Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1847/05.7TVLSB.L2-6
Relator: CRISTINA NEVES
Descritores: REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA
DISPENSA DO PAGAMENTO DESSA TAXA POR DESPACHO JUDICIAL FUNDAMENTADO
TRÂNSITO EM JULGADO DA DECISÃO QUE PÕE TERMO AO PROCESSO
RECLAMAÇÃO DA CONTA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/22/2018
Votação: MAIORIA COM UMA DECLARAÇÃO DE VOTO E UM VOTO VENCIDO
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I. Nas acções de valor superior a € 275.000,00, a regra é a do pagamento do remanescente da taxa com a notificação da conta final, sendo que de acordo com a tabela I-A ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25 000 ou fracção, 3 UC.

II. Só assim não acontecerá se o juiz, oficiosamente ou a requerimento das partes ou do M.P., de forma fundamentada, dispensar total ou parcialmente o pagamento do remanescente desta taxa, em despacho a proferir aquando da elaboração da decisão final e da fixação da responsabilidade das partes no que se reporta a custas, conforme decorre do disposto no artº 527 nº1 do C.P.C.

III. Transitada a decisão que põe termo ao processo, segue-se, em regra, a fase de elaboração da conta, a qual nos temos do artº 30 nº 1 do RCP “é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos.”

IV. Este acto de contagem, é um acto material, sem conteúdo decisório, nos termos e limites definidos e impostos por lei, quando a mesma estabeleça em concreto o valor da taxa a aplicar, ou resultando esses limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei, como no caso do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

V. A reclamação da conta, apenas pode ter lugar no caso de erro de cálculo ou na determinação da pessoa dos responsáveis, mas já não pode incidir sobre a não dispensa da taxa, pois que não constitui este um erro do contador a ser dirimido pelo juiz.

VI.Não pode assim ser admitido, por manifestamente extemporâneo, o requerimento formulado pelas partes para dispensa de pagamento do remanescente da taxa, após a elaboração da conta.


SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 6ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


RELATÓRIO:

           
“FA, SA com sede em Espanha, na Calle X, Madrid, com sucursal em Portugal instaurou a presente acção ordinária de condenação contra a ré “MB, SA”, com sede na Marina Y, Portimão, pedindo a condenação da ré a pagar o montante de 2.209.911,18€, acrescido de juros de mora sobre a importância de 1.808.010,09€ contados desde 18 de Março de 2005.

Decidida a acção, por acórdão desta relação de 18/09/14, foi elaborada a conta de custas em 07/09/2017, notificada esta às partes em 22/09/2017, sendo emitidas guias para pagamento a cargo da A. no valor de € 26 878,98 e a cargo da R. de € 30 858,00.  
Notificados da conta de custas vieram as partes deduzir reclamação, a R. em 22/09/17 e a A. em 25/09/17 peticionando a dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, por ser manifestamente desproporcionada e excessiva.

Indo os autos com vista à Srª. Contadora, por esta foi lavrada informação no sentido de que a conta se encontra correctamente elaborada, não lhe incumbindo decidir se o “responsável ou responsáveis deverão ou não pagar o remanescente das taxas devidas”.

Aberta vista ao Digno Magistrado do M.P. por este foi lavrada promoção no sentido do indeferimento da reclamação, por entender “que a reclamação da conta não é meio adequado a fazer valer uma isenção, já que tal meio processual se destina unicamente a reagir à elaboração irregular da conta, não sendo esse o caso quando ela se mostra conforme à decisão condenatória e à lei.” 

Após foi proferida decisão em 18/10/17, pelo Juiz recorrido nos seguintes termos:
“Ambas as partes, notificadas da conta de custas, vieram requer a respectiva reforma para, através dela, obterem a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça superior a 275 000€.
Pois bem, o incidente de reforma da conta destina-se a reformar a conta que não esteja em conformidade com as disposições legais, a corrigir erros materiais ou a elaboração da conta efectuada pela secretaria sem obedecer aos critérios definidos no artº 30º nº 3 do RCP.
Não serve, a reforma da conta, para obter a redução do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Aderindo à doutrina que resulta do Ac.do STJ de 13/07/2017 (Lopes do Rego, in www.dgsi.pt) entendemos ser extemporâneo o pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça após a elaboração da conta.
Por conseguinte indefere-se essa pretensão.”
*
Não se conformando com esta decisão, dela apelou a A. formulando no final das suas alegações as seguintes conclusões:
CONCLUSÕES:

