Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
248/12.5YHLSB.L1-1
Relator: AFONSO HENRIQUE
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
DIREITOS CONEXOS
VIDEOGRAMAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – A execução de videogramas através de aparelhos de televisão existentes nos quartos dum Hotel tem a natureza pública.
Directiva 2001/29/CE (em particular o seu artº3º nº1); artºs.178º, nº 1 e 184º', nº 2, ambos do CDADC.
(Sumário do Relator - AHCF )
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA (1ª SECÇÃO)

G....., com sede na Av. …., L…, e G…...,CRL, com sede na Rua …, L…, instauraram o presente procedimento cautelar, ao abrigo do disposto no artigo 210º-G do Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC), contra:

Hotéis…, S.A., com sede na Avenida…, L….

Pedem que: - Seja decretado o encerramento do Hotel denominado T…, sito na …, em S…, explorado pela requerida. Subsidiariamente, pedem que, sejam cumulativamente decretadas as providências seguintes: - A proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas; a apreensão dos bens que se suspeite violarem os direitos conexos e dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente, aparelhos de televisão, aparelhos de reprodução de DVDs, cassetes ou aparelhos retransmissores de conteúdos videográficos, bem como suportes informáticos que contenham ficheiros audiovisuais e, caso se verifique a sua utilização para a execução pública de videogramas, computadores, notebooks, tablets ou, ainda, qualquer outro meio utilizado para esse fim; e a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pela sociedade requerida, com o objectivo de visualizar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os videogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso.

Alegam, em síntese, o seguinte:

- A primeira requerente é uma associação de gestão colectiva que se encontra devidamente constituída, registada e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com cobrança de direitos de autor e direitos conexos.
- De igual forma, e com objectivos semelhantes, a segunda requerente exerce a gestão colectiva dos direitos conexos mas, desta feita, de artistas, intérpretes e executantes.
- A actividade de licenciamento e cobrança das remunerações é desenvolvida pela requerente G..E, em parceria com a requerente G.., procedendo assim ao licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas, sendo que a primeira requerente licencia a utilização, por parte dos eventuais interessados, da quase totalidade do repertório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal.
- A execução pública de videogramas editados comercialmente, além de carecer de autorização dos respectivos produtores, confere a estes e aos artistas, intérpretes e executantes, o direito a receber uma remuneração equitativa.
- O Hotel denominado T…, sito …, em S… é um estabelecimento comercial aberto ao público, no qual se procede de forma habitual e continuada à execução pública, através dos aparelhos de televisão existentes nos quartos de dormir e nos espaços comuns (halls, bares/restaurantes, etc.), de videogramas do repertório entregue à gestão da requerente, sem a competente licença e autorização.
- Apesar de lhe ter sido enviada carta a informar da necessidade de obter a respectiva licença e de pagar os direitos conexos devidos pela utilização de videogramas, a requerida tem prosseguido normalmente a sua actividade e, nessa medida, a execução pública de videogramas, não tendo a primeira requerente recebido, até hoje, qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.
- A requerida deduziu oposição, na qual veio invocar a ilegitimidade das requerentes, uma vez que as mesmas não representam todo o universo de produtores, editores, artistas, intérpretes e executantes, portugueses e estrangeiros, mas somente aqueles que as mandatem para o efeito.
- Assim, deveriam as requerentes ter identificado os respectivos membros que pretendem ver os seus direitos discutidos na providência, bem como ter procedido à junção dos documentos que titulam os direitos daquelas para representar cada associado individualmente considerado.
- Sustenta, deste modo, a procedência da excepção e a consequente absolvição da instância.
- Mais alegou a requerida que as requerentes não apresentam prova de que são titulares de direitos conexos e que estão autorizados a exercer tais direitos.
- Para além disso, não apresentam factos enunciativos da existência da violação nem fazem prova da mesma, ainda que sumária.
- Acresce que não têm direito a cobrar qualquer licença à requerida, uma vez que a radiodifusão efectuada no Hotel T… não está sujeita a autorização dos produtores e dos artistas porquanto não efectua uma transmissão ao público, mas uma mera recepção da emissão transmitida pelo operador Z…, sendo certo que a recepção efectuada nos quartos do hotel não é pública, dado o número reduzido de hóspedes em cada quarto, de cada vez.

Termina pugnando pela improcedência do presente procedimento.



Foi saneada a causa, designadamente, foi julgada improcedente a arguida ilegitimidade das AA. e proferida a competente sentença com a seguinte parte decisória:

“-…-
Decisão

Por todo o exposto, julga-se parcialmente procedente o presente procedimento cautelar e em consequência:
a) Impõe-se à requerida a proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas;
b) Impõe-se à requerida a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento por si explorado, Hotel T…, sito…, em S…, com objectivo de visualizar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os videogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso, sempre com integral respeito pela privacidade dos hóspedes que se encontrara nas unidades de alojamento.
c) Condena-se a requerida a pagar urna sanção pecuniária compulsória, desde o trânsito em julgado desta decisão, no montante de 1.500,00 Euros, por cada dia de incumprimento das medidas cautelares ora decretadas.
d) Custas pelas requerentes, nos termos do disposto no artigo 453º, nºs 1 e 2 do CPC, consignando-se que as mesmas estão delas isentas.
-…-”



Da referida sentença veio a requerida recorrer, recurso esse que foi admitido com sendo de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito suspensivo por ter sido prestada caução pela recorrente.

E fundamentou o respectivo recurso, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

