Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1320/11.4TBMTA-C.L1-2
Relator: NELSON BORGES CARNEIRO
Descritores: CASA DE MORADA DE FAMÍLIA
VENDA
EXECUÇÃO FISCAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/24/2022
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – O objetivo do legislador (com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2016 de 23/5), foi o de impedir a venda da casa de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal, protegendo, por essa via, o executado e o seu agregado familiar.
II – O art. 244º, nº 2 do CPPT, apenas proíbe a venda do imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, desde que essa venda ocorra no âmbito de uma execução fiscal.
III – A tutela da alínea b), do nº 7, do artigo 6-E, da Lei nº 1-A/2020, que aprovou as medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, basta-se com a comprovação de que o imóvel a entregar constitui a casa de morada de família da pessoa visada com a diligência de entrega, devendo o executor da medida de entrega suspender imediatamente essa diligência logo que se aperceba que se trata de uma casa de morada de família.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
SOFINLOC - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S. A., intentou ação de execução para pagamento de quantia certa contra MQ e, MEQ.
Os executados requereram o cancelamento da diligência de venda do imóvel penhorado.
Foi proferido despacho que indeferiu a suspensão da venda
(o processo executivo deverá, no entanto, prosseguir até à venda inclusive, suspendendo-se de seguida, no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório, relacionado com a concretização de diligência de entrega judicial do imóvel que é casa de morada de família dos executados, em conformidade com o artº 6º-A, nº. 6, alª. b) da Lei nº.16/2020, de 29 de maio e, enquanto o mesmo preceito legal se encontrar em vigor).
Inconformados, vieram os executados apelar do despacho, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
a) Vieram os Executados, requerer o cancelamento da diligência de venda do imóvel, alegando que nos termos do CPPT, não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.
b) Alegam ainda que foi realizado o acordo de pagamento, com a Exequente Sofinloc Instituição Financeira de Crédito S.A., que está a ser cumprido e,
c) Que o processo só prosseguiu após requerimento do Instituto da Segurança Social IP, único credor reclamante na referida ação.
d) O Tribunal por despacho a Fls., indefere à suspensão da venda entendendo que o artº 244º do CPPT é aplicável exclusivamente à execução fiscal. Aos presentes autos é aplicável o Código de Processo Civil, o qual não contém disposição semelhante.
e) É a conclusão que não é aplicável, de modo extensivo a disposição legal indicada, que os Executados não consideram correta.
f) A presente ação, prossegue unicamente devido ao impulso processual promovido pelo Instituto da Segurança Social I.P., entidade da administração direta do Estado e que cobra as suas dividas através de Execuções de natureza fiscal.
g) No caso vertente o Instituto da Segurança Social, veio reclamar a divida que existe neste processo, pois não apresentou primeiramente uma ação executiva fiscal.
h) Regista-se que a Executada tem dividas á Segurança Social desde 2006 e a presente ação foi instaurada em 2011, ou seja, se diligentemente a Segurança Social tivesse instaurado a ação executiva a mesma encontrava-se a correr termos de acordo com a legislação fiscal e a venda da casa morada de família não poderia ocorrer.
i) A casa morada de família encontra-se protegida no nosso ordenamento jurídico, constituindo ela própria um meio de proteger a família, de modo a proporcionar-lhe uma estabilidade e unidade.
j) Tal facto, justifica a consagração da limitação consagrada no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT que indica que “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”.
k) Encontra-se consagrado no artigo 65 da CRP que “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”.
l) Para além desta consagração constitucional também a Lei de Bases da Habitação, no seu artigo 10.º estabelece que “A habitação permanente é a utilizada como residência habitual e permanente pelos indivíduos, famílias e unidades de convivência. 2 - Todos têm direito, nos termos da lei, à proteção da sua habitação permanente”.
m) O Legislador estabeleceu no artigo 1.º da Lei n.º 13/2016, de 23/5, que “A presente lei protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal, estabelecendo restrições à venda executiva de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado”.
n) Pretendeu com esta disposição o legislador conferir um grau de importância superior à manutenção da habitação, do que á cobrança coerciva de uma dívida de natureza tributária.
o) Não ponderou o legislador que dividas da mesma natureza (fiscal) poderiam em determinados casos serem cobradas em execuções comuns.
