Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
141/19.0SILSB.L1-3
Relator: JOÃO LEE FERREIRA
Descritores: CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL
DEPOIMENTO DE AGENTE DA PSP
VALOR COMO PROVA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Sumário: A afirmação relatada na audiência pelo agente da Polícia de Segurança Pública provem de uma declaração espontânea do arguido, recolhida numa ação de fiscalização de trânsito  fora de qualquer diligência de inquirição e num momento em que nada existia que justificasse ou impusesse a constituição desse condutor como arguido. 
Esse depoimento não configura um depoimento indireto, uma vez que o depoente OPC depõe sobre aquilo que os seus sentidos lhes permitiram tomar conhecimento, isto é, sobre aquilo que diretamente percecionou. 
Não existe  qualquer impedimento ou proibição da valoração pelo tribunal do depoimento da testemunha ouvida nestes autos.
O contributo probatório do órgão de polícia criminal pode ser valorado em conjunto com os restantes elementos, de acordo com o princípio da livre apreciação de prova 
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência no Tribunal da Relação de Lisboa,                   
1. Nestes autos de processo especial abreviado nº 141/19.0ILSB, o arguido JVsofreu condenação pelo cometimento, em autoria material, de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de setenta dias de multa à razão diária de seis euros.
Inconformado, o arguido interpôs recurso desta decisão e da motivação extraiu as seguintes conclusões (transcrição nos seus precisos termos): 
1° O tribunal recorrido violou o artigo 356° n° 7 do CPP na medida em que valorou conversas informais entre o arguido e o agente policial ("No dia 5 de Fevereiro de 2019, pelas 22H45, na Rua Pascoal de Melo, em Lisboa, ter sido por mim intercetado e fiscalizado, JV, quando conduzia o veículo de matrícula (identificado no auto), sem que para tal se encontrasse habilitado nos termos do artigo 121.°, n.° 1 do Código da Estrada e artigo 3.° n.° 2 do Decreto-Lei n.° 2/98, de 03JAN, tal como o próprio de sua livre e espontânea vontade declarou, motivo pelo qual lhe dei voz de DETENÇÃO").
2° Além disso, o mesmo tribunal violou o artigo 71 n°s 1 e 2 do CP na medida em que aplicou uma pena desajustada à culpa do agente e às exigências de prevenção.
3° Efectivamente, a condenação do arguido não deve ser superior a 60 dias de multa à taxa diária de 5 euros em razão de não ter efectuado qualquer manobra irregular ou ter sido interveniente em acidente de viação, a idade à data da prática do crime, ter cumprido uma das injunções no âmbito da suspensão provisória e não ter antecedentes criminais. 
A Exm.ª magistrada do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância apresentou resposta, com as seguintes conclusões (transcrição):
“1.Nos presentes autos foi o arguido condenado na pena de 70 dias de multa a à taxa diária de 6,00 euros pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução sem habilitação legal p. e p. pelo art.° 3.°, n.°s 1 e 2 do DL n.° 2/98, de 3 de Janeiro
2.Não se conformando com a referida decisão, dela veio, o arguido, interpor recurso por entender que o tribunal violou o 356.° n.° 7 do Código de Processo Penal uma vez que valorou conversas informais entre o arguido e o agente policial
3.Ora a conversa informal seria apenas a afirmação espontânea aquando da sua paragem pela polícia que não teria carta.
4.Ora a falta de habilitação legal não se prova por qualquer afirmação do arguido mas por documentos, nomeadamente, pela a pesquisa junto da base de dados do IMTT, o que ocorreu nestes autos.
5.Quanto muito o facto de o arguido ter declarado de livre e espontânea vontade algo poderia apenas servir para a medida da pena como materialização da colaboração do arguido com a justiça sendo essa colaboração valorada favorável ao arguido.