- A Requerida vem interpor recurso de Apelação da Douta Sentença proferida pelo tribunal a quo, quer no que respeita à matéria de facto, quer no que respeita à matéria de direito.
- A decisão sobre a matéria de facto vertida na sentença que ora se recorre é incorrecta no que respeita aos números 4, 6, 7 e 12 da fundamentação de facto, que corresponde aos pontos 1.4., 1.6., 1.7., 1.12. da resposta à matéria de facto, uma vez que o tribunal deu como provados factos que não se encontravam demonstrados nos autos.
- O tribunal a quo deu como provado o facto constante do número 4, no entanto o conteúdo constante deste facto, não é o que consta do documento no qual ele se fundamenta.
- A G…E está legitimada a representar somente os autores, produtores e editores que a mandataram para o efeito, não a sua generalidade.
- Com efeito, andou mal o tribunal a quo em dar como provado um facto, com base num documento do qual não se infere a factualidade dada como provada.
- O número 6 não devia ser dado como provado nos moldes em que foi, uma vez que quando afirma que as Requerentes representam o reportório nacional e estrangeiro, não está a excluir qualquer artista ou produtor, mas sim a referir-se ao reportório nacional e estrangeiro como a universalidade dos artistas e produtos, sem fazer qualquer exclusão ou diferenciação.
- O tribunal a quo fundamentou esta decisão no depoimento das testemunhas A… e P…. Em primeiro lugar, nenhuma testemunha ouvida em audiência referiu que a G..E e a G. representam a totalidade do reportório nacional e estrangeiro. E, em segundo lugar, considera a Apelante que tal facto não pode ser dado como provado com recurso à prova testemunhal.
- Dos depoimentos prestados não resulta que as Requerentes, ora Apeladas, representem a totalidade do reportório nacional e estrangeiro. Antes pelo contrário, é dito expressamente que tanto a G..E como a G.. fazem a cobrança somente das entidades por si representadas e que representam a quase totalidade desse reportório (vide transcrição dos depoimentos no ponto 2.2.).
- Em segundo lugar, considera a Apelante que a prova do facto 6, não pode ser feita com recurso à prova testemunhal.
- Do depoimento da testemunha A…, resulta que a G..E tem mandatos com representação para representar produtoras independentes de televisão e que têm documentos que provam a existência desses mandatos.
- A prova da existência de mandatos com representação deverá ser efectuada mediante a junção aos autos de tais documentos e não mediante os depoimentos dos directores gerais das Apeladas. Não basta dizer que se representa determinado produtor ou artistas, há que provar essa representação.
- Com efeito, constando os poderes de representação de documentos (cfr. depoimento da testemunha A…) e tendo a Requerida, ora Apelante, colocado em causa a existência desses mandatos e, consequentemente, a titularidade dos direitos conexos de que as Requerentes, ora Apeladas, se arrogam, deveriam estas últimas, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 260º do Código Civil, ex vi artigo 1178º do Código Civil, ter junto aos autos cópia desses mesmos documentos, sob pena de a declaração não produzir efeitos.
- Não o tendo feito, nunca poderá ser dado como provada a sua existência com base em prova testemunhal, por violação do disposto no artigo 260º Código Civil.
- Tendo a declaração negocial sido reduzida a escrito, não é, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 393º do Código Civil, admissível prova testemunhal.
- As Apeladas e as suas associadas, ao celebraram por escritos os referidos mandatos, agiram no sentido de conferir a tais documentos a forma escrita. - Com efeito, tendo as partes estipulado a forma escrita, não é admissível a prova testemunhal para demonstração da existência dos mesmos.
- Caso se considerasse que a prova deste facto poderia ser feita por testemunhas, o que não se concede, sempre se dirá que os testemunhos produzidos em audiência foram prestados pelos directores gerais das Requerentes, pessoas com interesse directo na boa decisão da causa.
- O facto das Apeladas terem junto aos autos um mandato da A..T…, só prova que representam esta associação e não todo o reportório nacional e internacional de produtores. Aliás, juntam as Apeladas uma lista dos associados da A..T, mas não fizeram qualquer prova dos mandatos conferidos por estes associados a esta associação. A junção do mandato da A..T não prova que a G..PE representa a totalidade do reportório nacional porque há produtoras como a M… e as Produções H… que não são associadas da A..T.
- A G.. não juntou aos autos qualquer mandato que prove a representação de qualquer dos seus associados.
- As Apeladas não juntaram aos autos qualquer acordo celebrado com entidades estrangeiras.
- O número 7 foi incorrectamente dado como provado, uma vez que a prova de que a Apelada … licencia a utilização da quase totalidade do reportório nacional, não se basta com o depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento. Para este facto ser dado como provado, tinham as Requerentes de fazer prova por documentos, o que não o fizeram (vide conclusões H) a N)).
- O número 12 foi incorrectamente dado como provado, uma vez que os videogramas transmitidos nas televisões do Hotel T… não fazem parte do reportório entregue à gestão da G..E, dado que a G..E não detém a titularidade da gestão sobre a totalidade do reportório que é transmitido nas televisões do hotel (vide depoimento transcrito em 2.4. das alegações).
- Não foi provado qual o reportório entregue à Requerida, uma vez que, para prova deste facto, não é admissível prova testemunhal (vide conclusões (vide conclusões H) a N)).
- Ao dar como provados estes factos, foram violadas as normas constantes no nº 2 do artigo 260º do Código Civil, ex vi artigo 1178º do Código Civil e no nº 1 do artigo 393º do Código Civil. A decisão relativa à matéria de direito constante da Douta Sentença recorrida é incorrecta pelas razões que se passam a indicar.
- As Requerentes, ora Apeladas, não têm legitimidade activa para propositura do procedimento cautelar de que ora se recorre.
- As entidades de gestão colectiva actuam em tribunal em defesa dos seus sócios e beneficiários, mercê de um mandato com representação. Como tal, a legitimidade processual das associações ou organismos, neste caso a G..E e a G.., está condicionada à defesa dos interesses específicos dos seus representados.
- As Requerentes, ora Apeladas, não representam todo o universo de produtores, editores, artistas, intérpretes e executantes, portugueses e estrangeiros, mas somente aqueles que as mandatem para o efeito.
- Não fizeram prova de quais os associados da G..E e da G.. cujos interesses estão a ser discutidos no procedimento cautelar, qual a sua relação com as entidades Apeladas e quais os direitos concretos supostamente violados.
- Assim, ao considerar-se que as Apeladas têm legitimidade activa, violou-se o disposto nos artigos 72º e 73º do CDADC.
- O requisito da titularidade do direito de autor ou de direitos conexos não se encontra provado nos autos, bem como o seu preenchimento não se basta com a invocação de que estas entidades representem a quase totalidade do reportório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal.
- Não foi produzida nos autos prova suficiente de que estas entidades representam a quase totalidade do reportório nacional e estrangeiro.
- Na verdade, não lograram as Apeladas demonstrar que foram mandatadas para representar a quase totalidade do reportório nacional e estrangeiro, tendo-se cingido a alegar tal facto e a tentar demonstrar mediante o depoimento dos seus directores gerais (vide conclusões H) a N)).
- Para ser possível o tribunal atender à natureza dos direitos conexos aqui em causa, sempre seria necessário a demonstração não só da titularidade dos direitos, como também da sua natureza.
- Não havendo uma especificação dos produtores, editores, artistas, intérpretes e executantes, não se consegue determinar se as Requerentes, ora Apeladas, estão a reclamar direitos que lhes pertencem, podendo estar a cobrar taxas sobre direitos que não lhes foram conferidos, recebendo quantias que não lhes era legítimo cobrar.
- A pretensa prova da representação da quase totalidade do reportório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal, não é suficiente para preencher o requisito da titularidade do direito.
- Ao arrogarem-se o direito de cobrar taxas sobre cada aparelho de televisão existente no hotel, sem discriminação dos programas ou canais cujos produtores ou artistas representam e ao requererem a apreensão dos televisores que façam execução pública de videogramas, estão a avocar para si direitos sobre a totalidade do reportório nacional e estrangeiro, bem como sobre canais meramente informativos, ou canais especialistas como os de desporto ou de viagens, que claramente não dependem da sua autorização.
- Não podem as Requerentes agir como se tivessem o direito de cobrar taxas sobre cada aparelho de televisão e sobre todos os conteúdos que lá são transmitidos e, posteriormente, alegar que só representam parte dos artistas e produtores desses mesmos programas.
- Para que o requisito da titularidade do direito estivesse preenchido, seria também necessário que estivesse indiciariamente provado nos autos que as Requerentes representam a totalidade do reportório nacional e estrangeiro, o que não acontece.
- A meritíssima Juiz do tribunal a quo considerou que as Requerentes são titulares da quase totalidade do reportório nacional e estrangeiro.
- Assim, ao considerar que está provada a titularidade do direito, violou o disposto no artigo 210º - G do CDADC.
- Considerou o tribunal a quo, na sentença que ora se recorre, que a conduta da Requerida, ao manter aparelhos de televisão nos quartos de dormir, que estão ligados e executam videogramas, sendo que tais equipamentos recebem a emissão transmitida por uma operadora de TV, está contemplada nos conceitos comunicação ao público e execução pública, previstos nos artigos 178º nº 1 e 184º nº 2, ambos do CDADC.
- A utilização de aparelhos de televisão nos quartos e espaços comuns do hotel, não constitui, por si só, um acto de comunicação ao público, não carecendo, portanto, de autorização por parte dos titulares dos direitos conexos.
- A Apelante não efectua uma transmissão ao público, mas sim uma mera recepção de emissões de radiodifusão, transmitidas pelo operador Z…, o que constitui uma mera recepção da obra e não uma nova utilização (recepção­-transmissão).
- No nosso direito vigora o princípio da livre recepção, ou seja, quem possuir um receptor pode utilizá-lo livremente, pois a autorização inicial para a radiodifusão abrange a posterior recepção, não fazendo sentido exigi-la na fonte e no destino.
- Fazendo uma interpretação sistemática do artigo 155º do CDADC, nomeadamente por confronto com o nº 3 do artigo 153º do CDADC, conclui-se que a comunicação pública de obra radiodifundida não está sujeita a autorização do autor (logo, também não estará sujeita a autorização do intérprete, executante ou produtor) e que só será devida remuneração se a obra radiodifundida for comunicada ao público por meio de um sistema específico de altifalantes ou outro processo de difusão.
- Conclui-se assim que, quer os textos internacionais, quer o disposto no CDADC apontam para a desnecessidade de autorização dos autores e, consequentemente, também dos artistas, intérpretes e produtores, quando está em causa a simples recepção de obra radiodifundida.
- Já a comunicação pública de uma obra radiodifundida dará lugar a uma remuneração equitativa se for feita através de altifalantes ou de outros meios técnicos que se traduzam num novo aproveitamento da emissão.
- Este entendimento encontra-se corroborado não só na doutrina nacional, como no Parecer nº 4/1992, homologado pelo Ministro da … e pelo Secretário de Estado da C…, bem como na jurisprudência citada no ponto 3.3. das alegações.
- Mesmo que se entenda que existe uma transmissão ao público nas zonas comuns do hotel, o que não se concede, sempre se dirá que as transmissões efectuadas nos quartos não são públicas, dado o número reduzido de hóspedes em cada quarto.
- Os quartos de hotel são realidades dinâmicas que hospedam, sucessivamente, diferentes hóspedes.
- Os quartos de hotel são considerados um espaço privado, pelo que a utilização de aparelhos de televisão nos referidos quartos não constitui um acto de comunicação ao público, não requerendo, portanto, autorização por parte dos titulares dos direitos de propriedade intelectual das obras objecto de comunicação.
- Ao considerar preenchido o pressuposto da violação do direito, violou o disposto no artigo 155º do CDADC, no nº 3 do artigo 153º do CDADC, no artigo 184º do CDADC.
- O tribunal a quo, na sentença que ora se recorre, conclui que, no vertente caso, estamos perante uma execução pública de videogramas, por aplicação do acórdão interpretativo do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 07-12-2006, no processo C-306/05 (Sociedade… - S… contra R… Ho…, S.A.).
- Refere ainda que tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais e do espaço da União estão vinculados às conclusões - bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial.
- As pronúncias prejudiciais do Tribunal de Justiça apenas vinculam o Juiz do processo que efectuou o reenvio.
- A questão prejudicial remetida pelo tribunal espanhol, tem por base a interpretação da Directiva 2001/29 em conjugação com os artigos 17º e 20º da Lei da Propriedade Intelectual Espanhola, pelo que se baseou não só na Directiva 2001/29 como também na legislação nacional espanhola.
- Não pode o tribunal a quo aplicar um acórdão que foi proferido no âmbito de um processo específico, com vicissitudes próprias e com base em legislação de um ordenamento jurídico estrangeiro.
- Este acórdão pressupõe que a recepção de emissões de televisão se traduz num benefício económico por parte das entidades exploradoras do hotel e que os utentes escolhem um determinado estabelecimento hoteleiro pelo facto de dispor ou não de televisão, o que não se verifica em Portugal uma vez que a lei portuguesa obriga a que todos os hotéis de 3, 4 e 5 estrelas disponham de aparelhos televisivos nos quartos.
- O acórdão aplicou o nº 1 do artigo 3º da Directiva nº 2001/29/CE que estabelece a necessidade de autorização dos autores, enquanto relativamente aos artistas e intérpretes e aos produtores se deve aplicar o nº 2 do mesmo preceito que, apenas exige autorização dos mesmos, quando está em causa a colocação à disposição do público, ou seja, on demand ou a pedido.
- Já depois de proferido este acórdão interpretativo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, foram proferidas várias decisões de tribunais nacionais que contrariam o seu alcance.
- O tribunal a quo, ao decretar a providência cautelar recorrendo a um conceito jurídico - execução pública - cuja interpretação não se encontra, de modo algum, assente no ordenamento jurídico nacional, desrespeitou a função da providência cautelar.
- A questão da existência do direito a que as Requerentes se arrogam não está definitivamente resolvida na doutrina e na jurisprudência, não sendo estas unânimes quanto ao carácter público da execução de videogramas. Também não é clara a questão de se saber se a difusão de obra de radiodifusão configura uma mera recepção daquela ou antes uma nova utilização. A tudo isto acresce a potencial falta de titularidade das Apeladas para cobrar taxas pela referida execução.
- O que as Requerentes, ora Apeladas, pretendem acautelar não pode ser alcançável pela providência cautelar consagrada no artigo 210º-G do CDADC, mas sim através de uma acção declarativa comum em que se dá ampla liberdade às partes de discussão dos elementos fácticos, apresentação de prova suficiente e verificação dos argumentos jurídicos suscitados no pleito.
- Ao decretar a providência cautelar violou os artigos 210º-G do CDADC, bem como o artigo 381º do CPC.
- As obrigações impostas à Apelante, mercê do decretamento da providência cautelar que se recorre, são desproporcionais, imprimindo um ónus bastante elevado à Hotéis …, S.A.
- Tendo em conta o conceito de execução pública adoptado pelo tribunal a quo e a injunção que foi imposta à Apelante, tal implica que o Hotel T… desligue todos os aparelhos de televisão existentes nos quartos e nos espaços comuns do Hotel.
- O Hotel T… é qualificado como sendo um hotel de quatro estrelas, pelo que, nos termos da Portaria 327/2008, de 28 de Abril, é obrigado ter TV a cores com controlo remoto na unidade de alojamento, em todos os quartos (vide anexo I da referida portaria).
- Os particulares estão obrigados ao cumprimento das obrigações jurisdicionais.
- Da mesma forma, estão os sujeitos obrigados ao cumprimento das disposições legais que lhes são aplicadas. Com efeito, tal imposição leva a Apelante a um incumprimento legislativo.
- Nestes termos, a execução desta medida será bastante lesiva para o hotel, podendo mesmo ter como efeito directo, a sua requalificação (vide nº 3 do artigo 38º do DL 228/2009, de 14 de Setembro e artigo 2º da Portaria 327/2008, de 28 de Abril), com a consequente desvalorização drástica da categoria atribuída, o que exigiria certamente o encerramento desta unidade hoteleira, causando graves prejuízos à Apelante.
- O livre acesso às suas instalações, concedido pela Juiz do tribunal a quo aos funcionários das Apeladas, contende com o seu direito à propriedade, pelo que, a permissão concedida pela Juíza do tribunal a quo, é gravemente lesiva para os direitos da autora constitucionalmente tutelados.
- Não pode um mero funcionário das Apeladas, sem qualquer autoridade para o efeito, invadir o Hotel T… e, sem qualquer restrição, fiscalizar as suas instalações.
- Nestes termos, ao impor estas obrigações à Apelante, está a violar as normas constantes no anexo I da Portaria 327/2008, de 28 de Abril, o artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, nº 2 do artigo 3º da Directiva Comunitária nº 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, e o artigo 387º, nº 2 CPC.