p) No caso dos autos, o único valor a cobrar é o reclamado pela Segurança Social, pois o valor reclamado pela Exequente está a ser pago através de um acordo em prestações.
q) Caso o legislador tivesse contemplado a possibilidade de existir quantias de natureza fiscal, que seriam as únicas a ser cobradas em processo de execução comum teria disposto norma de natureza idêntica.
r) Não se trata de um concurso de credores, mas sim uma reclamação e requerimento de prosseguimento da execução, unicamente apresentado pela Segurança Social.
s) Perante a situação descrita, deveria ser aplicada extensivamente a norma consagrada no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, não devendo ser promovida a venda da habitação própria e permanente dos Executados.
t) A tutela da habitação dos executados não é feita por sacrifício dos credores, mas simunicamente do Estado, o que aconteceria igualmente se se estivesse perante uma execução fiscal.
u) A não aplicação do princípio consagrado no citado preceito legal, conduziria à situação incongruente de que a mesma dívida, reclamada num processo de natureza tributária não permitia a venda do imóvel, mas reclamada num processo de natureza civil, apesar de se tratar da mesma dívida e das mesmas partes já permitia a referida venda.
v) Encontram-se junto a fls o de Finanças, que comprovam que o bem que se encontra penhorado é a casa de morada de família de ambos os Executados.
w) Os Executados são pessoas idosas pois têm ambos 67 anos de idade, encontrando-se a Executada em grande fragilidade, pois foi-lhe fixada uma taxa de incapacidade de 60%, conforme Atestado Médico de Incapacidade Multiusos, emitido pela ARS Lisboa e Vale do Tejo
x) O imóvel penhorado a única residência do casal, onde habita de forma estável, permanente e duradoura, constituindo a sua casa de morada de família,
y) Deve a norma identificada ser aplicada extensivamente às ações executivas comuns, onde o prosseguimento da execução seja requerido unicamente por entidades publicas, cuja cobrança dos seus créditos deveriam ocorrer através de execuções fiscais. Pelo que deve ser ordenado o cancelamento da venda da casa morada de família dos executados.
Nesta conformidade e invocando o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, Senhores Desembargadores, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o despacho e ordenado o cancelamento da venda do imóvel dos executados, que é a casa morada de família dos mesmos.
O exequente não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por MQ e, MEQ, ora apelantes, que o seu objeto está circunscrito à seguinte questão:
1.) Saber se deve ser suspensa a diligência da venda do imóvel por este constituir a casa de morada de família dos executados.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS
1.) Foi dada à execução uma livrança no valor de € 17 441,43, subscrita pelos executados, com data de vencimento em 21.04.2010, a qual não foi paga nessa data, nem posteriormente.
2.) Foi penhorado o prédio urbano composto por edifício de cave,…/…, …º andar e quintal em construção, sito na …, Vale da Amoreira, denominado de lote … - Zona I, freguesia de Vale da Amoreira, e concelho de Moita, descrito na Conservatória do Registo Predial de Moita, sob o nº. …/…, da freguesia de Vale da Amoreira e inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o nº. …, pertencente aos Executados, penhora essa que se mostra registada.
3.) Os Executados celebraram acordo de pagamento com a Exequente Sofinloc, acordo esse que se encontra a ser cumprido.
4.) No Apenso B, o Instituto de Segurança Social, IP, veio reclamar créditos, os quais foram verificados e graduados.
5.) O Credor Reclamante requereu o prosseguimento da execução para pagamento do crédito reclamado.
6.) Os Executados têm o seu domicílio fiscal no prédio dos autos.
7.) À Executada foi fixada uma taxa de incapacidade de 60%.
8.) O Executado nasceu em 18 de outubro de 1953.
9.) A Executada nasceu em 1 de setembro de 1953.
2.2. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.)  SABER SE DEVE SER SUSPENSA A DILIGÊNCIA DA VENDA DO IMÓVEL POR ESTE CONSTITUIR A CASA DE MORADA DE FAMÍLIA DOS EXECUTADOS.