1.ªA partir do momento em que transita em julgado a decisão final do processo não ocorre a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
2.ªNenhuma norma jurídica fixa como momento preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça o trânsito em julgado da decisão do processo;
3.ªPor via de disposição legal expressa, mais exactamente do art. 31.º do RCP, a conta do processo não tem, logo à partida, natureza definitiva, cabendo, até, recurso em um grau da decisão sobre a reclamação que seja apresentada contra a conta;
4.ªO que significa que, por força do mencionado art. 31.º do RCP, a conta fica, necessariamente, "suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas", só que, ao contrário do que se lê no Acórdão do STJ em referência, esse "comportamento eventual" é referenciado no tempo, mais exactamente no tempo previsto no n.º 1 do art. 31.º do RCP, no caso da reclamação, e nas disposições relevantes do Código de Processo Civil, no caso do recurso;
5.ªNão podendo, portanto, considerar-se a existência de um momento de preclusão que não está fixado em nenhuma norma legal;
6.ªO art. 616.º do CPC, nos seus nºs 1 e 3, não contém a fixação desse momento preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
7.ªAs referidas disposições legais apenas se referem ao pedido de reforma da conta, não compreendendo, portanto, a reclamação contra a mesma;
8.ªMesmo em relação à reforma não há, nessas disposições, a estipulação de nenhum efeito preclusivo, uma vez que a reforma da conta (tal como a reclamação) pode sempre ser pedida no prazo de 10 dias após a respectiva notificação, conforme resulta do já referido n.º 1 do art. 31.º do RCP;
9.ªOs n.ºs 1 e 3 do art. 616.º do CPC não contemplam uma situação que se pode verificar, que é a de caber recurso da decisão mas o mesmo não ser interposto por nenhuma das partes;
10.ªNesse caso não é possível aplicar-se o disposto nos n.ºs 1 e 3 do art. 616.º do CPC, o que é mais um elemento que reforça o entendimento de que tais disposições legais não podem ser entendidas como tendo a virtualidade de fixar o momento preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
11.ªTambém não colhe o argumento segundo o qual com a decisão do processo e, portanto, antes da notificação da conta, as partes podem saber o valor das custas que lhe vão ser atribuídas na conta que irá ser elaborada após aquela decisão;
12.ªSó quando as partes são notificadas da conta de custas é que sabem, efectivamente, o valor de custas que lhes é atribuído pelo Tribunal;
13.ªPara mais, até ao trânsito em julgado da decisão do processo, uma parte não poder saber em definitivo se vai, ou não, poder recuperar a totalidade ou parte da taxa de justiça que deve pagar nos termos do RCP nem quanto vai ter que pagar à outra parte pela taxa de justiça que esta tiver que pagar nos mesmos termos, consoante o caso e através do mecanismo de compensação de custas de parte previsto nos arts. 25.º e 26.º do RCP;
14.ªIsto porque, até à última possibilidade legal de reacção contra a decisão do processo o trânsito em julgado dessa decisão não depende apenas de uma parte, mas sim de todas e de cada uma das partes do processo;
15.ªPelo que é indiscutível que, até ao trânsito em julgado da decisão do processo, que não depende de cada parte do mesmo, não podem as partes saber, em definitivo, qual o valor efectivo de taxa de justiça que vão ter que pagar nem, sobretudo, o valor efectivo da mesma taxa de justiça que vão poder recuperar ou pelo qual vão ter que compensar a contraparte;
16.ªTambém por este motivo não se pode considerar que o momento preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o do trânsito em julgado da decisão do processo;
17.ªO que, repete-se, é confirmado pela existência de um mecanismo específico e com prazo definido na lei para a reclamação contra a conta de custas ou para o pedido de reforma da mesma, que é o previsto no art. 31.º do RCP;
18.ªNão tem enquadramento legal a interpretação segundo a qual essa reclamação não pode ter fundamento no dever de ser decidida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
19.ªIsto numa fase em que, como resultado da referida disposição legal, o Juiz do processo mantém o seu poder jurisdicional em matéria de custas;
20.ªSem que se encontre no texto da Lei qualquer limitação ao exercício desse poder no sentido do mesmo só poder ter por objecto a correcção de eventuais erros materiais na conta;
21.ªO facto de se prever no art. 31.º do RCP a reclamação contra a conta e o pedido de reforma da mesma leva a concluir que o poder jurisdicional do Juiz do processo em matéria de custas não tem, nessa fase, qualquer limitação;
22.ªO valor das custas apuradas na conta dos presentes autos é manifestamente exorbitante;
23.ªEsse valor deveria ter sido reduzido, nos termos do disposto no n.º 7 do art. 6.º do RCP, isto considerando quer a complexidade da causa, que não era elevada, e a conduta processual das partes, que foi exemplar;
24.ªNão obstante o valor da acção, incluindo o da que lhe foi apensa, certo é que esse valor não pode ser, nem é, nos termos do RCP, o único critério para fixar o valor das custas;
25.ªPara fixação das custas devidas concorrem, também e por força do já referido nº 7 do art. 6.º do RCP, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, tendo o Juiz do processo o poder-dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos processos de valor superior a € 275.000,00 e, naturalmente, de o reduzir, se tal se justificar em
função, justamente, da complexidade da causa e da conduta processual das partes;
26.ªNo caso dos autos, apesar do valor da acção ser apreciável - ainda que não especialmente elevado para o padrão dos litígios que emergem da execução de contratos de empreitadas, sejam elas de obras públicas ou privadas – a verdade é que as questões centrais a decidir não assumiam nenhuma complexidade especial, antes pelo contrário, essas questões eram relativamente simples tendo em conta, também aqui, o padrão das questões que se suscitam regularmente em litígios à volta da execução de contratos de empreitada;
27.ªAs questões essenciais para a decisão da causa eram o valor efectivo dos trabalhos executados pela Autora para a Ré ao abrigo do contrato dos autos, a excepção de compensação, a decidir em função do juízo sobre a licitude da aplicação, pela Ré, de multas pelos atrasos relativamente aos prazos parciais de conclusão da obra, e a existência de fundamento para o pedido reconvencional, que tinha que ver com determinados custos que a Ré alegava ter suportado e pretendia imputar à Autora, isto no que diz respeito à acção principal, e a existência, ou não, de fundamento para a Ré ter executado parcialmente a caução prestada pela Autora ao abrigo do contrato e, ainda, o pedido de cancelamento da mesma formulado pela Autora;
28.ªApesar da sentença ter 150 páginas, entre a páginas 5 e 144 o respectivo conteúdo diz respeito à matéria de facto dada como provada e, em particular, à transcrição de documentos produzidos pelas Partes, como é o caso do caderno de encargos, que se estende desde a página 7 à 48, e os documentos nºs 5 a 24 da contestação da acção apensa, que ocupam as páginas 61 até à 140 da Sentença;
29.ªA primeira das questões centrais do processo principal, a do apuramento do valor efectivo dos trabalhos executados pela Autora para a Ré ao abrigo do contrato celebrado entre ambas, e que era, e foi, essencial para o Tribunal decidir o valor do crédito da Autora sobre a Ré, foi decidida integralmente com base no relatório elaborado pelos Senhores Peritos, tendo o valor de trabalhos dado como provado pelo Tribunal sido, sem alterações, o que consta do referido relatório de perícia;
30.ªO que significa que a decisão sobre esta questão, essencial para os autos, não envolveu nenhuma complexidade, por ser totalmente técnica e por ter sido decidida da forma que os técnicos, os Senhores peritos, indicaram ao Tribunal;
31.ªA excepção de compensação invocada pela Ré, relativa às multas pelos atrasos relativamente aos prazos parciais de conclusão da obra, foi decidida na Sentença em menos de duas páginas, tendo a decisão sido num único sentido, no caso o de que não sendo os atrasos imputáveis à Autora na sua totalidade não podiam ser aplicadas quaisquer multas;
32.ªNão sendo a decisão sobre esta questão acompanhada de qualquer tipo de explicação especialmente elaborada ou sequer complexa, nem sequer da invocação de quaisquer normas legais, de doutrina ou sequer de jurisprudência;
33.ªO mesmo se pode dizer sobre a decisão sobre o pedido reconvencional formulado pela Ré, que foi julgado parcialmente provado apenas com base na confissão da Autora e em prova (ou na falta da mesma) sobre factos de extrema simplicidade e, também aqui, sem que o Tribunal tivesse que resolver qualquer questão para além dessa prova, inexistindo, portanto, dúvidas em termos jurídicos que tivessem que ser ponderadas e decididas pelo Tribunal relativamente a esta matéria;
34.ªNo que concerne à acção apensa, a decisão sobre o pedido formulado na mesma ocupa menos de uma página da Sentença e a respectiva leitura revela a extrema simplicidade das questões que o Tribunal teve que dilucidar para tomar essa decisão, na qual, uma vez mais, não são, sequer, mencionadas quaisquer normas legais, qualquer doutrina ou qualquer jurisprudência;
35.ªA conduta processual das Partes foi absolutamente exemplar no decorrer de todo o processo;
36.ªApesar das importantes divergências entre ambas que obrigaram ao recurso aos Tribunais para resolução das mesmas, durante todo o decorrer do processo imperou uma extrema correcção e um elevado respeito entre as Partes, para além de uma evidente cordialidade entre os respectivos Mandatários;
37.ªPelo que o valor da taxa de justiça em 1ª instância deve ser corrigido, ou através da dispensa do remanescente da taxa de justiça em relação à que foi já paga pelas partes ou, no limite, através de uma redução muito substancial desse remanescente;
38.ªO que deve ocorrer também em relação ao remanescente da taxa justiça apurada relativamente ao recurso de apelação;
39.ªA escassa complexidade das referidas questões ainda resulta mais evidente no Acórdão proferido por este Venerando Tribunal;
40.ªApesar do Acórdão se prolongar por 154 páginas, 151 das mesmas contêm a transcrição das conclusões das alegações de recurso da Ré (até à página 11) e fotocópia da Sentença de primeira instância (da página 12 à página 151);
41.ªQuanto à decisão propriamente dita, a mesma resume-se a duas páginas e menos de meia, consistindo, fundamentalmente, na adesão incondicional à decisão de primeira instância;
42.ªO que demonstra que a decisão do recurso de revista revestiu uma extrema simplicidade, na perspectiva dos Venerandos Desembargadores que a tomaram;
43.ªPelo que o valor total da taxa de justiça apurado para a fase de recurso também é manifestamente exagerado;
44.ªJustificando-se, também na parte relativa ao recurso de apelação, que ocorra a dispensa do remanescente da taxa de justiça ou, pelo menos, uma substancial redução da mesma;
45.ªDispensa essa que, em qualquer caso, foi requerida em tempo na reclamação apresentada contra a conta de custas.
46.ªTermos em que, deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se o despacho proferido sobre a reclamação contra a conta de custas e reformando-se a mesma em conformidade, como é de Lei e de Justiça.”
*
Igualmente pela R. foi interposto recurso, formulando, no final das suas alegações, as seguintes conclusões, que se reproduzem:

CONCLUSÕES:
A)A partir do momento em que transita em julgado a decisão final do processo não ocorre a preclusão do direito de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
B)Nenhuma norma jurídica fixa como momento preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça o trânsito em julgado da decisão do processo;
C)Por via de disposição legal expressa, mais exactamente do artº 31º do RCP, a conta do processo não tem, logo à partida, natureza definitiva, cabendo, até, recurso em um grau da decisão sobre a reclamação que seja apresentada contra a conta;
D)O que significa que, por força do mencionado artº 31º do RCP, a conta fica, necessariamente, "suspensa de um comportamento eventual do destinatário da obrigação de custas", só que, ao contrário do que se lê no Acordão do STJ em referência, esse "comportamento eventual" é referenciado no tempo, mais exactamente no tempo previsto no nº 1 do artº 31º do RCP, no caso da reclamação, e nas disposições relevantes do Código de Processo Civil, no caso do recurso;
E)Não podendo, portanto, considerar-se a existência de um momento de preclusão que não está fixado em nenhuma norma legal;
F)O artº 616º do CPC, nos seus nºs 1 e 3, não contém a fixação desse momento preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
G)As referidas disposições legais apenas se referem ao pedido de reforma da conta, não compreendendo, portanto, a reclamação contra a mesma;
H)Mesmo em relação à reforma não há, nessas disposições, a estipulação de nenhum efeito preclusivo, uma vez que a reforma da conta (tal como a reclamação) pode sempre ser pedida no prazo de 10 dias após a respectiva notificação, conforme resulta do já referido nº 1 do artº 31º do RCP;
I)Os nºs 1 e 3 do artº 616º do CPC não contemplam uma situação que se pode verificar, que é a de caber recurso da decisão mas o mesmo não ser interposto por nenhuma das partes;
J)Nesse caso não é possível aplicar-se o disposto nos nºs 1 e 3 do artº 616º do CPC, o que é mais um elemento que reforça o entendimento de que tais disposições legais não podem ser entendidas como tendo a virtualidade de fixar o momento preclusivo da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
L)Também não colhe o argumento segundo o qual com a decisão do processo e, portanto, antes da notificação da conta, as partes podem saber o valor das custas que lhe vão ser atribuídas na conta que irá ser elaborada após aquela decisão;
M)Só quando as partes são notificadas da conta de custas é que sabem, efectivamente, o valor de custas que lhes é atribuído pelo Tribunal;
N)Para mais, até ao trânsito em julgado da decisão do processo, uma parte não poder saber em definitivo se vai, ou não, poder recuperar a totalidade ou parte da taxa de justiça que deve pagar nos termos do RCP nem quanto vai ter que pagar à outra parte pela taxa de justiça que esta tiver que pagar nos mesmos termos, consoante o caso e através do mecanismo de compensação de custas de parte previsto nos artºs 25º e 26º do RCP;
O)Isto porque, até à última possibilidade legal de reacção contra a decisão do processo o trânsito em julgado dessa decisão não depende apenas de uma parte, mas sim de todas e de cada uma das partes do processo;
P)Pelo que é indiscutível que, até ao trânsito em julgado da decisão do processo, que não depende de cada parte do mesmo, não podem as partes saber, em definitivo, qual o valor efectivo de taxa de justiça que vão ter que pagar nem, sobretudo, o valor efectivo da mesma taxa de justiça que vão poder recuperar ou pelo qual vão ter que compensar a contra-parte;
Q)Também por este motivo não se pode considerar que o momento preclusivo da da faculdade de requerer a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça é o do trânsito em julgado da decisão do processo;
R)O que, repete-se, é confirmado pela existência de um mecanismo específico e com prazo definido na Lei para a reclamação contra a conta de custas ou para o pedido de reforma da mesma, que é o previsto no artº 31º do RCP;
S)Não tem enquadramento legal a interpretação segundo a qual essa reclamação não pode ter fundamento no dever de ser decidida a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça;
T)Isto numa fase em que, como resultado da referida disposição legal, o Juiz do processo mantém o seu poder jurisdicional em matéria de custas;
U)Sem que se encontre no texto da Lei qualquer limitação ao exercício desse poder no sentido do mesmo só poder ter por objecto a correcção de eventuais erros materiais na conta;
V)O facto de se prever no artº 31º do RCP a reclamação contra a conta e o pedido de reforma da mesma leva a concluir que o poder jurisdicional do Juiz do processo em matéria de custas não tem, nessa fase, qualquer limitação;
X)O valor das custas apuradas na conta dos presentes autos é manifestamente exorbitante;
Z)Esse valor deveria ter sido reduzido, nos termos do disposto no nº 7 do artº 6º do RCP, isto considerando quer a complexidade da causa, que não era elevada, e a conduta processual das partes, que foi exemplar;
AA)Não obstante o valor da acção, incluindo o da que lhe foi apensa, certo é que esse valor não pode ser, nem é, nos termos do RCP, o único critério para fixar o valor das custas;
BB)Para fixação das custas devidas concorrem, também e por força do já referido nº 7 do artº 6º do RCP, a complexidade da causa e a conduta processual das partes, tendo o Juiz do processo o poder-dever de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça nos processos de valor superior a € 275.000,00 e, naturalmente, de o reduzir, se tal se justificar em função, justamento, da complexidade da causa e da conduta processual das partes;
CC)No caso dos autos, apesar do valor da acção ser apreciável - ainda que não especialmente elevado para o padrão dos litígios que emergem da execução de contratos de empreitadas, sejam elas de obras públicas ou privadas - a verdade é que as questões centrais a decidir não assumiam nenhuma complexidade especial, antes pelo contrário, essas questões eram relativamente simples tendo em conta, também aqui, o padrão das questões que se suscitam regularmente em litígios à volta da execução de contratos de empreitada;