6.Aliás no Ac. do TRE de 07-04-2020, proferido nos autos 79/14.8PFSTB.E1 dispõe, no seu sumário: “A conversa mantida entre o arguido e os agentes policiais, no momento da fiscalização, não está abrangida pela proibição contida no artigo 356°, n° 7, do C. P. Penal, como não está sob a compressão dos limites ínsitos no artigo 129° do mesmo diploma legal, pois que se trata de interlocução espontânea, voluntária e consciente, por parte do arguido (fonte identificada), que os agentes se limitaram a ouvir no momento e a reproduzir, adrede, em audiência[...]. ” Vejam- se também os Ac. do TRC de 7-10-2015, proferido nos autos n.° 174/13.0GAVZL.C1, Ac. do TRP datado de 17-06-2015, proferido nos autos n.° 543/12.3PDPRT.P1, Ac. do TRC datado de 11-09-2013, proferido nos autos n.° 71/11.4GCALD.C1, Ac. do TRC datado de 09-05-2012 e proferido nos autos n.° 12/11.9PECTB.C1 todos in www.dgsi.pt.
7.Estamos perante recurso da matéria de facto em que o arguido deveria ter indicado quais os pontos concretos dos factos dados como provados se devem considerar como não provados, nos termos do previsto no art. 412.° n.° 1 e n° 3 do Código de Processo Penal, o que não realizou o recorrente nas alegações de recurso pelo que não devem os factos dados como provados ser alterados, devendo manter-se a decisão proferida. 
8.De facto, os factos dados como provados foram-no devidamente por tal ter resultado da produção de prova lícita e válida realizada em audiência de julgamento, a qual foi devida e correctamente valorada.
9.Entende o recorrente que a pena de multa é demasiado gravosa e desproporcionada à culpa do arguido.
10.Do artigo 40.° do Código Penal resulta que as finalidades de aplicação de uma pena, seja ela qual for, são a protecção dos bens jurídicos que a sociedade considera especialmente valiosos e a reintegração do agente na sociedade. No entanto, estas finalidades serão sempre limitadas pela culpa do arguido (artigo 71.° n° 1 do Código Penal).
11.Deve o juiz da causa, aquando da determinação da pena, ponderar todas as circunstâncias que depuserem contra e a favor do arguido conforme o determinado no n.° 2 do artigo 71.° do Código Penal.
12.Assim, a pena concreta a aplicar a um dado arguido tem de ter em conta as necessidades de prevenção geral e especial, ou seja, uma medida da pena não se foca exclusivamente, embora se foque principalmente, no próprio arguido (neste sentido vejam-se os Ac. da Relação do Porto, datado de de 25-09-2013, e Ac. do STJ, datado de 26-10-2011 e proferido nos autos n° 62/10.2PEBRR.S1, ambos in www.dgsi.pt).
13.Da decisão recorrida resulta que os supra-referidos vectores foram tomados em consideração tendo sido fixada a pena de multa perto do ponto médio da pena abstractamente aplicável ao tipo de ilícito em causa.
14.Como circunstâncias determinantes para a fixação da pena a M.ma Juíza ponderou, para além do mais, a conduta do arguido, o alarme social da conduta e as necessidades de prevenção geral e especial relativamente aos factos concretos. Ponderou ainda o grau de ilicitude da conduta da conduta do arguido que considerou mediano por não se diferenciar dos demais casos presentes ao juízo em causa bem como atendeu à intensidade do dolo do arguido
15.Considerou a mesma que as exigências de prevenção geral são significativas atenta a frequência com que factos de igual natureza ocorrem nesta comarca.
16.A favor do arguido foi ponderado o facto de não ter antecedentes criminais e os factos terem ocorrido mais de um ano antes da data da audiência de julgamento sem que o arguido tenha repetido a conduta bem como o facto de nada indiciar que o mesmo não esteja inserido na sociedade tanto familiar, como socialmente.
17.Contra o mesmo, o facto de se ter desinteressado dos autos nada fazendo para reparar a sua imagem perante a sociedade.
18.Pois embora seja verdade que, na audiência de julgamento, o arguido pode remeter- se ao silêncio, sendo direito seu reconhecido por lei, diferente é a não comparência do arguido em julgamento. Se no primeiro caso estamos perante um mero direito à não incriminação no segundo existe uma conduta que demonstra um desinteresse activo pelo sistema penal e as normas violadas com a sua conduta.
19.Do acima referido resulta que nem as necessidades de prevenção geral e especial, nem a culpa do arguido afastam a fixação da pena no ponto em que foi fixada.