Os apelantes alegaram que “deveria ser aplicada extensivamente a norma consagrada no n.º 2 do artigo 244.º do CPPT, não devendo ser promovida a venda da habitação própria e permanente dos Executados, pois reconhece o Estado que a proteção dos seus direitos de crédito deve harmonizar-se com a salvaguarda do direito fundamental à habitação, constitucionalmente garantido, e que tal justifica uma solução legislativa que, não impedindo a penhora, obsta à venda de imóveis afetos a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar”.
Mais alegaram que “A não aplicação do princípio consagrado no citado preceito legal, conduziria à situação incongruente de que a mesma dívida, reclamada num processo de natureza tributária não permitia a venda do imóvel, mas reclamada num processo de natureza civil, apesar de se tratar da mesma dívida e das mesmas partes já permitia a referida venda”.
Vejamos a questão.   
A penhora sobre o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente está sujeita às condições previstas no artigo 244.º – art. 219º, nº 5, do CPPTributário, com a redação introduzida pela Lei nº 13/2016 de 23/5.
Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim – art. 244º, nº 2, do CPPTributário, com a redação introduzida pela Lei nº 13/2016 de 23/5.
Ficam suspensos no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório previsto no presente artigo, os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família – art. 6º-E, nº 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04.
Nos casos em que os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência referentes a vendas e entregas judiciais de imóveis sejam suscetíveis de causar prejuízo à subsistência do executado ou do declarado insolvente, este pode requerer a suspensão da sua prática, desde que essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou dos credores do insolvente, ou um prejuízo irreparável, devendo o tribunal decidir o incidente no prazo de 10 dias, ouvida a parte contrária – art. 6º-E, nº 8, da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, aditado pela Lei n.º 13-B/2021, de 05/04.
Sem prejuízo do disposto no n.º 4, ficam suspensos até 30 de junho de 2021, a execução de hipoteca sobre imóvel que constitua habitação própria e permanente do executado – art. 8º, al. e), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3.
São igualmente suspensos os atos a realizar em sede de processo executivo ou de insolvência relacionados com a concretização de diligências de entrega judicial da casa de morada de família ou de entrega do locado, designadamente, no âmbito das ações de despejo, dos procedimentos especiais de despejo e dos processos para entrega de coisa imóvel arrendada, quando, por requerimento do arrendatário ou do ex-arrendatário e ouvida a contraparte, venha a ser proferida decisão que confirme que tais atos o colocam em situação de fragilidade por falta de habitação própria ou por outra razão social imperiosa – art. 6º-B, nº 11, da Lei 4-B/2021, de 19/3.
O disposto nos artigos 6.º-B a 6.º-D da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, produz efeitos a 22 de janeiro de 2021, sem prejuízo das diligências judiciais e atos processuais entretanto realizados e praticados – art. 4º, da Lei 4-B/2021, de 19/3.
O objetivo do legislador (com as alterações introduzidas pela Lei nº 13/2016 de 23/5), foi o de impedir a venda da casa de morada de família no âmbito dos processos de execução fiscal, protegendo, por essa via, o executado e o seu agregado familiar[8].
Analisando o regime legal introduzido pela Lei nº 13/2016[9], vemos que aí apenas se proíbe a venda do imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, desde que essa venda ocorra no âmbito de uma execução fiscal[10].
Não houve, pois, intenção do legislador em estender a restrição prevista no mencionado diploma às execuções comuns, sacrificando os restantes credores e, designadamente os garantidos, não impedindo pois, a venda da habitação no âmbito de execuções hipotecárias[11].
Se fosse intenção do legislador estender tal proibição de venda no âmbito de execuções comuns, bastaria legislar nesse sentido, o que não o fez, pois de outro modo estaria a restringir direitos privados (a intenção do legislador foi apenas a de proteger o direito à habitação, quando, num processo de execução fiscal, a habitação é objeto de venda judicial por iniciativa do Estado).
Postergaria os mais elementares princípios do processo executivo e afrontaria, necessariamente, o direito de propriedade privada constitucionalmente garantido e a garantia do credor à satisfação do seu crédito (art.º 62º, n.º 1 da CRP), tornando, pelo menos, desproporcionadamente mais difícil ou onerosa a satisfação do direito do exequente (com violação do art.º 18 da CRP)[12].