Nestes termos e nos mais de direito, deverá o presente recurso de apelação ser julgado procedente, revogando-se a Sentença recorrida, substituindo-a por outra que absolva a Requerida, ora Apelante, dos pedidos formulado pelas Requerentes, ora Apeladas.


Contra-alegou a recorrida e requerente, formulando as seguintes CONCLUSÕES:

- A Requerente vem responder às alegações de recurso de Apelação da Douta Sentença proferida pelo tribunal a quo que interpôs a Requerida, ora Apelante, quer no que respeita à matéria de facto quer no que respeita à matéria de direito.
- No que respeita à matéria de facto as apeladas vêm responder às considerações feitas pela ora Apelante acerca dos pontos número 4, 6, 7 e 12 da fundamentação de facto, que corresponde aos pontos 1.4,1.6,1.7 e 1.12. da resposta à matéria de facto.
- O tribunal a quo deu como provado o facto constante do número 4, e muito bem.
- Porém, entende a Apelante que a redacção constante deste facto indicia que a Apelada G..E está mandatada para representar a generalidade dos produtores de videogramas.
- Tal como atrás demonstrado, a G..E está efectivamente legitimada a representar os produtores, autores, produtores e editores que a mandataram para o efeito, seus associados, sendo isso bem perceptível através da leitura dos seus estatutos, documento que fundamenta a decisão.
- Assim, a Apelante, em relação àquele facto, fez uma leitura descontextualizada e, consequentemente, incorrecta.
- Pelo que, contrariamente ao alegado pela Apelante andou muito bem o tribunal a quo ao dar como provado o facto constante no número 4, pois efectivamente tal mandato consta do documento no qual ele se fundamenta, tal como demonstrado.
- Acerca dos números 6 e 7 da fundamentação de facto, a Apelante faz uma leitura isolada destes dois pontos, erradamente em nossa opinião.
- Concedendo tal leitura, resultaria numa leitura errada e contraditória.
- Analisando o encadeamento da decisão da matéria de facto, constatamos que no ponto número L6 da resposta da matéria de facto foi dado como provado que "no âmbito da actividade de licenciamento e cobrança de remunerações de produtores e artistas, as requerentes representam o reportório nacional e estrangeiro (…)" e, seguidamente, no ponto número 17 foi dado como provado que a requerente G…E licencia a utilização da quase totalidade do reportório".
- Ora, fazendo uma leitura sequencial e contextualizada dos factos provados na decisão do Tribunal a quo, concluímos o seguinte: As requerentes defendem, cobram, gerem e distribuem os referidos direitos dos seus associados, representando o reportório nacional e estrangeiro e dentro desse reportório licenciam a quase totalidade do reportório, nacional e estrangeiro, comercializado em Portugal.
- Ainda, acerca destes dois pontos da matéria de facto, alega a Apelante que o tribunal a quo fundamentou estas decisões, incorrectamente, com base nos depoimentos das testemunhas A… e P….
- Aliás, como concluído pela Apelante na alínea G) das suas Conclusões relativas às sua Alegações do presente Recurso, dos depoimentos prestados pelas testemunhas resulta expressamente que tanto a G..E como a G…fazem a cobrança somente das entidades por si representadas e que representam a quase totalidade desse reportório, o que não se nega.
- Entende a Apelante que tais factos não podem ser dados como provados com recurso à prova testemunhal, por tais matérias poderem exigir prova documental.
- Porém, como é do conhecimento da ora Apelante, foram juntas aos autos listagens dos associados das ora Apeladas, aliás, prova bastante dos representados das Apeladas, confirmadas em sede de audiência de julgamento pela prova testemunhal, e que serviram para fundamentar, assim, e bem, a convicção do julgador do Douto Tribunal a quo.
- Relativamente ao ponto 12 da fundamentação da matéria de facto foi dado como provado que “esses videogramas fazem parte do reportório entregue à gestão da Requerente”.
- Considera a Apelante que não se encontra provado que os videogramas transmitidos nas televisões do Hotel T… fazem parte do reportório entregue à gestão da G…E,
- Na óptica da Apelante, G…E não detém a Titularidade da gestão sobre a totalidade do reportório que é transmitido nas televisões do hotel, o que não se nega.
- Tecendo sobre o assunto as mesmas considerações sobre a inadmissibilidade da prova testemunhal que teceu relativamente à matéria supra analisada nos pontos 6 e 7 da fundamentação de facto.
- Tal como referido, foi produzida prova em sede de audiência de julgamento, através do teor dos documentos juntos de fls. 135 a 139, confirmada posteriormente pelo depoimento da Testemunha A…, que na qualidade de director-geral da G..E, tem conhecimentos profundos sobre as atribuições (...) bem como dos produtores que a mesma representa (…) razão de ciência peia qual a Mª Juiz do Tribunal recorrido se baseou para fundamentar/formar a sua convicção acerca desta matéria, e muito bem.
- Pelo que não existe violação das normas constantes no nº 2 do artigo 260º do Código Civil e no nº1 do artigo 393º do Código Civil, contrariamente ao alegado pela Apelada.
- A decisão relativa à matéria de direito constante da Douta Sentença recorrida é, assim, correcta pelas razões que se passam a indicar.
- Alega a Apelante que o tribunal a quo andou mal ao determinar que as Requerentes, ora Apeladas, têm legitimidade activa para a propositura do procedimento cautelar de que ora se recorre. As Requerentes deveriam ter identificado os respectivos membros que pretendem ver os seus direitos discutidos na acção, bem como ter junto os documentos que titulam os direitos das Requerentes para representar cada associado individualmente considerado.
- Como referido anteriormente, efectivamente foram juntas aos autos listagens dos associados das Apeladas.
- Mais, contrariamente ao alegado pela Apelante, foram juntos aos autos, a título exemplificativo uma grelha de programação, identificando quais os programas cujos os produtores são representados pelas ora Apeladas, documentos esses que serviram de base à fundamentação de facto que esses videogramas executados no estabelecimento explorado pela Apelante fazem parte do reportório entregue à gestão das Apeladas.
- Assim, a legitimidade processual das oras Apeladas está condicionada à defesa dos interesses dos seus representados, como já referido.
- As Requerentes, ora Apeladas, tal como provado, representam a quase totalidade de produtores, artistas, editores, interpretes e executantes, portugueses e estrangeiros, que as mandatem para o efeito.
- As Apeladas fizeram prova de quais os associados, juntando para o efeito ao procedimento cautelar, listagens dos mesmos.
- Assim, por as Apeladas têm legitimidade activa, não existindo violação do disposto nos artigos 72º e 73º do C.D.A.D.C.
- Considera a Apelante que na sentença ora recorrida proferida pelo tribunal a quo, não se vislumbra o preenchimento da titularidade do direito de autor ou de direitos conexos, requisito indispensável para o decretamento da providência cautelar, alegando para o efeito que não só não estava provado nos autos essa titularidade, como o seu preenchimento não se bastava com a invocação de que as ora Apeladas representam a quase totalidade do reportório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal.
- Por um lado, o requisito da titularidade do direito de autor e de direitos conexos e a existência de violação do direito tutelado pelas Apeladas encontra-se provado nos autos, contrariamente ao alegado pela Apelante.
- Ainda contrariamente ao entendimento da Apelante e, como já foi referido sobre o ponto 6 da fundamentação da matéria de facto, designadamente no que respeita à impugnação da matéria de facto dada como provada, foi produzida nos autos prova suficiente de que ora Apeladas representam a quase totalidade do reportório nacional e estrangeiro.
- Ta1 como também ficou bastamente provado em sede de Audiência de Discussão e Julgamento, que nas televisões do Hotel T… são transmitidos programas cujos produtores são representados pelas ora Apeladas.
- Prova essa produzida através do teor dos documentos juntos de fls. 135 a 139, confirmada posteriormente pelo depoimento da Testemunha A…, que na qualidade de director-geral da G…E.
- Nessa qualidade, tem a testemunha conhecimentos profundos sobre as atribuições (…) bem como dos produtores que a mesma representa (...) razão de ciência pela qual a Mª Juiz do Tribunal recorrido se baseou para fundamentar/formar a sua convicção acerca desta matéria, e muito bem.
- Também considera a Apelante, mais uma vez, que andou mal o tribunal a quo ao considerar que estamos perante uma execução pública de videogramas sujeita a autorização dos titulares de direitos conexos.
- Nos artigos 178º, nº 1 e 184º, nº 2, ambos do CDADC, está prevista a faculdade de autorizar a difusão dos videogramas por qualquer meio, incluindo a sua execução pública.
- Tais normativos, que foram introduzidos no ordenamento português pela Lei nº 50/04 de 24 de Agosto, a qual transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, correspondem ao artigo 3º desta Directiva, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação.
- Dispõe artigo 3º da Directiva em apreço, o seguinte:
1. Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido (...) - (sublinhado nosso).
- Assim, a colocação à disposição do público das obras por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa e no momento por elas escolhido compreende a acepção de “exibição”.
- Nestes termos, muito bem andou o tribunal a quo ao considerar nos autos que estamos perante uma execução pública de videogramas sujeita a autorização dos titulares de direitos conexos.
- O Tribunal a quo, na sentença de que ora se recorre, conclui que, no caso sub judice, se está perante uma execução pública de videogramas, por aplicação do acórdão interpretativo do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 07-12-2006 no processo C-306/05 (Sociedade …,S… contra R… H…s, S.A.), e bem no nosso entendimento.
- Na esteira do douto entendimento do Tribunal a quo, tratando-se tal Acórdão espanhol de um aresto interpretativo.
- Assim sendo, a sua interpretação, vincula tanto os tribunais nacionais como os tribunais do espaço europeu, com o sentido e o alcance que o mesmo definiu “a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3º, nº 1, desta directiva” (correspondente aos artigos 178º nº1 e 184º nº2 CDADC).
- Nestes termos, contrariamente ao alegado pela Apelante o referido aresto aplica-se perfeitamente ao caso sub judice, pelo que deverá a douta decisão recorrida ser mantida, por estarmos, no presente caso, perante uma execução pública de videogramas não autorizada, em quartos de hotel.
- Pelo que se conclui que não existe violação do disposto no artigo 210º-G do CDADC, contrariamente ao alegado pela Apelante, antes pelo o contrário estão preenchidos os requisitos para a sua aplicação: a titularidade do direito e a violação do direito arrogado.
- Alega a Apelante que as supra mencionadas injunções impostas pelo douto Tribunal recorrido são desproporcionais, causando um ónus demasiado elevado à Hotéis …, S.A.
- Concomitantemente aquele entendimento, as medidas ordenadas pelo Tribunal a quo são as medidas adequadas e proporcionais para fazerem cessar a violação dos direitos audiovisuais dos associados daquelas, pois são a única forma de compelir a ora apelante ao cumprimento das medidas ali decretadas, isto é, que conduzem adequadamente ao pedido efectivo de licenciamento da Apelante para poderem continuar a execução pública de videogramas protegidos pelas ora Apeladas de forma lícita e legal.
- Pelo exposto, a decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, devendo manter-se na sua íntegra.