DD)As questões essenciais para a decisão da causa eram o valor efectivo dos trabalhos executados pela Autora para a Ré ao abrigo do contrato dos autos, a excepção de compensação, a decidir em função do juízo sobre a licitude da aplicação, pela Ré, de multas pelos atrasos relativamente aos prazos parciais de conclusão da obra, e a existência de fundamento para o pedido reconvencional, que tinha que ver com determinados custos que a Ré alegava ter suportado e pretendia imputar à Autora, isto no que diz respeito à acção principal, e a existência, ou não, de fundamento para a Ré ter executado parcialmente a caução prestada pela Autora ao abrigo do contrato e, ainda, o pedido de cancelamento da mesma formulado pela Autora;
EE)Apesar da sentença ter 150 páginas, entre a página 5 e a 144 o respectivo conteúdo diz respeito à matéria de facto dada como provada e, em particular, à transcrição de documentos produzidos pelas Partes, como é o caso do caderno de encargos, que se estende desde a página 7 à 48, e os documentos nºs 5 a 24 da contestação da acção apensa, que ocupam as páginas 61 até à 140 da Sentença;
FF)A primeira das questões centrais do proceso principal, a do apuramento do valor efectivo dos trabalhos executados pela Autora para a Ré ao abrigo do contrato celebrado entre ambas, e que era, e foi, essencial para o Tribunal decidir o valor do crédito da Autora sobre a Ré, foi decidida integralmente com base no relatório elaborado pelos Senhores Peritos, tendo o valor de trabalhos dado como provado pelo Tribunal sido, sem alterações, o que consta do referido relatório de perícia;
GG)O que significa que a decisão sobre esta questão, essencial para os autos, não envolveu nenhuma complexidade, por ser totalmente técnica e por ter sido decidida da forma que os técnicos, os Senhores peritos, indicaram ao Tribunal;
HH)A excepção de compensação invocada pela Ré, relativa às multas pelos atrasos relativamente aos prazos parciais de conclusão da obra, foi decidida na Sentença em menos de duas páginas, tendo a decisão sido num único sentido, no caso o de que não sendo os atrasos imputáveis à Autora na sua totalidade não podiam ser aplicadas quaisquer multas;
II)Não sendo a decisão sobre esta questão acompanhada de qualquer tipo de explicação especialmente elaborada ou sequer complexa, nem sequer da invocação de quaisquer normas legais, de doutrina ou sequer de jurisprudência;
JJ)O mesmo se pode dizer sobre a decisão sobre o pedido reconvencional formulado pela Ré, que foi julgado parcialmente provado apenas com base na confissão da Autora e em prova (ou na falta da mesma) sobre factos de extrema simplicidade e, também aqui, sem que o Tribunal tivesse que resolver qualquer questão para além dessa prova, inexistindo, portanto, dúvidas em termos jurídicos que tivessem que ser ponderadas e decididas pelo Tribunal relativamente a esta matéria;
LL)No que concerne à acção apensa, a decisão sobre o pedido formulado na mesma ocupa menos de uma página da Sentença e a respectiva leitura revela a extrema simplicidade das questões que o Tribunal teve que delucidar para tomar essa decisão, na qual, uma vez mais, não são, sequer, mencionadas quaisquer normas legais, qualquer doutrina ou qualquer jurisprudência;
MM)A conduta processual das Partes foi absolutamente exemplar no decorrer de todo o processo;
NN)Apesar das importantes divergências entre ambas que obrigaram ao recurso aos Tribunais para resolução das mesmas, durante todo o decorrer do processo imperou uma extrema correcção e um elevado respeito entre as Partes, para além de uma evidente cordialidade entre os respectivos Mandatários;
OO)Pelo que o valor da taxa de justiça em 1ª instância deve ser corrigido, ou através da dispensa do remanescente da taxa de justiça em relação à que foi já paga pelas partes ou, no limite, através de uma redução muito substancial desse remanescente;
PP)O que deve ocorrer também em relação ao remanescente da taxa justiça apurada relativamente ao recurso de apelação;
QQ)A escassa complexidade das referidas questões ainda resulta mais evidente no Acordão proferido por este Venerando Tribunal;
RR)Apesar do Acordão se prolongar por 154 páginas, 151 das mesmas contêm a transcrição das conclusões das alegações de recurso da Ré (até à página 11) e fotocópia da Sentença de primeira instância (da página 12 à página 151);
SS)Quanto à decisão propriamente dita, a mesma resume-se a duas páginas e menos de meia, consistindo, fundamentalmente, na aderência incondicional adesão à decisão de primeira instância, sem qualquer tipo de consideração adicional ou inovadora em relação à mesma e sem, em boa verdade, sequer abordar ou apreciar, de forma crítica, as questões suscitadas no recurso de revista;
TT)O que demonstra que a decisão do recurso de revista revestiu uma extrema simplicidade, na perspectiva dos Venerandos Desembargadores que a tomaram;
UU)Pelo que o valor total da taxa de justiça apurado para a fase de recurso também é manifestamente exagerado;
VV)Justificando-se, também na parte relativa ao recurso de apelação, que ocorra a dispensa do remanescente da taxa de justiça ou, pelo menos, uma substancial redução da mesma;
XX)Dispensa essa que, em qualquer caso, foi requerida em tempo na reclamação apresentada contra a conta de custas.
Termos em que,
Deve ser julgado procedente o presente Recurso, revogando-se o Despacho proferido sobre a reclamação contra a conta de custas e reformando-se a mesma em conformidade, como é de Lei e de Justiça.”
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QUESTÕES A DECIDIR.
Nos termos do disposto nos Artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo uma função semelhante à do pedido na petição inicial. Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas.
Tendo este preceito em mente, a questão a decidir versa sobre a admissibilidade e tempestividade do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, após a elaboração da conta de custas, em sede de reclamação da conta.
*