20.Assim a M.ma Juíza de Direito fixou correctamente a pena aplicada ao arguido abaixo do ponto médio da pena abstractamente aplicada e perto do seu limite mínimo.
21.Entende o arguido que também o quantitativo diário deve ser reduzido.
22.O quantitativo diário foi fixado muito perto do mínimo legal (art. 47.°, n.° 2 do Código Penal) atendendo ao facto de não existirem indícios de o arguido se encontrar em situação de indigência bem como atendendo à realidade socioeconómica do país.
23.Assim, não se vislumbra que pudesse o quantitativo diário da pena de multa na qual foi o arguido condenado, nestes autos, ser fixado em montante inferior.
24.Não estando o arguido presente na audiência de julgamento, situação que lhe deve ser imputada, não pode agora o arguido pretender valer-se condições socioeconómicas que nunca invocou. Aliás, apesar de pretender ver uma redução do quantitativo diário em sede de recurso, também agora, não vem invoca quaisquer condições económicas que impliquem decisão diferente da aplicada na sentença recorrida.
25.Quanto à conduta do arguido na suspensão a mesma não deve necessariamente ser valorada porquanto o desconto das injunções em momento posterior foi afastado, como o próprio arguido reconhece, pelo Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça a 27 de Abril de 2017, no Proc. n° 821/12.1PFCSC.L 1-A.S1-5a Secção in www.dgsi.pt.
26.Quanto à ponderação da mesma na medida da pena, no presente caso será uma conduta neutra pois se cumpriu uma das injunções não cumpriu as outras. 
27.Assim, o Ministério Público entende que a pena aqui aplicada é proporcional, adequada e justa.
28.Em conformidade com todos os argumentos acima elencados, entende-se não assistir, razão ao recorrente, e pelos motivos supra-referidos, deverá ser negado provimento ao presente recurso e mantida a decisão recorrida.”
Na intervenção processual a que se reporta o artigo 416º n.º 1 do Código de Processo Penal, o Exm.º Procurador-Geral Adjunto aderiu à argumentação da resposta da magistrada junto do tribunal de primeira instância.
O Arguido apresentou resposta ao parecer, reiterando a posição expressa na motivação de recurso.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
2. Como é dado assente, o âmbito do recurso e os poderes de cognição do tribunal definem-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, onde deverá sintetizar as razões de discordância do decidido e resumir as razões do pedido, naturalmente que sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso (art.ºs 402.º, 403.º e 412.º n.º 1 do Código do Processo Penal).
As questões a resolver são as seguintes:
a) Valoração probatória do depoimento do agente da PSP e,
b) Consequências jurídicas dos factos – medida da pena.
3. O tribunal de primeira instância julgou provada a seguinte matéria de facto (transcrição do registo áudio da sentença constante da plataforma Citius):
1-No dia 5 de Fevereiro de 2019, pelas 22 horas e 45 minutos, o arguido JB_, filho de  , solteiro, residente na Rua  °, Lisboa conduziu o motociclo com a matrícula na Rua  , em Lisboa.
2-Levou a cabo aquela actividade não sendo titular de licença de condução que o habilitasse a conduzir veículos da referida categoria.
3-JV conhecia as características do veículo e da via por onde circulava e sabia que não se encontrava habilitado para exercer a condução e, ainda assim, quis actuar do modo narrado, o que fez.
4-Agiu de forma deliberada, livre e consciente, sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
5.Nada consta no seu certificado do registo criminal.
4. O recorrente suscita a questão de ilícita valoração como meio de prova da informação fornecida pelo Arguido ao agente autuante, ouvido como testemunha, por violação do artigo 356° n° 7 do Código de Processo Penal, na medida em que o tribunal valorou conversas informais entre o arguido e o agente policial que não se encontram reduzidas a auto.
De acordo com o disposto no artigo 125.°, “São admissíveis as provas que não forem proibidas por lei” e, nos termos do disposto no artigo 355.°, “1 - Não valem em julgamento, nomeadamente para o efeito de formação da convicção do tribunal, quaisquer provas que não tiverem sido produzidas ou examinadas em audiência''
Por fim, dispõe o artigo 356.°, n.° 7, sendo todos os preceitos citados do Código de Processo Penal: “Os órgãos de polícia criminal que tiverem recebido declarações cuja leitura não for permitida, bem como quaisquer pessoas que, a qualquer título, tiverem participado na sua recolha, não podem ser inquiridos como testemunhas sobre o conteúdo daquelas.
