação.

Assim sendo, o tribunal arbitral proferiu despacho pré-saneador, convidando a demandante a aperfeiçoar a petição inicial, o que esta fez.

Nos termos do Regulamento aplicável ao processo e que constitui o Anexo I da ata da instalação, as partes deveriam ter apresentado uma proposta conjunta quanto ao valor global dos honorários dos árbitros.

Na falta de acordo, cada uma das partes apresentou a sua proposta.

O tribunal arbitral proferiu despacho exortando as partes a apresentarem uma proposta conjunta.

Tendo sido impossível obter o acordo das partes, o tribunal arbitral fixou os honorários dos árbitros e os encargos da arbitragem, da seguinte forma:


· Os honorários dos árbitros, distribuídos em partes iguais para cada um, são fixados em EUR 60.000,00;

· Os encargos destinados a remunerar o secretário são fixados em 20% dos honorários de cada árbitro;

· Caso a arbitragem termine antes da audiência de produção de prova, os honorários globais serão fixados pelo TA num montante situado entre os 30% e os 50% do respectivo montante;

· Até ao início da audiência de julgamento ou, se for o caso, da prolação da decisão final, estará assegurado o pagamento do montante previsível dos encargos da arbitragem, repartido entre as partes igualmente;

· Para despesas administrativas do processo, cada parte depositará o montante de EUR 250,00 que entra em regra de encargos.

4. Notificada da posição dos árbitros, a demandada veio apresentar um requerimento, em que, no essencial, mantém o pedido formulado nesta ação.

5. Cumpre apreciar e decidir, sendo os elementos relevantes para a decisão desta ação os constantes do relatório.

6. Decidindo.

A ação arbitral foi instaurada ao abrigo da Lei nº 62/2011, de 12 de Dezembro que criou «um regime de composição de litígios emergentes de direitos de propriedade industrial quando estejam em causa medicamentos de referência e medicamentos genéricos» (v. art. 1º).

No art. 2º, daquela Lei, sob a epígrafe «arbitragem necessária» estabelece-se que «os litígios emergentes da invocação de direitos de propriedade industrial, incluindo os procedimentos cautelares, relacionados com medicamentos de referência (…) e medicamentos genéricos, independentemente de estarem em causa patentes de processo, de produto ou de utilização, ou certificados complementares de proteção, ficam sujeitos a arbitragem necessária, institucionalizada ou não institucionalizada.»

No caso concreto, atendendo ao teor da cláusula 8ª, do Regulamento anexo à Ata de Instalação do Tribunal Arbitral, a esta ação são aplicáveis as normas constantes daquele Regulamento e, subsidiariamente, o disposto no Regulamento de Arbitragem do Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio e Indústria Portuguesa de 2008, com exceção das normas que respeitem ao valor da causa e aos honorários do secretário do TA, bem como as regras da Lei da Arbitragem Voluntária, aprovada pela Lei n.º 63/2011, de 14-12, e as disposições do Código de Processo Civil, com as necessárias adaptações.

Em matéria de honorários, consta da cl. 10ª, do Regulamento anexo à Ata de Instalação do Tribunal Arbitral que, não sendo possível alcançar um acordo no prazo de 20 dias contados da data da instalação do tribunal arbitral, este fixará os encargos previsíveis da arbitragem, incluindo os honorários dos árbitros, nos termos do nº2, do art. 17º, da LAV/2011.

E, ainda, que, caso não aceite a decisão do tribunal arbitral, qualquer das partes pode requerer ao Tribunal estadual a redução dos honorários e demais encargos, conforme previsto no nº3, do art. 17º, da LAV.

É o que se passa no caso que analisamos.

Efetivamente, a demandada na ação arbitral (aqui requerente) veio pedir a esta Relação (por ser o Tribunal estadual competente – cf. art. 59º, nº1, al. d), da LAV) a redução dos honorários fixados pelo Tribunal Arbitral, que considera excessivos, alegando, essencialmente, que a possibilidade de não apresentação de contestação, a desnecessidade de realização de diligências probatórias, ou, pelo menos, a sua redução, bem como a manifesta simplicidade das questões a decidir, impõem a fixação de honorários da seguinte forma:

- EUR 30.000,00, como valor máximo global, no caso de o processo prosseguir para o julgamento de questões relacionadas com a não infração e/ou invalidade dos direitos de propriedade industrial invocados;

- EUR 6.000,00, em caso de não dedução de contestação.