Outrossim, se não se entendesse deste modo, o executado poderia inclusive servir-se de um processo de execução fiscal para colocar o seu património a salvo da execução civil, bastando, para o efeito, contrair voluntariamente uma dívida de natureza fiscal com o único propósito de ser penhorada a sua casa de morada de família[13].
Temos, pois, que o artigo 244.º, n.º 2, do CPPT, configura um impedimento à venda judicial do imóvel penhorado no âmbito do processo de execução fiscal, mas não nos autos de execução comum[14],[15].
A alteração legislativa introduzida pela Lei n.º 13/2016, de 23/5, visou assegurar o direito fundamental à habitação do devedor e da sua família no âmbito de execução fiscal, por dívidas de natureza fiscal, pois essa limitação ou proteção
inexiste na lei de processo executivo comum[16].
Assim, conforme entendimento do tribunal a quo que subscrevemos, “o artº 244º do CPPT é aplicável exclusivamente à execução fiscal. Aos presentes autos é aplicável o Código de Processo Civil, o qual não contém disposição semelhante. Daí que não colhe a argumentação esgrimida pelos Executados para suspender a venda do imóvel”.
Concluindo, só é proibida a venda do imóvel afeto à habitação própria e permanente do executado ou do seu agregado familiar, quando tal ocorra no âmbito de uma execução fiscal, não sendo, pois, de suspender a venda do imóvel, quando estamos, como no caso, no âmbito de uma execução civil.
Relativamente à tutela da casa de morada de família ou da habitação própria houve um alargamento do seu campo de aplicação, na medida em que na primeira redação da Lei nº 1-A/2020 apenas se contemplava a proteção do ex-arrendatário e presentemente, além da tutela conferida ao ex-arrendatário, prevê-se também a tutela da casa de morada de família de quem for visado por diligência de entrega judicial dessa habitação em sede de processo de executivo ou de processo de insolvência[17].
A tutela da alínea b), do nº 7, do artigo 6-E, da Lei nº 1-A/2020, basta-se com a comprovação de que o imóvel a entregar constitui a casa de morada de família da pessoa visada com a diligência de entrega, devendo o executor da medida de entrega suspender imediatamente essa diligência logo que se aperceba que se trata de uma casa de morada de família[18],[19],[20].
Bem se compreende que num contexto de pandemia, o legislador tenha especial preocupação com a tutela da habitação de pessoas visadas com diligências de entrega da casa de morada de família, já que a concretização dessa diligência exporá por via de regra os ocupantes da habitação a um risco acrescido para a sua saúde[21].
Assim, como entendeu o tribunal a quo “o processo executivo deverá prosseguir até à venda inclusive, suspendendo-se de seguida, no decurso do período de vigência do regime excecional e transitório, relacionado com a concretização de diligência de entrega judicial do imóvel que é casa de morada de família dos executados, em conformidade com o art. 6º-E, nº 7, al. b), da Lei n.º 1-A/2020, de 19/3, que aprovou de medidas excecionais e temporárias de resposta à situação epidemiológica provocada pelo coronavírus SARS-CoV-2, agente causador da doença COVID-19 e, enquanto o mesmo preceito legal se encontrar em vigor”.
Improcedendo as conclusões do recurso de apelação, há que confirmar a decisão proferida pelo tribunal a quo.

3. DISPOSITIVO
3.1. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes desta secção cível (2ª) do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, em confirmar-se a decisão recorrida.       
3.2. REGIME DE CUSTAS
Custas pelos apelantes (na vertente de custas de parte, por outras não haver[22]), porquanto a elas deram causa por terem ficado vencidos[23].
                    
Lisboa, 2022-03-24[24],[25]
Nelson Borges Carneiro
Paulo Fernandes da Silva
Pedro Martins (com voto de vencido)

Voto de vencido[26],[27]:
Se o credor comum da execução comum está a ser pago e, por isso, não impulsiona a execução, o credor “público” não a poderá impulsionar.
Não há dúvida de que caso uma execução fiscal não possa, por força da Lei 13/2016, prosseguir, os credores comuns poderão fazer com que prossiga a execução comum (neste sentido, também o ac. do TRL de 12/09/2019, proc. 1183/18.9T8SNT.L1-2, relatado pelo signatário deste voto).