Como é bem-sabido, o problema da admissibilidade das chamadas conversas informais como meio de prova não reúne consenso, nem na doutrina nem na jurisprudência.
Numa tese restritiva, afirma-se que os órgãos de polícia criminal não podem depor sobre o conteúdo das declarações prestadas pelo arguido em qualquer ocasião, observando-se que “se a inquirição, no processo, de uma pessoa suspeita da prática de um crime, com violação ou omissão das formalidades previstas nos n.ºs 1 a 3 do artº 58º, implica, por exigência das garantias de defesa, que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela, não se divisa qualquer razão plausível para que uma conversa informal com uma pessoa que ainda não tem o estatuto de arguido nem tem, por isso e nomeadamente, o direito de ser assistida por defensor, ou tendo tal estatuto não foi assistida por defensor (conversa essa, aliás, tida, sabe-se lá, em que circunstâncias, não sendo até de excluir uma errada interpretação das palavras da pessoa visada), não tenha o mesmo tratamento.” (acórdão do TRL de 29-04-2010, proc. n° 1670/09.OYRLSB-9, relatora Guilhermina Freitas e neste mesmo sentido, entre outros, o acórdão do TRG 31-05-2010, proc. n° 670/07PBGMR.G1, relator Cruz Bucho, doutrina e jurisprudência aí citada e o acórdão do TRL de 03-05-2011, proc. n° 146/09.0PHOER.L1-5, José Adriano)
Numa tese distinta, entende-se que o momento da constituição formal de arguido no âmbito de um inquérito a correr, constitui o limite a partir do qual são inadmissíveis as conversas informais, salientando-se que o artigo 356.°, n.° 7 do C.P.P. não proíbe o depoimento de órgãos de polícia criminal sobre as afirmações proferidas pelo arguido numa fase em que ainda não existe inquérito, nem aquele está ainda formalmente constituído como tal.
Também quanto às informações obtidas em momento anterior ao da abertura de um inquérito, entende-se que a lei não prevê qualquer tipo de entrave à valoração, dando-se como exemplo as conversas tidas com um suspeito logo no local da infracção e imediatamente após a sua ocorrência, ou no hospital para onde este tenha sido conduzido na sequência de um acidente de viação.
Pode ler-se no acórdão do STJ de 15-02-2007, proc. 06P4593, Maia Costa, frequentemente citado como fundamento desta corrente jurisprudencial que “Relativamente ao alcance da proibição do testemunho de “ouvir dizer”, pode considerar-se adquirido, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantias que a lei processual impõe. Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas. Pressuposto desse direito ao silêncio é, no entanto, a existência de um inquérito e a condição de arguido: a partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.
De forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção
de que a autoridade policial acaba de ter notícia: compete-lhe praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime” (art. 249.º do CPP).Esta é uma fase de pura recolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto; as informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda processo. Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando já há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio, mantido em auto de declarações, por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer outro tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito. O que o art. 129.º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o art. 249.º do CPP” (Neste mesmo sentido, entre outros, os acórdãos do STJ de 03-03-2010, proc. 886/07.8PSLSB.L1.S1, e de 12-12-2013, processo 292/11.0JAFAR.E1.S1, relator em ambos Santos Cabral, o acórdão do TRP  de 20-04-2016, proc. 271/03.0IDPRT.P1, Nuno Coelho, o acórdão do TRL de 08-05-2018, proc. 74/16.2SRLSB.L1-5, João Carrola).
Segundo se escreveu no acórdão do STJ de 12-12-2013, “O depoimento de órgão de polícia criminal pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta.As denominadas conversas informais com o arguido reconduzem-se: a) a afirmações percepcionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exactas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações; b) a afirmações proferidas por ocasião ou por causa de actos processuais de recolha de declarações; c) a conversas tidas com um órgão de polícia criminal no decurso de actos processuais de ordem material, de investigação no terreno ou em acções de prevenção e manutenção da ordem pública em que aqueles são confrontados com o crime.
O agente de órgão de polícia criminal não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de
declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efectivamente não estão.