Quid juris?

Estabelece-se no art.º 17.º da Lei n.º 63/2011, de 14-12 que:

1 – Se as partes não tiverem regulado tal matéria na convenção de arbitragem, os honorários dos árbitros, o modo de reembolso das suas despesas e a forma de pagamento pelas partes de preparos por conta desses honorários e despesas devem ser objeto de acordo escrito entre as partes e os árbitros, concluído antes da aceitação do último dos árbitros a ser designado.

2 – Caso a matéria não haja sido regulada na convenção de arbitragem, nem sobre ela haja sido concluído um acordo entre as partes cabe aos árbitros, tendo em conta a complexidade das questões decididas, o valor da causa e o tempo despendido ou a despender com o processo arbitral até à conclusão deste, fixar o montante dos seus honorários e despesas, bem como determinar o pagamento pelas partes de preparos por conta daqueles, mediante uma ou várias decisões separadas das que se pronunciem sobre questões processuais ou sobre o fundo da causa:

3 – No caso previsto no número anterior do presente artigo qualquer das partes pode requerer ao tribunal estadual competente a redução dos montantes dos honorários ou das despesas e respectivos preparos fixados pelos árbitros, podendo esse tribunal, depois de ouvir sobre a matéria os membros do tribunal arbitral, fixar os montantes que considere adequados.  
        
Manda a Lei atender ao valor da causa.

In casu, na clª 9ª, do Regulamento anexo à Ata de Instalação do TA, estipula-se que “o valor da causa corresponderá ao respectivo valor económico”.

Acontece que, na fase inicial - em que se encontra a ação arbitral -, esse valor ainda não se encontra determinado (como, aliás, os Exmos Árbitros referiram na sua exposição de fls. 43 e ss dos autos), só podendo ser apurado na sequência da ação.

É certo que, em ações arbitrais como aquela a que estes autos aludem, é, em regra, atribuído - inicialmente - o valor de EUR 30.000,01. No entanto, este valor tem em vista (apenas ou sobretudo) salvaguardar a eventual interposição de recurso, sem que aquela indicação traduza minimamente a utilidade económica do pedido formulado.

Por conseguinte, uma vez que a utilidade económica do pedido apenas se define na sequência da ação, o valor inicialmente aceite deve corrigido logo que o processo forneça os elementos necessários, deve ser fixado posteriormente, no limite, na própria sentença (cf. art. 299º, nº4, do CPC, subsidiariamente aplicável).

Sendo assim, o valor da causa (leia-se da arbitragem) deve ser fixado posteriormente, no limite, na própria sentença (cf. art. 306º, nº2, do CPC, subsidiariamente aplicável, como já se referiu).

Quer isto dizer que, na ação arbitral, ainda não foi “definitivamente” fixado o valor da arbitragem.

Por sua vez, como tudo indica seja também a situação estes autos[1], estando em causa interesses económicos de elevadíssimo montante (cf. a exposição dos Exmos Árbitros), é de admitir, com toda a probabilidade, a fixação do valor da arbitragem em montante muito superior a EUR 30.000.01.

Por outro lado:

De harmonia com o estipulado no art. 17º, nº2, da LAV, os honorários devem ser fixados tendo em conta, além do valor da causa, a complexidade das questões decididas e o tempo despendido ou a despender com o processo arbitral até à conclusão deste.

As ações arbitrais relativas ao exercício de direitos de propriedade industrial, decorrentes de patentes químico-farmacêuticas revestem-se, em regra, de elevada complexidade, exigindo, por vezes, a requisição de assessoria técnica e a realização de perícias.


Neste contexto, atendendo ao objeto do litígio, nada permite supor que a decisão a proferir não se confronte com a necessidade de apreciar questões de particular complexidade.

Aliás, a comprovar isso mesmo está a fixação do prazo da arbitragem em doze meses, podendo ser prorrogado, sempre que se justifique (cf. cl.ª 6º, nº3, do Reg. Anexo à Ata de Instalação).

