Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
185/17.7YUSTR.L1-3
Relator: MORAES ROCHA
Descritores: FUNDAMENTAÇÃO
TRANSCRIÇÃO DE PEÇAS PROCESSUAIS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: A fundamentação de uma sentença ou um acórdão pode incluir a transcrição de argumentos aduzidos nas peças processuais dos intervenientes.

Se os excertos transcritos cumprem o dever de fundamentação de forma clara e transparente, permitindo acompanhar de forma linear o raciocínio sentenciado, não se vê que não possa ser utilizado tal qual vertido na resposta do sujeito processual.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência no Tribunal da Relação de Lisboa

NOS COMUNICAÇÕES, S.A. (“NOS”), Arguida nos autos acima indicados, tendo sido notificada da sentença proferida em 08.09.2017 que a condenou numa coima de € 200.000,00 (duzentos mil euros), e não se conformando com a mesma, vem interpor recurso para este Tribunal da Relação de Lisboa.
Decidido em Conferência julgou este TRL não provido o recurso interposto pela NOS COMUNICAÇÕES, S.A. confirmando a sentença recorrida.
Notificado do Acórdão nesta Relação proferido, vem a recorrente arguir a nulidade do mesmo.
Entende o recorrente que o Acórdão padece de falta de fundamentação por transcrever nos motivos expostos, para rejeitar os argumentos do recorrente, excertos da resposta do Ministério Público.
Mais argui a inconstitucionalidade daquela peça processual, precisamente com o mesmo fundamento.
Responde a ANACOM concluindo pela improcedência da reclamação.
Colhidos os vistos e realizada a Conferência cumpre apreciar e decidir.
As nulidades da sentença vêm previstas no art. 379.º do CPP. O recorrente entende que se verifica o vício previsto no n.º 1, al. a), do art. 379.º do CPP, isto é, alega que o Acórdão padece da falta de fundamentação a que alude o n.º 2 do art. 374.º do CPP.
E, entende dessa forma, por se insurgir contra as transcrições da resposta do M.P., considerando que estas não podiam ser efectuadas pois, entende, tal havia de ser dito de outro modo, mesmo que se chegasse exactamente à mesma conclusão.
Ora, com todo o respeito por opinião diversa, não existe qualquer obstáculo legal à transcrição de excertos que fundamentem a deliberação do tribunal, aliás tal prática é corrente, sobretudo na transcrição de livros de direito ou jurisprudência. O mimetismo jurisprudencial é, não só prática corrente, como uma característica da própria aplicação do direito.
Aliás, o recurso a argumentos de uma das partes é parte integrante das decisões desde o direito romano: “Judex secundum allegata et probata, judicare debet”. Como Calamandrei referia no seu livro “Elogio dei Guidici scitto da um Avvocato”, os juízes que são homens como os outros têm tendência para seguir a via “minor resistentiae” o que de modo algum afecta o acerto da decisão.
No caso dos autos, a própria decisão reclamada consigna expressamente que “utiliza a resposta do Ministério Público em primeira instância pelo seu acerto e sintonia com a decisão deste Tribunal”, portanto decide dar relevo àquela peça processual por esta o merecer e corresponder à decisão deliberada em Conferência.
E não o faz por remissão mas por incorporação dos excertos que entendeu pertinentes no próprio Acórdão, é essa humildade intelectual que choca o reclamante. Sabemos da tendência da apropriação camuflada que se arroga novidade mas não é esse o caminho. É muito raro seguir-se a opção do Acórdão reclamado mas quando tal sucede, por acerto e sintonia da peça processual com a decisão deliberada, entende-se que é merecido que se dê relevo ao trabalho que aquela incorpora.
Também não se percebe que se deva afastar uma posição assumida por um sujeito processual em nome de uma pretensa originalidade, o que importa é o acerto da decisão coincidindo ou não com a posição de um dos sujeitos processuais. Se os excertos transcritos cumprem o dever de fundamentação de forma clara e transparente, permitindo acompanhar de forma linear o raciocínio sentenciado, não se vê que não possa ser utilizado tal qual vertido na resposta do sujeito processual.
Por outro lado, como na resposta à reclamação se refere, a maior ou menor transcrição é irrelevante, a lei não estipula quotas para o efeito.
Temos assim que a fundamentação não só existe como é clara e suficiente, não dando origem a qualquer nulidade.
No que respeita à discordância do reclamante quanto ao sentido da decisão do Acórdão reclamado, não nos compete pronunciar por tal exorbitar o âmbito da reclamação.
Quanto à inconstitucionalidade arguida pelo reclamante, face ao que se deixou dito, a mesma não tem razão alguma pois o dever de fundamentação não exige originalidade, no sentido do reclamante, mas sim fundamentação nos termos e para os efeitos do art. 374.º, n.º 2, do CPP e essa está patente na decisão reclamada.

Termos em que se Acorda em julgar improcedente a nulidade arguida pela reclamante NOS COMUNICAÇÕES, S.A.

Fixa-se em 2 UC a taxa de justiça devida.

Lisboa,