Para além destas situações existe uma ampla probabilidade de realidades extra processuais em que a
colaboração do arguido, por actos e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes, integrado num acto processual válido e relevante.
Não há qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incida sobre aspectos, orais ou materiais,
descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram, quer quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova.
Constitui um meio de prova válido, por se mostrar alheio ao âmbito de tutela dos arts. 129.º e 357.º do CPP, o depoimento prestado pela testemunha pertencente a órgão de polícia criminal relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que se procedeu. (todos os acórdãos citados acessíveis in www.dgsi.pt )
Em nosso entendimento, a resposta a dar ao problema da admissibilidade e valoração como meio de prova das informações ou declarações do arguido ao OPC depende do momento e das circunstâncias concretas em que tais declarações ou afirmações tenham lugar, inexistindo, à partida, impedimento em que os agentes de autoridade policial prestem depoimento em audiência de julgamento sobre todo o conteúdo das diligências que efectuaram, ainda que também incidam sobre o teor das conversas mantidas com suspeitos que posteriormente foram constituídos arguidos e ainda que estes não compareçam na audiência ou, comparecendo, se prevaleçam do seu direito de não prestar declarações.
Nos termos já expostos, interessa fundamentalmente garantir que a ocorrência dessas conversas ou a percepção pelo OPC dessas informações não tenham existido como forma de contornar a obrigação de formalização da condição de arguido dos artigos 58º e 59º, com o complexo de direitos processuais daí decorrentes de onde se salienta o direito ao silêncio sobre os factos que lhe são imputados, ou de contornar a proibição consagrada no n° 7 do artigo 356°, todos do Código de Processo Penal. 
Na situação concreta destes autos, a afirmação relatada na audiência pelo agente da Polícia de Segurança Pública provem de uma declaração espontânea do arguido, recolhida numa acção de fiscalização de trânsito assim que se dá a abordagem do condutor, fora de qualquer diligência de inquirição e num momento em que nada existia que justificasse ou impusesse a constituição desse condutor como arguido. 
 Dever-se-á ainda referir que esse depoimento não configura um depoimento indirecto, uma vez que o depoente OPC depõe sobre aquilo que os seus sentidos lhes permitiram tomar conhecimento, isto é, sobre aquilo que directamente percepcionou, dito pelo Arguido JV___
Não existe, por isso, qualquer impedimento ou proibição da valoração pelo tribunal do depoimento da testemunha ouvida nestes autos, incluindo o segmento desse depoimento em que a testemunha afirmou que o condutor logo lhe disse que não tinha carta de condução (vide, incidindo em situação da vida real semelhante, o acórdão do TRE de 07-04-2015, proc. 79/14.8PFSTB.E1, relator Clemente Lima, também citado pelo Ministério Público na resposta ao recurso).
Ou seja, o contributo probatório do órgão de polícia criminal pode ser valorado em conjunto com os restantes elementos, de acordo com o princípio da livre apreciação de prova (artigo 127.° do Código de Processo Penal). No caso em apreço, a sentença evidencia que tribunal recorrido formou a sua convicção com base na análise e valoração de toda a prova produzida e examinada em audiência de julgamento de forma conjugada com as regras da experiência comum, onde se inclui, não só o teor do depoimento do agente da PSP e autuante Joaquim Barroso, mas também o resultado negativo da consulta ao registo de licenças de condução da base de dados do IMTT (fls.2).
Na valoração conjunta dos elementos probatórios disponíveis, não encontramos qualquer erro de racionalidade, infracção de regras de experiência comum ou do direito probatório que nos imponha uma solução diferente da que consta da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida.
Assim, improcede a questão suscitada pelo Arguido e tem-se por fixada a matéria de facto nos exactos termos constantes da sentença recorrida e, por conseguinte, assente que foi o arguido-recorrente autor material de um crime de condução sem habilitação legal de motociclo, previsto e punido pelo artigo 3º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro.