Nestes termos e nos mais de Direito que V/Exas. Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ao recurso ser negado provimento, mantendo-se a douta decisão recorrida, nos termos das conclusões que se deixam formuladas, com o que se fará JUSTIÇA.

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- Foram dispensados os vistos aos Exmos. Adjuntos.


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APRECIANDO E DECIDINDO

Thema decidendum

- Em função das conclusões do recurso, temos que:

A requerida e recorrente pretende com o seu recurso ver alterados alguns factos dados como assentes e também pugna pela revogação da sentença objecto de recurso por entender que a execução de videogramas nos quartos do seu Hotel não tem, designadamente, natureza pública.

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A) - Apuraram-se os seguintes FACTOS:

1 - Para a defesa dos direitos conexos e de outros direitos e interesses dos autores, produtores e editores de conteúdos audiovisuais, foi constituída em 16-01-1998, a requerente G…E, a qual defende, cobra, gere e distribui os referidos direitos dos seus associados.
2 - De igual forma, e com objectivos semelhantes - gestão colectiva dos direitos conexos mas, desta feita, de artistas, intérpretes e executantes -, foi constituída em 1995 a requerente G..…, C.R.L.
3 - As requerentes encontram-se registadas na Inspecção-Geral das Actividades Culturais.
4 - A requerente G..E é uma entidade de gestão colectiva que está mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança das remunerações derivadas da utilização dos conteúdos audiovisuais dos mesmos.
5 - A requerente G..E, em parceria com a requerente G.., desenvolve o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas.
6 - No âmbito da actividade de licenciamento e cobrança de remunerações de produtores e artistas, as requerentes representam o repertório nacional e estrangeiro, sendo que para o repertório estrangeiro tal resulta de acordos celebrados com as suas congéneres estrangeiras, como também do licenciamento a companhias nacionais associadas da requerente G…E de videogramas originalmente fixados noutros territórios.
7 - A requerente G…E licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal.
8 - As requerentes têm ainda por atribuições promover e apoiar o combate à contrafacção e usurpação de fonogramas.
9 - A remuneração dos produtores, intérpretes e executantes, cobrada aos utilizadores, é dividida entre produtores e artistas sendo a parcela devida a estes entregue à G… ou, caso esta não represente um determinado artista, será devolvida ao respectivo produtor que, por sua vez, pagará ao artista, nos termos acordados entre este e aquele.
10 - O Hotel denominado T…, sito …, em S…, explorado pela requerida Hotéis …, S.A., é um estabelecimento aberto ao público.
11 - O mencionado estabelecimento funciona diariamente e, em qualquer desses dias, tem aparelhos de televisão nos quartos de dormir e nos bares, que são ligados e executam videogramas.
12 - Esses videogramas fazem parte do repertório entregue à gestão da requerente.
13 - A requerida não possuía, como não possui, qualquer autorização dos produtores de videogramas ou da requerente G..E, para proceder à execução pública, no referido estabelecimento, de videogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos.
14 - Na sequência do descrito em 11., a requerente G..E, através dos seus advogados, enviou à requerida, uma carta datada de 19 de Junho de 2012, cuja cópia está junta a fls.70 dos autos, cujo teor se dá aqui por reproduzido, onde consta, entre outros elementos, "fomos incumbidos de vos exigir que procedam ao licenciamento dos direitos conexos dos videogramas tornados acessíveis aos vossos clientes por V.Exas. e cujos titulares são representados pela G..E. (...) ficaremos a aguardar pelo prazo de 10 dias, a contar da recepção da presente que V.Exas. procedam ao licenciamento dos direitos conexos acima mencionados".
15 - Até à presente data a requerida não apresentou à requerente G..E qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.
16 - O estabelecimento da requerida, referido em 10., recebe a emissão transmitida pela operadora de televisão Z….
17 - Os quartos de hotel do estabelecimento da requerida hospedam, sucessivamente, diferentes hóspedes.

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B) – Da Questão de Facto

A requerida e recorrente recorreu da decisão de facto, porquanto:

“-…-
A decisão sobre a matéria de facto vertida na sentença que ora se recorre é incorrecta no que respeita aos números 4, 6, 7 e 12 da fundamentação de facto, que corresponde aos pontos 1.4., 1.6., 1.7., 1.12. da resposta à matéria de facto, uma vez que o tribunal deu como provados factos que não se encontravam demonstrados nos autos.
- O tribunal a quo deu como provado o facto constante do número 4, no entanto o conteúdo constante deste facto, não é o que consta do documento no qual ele se fundamenta.
- A G..E está legitimada a representar somente os autores, produtores e editores que a mandataram para o efeito, não a sua generalidade.
- Com efeito, andou mal o tribunal a quo em dar como provado um facto, com base num documento do qual não se infere a factualidade dada como provada.
- O número 6 não devia ser dado como provado nos moldes em que foi, uma vez que quando afirma que as Requerentes representam o reportório nacional e estrangeiro, não está a excluir qualquer artista ou produtor, mas sim a referir-se ao reportório nacional e estrangeiro como a universalidade dos artistas e produtos, sem fazer qualquer exclusão ou diferenciação.
- O tribunal a quo fundamentou esta decisão no depoimento das testemunhas A… e P…. Em primeiro lugar, nenhuma testemunha ouvida em audiência referiu que a G..E e a G.. representam a totalidade do reportório nacional e estrangeiro. E, em segundo lugar, considera a Apelante que tal facto não pode ser dado como provado com recurso à prova testemunhal.
- Dos depoimentos prestados não resulta que as Requerentes, ora Apeladas, representem a totalidade do reportório nacional e estrangeiro. Antes pelo contrário, é dito expressamente que tanto a G..E como a G.. fazem a cobrança somente das entidades por si representadas e que representam a quase totalidade desse reportório (vide transcrição dos depoimentos no ponto 2.2.).
- Em segundo lugar, considera a Apelante que a prova do facto 6, não pode ser feita com recurso à prova testemunhal.
- Do depoimento da testemunha A…, resulta que a G..E tem mandatos com representação para representar produtoras independentes de televisão e que têm documentos que provam a existência desses mandatos.
- A prova da existência de mandatos com representação deverá ser efectuada mediante a junção aos autos de tais documentos e não mediante os depoimentos dos directores gerais das Apeladas. Não basta dizer que se representa determinado produtor ou artistas, há que provar essa representação.
- Com efeito, constando os poderes de representação de documentos (cfr. depoimento da testemunha A…) e tendo a Requerida, ora Apelante, colocado em causa a existência desses mandatos e, consequentemente, a titularidade dos direitos conexos de que as Requerentes, ora Apeladas, se arrogam, deveriam estas últimas, nos termos do disposto no nº 2 do artigo 260º do Código Civil, ex vi artigo 1178º do Código Civil, ter junto aos autos cópia desses mesmos documentos, sob pena de a declaração não produzir efeitos.
- Não o tendo feito, nunca poderá ser dado como provada a sua existência com base em prova testemunhal, por violação do disposto no artigo 260º Código Civil.
- Tendo a declaração negocial sido reduzida a escrito, não é, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 393º do Código Civil, admissível prova testemunhal.
- As Apeladas e as suas associadas, ao celebraram por escritos os referidos mandatos, agiram no sentido de conferir a tais documentos a forma escrita. - Com efeito, tendo as partes estipulado a forma escrita, não é admissível a prova testemunhal para demonstração da existência dos mesmos.
- Caso se considerasse que a prova deste facto poderia ser feita por testemunhas, o que não se concede, sempre se dirá que os testemunhos produzidos em audiência foram prestados pelos directores gerais das Requerentes, pessoas com interesse directo na boa decisão da causa.
- O facto das Apeladas terem junto aos autos um mandato da A..…, só prova que representam esta associação e não todo o reportório nacional e internacional de produtores. Aliás, juntam as Apeladas uma lista dos associados da A.., mas não fizeram qualquer prova dos mandatos conferidos por estes associados a esta associação. A junção do mandato da A..não prova que a G..E representa a totalidade do reportório nacional porque há produtoras como a M… e as Produções H… que não são associadas da A...
- A G.. não juntou aos autos qualquer mandato que prove a representação de qualquer dos seus associados.
- As Apeladas não juntaram aos autos qualquer acordo celebrado com entidades estrangeiras.
- O número 7 foi incorrectamente dado como provado, uma vez que a prova de que a Apelada G..E licencia a utilização da quase totalidade do reportório nacional, não se basta com o depoimento das testemunhas ouvidas em julgamento. Para este facto ser dado como provado, tinham as Requerentes de fazer prova por documentos, o que não o fizeram (vide conclusões H) a N)).
- O número 12 foi incorrectamente dado como provado, uma vez que os videogramas transmitidos nas televisões do Hotel T… não fazem parte do reportório entregue à gestão da G…E, dado que a G…E não detém a titularidade da gestão sobre a totalidade do reportório que é transmitido nas televisões do hotel (vide depoimento transcrito em 2.4. das alegações).
- Não foi provado qual o reportório entregue à Requerida, uma vez que, para prova deste facto, não é admissível prova testemunhal (vide conclusões (vide conclusões H) a N)).
- Ao dar como provados estes factos, foram violadas as normas constantes no nº 2 do artigo 260º do Código Civil, ex vi artigo 1178º do Código Civil e no nº 1 do artigo 393º do Código Civil.
-…-”