MATÉRIA DE FACTO.

A matéria de facto a considerar é a descrita em relatório já elaborado. 
*

DO DIREITO.

Alegam os recorrentes, sobre a mesma matéria, que o pedido de dispensa do remanescente da taxa pode ser formulado após a notificação da conta de custas, não existindo norma expressa na lei, no sentido da preclusão do direito de requerer a dispensa de pagamento do remanescente da taxa, existindo uma fase especial (reclamação da conta) para esta apreciação e sendo só com a sua elaboração e notificação à parte que esta tem conhecimento do montante a pagar.

Decidindo

a)- Da admissibilidade e tempestividade do pedido de dispensa do remanescente da taxa de justiça devida, após a elaboração da conta de custas, em sede de reclamação da conta.

Dispõe o artº 6 do RCP (Lei 7/2012, actual Lei n.º 42/2016, de 28/12), no seu nº 1 que “A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado e é fixada em função do valor e complexidade da causa de acordo com o presente Regulamento, aplicando-se, na falta de disposição especial, os valores constantes da tabela I-A, que faz parte integrante do presente Regulamento. “, mais acrescentando no seu nº 7 que  “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Do disposto neste preceito legal, decorre que a regra nas acções superiores a € 275.000,00 é a do pagamento do remanescente da taxa com a notificação da conta final, sendo que, de acordo com a tabela I-A, ao valor da taxa de justiça acresce, a final, por cada (euro) 25 000 ou fracção, 3 UC.

Sendo esta a regra só assim não acontecerá se o juiz, oficiosamente ou a requerimento das partes ou do M.P., de forma fundamentada, dispensar total ou parcialmente o pagamento do remanescente desta taxa, em despacho a proferir aquando da elaboração da decisão final e da fixação da responsabilidade das partes no que se reporta a custas, conforme decorre do disposto no artº 527 nº1 do C.P.C. (anterior artº 446 do C.P.C., na redacção anterior à lei 41/2013).

Nos termos deste preceito legal, a “decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.” sendo que, nos termos do disposto no artº 529 do C.P.C., as custas processuais abrangem a taxa de justiça, os encargos e as custas de parte (anterior artº 447 do C.P.C. revogado).

Por outro lado, notificado da decisão e do despacho quanto a custas, caso o juiz não dispense o remanescente (omitindo despacho nesse sentido ou não) pode a parte requerer a sua reforma quanto a custas, autonomamente ou em recurso a interpor da decisão, nos termos do disposto no artº616 nº1 e 3 do C.P.C.

Decorre assim destes preceitos legais que, caso na decisão final, ao fixar a responsabilidade pelas custas e a tabela aplicável, o juiz não profira despacho a dispensar o remanescente, será este considerado na conta final de custas.

Assim sendo, elaborada a conta e sendo a parte notificada para pagar a taxa remanescente, pode esta, em sede de reclamação da conta vir peticionar a dispensa do remanescente, conforme alegam os recorrentes?