Mas trata-se de permitir que uma execução comum prossiga por impulso de credores comuns, não dos credores públicos, sob pena de se estar a defraudar aquela Lei que visou impedir que, apenas por dívidas daquelas entidades, os executados ficassem sem a habitação própria e permanente.
[vai neste sentido, o que se diz naquele acórdão: “A Lei 13/2016 veio defender a habitação própria e permanente do executado apenas quando estão em causa os interesses fiscais ou para-fiscais (excepto quanto às habitações de elevado valor tributário, excepção que não tem aplicação ao caso dos autos: o estudo citado abaixo, refere que este valor é de 574.323€, cf. art. 244/3 do CPPT e art. 17/1-a do CIMT). Não a protegeu – com base numa escolha de política legislativa que não cabe aos tribunais questionar – contra os credores comuns. A habitação própria e permanente do executado não pode ser vendida para satisfazer os créditos fiscais (art. 244/2 do Código do Procedimento e Processo Tributário na redacção que lhe foi dada pela Lei), mas pode-o ser para satisfazer os créditos comuns (embora, prosseguindo o processo para venda do bem penhorado, o produto da venda acabe por servir, potencialmente, para satisfazer todos os créditos).]
A solução contrária (permitir que uma execução comum seja impulsionada por um credor ‘público’) conduz ao absurdo, como dizem os recorrentes, de permitir que aquelas entidades, apesar de não poderem prosseguir a execução fiscal para evitar que os executados fiquem sem a casa por dívidas a entidades públicas, já possam impulsionar uma execução comum que conduz ao mesmo resultado.
Não pode ser.
Assim, se o credor comum da execução comum está a ser pago e, por isso, não impulsiona a execução, o credor “público” não a poderá impulsionar. Poderá, se houver impulso do credor comum, aproveitar-se dele para não ser prejudicado, mas não poderá ser ele a fazer com que a habitação própria e permanente do executado seja vendida.        
           
Pedro Martins
_______________________________________________________
[1] Para além do dever de apresentar a sua alegação, impende sobre o recorrente o ónus de nela concluir, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão – ónus de formular conclusões (art. 639º, nº 1) – FERREIRA DE ALMEIDA, Direito Processual Civil, volume II, 2ª edição, p. 503.
[2] As conclusões exercem ainda a importante função de delimitação do objeto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 639º, nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que o recorrente pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 795.
[3] O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão. Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar, as normas jurídicas violadas; o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas, e invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada – art. 639º, nºs 1 e 2, do CPCivil.
[4] Na sessão anterior ao julgamento do recurso, o processo, acompanhado com o projeto de acórdão, vai com vista simultânea, por meios eletrónicos, aos dois juízes-adjuntos, pelo prazo de cinco dias, ou, quando tal não for tecnicamente possível, o relator ordena a extração de cópias do projeto de acórdão e das peças processuais relevantes para a apreciação do objeto da apelação – art. 657º, n.º 2, do CPCivil.
[5] Todas as questões de mérito que tenham sido objeto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões do recorrente, mostrando-se objetiva e materialmente excluídas dessas conclusões, têm de se considerar decididas, não podendo de elas conhecer o tribunal de recurso.
[6] Vem sendo entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
[7] Relativamente a questões de conhecimento oficioso e que, por isso mesmo, não foram suscitadas anteriormente, a Relação deve assegurar o contraditório, nos termos gerais do art. 3º, nº 3. A Relação não pode surpreender as partes com uma decisão que venha contra a corrente do processo, impondo-se que as ouça previamente – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.
[8] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Lições de Processo Civil Executivo, 4ª ed., p. 536.
[9] “Com esta medida, pretende-se proteger um direito essencial dos cidadãos, com maior relevância social, no caso do direito à habitação, posto em causa quando, num processo de execução fiscal, a habitação é objeto de venda judicial por iniciativa do Estado, por vezes em razão de quantias irrisórias face ao valor do imóvel” – exposição de motivos da Lei nº 87/XIII/1ª.
[10] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-01-17, Relatora: ALEXANDRA ROLIM MENDES, http://www.dgsi.pt/jtrg.