Compreende-se, portanto, que os árbitros sejam escolhidos, de entre pessoas, com elevadas qualificações profissionais e com o grau de especialização exigido pela matéria objecto do processo e que sejam remunerados, pelas funções que exercem, tendo em conta esses atributos.

Um outro critério legal a considerar na fixação dos honorários diz respeito ao “tempo a despender até à conclusão do processo arbitral”.

O árbitro, sabendo que, na maior parte das vezes, as partes elegem a arbitragem e suportam os seus custos visando minimizar as delongas dos processos judiciais, não deve frustrar a legítima expectativa das partes de ver conduzido o processo arbitral com particular celeridade.

Ainda assim, “o controlo do tempo do processo e a diligência requerida devem ser usados com sabedoria. Os atos processuais ou alguns deles, como é o caso do exercício do direito de plena defesa pelas partes das suas posições e a produção da prova, os debates finais e a elaboração da sentença, nem devem ser demasiado lentos, nem demasiado céleres, dada a grande importância de ser assegurada a necessidade da sua prática conscienciosa em tempo adequado para cada ato.”[2]

Pode, portanto, concluir-se que “o tempo a despender até à conclusão do processo” é uma variável sempre difícil de quantificar e que obriga a conjeturar uma duração média do processo, tendo sempre presente que os árbitros estão obrigados a imprimir à instância arbitral um certo ritmo e que, nessa função, estão sujeitos ao cumprimento de determinados deveres, designadamente deveres de diligência, eficiência e disponibilidade.

In casu:

Os árbitros fixaram os honorários no montante global de EUR 60.000,00.

Considerando que se trata de uma ação arbitral em que se discutem questões de elevada complexidade, em que estão em causa valores patrimoniais de elevado montante e em que o tempo a despender poderá ser superior a doze meses, com os elementos disponíveis nos autos, não encontramos justificação para reduzir aquele valor global.

Acontece, porém, que a ação não foi contestada, pelo que importa apreciar se esta circunstância determina, só por si, uma redução dos honorários.

As partes poderiam ter acordado pagar a integralidade dos honorários devidos aos árbitros, apesar das vicissitudes processuais que a instância apresentasse.

Não foi esse o caso.

Por isso, o montante dos honorários a pagar deve obedecer a regras de proporcionalidade entre o montante arbitrado e o trabalho realizado.

Nesta conformidade, cremos que, no caso de a ação não ser contestada, se justifica uma redução dos honorários, desde logo porque, como é normal acontecer, o seu montante global foi equacionado tendo em conta a tramitação correspondente a uma ação contestada.

É certo que, não tendo a revelia efeito cominatório pleno, o Tribunal Arbitral poderá entender dever realizar audiência para produção de prova, mormente tendo em vista a aplicação da sanção pecuniária compulsória peticionada.

Não obstante, a redução de atos processuais decorrentes da falta de contestação permite razoavelmente perspectivar uma concomitante redução das tarefas exigidas aos membros do Tribunal Arbitral.[3]

Em suma:

Em face do exposto, atendendo à falta de contestação, a justa medida dos honorários deve situar-se num valor correspondente a 60% do respectivo montante global, ou seja, EUR 36.000,00.


7. Nestes termos, acorda-se em julgar a ação parcialmente procedente e em determinar que, na falta de contestação, os honorários globais devidos aos árbitros sejam reduzidos para EUR 36.000,00, ou seja, EUR 12.000,00, para cada um.

As custas ficam a cargo das partes na proporção da sua sucumbência.  


Lisboa, 1 de Julho de 2014
Maria do Rosário Morgado
Rosa Coelho
Amélia Ribeiro


[1] A demandante pede, além do mais, a condenação da demandada no pagamento de EUR 40.000,00, por dia, a título de sanção pecuniária compulsória.
[2] Manuel Barrocas, Manuela de Arbitragem, Almedina, 2ª edição,348.
[3] Foi seguramente com base neste tipo de considerandos que os árbitros terão decidido reduzir os honorários, na hipótese de a arbitragem terminar antes da audiência de produção de prova, caso em que os honorários globais serão fixados pelo TA num montante situado entre os 30% e os 50% do respectivo montante.