Esta questão tem sido debatida na nossa jurisprudência, ora se defendendo que a reclamação da conta de custas não é o meio processualmente adequado à dedução da pretensão de dispensa da taxa de justiça remanescente ao abrigo do disposto no n.º 7 do art.º 6.º do RCP, existindo « (…) razões preponderantes para que a decisão sobre a dispensa do remanescente da taxa de justiça deva ser tomada antes da elaboração da conta, nomeadamente o princípio da economia e utilidade dos actos processuais, que tem afloramento no art.º 130º do CPC, nos termos do qual “não é lícito realizar no processo actos inúteis» [1], ora se entendendo que a dispensa prevista no n.º 7 do art.º 6.º do RCP deve ter lugar aquando da fixação das custas ou, no caso de aí ser omitida, mediante requerimento de reforma dessa decisão, podendo ainda ser feito na sequência de reclamação da conta final, por ser afinal esta que revela o excesso, que na maior parte das vezes só então ficará patente para as partes do processo.» [2], ora se defendendo que, não sendo, em princípio, admissível o requerimento de dispensa após a elaboração da conta, pode equacionar-se a inconstitucionalidade da aplicação da taxa em casos de manifesta simplicidade da causa.[3]

Desde já se refere que defendemos a primeira posição.

Referia Alberto dos Reis (cfr. CPC anotado, Vol. V, págs. 126 e 127), a propósito do princípio da extinção do poder jurisdicional, que o mesmo encontra a sua razão de ser na necessidade de assegurar a estabilidade da decisão jurisdicional, estando, por isso, vedado ao juiz alterar o decidido, salvo no caso de rectificação ou correcção de erros materiais (no caso de não haver recurso, a todo o tempo, cfr. art. 614º, n.º 3 do CPC) ou da reforma da sentença, nos precisos termos em que a mesma é admitida por lei, cfr. art. 616º do CPC.

Fora destes casos, pode ainda a parte recorrer nos termos gerais, (art. 616º, n.º 3 do CPC) e não o fazendo, tal decisão quanto a custas fica imutável, não podendo mais ser alterada, quer por vontade das partes ou a pedido do Ministério Público, quer ex officio pelo próprio juiz (arts. 619º e segs. do CPC).

Com efeito, transitada a decisão que põe termo ao processo, segue-se, em regra, a fase de elaboração da conta, a qual nos temos do artº 30 nº 1 do RCP “é elaborada de harmonia com o julgado em última instância, abrangendo as custas da acção, dos incidentes, dos procedimentos e dos recursos.” (negrito nosso)

Este acto de contagem, é um acto material, sem conteúdo decisório, nos termos e limites definidos e impostos por lei, quando a mesma estabeleça em concreto o valor da taxa a aplicar, ou resultando esses limites da lei e da decisão jurisdicional, quando a lei, como no caso do disposto no art. 6º, n.º 7 do RCP, permite ao juiz a fixação de uma taxa variável como forma de dar cumprimento aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.

Elaborada a conta e notificada esta, nos termos do disposto no artº 31 nº1 do RCP, podem as partes no prazo de 10 dias, pedir a sua reforma, ou reclamarem da mesma.

A reclamação ou reforma da conta, tem por base erros na sua elaboração, quer de cálculo dos valores das taxas e multas devidas, quer de indicação dos responsáveis pelo seu pagamento, por referência ao disposto no artº 30 nº 3 do RCP.

Assim, no caso de não ter sido dispensada a taxa de justiça devida, notificadas as partes para pagamento, a reclamação destas partes apenas pode ter lugar no caso de erro de cálculo ou na determinação da pessoa dos responsáveis, mas já não pode incidir sobre a sua não dispensa, pois que não constitui este um erro do contador a ser dirimido pelo juiz.

Denote-se que a tramitação desta reclamação, prevista no artº 31 nº 4 do RCP, não comporta a pronúncia do juiz, que neste caso é constitutiva, de dispensa de uma taxa que a lei prevê e que, por não dispensada, foi e bem, levada à conta.

Sobre esta matéria nem o contador nem o Ministério Público têm de se pronunciar.

Diga-se que igualmente não colhe o argumento de que “Só quando as partes são notificadas da conta de custas é que sabem, efectivamente, o valor de custas que lhes é atribuído pelo Tribunal” (conclusão 12ª das alegações da A.).

Este valor é logo fixado e determinado com a fixação do valor da causa e com a decisão transitada em julgado que determinou a responsabilidade pelas custas. No demais, a taxa devida também não é atribuída ou decidida na conta, consta de tabela anexa ao RCP e é de simples cálculo aritmético (nos termos da Tabela Anexa, por cada fracção de €25.000 acima dos € 275.000, são devidos 3 U.Cs.)

A parte sabe pois com meridiana clareza e certeza que, não sendo dispensado o remanescente da taxa e fixado o valor da acção em valor superior a € 275.000, terá de pagar o remanescente da taxa de justiça (quer ganhe quer perca a acção, conforme decorre do artº 14 nº 9 do RCP), de acordo com esta tabela, sendo que a questão da recuperação a título de custas de parte, não interfere com esta realidade e é-lhe lateral.

Como refere a nível doutrinário, Salvador da Costa (In “Regulamento das Custas Processuais”, anotado, 2013, 5ª edição, a págs. 201 e a págs. 354 e 355.), «O juiz deve apreciar e decidir, na sentença final, sobre se se verificam ou não os pressupostos legais de dispensa do pagamento do mencionado remanescente da taxa de justiça. Na falta de decisão do juiz, verificando-se os referidos pressupostos de dispensa do pagamento, podem as partes requerer a reforma da decisão quanto a custas»; mais referindo que «Discordando as partes do segmento condenatório relativo à obrigação de pagamento de custas, deverão dele recorrer, nos termos do artigo 627º, n.º 1, ou requerer a sua reforma, em conformidade com o que se prescreve no artigo 616º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil. Passado o prazo de recurso ou de pedido de reforma da decisão quanto a custas, não podem as partes, por exemplo, na reclamação do ato de contagem, impugnar algum vício daquela decisão, incluindo a sua desconformidade com a Constituição ou com algum dos princípios nela consignados.”