[11] Ac. Tribunal da Relação de Guimarães de 2019-01-17, Relatora: ALEXANDRA ROLIM  MENDES, http://www.dgsi.pt/jtrg. e, Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2018-07-12, Relatora: MARIA JOÃO FARO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[12] Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 2017-09-26, Relator: FONSECA RAMOS, http://www.dgsi.pt/jtrc.
[13] MARCO CARVALHO GONÇALVES, Lições de Processo Civil Executivo, 4ª ed., p. 537.
[14] Ac. Tribunal Constitucional de 2019-05-28, proc.: 329/2019, Relatora: Maria Clara Sottomayor,  http://www.tribunalconstitucional. pt/tc/.
[15] Se o mesmo imóvel tiver sido objeto de penhora mais recente em execução comum, esta não deve ser suspensa ao abrigo do n.º 1 do art.º 794.º do CPC, mas deve prosseguir, sendo a Fazenda Pública citada para aí reclamar os seus créditos – Ac. Tribunal da Relação de Lisboa de 2020-10-22, Relator: JORGE LEAL, http://www.dgsi.pt/jtrl.
[16] Ac. Tribunal da Relação de Évora de 2019-05-30, Relator: TOMÉ RAMIÃO, http://www.dgsi.pt/jtre.
[17] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2021-09-20, Relator: CARLOS GIL, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[18] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2021-09-20, Relator: CARLOS GIL, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[19] A situação prevista no nº 6 al. b) do artigo 6º A da Lei 1-A/2020 de 19/03, na redação introduzida pela Lei 16/2020 de 29/05 é aplicável às situações em que em causa está a entrega judicial de casa de morada de família ordenada no âmbito de processo executivo ou de insolvência, independentemente de o afetado por tal diligência ser parte processual ou terceiro – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2021-03-22, Relatora: FÁTIMA ANDRADE, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[20] Para os casos em que já ocorreu a venda do imóvel que constitui casa de morada de família do insolvente prevê-se “ex lege” a suspensão da sua posterior entrega; para os casos em que a venda ainda não se iniciou ou está em curso possibilita-se a suspensão da própria venda, desde que verificado o condicionalismo referido no art. 6º-A, nº 7, impondo-se para essa suspensão que as diligências de venda sejam suscetíveis de causar prejuízo para a subsistência do executado ou declarado insolvente e que simultaneamente essa suspensão não cause prejuízo grave à subsistência do exequente ou um prejuízo irreparável - ao processo, à venda e aos credores – Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2020-11-24, Relator: RODRIGUES PIRES, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[21] Ac. Tribunal da Relação do Porto de 2021-09-20, Relator: CARLOS GIL, http://www.dgsi.pt/jtrp.
[22] Como o conceito de custas stricto sensu é polissémico, porque é suscetível de envolver, nos termos do nº 1 do artigo 529º, além da taxa de justiça, que, em regra, não é objeto de condenação – os encargos e as custas de parte, importa que o juiz, ou o coletivo de juízes, nos segmentos condenatórios das partes no pagamento de custas, expressem as vertentes a que a condenação se reporta – SALVADOR DA COSTA, As Custas Processuais, Análise e Comentário, 7ª ed., p. 8.
[23] A decisão que julgue a ação ou algum dos seus incidentes ou recursos condena em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito – art. 527º, nº 1, do CPCivil.
[24] A assinatura eletrónica substitui e dispensa para todos os efeitos a assinatura autógrafa em suporte de papel dos atos processuais – art. 19º, nº 2, da Portaria n.º 280/2013, de 26/08, com as alterações introduzidas pela Portaria n.º 267/2018, de 20/09.
[25] Acórdão assinado digitalmente.
[26] O acórdão definitivo é lavrado de harmonia com a orientação que tenha prevalecido, devendo o vencido, quanto à decisão ou quanto aos simples fundamentos, assinar em último lugar, com a sucinta menção das razões de discordância – art. 663º, nº 1, do CPCivil.
[27] Funcionando em regime de colegialidade, se algum dos juízes discordar da decisão ou de algum dos seus fundamentos, expressá-lo-á mediante a apresentação de voto de vencido ou de declaração de voto – ABRANTES GERALDES – PAULO PIMENTA – PIRES DE SOUSA, Código de Processo Civil Anotado, volume 1º, 2ª ed., p. 829.