São estes os factos impugnados pela recorrente:

“-…-
4 - A requerente G..E é uma entidade de gestão colectiva que está mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança das remunerações derivadas da utilização dos conteúdos audiovisuais dos mesmos.
6 - No âmbito da actividade de licenciamento e cobrança de remunerações de produtores e artistas, as requerentes representam o repertório nacional e estrangeiro, sendo que para o repertório estrangeiro tal resulta de acordos celebrados com as suas congéneres estrangeiras, como também do licenciamento a companhias nacionais associadas da requerente G..E de videogramas originalmente fixados noutros territórios.
7 - A requerente G..E licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal.
12 - Esses videogramas fazem parte do repertório entregue à gestão da requerente.
-…-”


- Que dizer?


Como se constata os factos que a recorrente quer ver modificados têm a ver com o grau de representação das AA. para propor a presente acção de natureza preventiva e a confirmar-se a justeza do procedimento cautelar, a necessária acção comum, no prazo legalmente previsto, sob pena de caducidade.

Ora, essa questão foi correctamente tratada pelo Tribunal a quo quando julgou improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela requerida e agora recorrente.

A argumentação aduzida nessa decisão exarada aquando do saneamento da causa mostra também o equívoco em que assenta este recurso que agora estamos a conhecer.

Lembremos, pois, os argumentos que levaram à improcedência da arguida excepção de ilegitimidade das AA.:

“-…-
A requerida veio arguir a excepção dilatória da ilegitimidade das requerentes para o presente procedimento cautelar, por as mesmas, enquanto entidades de gestão colectiva de direito de autor e direitos conexos, não representarem todo o universo de produtores, editores, artistas, intérpretes e executantes, portugueses e estrangeiros, mas apenas aquelas que as mandatem para o efeito. Ora, para o efeito, as requerentes deveriam ter identificado os associados cujos interesses estão em causa nestes autos, bem como ter apresentado os documentos que conferem àquelas os direitos de representação de cada associado individualmente considerado.
Em audiência as requerentes vieram responder a esta excepção, reiterando o que já haviam alegado na petição e que consubstancia a sua legitimidade para representar os seus associados, enquanto organismos de gestão colectiva legalmente constituídos. Por outro lado, a requerente G..E alegou representar cerca de 100% do repertório de videogramas nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal, sendo que, para prova deste facto juntou em audiência vários documentos, nomeadamente listagens dos repertórios que as requerentes representam.

Apreciando e decidindo.

Dispõe o artigo 26º, nº 1 do CPC, na parte que ora nos importa, que «o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar», exprimindo-se este pela utilidade derivada da procedência da acção (nº 2 do citado artigo).
O nº 3 do mesmo preceito consagra um critério que visa pôr termo a uma discussão que teve palco durante décadas na doutrina e na jurisprudência. Assim, a norma introduzida na lei processual civil pelo Decreto-Lei nº 329-A/95, de 12 de Dezembro, dispõe que «são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação material controvertida, tal como é configurada pelo autor».
Com efeito, como se pode ler no Preâmbulo do citado diploma, este partiu «de uma formulação da legitimidade semelhante à adoptada pelo Decreto-Lei nº 224/82 e assente, consequentemente, na titularidade da relação material controvertida, tal como a configura o autor, próxima da posição imputada a Barbosa de Magalhães na controvérsia que historicamente o opôs a Alberto dos Reis».
Ora, no caso vertente, podemos dizer que a relação material controvertida configurada pelas requerentes tem por referência, no lado activo, e num primeiro plano, os direitos de licenciamento e de cobrança de remunerações que decorrem dos direitos exclusivos dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de videogramas, consagrados, respectivamente, nos artigos 178º, nº 1 e 184º, nºs.2 e 3, ambos do CDADC, onde está prevista a faculdade de autorizar a difusão dos videogramas por qualquer meio, incluindo a sua execução pública. Num outro plano, as requerentes, enquanto entidades de gestão colectiva devidamente constituídas, registadas e mandatadas, são titulares de direitos de licenciamento e de cobrança de remunerações devidas a produtores de videogramas, sendo, aliás, a requerente G…E quem licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal. A par disso, a requerente G…E, em parceria com a requerente G.., desenvolve o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas.
Ainda segundo a configuração dada pelas requerentes à relação controvertida, os videogramas alegadamente executados no estabelecimento explorado pela requerida fazem parte do repertório entregue à gestão da requerente.
Importa aqui referir que as requerentes, enquanto entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos, estão sujeitas ao regime definido pela Lei nº 83/2001, de 3 de Agosto, que regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições de tais entidades.
O artigo 3º, nº 1, alínea a), dessa Lei nº 83/2001, estabelece que as referidas entidades têm por objecto gestão dos direitos patrimoniais que lhes sejam confiados em relação a todas ou a algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos.
Resulta, por seu turno, do artigo 9º do mesmo diploma que, obtido o competente registo (junto da IGAC - artigo 6º), as referidas entidades estão legitimadas, nos termos dos respectivos estatutos e da lei aplicável, a exercer os direitos confiados à sua gestão e a exigir o seu efectivo cumprimento por parte de terceiros, mediante o recurso às vias administrativas e judiciais.
Assim, considerando a configuração definida pelas requerentes, acima descrita, e o disposto no citado artigo 26º do CPC, conclui-se que as mesmas têm interesse directo em demandar, sendo, pois, partes legítimas.
Tudo o mais, designadamente se os factos apurados preenchem o alegado pelas requerentes, nos moldes por elas configurados, pertence a uma outra sede - a da apreciação do mérito, a efectuar também, mais adiante, nesta decisão final.
Pelo exposto, de harmonia com o preceituado nas disposições legais citadas, julga-se improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade das requerentes, suscitada pela requerida.
-…-”

Prosseguindo o nosso raciocínio.

Como se constata, as AA., que estão devidamente registadas para o efeito, apenas representam os respectivos associados e só em relação a eles podem exercer os direitos que quer ver reconhecidos nestes autos.

Por outro lado, os questionados testemunhos só foram trazidos à colação porque corroboram os documentos que suportaram os citados factos dados como assentes.

Não há, por isso, qualquer conflito entre a prova testemunhal e a documental nem esta foi preterida por aquela.

Também não se vislumbra qualquer interesse útil no recurso quanto à decisão sobre a matéria de facto.

Senão vejamos.

Mesmo procedendo o presente procedimento cautelar a decisão a executar terá necessariamente como objecto, tão só, os videogramas das entidades representadas efectivamente pelas AA.

Por tudo isto não há qualquer ofensa dos artºs.1178º, 260º e 393º do CC.

Tudo visto, improcede o recurso quanto à decisão de facto e consequentemente, julgam-se definitivamente fixados os factos dados como assente pelo Tribunal recorrido.

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C) Da Questão de Direito

A requerida e recorrente no que se reporta à matéria de Direito começa por suscitar novamente a questão da falta de legitimidade activa das AA.

Acontece que esse pressuposto processual já foi analisado e bem decidido em sede de Saneador com fundamentos a que também aderimos e que supra reiteramos - cfr. B).

Significa isto que as AA. têm a necessária legitimidade para agir no interesse dos seus associados, nos termos dos artºs.72º e 73º do CDADC.

Fica por apreciar a providência cautelar propriamente dita e que está prevista no CDADC.

Sobre os requisitos exigidos para o decretamento de tal procedimento escreveu-se na sentença a sindicar:

“-…-
Conforme dispõe o artigo 210º-G, nº 1 do CDADC, «sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a: Inibir qualquer violação iminente; ou proibir a continuação da violação».
Por seu turno o nº 2 do mesmo preceito legal estatui que, “o requerente deve demonstrar que é titular de direito de autor ou de direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-los, e que se verifica ou está iminente uma violação.”
São, pois, requisitos essenciais destas providências cautelares: 1) a titularidade de um direito de autor ou de direitos conexos e; 2) a violação iminente do direito, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável desse direito, ou a violação efectiva do direito e perigo de continuação ou de repetição da violação.
Note-se que, quanto ao segundo requisito, tratando-se de violação efectiva do direito, a lei assegura a tutela cautelar independentemente do requisito da gravidade da lesão e difícil reparabilidade (cf. António Santos Abrantes Geraldes, Tutela Cautelar da Propriedade Intelectual, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários Formação Permanente, 13 de Novembro de 2009, págs.14, 15 e 19).

Vejamos, pois.