É esta a opinião mais conforme com os princípios legais acima enunciados, sendo certo que as partes, desde o momento de prolação da sentença até elaboração da conta sabiam ou deveriam saber que era devido o remanescente da taxa por força do disposto nestes preceitos legais e por aplicação da tabela anexa ao RCP.

Se por incúria ou desconhecimento, omitiram o requerimento que agora formulam, sibi imputet.

Não podem é pretender, após a elaboração da conta final do processo, retroceder à fase de determinação de custas, com dispensa de pagamento do remanescente devido.

É este também o entendimento maioritário na jurisdição administrativa e no contencioso tributário.

Conforme referido no Ac. do STA (pleno da secção do Contencioso Tributário de 03/05/17, proc. nº 0472/16 , “Tal posição é, salvo o devido respeito por contrária opinião, a que melhor se harmoniza com o quadro legal aplicável e para a qual o texto da norma (ponto de partida da actividade interpretativa) mais fortemente aponta, já que, como bem se deixou explicitado naquele primeiro acórdão desta Secção, a decisão sobre o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça “deve ter lugar na decisão que julgue a acção, incidente ou recurso, e no momento em que o juiz se pronuncie quanto à condenação em custas, nos termos do art. 527º, nº 1 do CPC”, apenas podendo “ocorrer posteriormente, nos casos em que seja requerida a reforma quanto a custas ou nos casos em que tenha havido recurso da decisão que condene em custas, (...) mas sempre antes da elaboração da conta”, até porque a reclamação da conta constitui, tão só, e como o próprio nome indica, uma reacção contra um erro de contagem, com vista a que esta seja alterada em conformidade com a lei, não constituindo meio processualmente adequado para a formulação do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça devida ou para a obtenção desse benefício.

Tem assim de se considerar como manifestamente extemporâneo o requerimento formulado pelas partes, após a notificação da conta, para dispensa de pagamento da taxa, como o considerou o tribunal recorrido.

Improcede assim, in totem, o recurso interposto pelos recorrentes.
*

DECISÃO.
Pelo exposto, acordam os Juízes desta relação em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida que julgou improcedente a reclamação de conta, por extemporânea a pretensão através da mesma formulada.
Custas pelos apelantes, fixando a taxa de justiça devida por cada uma das partes em 2 U.C.



Lisboa 22 de Fevereiro de 2018


                                  
(Cristina Neves)                                  
(Manuel Rodrigues ) Voto Vencido em Anexo                                  
(Ana Paula A.A. Carvalho)




«DECLARAÇÃO DE VOTO»

Salvo o devido respeito pelos argumentos esgrimidos na posição que fez vencimento e pelas decisões de Tribunais Superiores em que se apoia, não a podemos acompanhar, pois de há muito[4] que perfilhamos o seguinte entendimento, também ele com respaldo em diversos arestos de Tribunais Superiores, alguns deles elencados no acórdão[5]:
i)Decorre do n.º 7[6] do artigo 6º do Regulamento das Custas Processuais (doravante RCP) que o despacho de dispensa do remanescente da taxa de justiça pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo;
ii)Podendo esse despacho ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial, em face da prática judiciária de persistente omissão do uso do “poder-dever” previsto no artigo 6º, n.º 7, do RCP, é que a pronúncia judicial sobre tal matéria só ocorra quando a parte responsável pelo impulso processual, não condenada a final, seja confrontada com essa questão e a coloque para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento do remanescente da taxa de justiça “ex vi” do disposto no art.º 14º, n.º 9, do RCP[7];
iii)Omitindo o Tribunal a notificação prevista do n.º 9 do artigo 14º do RCP, a efectuar no decêndio posterior à notificação da sentença, o que sucedeu no caso em apreço, deverá ser permitido à parte suscitar a questão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nos termos do artigo 6º, n.º 7, do RCP, após a notificação da conta de custas, aplicando-se, por analogia, as normas do incidente de reforma e reclamação da conta (artigo 31º do RCP);
iv)Ademais, a descrita omissão, como se ponderou no Acórdão desta mesma Secção (6ª), de 14-01-2016 (Desembargador Carlos Marinho), proc. n.º 7973/08.3TCLRS-A.L1.6, acessível em www.dgsi.pt. pode ter como consequência económica decisiva não poderem os demandantes incluir a quantia remanescente da taxa de justiça que assim lhes foi reclamada na sua nota discriminativa e justificativa das custas de parte, transferindo o encargo para quem realmente é considerado, à luz do decidido na sentença, responsável pelo pagamento das custas do processo;
v)Ainda na feliz expressão do citado Acórdão desta Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-01-2016, que subscrevemos integralmente, “seria por demais injusto e gravemente atentatório do princípio do contraditório enunciado no art.º 3.º do Código de Processo Civil, considerar – face a uma sentença que omite (eventualmente sem qualquer desvalor face ao Direito constituído) o tratamento de uma questão e cria uma aparência distinta da que motiva a reacção e perante um subsequente lapso do Tribunal – que a parte surpreendida já nem sequer pudesse reagir porque o Tribunal não disse nada sobre o assunto na sentença. Seria esta, também, uma forma acabada de denegar o direito à tutela jurisdicional efectiva, garantido no n.º 1 do art.º 6.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, no art.º 47.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa e no n.º 2 do art.º 2.º do Código de Processo Civil.”;
vi)A interpretação que teve vencimento, segundo a qual é extemporâneo o pedido de dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça apresentado no processo pela parte que dele pretenda beneficiar, após a elaboração da conta, afronta as garantias das partes de acesso ao direito e de tutela jurisdicional efectiva, da equidade, da proporcionalidade e da igualdade, consagradas nos artigos 18º e 20º da Constituição da República Portuguesa
vii)Finalmente, entendemos que a tese por nós propugnada é, em nossa modesta opinião, a que mais se adequa aos objectivos programáticos que estiveram subjacentes à reforma do sistema de custas judiciais implementada pelo Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro e reafirmada pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, pela qual o legislador procurou adequar o “valor da taxa de justiça ao tipo de processo em causa e aos custos que, em concreto, cada processo acarreta para o sistema judicial, numa filosofia de justiça distributiva à qual não deve ser imune o sistema de custas processuais, enquanto modelo de financiamento dos tribunais e de repercussão dos custos da justiça nos respectivos utilizadores (…)[8].
São estes, em suma, os fundamentos da minha discordância, que justificam o voto de vencido.