5. Ao crime cometido pelo arguido corresponde uma pena de prisão a fixar entre um mínimo de um mês e um máximo de dois anos ou uma pena de multa entre 10 e 240 dias 
Em conformidade com o critério previsto no artigo 70º do Código Penal, se ao crime forem aplicáveis em alternativa pena privativa e pena não privativa da liberdade, a escolha da espécie da pena depende fundamentalmente de considerações de prevenção especial de socialização e de prevenção geral positiva, sob a forma de satisfação do “sentimento jurídico da comunidade”, assim se atribuindo especial interesse a uma avaliação sobre o efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente. 
Não vem questionada a opção pela pena de multa.
Como se encontra adquirido na doutrina e na jurisprudência, na determinação da medida concreta da pena, o tribunal deve atender à culpa do agente, que constitui o limite superior e inultrapassável da pena a aplicar, sob pena de, ultrapassando-o, se afrontar a dignidade humana do delinquente. Por seu turno, o limite mínimo da moldura concreta há-de ser dado pela necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e pretende corresponder a exigências de prevenção positiva ou de integração.
Assim, esse limite inferior decorrerá de considerações ligadas às exigências de prevenção geral, não como prevenção negativa ou de intimidação, mas antes como prevenção positiva ou de integração, já que a aplicação de uma pena visa a protecção de bens jurídicos com um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção da validade e vigência das normas infringidas. Estão em causa a integração e reforço da consciência jurídica comunitária e o seu sentimento de segurança face às ocorridas violações das normas.
Finalmente, o tribunal deve fixar a pena concreta de acordo com as exigências de prevenção especial, quer na vertente da socialização, quer na advertência individual de segurança ou inocuização do delinquente. 
Nesta tarefa de individualização, o tribunal dispõe dos módulos de vinculação na escolha da medida da pena constantes do artigo 71.º do Código Penal.
Os elementos a considerar na determinação da medida concreta da pena são os
seguintes:
-O arguido conduziu um motociclo de noite e no interior da cidade de Lisboa. 
A resolução criminosa reveste-se de mediana intensidade.
-Inexistem antecedentes criminais anteriores.
-No que respeita ao comportamento posterior aos factos, o Arguido beneficia do pronto reconhecimento da prática da infracção perante o agente da PSP. 
Dos autos não consta qualquer elemento probatório comprovativo do cumprimento da injunção de pagamento pecuniário.
-As exigências de prevenção geral são particularmente significativas pelos elevados níveis de sinistralidade no nosso país, com nefastas consequências; 
Sopesando as enunciadas circunstâncias, concluímos que a multa de setenta dias corresponde a uma pena na medida necessária para as exigências de defesa do ordenamento jurídico, proporcional às preocupações de prevenção geral positiva ou prevenção de integração, assim como ainda equitativa para a culpa exteriorizada pelo Arguido nos factos cometidos.
Conforme o disposto no nº 2 do art.º. 47º do Código Penal, a razão diária da multa deve ser fixada entre o montante diário de € 5 e de € 500, de acordo com a situação económica e financeira do condenado e dos seus encargos pessoais.   
Como tem sido salientado persistentemente pela jurisprudência, a condenação de natureza criminal tem necessariamente de constituir um sacrifício real ao arguido, de modo a criar-lhe um sentimento de segurança, utilidade, punibilidade e justiça, sob pena de esvaziamento das finalidades punitivas.
Neste âmbito, um raciocínio lógico leva-nos a entender que o mínimo legal de cinco euros deve ser aplicado para as pessoas carecidas de provento económico que lhes permita satisfazer as necessidades básicas de sustento e saúde, sendo   o máximo legal destinado àquelas pessoas, em número diminuto, detentoras do que vulgarmente se entende como de “grandes fortunas”. 
Uma vez que se desconhece qualquer elemento da situação económica do Arguido, não sendo possível afastar a possibilidade de o Arguido viver numa situação de carência absoluta, entendemos que a razão diária da multa se deve fixar no mínimo legal (artigo 47.º n.º 2 do Código Penal).
6. Pelos fundamentos expostos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação de Lisboa em conceder parcial provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, condenam o arguido JV, pelo cometimento em autoria material de um crime de condução de veículo sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3º nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 2/98, de 3 de Janeiro na pena de setenta dias de multa à razão diária de cinco euros.

Lisboa, 11 de Novembro de 2020.
Texto elaborado em computador e revisto pelos juízes desembargadores que o subscrevem.    
João Lee Ferreira
Nuno Coelho