1) Da probabilidade séria da existência do direito Invocado

No caso vertente, conforme ficou indiciariamente provado, as requerentes, entidades de gestão colectiva registadas na IGAC, desenvolvem, em parceria, o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas.
Mais se apurou que a requerente G…E licencia a utilização da quase totalidade do repertório de videogramas, nacionais ou estrangeiros, comercializados e utilizados em Portugal.
Por outro lado, os videogramas que a requerida executa nos aparelhos de televisão existentes nos quartos de dormir e nos bares do Hotel que explora fazem parte do repertório entregue à gestão da requerente.
As requerentes, enquanto entidades de gestão colectiva do direito de autor e dos direitos conexos, estão sujeitas às regras estabelecidos pela Lei nº 83/2001, de 3 de Agosto, que regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições de tais entidades.
Segundo o artigo 3º, nº 1, alínea a), da Lei nº 83/2001, as referidas entidades têm por objecto gestão dos direitos patrimoniais que lhes sejam confiados em relação a todas ou a algumas categorias de obras, prestações e outros bens protegidos.
Por outro lado, o artigo 9º do mesmo diploma dispõe que, obtido o competente registo junto da IGAC - artigo 6º), as referidas entidades estão legitimadas, nos termos dos respectivos estatutos e da lei aplicável, a exercer os direitos confiados à sua gestão e a exigir o seu efectivo cumprimento por parte de terceiros, mediante o recurso às vias administrativas e judiciais.
Ora, considerando que, em sede de procedimento cautelar, ao Tribunal cabe apenas fazer um juízo de mera probabilidade ou verosimilhança (fumus boni juris) da existência do direito, conclui-se que, em face dos elementos factuais indiciariamente apurados nestes autos, as requerentes são titulares de direitos resultantes do mandato que lhes foi conferido pelos seus associados, ou, quanto ao repertório estrangeiro, em resultado de acordos celebrados com as suas congéneres estrangeiras, como também do licenciamento a companhias nacionais associadas da requerente G…E de videogramas originalmente fixados noutros territórios.
Assim, na parte que agora nos interessa, as requerentes, na qualidade de entidades de gestão colectiva, são titulares de direitos de licenciamento e de cobrança de remunerações devidas a produtores e artistas de videogramas.
Direitos de licenciamento e de cobrança de remunerações que decorrem precisamente dos direitos exclusivos dos artistas intérpretes ou executantes e dos produtores de videogramas, consagrados, respectivamente, nos artigos 178º, nº 1 e 184º, nº 2, ambos do CDADC, onde está prevista a faculdade de autorizar a difusão dos videogramas por qualquer meio, incluindo a sua execução pública.
2) Da violação iminente do direito, susceptível de causar lesão grave e dificilmente reparável desse direito, ou da violação efectiva do direito e perigo de continuação ou de repetição da violação
Assente que está a titularidade dos direitos invocados pelas requerentes, nos moldes analisados supra, importa ponderar se ocorreu, ou não, violação de tais direitos, por parte da requerida, ou, não tendo a mesma ainda ocorrido, se existe violação iminente e fundado receio de que cause às requerentes (enquanto representantes dos seus associados) lesão grave e de difícil reparação.
A esse respeito apurou-se que o hotel explorado pela requerida, um estabelecimento aberto ao público e a funcionar diariamente, tem, em qualquer desses dias, aparelhos de televisão nos quartos de dormir e nos bares, que são ligados e executam videogramas que fazem parte do repertório entregue à gestão da requerente.
Mais se apurou que requerida não possuía, como não possui, qualquer autorização dos produtores de videogramas ou da requerente G…E, para proceder à execução pública, no referido estabelecimento, de videogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos.
Pese embora a carta que a requerente G…E enviou à requerida, instando-a para proceder ao licenciamento dos direitos conexos em causa, até à presente data a requerida não apresentou àquela requerente qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização.
A questão que aqui se suscita e que tem leituras diversas por banda das partes prende-se com a natureza da execução de videogramas através dos aparelhos de televisão existentes no hotel da requerida, mormente nos quartos onde ficam alojados os hóspedes. As requerentes sustentam que se trata de execução pública que exige autorização e licenciamento e o correspondente pagamento de uma remuneração equitativa. A requerida, por seu turno, argumenta que tal não constitui transmissão ao público, pois que efectua uma mera recepção do sinal emitido por uma operadora de televisão, não havendo aí lugar a uma nova utilização (recepção/transmissão), sendo certo que a recepção efectuada nos quartos não é pública, dado o número reduzido de hóspedes em cada quarto, de cada vez.
Conforme referimos supra, os direitos que as requerentes invocam e que consubstanciam o «exclusivo de exploração» titulado pelos artistas intérpretes ou executantes e produtores de videogramas, encontram consagração legal nos artigos 178º, nº 1 e 184º, nº 2, ambos do CDADC.
A redacção de tais normativos foi introduzida pela lei nº 50/04, de 24 de Agosto, a qual transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação.
No âmbito do referido instrumento, entende o legislador comunitário que «a harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear-se num elevado nível de protecção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua protecção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da actividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade» (Considerando 9).
Por seu turno, lê-se no Considerando 23 que: «a presente directiva deverá proceder a uma maior harmonização dos direitos de autor aplicáveis à comunicação de obras ao público. Esses direitos deverão ser entendidos no sentido lato, abrangendo todas as comunicações ao público não presente no local de onde provêm as comunicações. Abrangem ainda qualquer transmissão ou retransmissão de uma obra ao público, por fio ou sem fio, incluindo a radiodifusão, não abrangendo quaisquer outros actos».
Mais adiante, nos Considerandos 24 e 27, consigna-se que «o direito de colocar à disposição do público materiais contemplados no nº 2 do artigo 3º deve entender-se como abrangendo todos os actos de colocação desses materiais à disposição do público não presente no local de onde provém esses actos de colocação à disposição, não abrangendo quaisquer outros actos» e que «a mera disponibilização de meios materiais para permitir ou realizar uma comunicação não constitui só por si uma comunicação na acepção da presente directiva».
O artigo 3º da Directiva em apreço dispõe o seguinte:
«1. Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação ou disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido. 2. Os Estados-Membros devem prever que o direito exclusivo de autorização ou proibição de colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, cabe: Aos artistas intérpretes ou executantes, para as fixações das suas prestações; Aos produtores de fonogramas, para os seus fonogramas; Aos produtores de primeiras fixações de filmes, para o originai e as cópias dos seus filmes; e aos organismos de radiodifusão, para as fixações das suas radiodifusões, independentemente de estas serem transmitidas por fio ou sem fio, incluindo por cabo ou satélite. 3. Os direitos referidos nos nºs. 1 e 2 não se esgotam por qualquer acto de comunicação ao público ou de colocação à disposição do público, contemplado no presente artigo».
Uma vez que os artigos 178º, nº 1 e 184º', nº 2, ambos do CDADC, constituem transposição das normas da referida Directiva, mormente do supra citado artigo 3º, a sua interpretação deve obedecer ao princípio da interpretação conforme o direito da União Europeia, levando-se obrigatoriamente em linha de conta o sentido interpretativo que o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem dando a tais disposições legais, através da jurisprudência produzida em sede de decisão prejudicial (artigo 267.2 do TJUE; cf. T C Hartley, The Foundations of Eumpean Uníon Lave, 7th ed., Oxford, 2010, pp.318-319; cf. ainda Carla Câmara (aut.) e Maria José Rangel de Mesquita (colab. cient.), Guia Prático do Reenvio Prejudicial, Lisboa, Centro de Estudos Judiciários, p.16, disponível na internet em <http://www.cej.mj.pt> [consultado em 30-10-2012], onde se assinala: "Relativamente aos efeitos materiais, no que se refere às questões prejudiciais de interpretação, dir-se-á que o tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais nacionais e do espaço da União estão vinculados às conclusões - bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial. São razões de uniformidade as subjacentes a tal obrigatoriedade. Não obstante, caso a questão seja novamente colocada pelo TN, a decisão anterior do TJ pode ser revista ou modificada por este, alterando o conteúdo e o sentido do acórdão anterior. Tratando-se de acórdão interpretativo, a interpretação incorpora-se na norma que interpreta, vinculando o TN à sua aplicação com o sentido e o alcance que foi definido pelo acórdão"). Neste contexto, o TJUE já teve oportunidade de se pronunciar sobre o sentido a dar ao artigo 3º, nº 1 da Directiva, quando esteja em causa a utilização de aparelhos de televisão em hotéis. Assim, no Acórdão proferido em 7-12-2006, no processo C-306/05 (Sociedade…,S..E contra R… Hoteles, SA), o TJUE determinou o seguinte:
«1) Embora a mera disponibilização de meios materiais não constitua, por si só, uma comunicação na acepção da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3º, nº 1, desta directiva. 2) O carácter privado dos quartos de hotel não se opõe a que a comunicação de uma obra neles operada através de aparelhos de televisão constitua um acto de comunicação ao público, na acepção do artigo 3º, nº 1, da Directiva 2001/29.»
Posteriormente, reproduzindo esta orientação, o Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 18-03-2010, proferido no processo C-136/09 (pedido de decisão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio grego, Areios Pagos), que tinha por objecto o conceito de «comunicação ao público» e as obras difundidas através de aparelhos de televisão instalados nos quartos de hotel e ligados a uma antena central do hotel sem outra intervenção da parte do proprietário para a recepção do sinal pelos clientes, formulou o seguinte dispositivo:
«Ao instalar aparelhos de televisão nos quartos de hotel do seu estabelecimento e ao ligá-los à antena central do referido estabelecimento, o proprietário pratica, por esse simples facto, um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3º, nº 1, da Directiva 2001/29/CE do Parlamento europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação.»
Ora, considerando o sentido atribuído pelo TJUE às disposições legais em análise e a exigência de interpretação do direito nacional conforme ao direito da União Europeia, há que concluir que a conduta da requerida, ao manter aparelhos de televisão nos quartos de dormir, que são ligados e executam videogramas, sendo que tais equipamentos recebem a emissão transmitida por uma operadora de TV, está contemplada nos conceitos comunicação ao público e execução pública, previstos nos artigos do 178º, nº 1, e 184º, nº 2, ambos do CDADC. Deste modo, uma vez que a requerida não possui licença ou autorização das requerentes, enquanto representantes de autores intérpretes ou executantes e dos produtores dos videogramas executados, conclui-se também que aquela adoptou e vem adoptando comportamentos lesivos dos direitos de que as associadas das requerentes são titulares.
Assim, mostra-se igualmente verificado o pressuposto da violação efectiva do direito e perigo de continuação ou de repetição da violação, que, in casu, fundamenta a aplicação de medidas cautelares aptas a fazer impedir a continuação da violação.
3) Das providências a decretar
Nos presentes autos as requerentes pedem:
1 - Que seja decretado o encerramento do estabelecimento explorado pela requerida. Ou, caso assim se não entenda, sejam cumulativamente decretadas as providências seguintes: A proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas; A apreensão dos bens que se suspeite violarem os direitos conexos e dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente aparelhos de televisão, aparelhos de reprodução de DVDs, cassetes ou aparelhos retransmissores de conteúdos videográficos (mesmo que apenas para um circuito interno de vídeo ou, eventualmente, para outros hotéis do mesmo grupo), bem como suportes informáticos que contenham ficheiros audiovisuais e, caso se verifique a sua utilização para a execução pública de videogramas, computadores, notebooks, tablets ou, ainda, qualquer outro meio utilizado para esse fim; e c) A obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pela requerida, com o objectivo de visualizar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os videogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso.
Neste contexto, analisando o primeiro pedido formulado pelas requerentes encerramento do estabelecimento explorado pela requerida -, concluí-se que o mesmo se revela excessivo e desproporcionado. Na verdade, o pretendido encerramento implicaria a cessação da actividade comercial da requerida, assim provocando um prejuízo manifestamente superior àquele que se visa acautelar com o presente procedimento.
Subscrevemos, pois, as conclusões alcançadas no Acórdão da Relação de Évora de 29-9-2009 que, embora versando sobre a execução pública de fonogramas, reveste igual pertinência para o caso sub judice (aresto disponível na internet em <http://www.dgsi.pt>): «as medidas a decretar não podem porém ser arbitrárias nem excessivas. Elas devem antes ser adequadas e suficientes a prevenir a continuação da violação do direito, sem contudo excederem os limites do razoável e sem atentarem contra o exercício legítimo de outros direitos do requerido. O pedido de encerramento do estabelecimento da requerida é manifestamente desproporcionado e excede os limites de protecção do direito da requerente, pelo que não pode ser acolhido».
Quanto à requerida apreensão dos aparelhos de televisão, de reprodução de DVDs, cassetes ou aparelhos retransmissores de conteúdos videográficos (mesmo que apenas para um circuito interno de vídeo ou, eventualmente, para outros hotéis do mesmo grupo), bem como de suportes informáticos que contenham ficheiros audiovisuais, importa referir que a mesma também se revela desproporcionada, considerando que os objectivos cautelares da presente providência poderão ser alcançados com a aplicação de outras medidas dotadas de suficiência equivalente, in casu, a proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas e a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento, acompanhadas de uma sanção pecuniária compulsória que garanta o acatamento de tais injunções.
Assim, quanto às demais providências (proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas e obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pela sociedade requerida, com o objectivo de visualizar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os videogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso), analisadas tais medidas à luz das necessidades cautelares evidenciadas no caso concreto e por tudo o que atrás ficou dito, resulta que as mesmas se revelam adequadas e suficientes para fazer cessar a violação detectada, bem como a prevenir novas violações por banda da requerida, encontrando acolhimento legal no artigo 210º-G do CDADC.
Contudo, em relação à obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento em causa, é de ressalvar, como não poderia deixar de ser, o respeito que é devido à privacidade dos hóspedes que se encontram nas unidades de alojamento do estabelecimento em causa.
A par do decretamento de tais providências, afigura-se ajustado fixar uma sanção pecuniária compulsória, em ordem a garantir um efectivo acatamento pela requerida.
Com efeito, o artigo 210º-G, nº 4 do CDADC, estabelece que «pode o tribunal, oficiosamente ou a pedido do requerente, decretar uma sanção pecuniária compulsória com vista a assegurar a execução das providências previstas no nº 1».
A este respeito, o artigo 829º-A do Código Civil dispõe o seguinte:
«1. Nas obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, salvo nas que exigem especiais qualidades científicas ou artísticas do obrigado, o tribunal deve, a requerimento do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento ou por cada infracção, conforme for mais conveniente às circunstâncias do caso. A sanção pecuniária compulsória prevista no número anterior será fixada segundo critérios de razoabilidade, sem prejuízo da indemnização a que houver lugar. O montante da sanção pecuniária compulsória destina-se, em partes iguais, ao credor e ao Estado. Quando for estipulado ou judicialmente determinado qualquer pagamento em dinheiro corrente, são automaticamente devidos juros à taxa de 5% ao ano, desde a data em que a sentença de condenação transitar em julgado, os quais acrescerão aos juros de mora, se estes forem também devidos, ou à indemnização a que houver lugar».
Tal como se salienta no Acórdão da Relação de Lisboa de 19-07-2010, «a sanção pecuniária compulsória não funciona como indemnização, pois não se destina a indemnizar o credor pelos prejuízos que o inadimplemento da prestação eventualmente lhe venha a causar. Funciona como meio de coerção, destinado, fundamentalmente, a compelir o devedor à realização da (disponível na internet em <http://www.dgsi.pt>).
No caso vertente, mostram-se preenchidos todos os requisitos para que a requerida seja condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória, sendo que na sua fixação se deve atender a critérios de razoabilidade, conforme determina o citado artigo 829º-A, nº2.
Assim, considerando os aludidos critérios de razoabilidade e o facto de se tratar, não da indemnização que porventura seja devida às requerentes, mas de um mecanismo destinado a compelir o cumprimento das medidas decretadas, importando, pois, determinar um quantum que garanta suficiente eficácia intimidatória, afigura-se-nos ajustado fixar em 1.500,00 Euros o montante diário de tal sanção.
-…-”


- Quid juris?


Definidos os poderes de gestão das AA. importa debruçarmo-nos sobre as restantes questões levantas neste recurso e que foram introduzidas pela recorrente desta maneira:

“-…-
- Considerou o tribunal a quo, na sentença que ora se recorre, que a conduta da Requerida, ao manter aparelhos de televisão nos quartos de dormir, que estão ligados e executam videogramas, sendo que tais equipamentos recebem a emissão transmitida por uma operadora de TV, está contemplada nos conceitos comunicação ao público e execução pública, previstos nos artigos 178º nº 1 e 184º nº 2, ambos do CDADC.
- A utilização de aparelhos de televisão nos quartos e espaços comuns do hotel, não constitui, por si só, um acto de comunicação ao público, não carecendo, portanto, de autorização por parte dos titulares dos direitos conexos.
- A Apelante não efectua uma transmissão ao público, mas sim uma mera recepção de emissões de radiodifusão, transmitidas pelo operador Z.., o que constitui uma mera recepção da obra e não uma nova utilização (recepção­-transmissão).
- No nosso direito vigora o princípio da livre recepção, ou seja, quem possuir um receptor pode utilizá-lo livremente, pois a autorização inicial para a radiodifusão abrange a posterior recepção, não fazendo sentido exigi-la na fonte e no destino.
- Fazendo uma interpretação sistemática do artigo 155º do CDADC, nomeadamente por confronto com o nº 3 do artigo 153º do CDADC, conclui-se que a comunicação pública de obra radiodifundida não está sujeita a autorização do autor (logo, também não estará sujeita a autorização do intérprete, executante ou produtor) e que só será devida remuneração se a obra radiodifundida for comunicada ao público por meio de um sistema específico de altifalantes ou outro processo de difusão.
- Conclui-se assim que, quer os textos internacionais, quer o disposto no CDADC apontam para a desnecessidade de autorização dos autores e, consequentemente, também dos artistas, intérpretes e produtores, quando está em causa a simples recepção de obra radiodifundida.
- Já a comunicação pública de uma obra radiodifundida dará lugar a uma remuneração equitativa se for feita através de altifalantes ou de outros meios técnicos que se traduzam num novo aproveitamento da emissão.
- Este entendimento encontra-se corroborado não só na doutrina nacional, como no Parecer nº 4/1992, homologado pelo Ministro da … e pelo Secretário de Estado da …, bem como na jurisprudência citada no ponto 3.3. das alegações.
- Mesmo que se entenda que existe uma transmissão ao público nas zonas comuns do hotel, o que não se concede, sempre se dirá que as transmissões efectuadas nos quartos não são públicas, dado o número reduzido de hóspedes em cada quarto.
- Os quartos de hotel são realidades dinâmicas que hospedam, sucessivamente, diferentes hóspedes.
- Os quartos de hotel são considerados um espaço privado, pelo que a utilização de aparelhos de televisão nos referidos quartos não constitui um acto de comunicação ao público, não requerendo, portanto, autorização por parte dos titulares dos direitos de propriedade intelectual das obras objecto de comunicação.
- Ao considerar preenchido o pressuposto da violação do direito, violou o disposto no artigo 155º do CDADC, no nº 3 do artigo 153º do CDADC, no artigo 184º do CDADC.
- O tribunal a quo, na sentença que ora se recorre, conclui que, no vertente caso, estamos perante uma execução pública de videogramas, por aplicação do acórdão interpretativo do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 07-12-2006, no processo C-306/05 (Sociedade…, SGAE contra R… Hoteles, S.A.).
- Refere ainda que tribunal que suscitou a questão e os restantes tribunais e do espaço da União estão vinculados às conclusões - bem como à fundamentação - do acórdão prejudicial.
- As pronúncias prejudiciais do Tribunal de Justiça apenas vinculam o Juiz do processo que efectuou o reenvio.
- A questão prejudicial remetida pelo tribunal espanhol, tem por base a interpretação da Directiva 2001/29 em conjugação com os artigos 17º e 20º da Lei da Propriedade Intelectual Espanhola, pelo que se baseou não só na Directiva 2001/29 como também na legislação nacional espanhola.
- Não pode o tribunal a quo aplicar um acórdão que foi proferido no âmbito de um processo específico, com vicissitudes próprias e com base em legislação de um ordenamento jurídico estrangeiro.
- Este acórdão pressupõe que a recepção de emissões de televisão se traduz num benefício económico por parte das entidades exploradoras do hotel e que os utentes escolhem um determinado estabelecimento hoteleiro pelo facto de dispor ou não de televisão, o que não se verifica em Portugal uma vez que a lei portuguesa obriga a que todos os hotéis de 3, 4 e 5 estrelas disponham de aparelhos televisivos nos quartos.
- O acórdão aplicou o nº 1 do artigo 3º da Directiva nº 2001/29/CE que estabelece a necessidade de autorização dos autores, enquanto relativamente aos artistas e intérpretes e aos produtores se deve aplicar o nº 2 do mesmo preceito que, apenas exige autorização dos mesmos, quando está em causa a colocação à disposição do público, ou seja, on demand ou a pedido.
- Já depois de proferido este acórdão interpretativo pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, foram proferidas várias decisões de tribunais nacionais que contrariam o seu alcance.
- O tribunal a quo, ao decretar a providência cautelar recorrendo a um conceito jurídico - execução pública - cuja interpretação não se encontra, de modo algum, assente no ordenamento jurídico nacional, desrespeitou a função da providência cautelar.
- A questão da existência do direito a que as Requerentes se arrogam não está definitivamente resolvida na doutrina e na jurisprudência, não sendo estas unânimes quanto ao carácter público da execução de videogramas. Também não é clara a questão de se saber se a difusão de obra de radiodifusão configura uma mera recepção daquela ou antes uma nova utilização. A tudo isto acresce a potencial falta de titularidade das Apeladas para cobrar taxas pela referida execução.
- O que as Requerentes, ora Apeladas, pretendem acautelar não pode ser alcançável pela providência cautelar consagrada no artigo 210º-G do CDADC, mas sim através de uma acção declarativa comum em que se dá ampla liberdade às partes de discussão dos elementos fácticos, apresentação de prova suficiente e verificação dos argumentos jurídicos suscitados no pleito.
- Ao decretar a providência cautelar violou os artigos 210º-G do CDADC, bem como o artigo 381º do CPC.
- As obrigações impostas à Apelante, mercê do decretamento da providência cautelar que se recorre, são desproporcionais, imprimindo um ónus bastante elevado à Hotéis …, S.A.
- Tendo em conta o conceito de execução pública adoptado pelo tribunal a quo e a injunção que foi imposta à Apelante, tal implica que o Hotel T… desligue todos os aparelhos de televisão existentes nos quartos e nos espaços comuns do Hotel.
- O Hotel T… é qualificado como sendo um hotel de quatro estrelas, pelo que, nos termos da Portaria 327/2008, de 28 de Abril, é obrigado ter TV a cores com controlo remoto na unidade de alojamento, em todos os quartos (vide anexo I da referida portaria).
- Os particulares estão obrigados ao cumprimento das obrigações jurisdicionais.
- Da mesma forma, estão os sujeitos obrigados ao cumprimento das disposições legais que lhes são aplicadas. Com efeito, tal imposição leva a Apelante a um incumprimento legislativo.
- Nestes termos, a execução desta medida será bastante lesiva para o hotel, podendo mesmo ter como efeito directo, a sua requalificação (vide nº 3 do artigo 38º do DL 228/2009, de 14 de Setembro e artigo 2º da Portaria 327/2008, de 28 de Abril), com a consequente desvalorização drástica da categoria atribuída, o que exigiria certamente o encerramento desta unidade hoteleira, causando graves prejuízos à Apelante.
- O livre acesso às suas instalações, concedido pela Juiz do tribunal a quo aos funcionários das Apeladas, contende com o seu direito à propriedade, pelo que, a permissão concedida pela Juíza do tribunal a quo, é gravemente lesiva para os direitos da autora constitucionalmente tutelados.
- Não pode um mero funcionário das Apeladas, sem qualquer autoridade para o efeito, invadir o Hotel T… e, sem qualquer restrição, fiscalizar as suas instalações.
- Nestes termos, ao impor estas obrigações à Apelante, está a violar as normas constantes no anexo I da Portaria 327/2008, de 28 de Abril, o artigo 62º da Constituição da República Portuguesa, nº 2 do artigo 3º da Directiva Comunitária nº 2004/48/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de Abril, e o artigo 387º, nº 2 CPC.
-…-”

Contrapôs a recorrida:

“-…-
- Nos artigos 178º, nº 1 e 184º, nº 2, ambos do CDADC, está prevista a faculdade de autorizar a difusão dos videogramas por qualquer meio, incluindo a sua execução pública.
- Tais normativos, que foram introduzidos no ordenamento português pela Lei nº 5.0/04 de 24 de Agosto, a qual transpôs para o ordenamento jurídico nacional a Directiva 2001/29/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio, correspondem ao artigo 3º desta Directiva, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade de informação.
- Dispõe artigo 3º da Directiva em apreço, o seguinte:
1. Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido (...) - (sublinhado nosso).
- Assim, a colocação à disposição do público das obras por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa e no momento por elas escolhido compreende a acepção de “exibição”.
- Nestes termos, muito bem andou o tribunal a quo ao considerar nos autos que estamos perante uma execução pública de videogramas sujeita a autorização dos titulares de direitos conexos.
- O Tribunal a quo, na sentença de que ora se recorre, conclui que, no caso sub judice, se está perante uma execução pública de videogramas, por aplicação do acórdão interpretativo do Tribunal de Justiça da União Europeia, proferido em 07-12-2006 no processo C-306/05 (Sociedade…, SGAE contra R… Ho.., S.A.), e bem no nosso entendimento.
- Na esteira do douto entendimento do Tribunal a quo, tratando-se tal Acórdão espanhol de um aresto interpretativo.
- Assim sendo, a sua interpretação, vincula tanto os tribunais nacionais como os tribunais do espaço europeu, com o sentido e o alcance que o mesmo definiu “a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3º, nº 1, desta directiva” (correspondente aos artigos 178º nº1 e 184º nº2 CDADC).
- Nestes termos, contrariamente ao alegado pela Apelante o referido aresto aplica-se perfeitamente ao caso sub judice, pelo que deverá a douta decisão recorrida ser mantida, por estarmos, no presente caso, perante uma execução pública de videogramas não autorizada, em quartos de hotel.
- Pelo que se conclui que não existe violação do disposto no artigo 210º-G do CDADC, contrariamente ao alegado pela Apelante, antes pelo o contrário estão preenchidos os requisitos para a sua aplicação: a titularidade do direito e a violação do direito arrogado.
- Alega a Apelante que as supra mencionadas injunções impostas pelo douto Tribunal recorrido são desproporcionais, causando um ónus demasiado elevado à Hotéis …, S.A.
- Concomitantemente aquele entendimento, as medidas ordenadas pelo Tribunal a quo são as medidas adequadas e proporcionais para fazerem cessar a violação dos direitos audiovisuais dos associados daquelas, pois são a única forma de compelir a ora apelante ao cumprimento das medidas ali decretadas, isto é, que conduzem adequadamente ao pedido efectivo de licenciamento da Apelante para poderem continuar a execução pública de videogramas protegidos pelas ora Apeladas de forma lícita e legal.
- Pelo exposto, a decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, devendo manter-se na sua íntegra.
-…-“

Como verificamos o cerne do recurso consiste em saber se a execução de videogramas através de aparelhos de televisão existentes no Hotel, particularmente nos quartos, tem a natureza pública defendida pelas AA/recorridas ou se trata duma mera recepção do sinal emitido por uma operadora de televisão, não havendo aí lugar a uma nova utilização (recepção/transmissão).

Salvo o devido respeito pelo entendimento da recorrente não podemos deixar de, mais uma vez, discordar do mesmo.

Dispõe o artº178º, nº1 do CDADC sobre o poder de autorizar ou proibir:

1 - Assiste ao artista intérprete ou executante o direito exclusivo de fazer ou autorizar, por si ou pelos seus representantes:
a) A radiodifusão e a comunicação ao público por qualquer meio, da sua prestação, excepto quando a prestação já seja, por si própria, uma prestação radiodifundida ou quando efectuada a partir duma fixação;
b) A fixação, sem o seu consentimento, das prestações que não tenham sido fixadas;
c) A reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, sem o seu consentimento, de prestações quando esta não tenha sido autorizada, quando a reprodução tenha seja feita para fins diversos daqueles para os quais foi dado consentimento ou quando a primeira fixação tenha sido feita o abrigo do artº189º e a respectiva reprodução vise fins diversos dos previstos nesse artigo;
d) A colocação à disposição do público, da sua prestação, por fio ou sem fio, por forma a que seja acessível a qualquer pessoa, a partir do local e no momento por ele escolhido.
-…-

Por sua vez e quanto à autorização do produtor estabelece o artº184º do CDADC que:

1 – Carecem de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a reprodução directa ou indirecta, temporária ou permanente, por quaisquer meios e sob qualquer forma, no todo ou em parte, e a distribuição ao público de cópias dos mesmos, bem como da respectiva importação ou exportação.
2 – Carecem também de autorização do produtor do fonograma ou do videograma a difusão de qualquer meio, a execução pública dos mesmos e a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.
-…-

Estes enunciados normativos legais são a expressão no nosso ordenamento jurídico interno da Directiva 2001/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22-2-2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, porquanto (e agora focando-nos no caso sub judice): “Qualquer harmonização do direito de autor e direitos conexos deve basear-se num elevado nível de protecção, uma vez que tais direitos são fundamentais para a criação intelectual. A sua protecção contribui para a manutenção e o desenvolvimento da actividade criativa, no interesse dos autores, dos intérpretes ou executantes, dos produtores, dos consumidores, da cultura, da indústria e do público em geral. A propriedade intelectual é pois reconhecida como parte integrante da propriedade (Considerando 9). Os autores e os intérpretes ou executantes devem receber uma remuneração adequada pela utilização do seu trabalho, para poderem prosseguir o seu trabalho criativo e artístico, bem como os produtores, para poderem financiar esse trabalho. É considerável o investimento necessário para produzir produtos como fonogramas, filmes ou produtos multimédia, e serviços, como os serviços «a pedido». É necessária uma protecção jurídica adequada dos direitos de propriedade intelectual no sentido de garantir tal remuneração e proporcionar um rendimento satisfatório desse investimento (Considerando 10). Um sistema rigoroso e eficaz de protecção do direito de autor e direitos conexos constitui um dos principais instrumentos para assegurar os recursos necessários à produção cultural europeia, bem como para garantir independência e dignidade aos criadores e intérpretes (Considerando 11). Uma protecção adequada das obras e outros materiais pelo direito de autor e direitos conexos assume igualmente grande relevância do ponto de vista cultural (Considerando 12)”.

Ora, independentemente de consideramos que a jurisprudência comunitária sobre um caso espanhol vincula, ou não, o nosso Estado, a simples hermenêutica dos aludidos normativos legais à luz da citada Directiva 2001/29/CE (em particular o artº3º nº1: - Os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido…) leva-nos a pensar que se está perante a execução pública de videogramas.

E não se diga que assim não é por tal execução ocorrer nos quartos dum Hotel, uma vez que, a privacidade do alojamento hoteleiro não anula o conceito de público, entendido como “terceiros” em relação à própria unidade hoteleira.

Tudo visto, nenhuma censura nos merece a sentença sindicada, à qual e no mais, aderimos, nos termos do artº716º nº6, do CPC.


DECISÃO

- Assim e pelos fundamentos expostos, os Juízes desta Relação, acordam em julgar improcedente a apelação e consequentemente, mantêm do decidido pelo Tribunal recorrido.

- Custas pela apelante.

Lisboa, 5 de Março de 2013

Relator: Afonso Henrique C. Ferreira
1º Adjunto: Rui Torres Vouga
2º Adjunto: Maria do Rosário Barbosa