Lisboa, 22 de Fevereiro de 2018




[1]Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-10-2015, Processo 6431-09.3TVLSB-A.L1-6, in www.dgsi.pt; no mesmo sentido Acs. do T.R. Lisboa de 16/03/17, relatora Ondina Carmo Alves, 473/15.7T8LSB.L1-2, de 15/10/15, 6431-09.3TVLSB-A.L1-6 (relator António Martins), 22/06/2016 , relatora Carla Mendes, Proc. 1105/13.3T2SNT.L1-8, de 16/06/2015, no proc. nº 2264/06.7TVLSB-A.L1-1, de 15/10/2015, no proc. nº 6431-09.3TVLSB-A.L1-6, de 15/10/2015, no proc. nº 6431-09.3TVLSB-A.L1-6, de 28/04/2016, no proc. nº 473/12.9TVLSB-C.L1-2, de 19/05/2016, proc. nº 670/14.2T8CSC.L1.-2, de 16/03/2017, proc. 473/15.7T8LSB.L1-2; Ac. T. R. Guimarães de 04/05/2017, 4958/15.7T8GMR-J.G1; Ac. do T.R. Coimbra de 14/03/17, Proc. nº 3943/15.3T8LRA-B.C1; Ac. Supremo Tribunal Administrativo 1ª secção, relatora Ana Paula Portela de 20/10/15, Proc. nº 0468/15, Ac. STA de 19/10/16, relator Casimiro Gonçalves, proc. nº 0586/16, Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido em 16/12/15, Proc. nº 09173/15, Ac. STA de 29/10/2014, relator Aragão Seia, Proc. nº 0547/14 e Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 13/07/2017, relator Lopes do Rego, 669/10.8TBGRD-B.C1.S).
[2]Acórdão da Relação de Lisboa, de 07.11.2013, proc. nº 332/04.9TBVPA.P1; Acórdão da Relação de Lisboa, 03.12.2013, proc. nº 1586/08.7TCLRS-L2.7; Acórdão da Relação de Guimarães, de 27.3.2014, proc. nº  612/09.7TBVCT.G2; Acórdão da Relação de Coimbra, de 29.4.2014, proc. nº 2045/09.6T2AVR-B.C2; Acórdão do STA, de 21.5.2014, proc. nº 0129/14; Acórdão da Relação do Porto, de 30.9.2014, proc. nº 2424/07.3TBVCD-A.P1; Acórdão da Relação de Guimarães, de 14.5.2015, proc. nº 464/09.7TBPVL-A.G1, Ac. do Tribunal R. Lisboa de 14/01/16, relator Carlos Marinho, proc. nº 7973-08.3TCLRS-A.L1-6 e Ac. do STJ de 12/10/17, relator Salazar Casanova, 3863/12.3TBSTS-C-P1.S2.
3Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28-04-2016, Processo 473/12.9TVLSB-C.L1-2
[4]Assim decidimos amiúde, na 1ª Instância, por exemplo, em despacho proferido no dia 12/06/2014, na acção declarativa de condenação n.º 12062/12.3T2SNT, que correu seus termos pela extinta 1ª Vara de Competência Mista de Loures.
[5]A divergência jurisprudencial sobre o tema não é mais que uma inevitável consequência da variabilidade das situações jurídicas e de interpretação de leis.
[6]Aditado pela Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro.
[7]A taxa de justiça é “a prestação pecuniária que o Estado, em regra, exige aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou da qual beneficiem, ou seja, trata-se do valor que os sujeitos processuais devem prestar como contrapartida mínima relativa à prestação daquele serviço.” (cf. “Introdução” elaborada por SALVADOR DA COSTA e constante do seu “Regulamento das Custas Processuais”, 2ª ed., 2008, p. 6).  
Os valores desse pagamento são os que decorrem da tabela I-A que faz parte integrante do RCP., sendo que ao tempo do devido pagamento pelas partes, estava em vigor um redacção dessa Tabela I-A que para as acções de valor superior a € 600.000,01 estabelecia uma taxa variável entre 20 a 60 UC, sucedendo que por força do disposto no art.º 6º nº6 do R.C.P. as partes liquidariam a taxa de justiça no seu valor mínimo.
Acontece que já na parte final do nº 6 deste normativo se estabelecia que devia a parte pagar o excedente da taxa de justiça, se o houvesse, a final.
Este comando foi mantido com a alteração ao RCP, operada pela Lei nº 7/2012 de 13 de Fevereiro, mas foi aditado um n.º 7 a esse art.º 6º, complementando e esclarecendo o regime aplicável neste particular, nos seguintes termos:
Nas causas de valor superior a (euro)275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Decorre da disposição legal citada que o despacho de dispensa da taxa de justiça remanescente pode ter lugar até ser elaborada a conta do processo, sendo que podendo ele ser proferido “oficiosamente” na sentença, o mais curial é que um despacho sobre tal venha a ocorrer quando as partes sejam confrontadas com essa questão e a coloquem para decisão judicial, na sequência da notificação para pagamento da taxa de justiça remanescente “ex vi” do disposto no art.º 14º, n.º 9, do RCP.
O referido normativo, como refere Salvador da Costa «visa, excepcionalmente, atenuar a obrigação de pagamento da taxa de justiça em acções de valor mais elevado» (Regulamento das Custas Processuais, 4ª ed., p. 236).
[8]Cf. Preâmbulo do Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro.