Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
7928/16.4T8LSB.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: CHEQUES
ASSINATURAS
FALSIFICAÇÃO
PROVA PERICIAL
RESPONSABILIDADE DO BANCO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: Efectuada perícia com exame à letra e assinatura que comporta a nível da escala de conclusões os patamares derradeiros de muito provável ou muitíssimo provável, o resultado de ser provável que tais assinaturas sejam do punho da Autora, não obsta a que se venha a dar como provado que tais assinaturas foram abusivamente feitas por outra pessoa, quando, no contexto do conjunto da prova, seja essa a conclusão mais lógica, coerente e apta a tornar compreensíveis os factos atinentes ao comportamento das partes envolvidas.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 8ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

A , intentou a presente acção com processo comum sob a forma de processo ordinário contra B [ Caixa ….. ]  e  C  .
Pede que se condene solidariamente as RR. a pagarem-lhe € 78 812, 00, acrescidos de juros vencidos e vincendos, sobre o capital de € 64 600, 00, até pagamento.
Para tanto, e em síntese, alega:
- ter celebrado com a R. B um contrato de abertura de conta e um contrato de depósito;
- que a R. C foi funcionária da R. B ;
- que foram efectuadas transferências e emitidos cheques a favor do filho da 2.a R., relativamente aos quais não deu as ordens correspondentes, tendo estas tido origem na R. B .
 Regularmente citada contestou apenas a R. B, dizendo, em síntese:
- que as transacções estão devidamente documentadas e que as assinaturas conferem por semelhança com as existentes nos seus registos.
Conclui pedindo a absolvição do pedido.
Foi realizado exame pericial. Teve lugar julgamento, vindo a ser proferida sentença que julgou a acção provada e procedente, condenando solidariamente os RR. A pagarem à Autora a quantia de € 64.600,00 acrescida de juros de mora.
Com relevância para a discussão da causa mostram-se provados os factos que se seguem.
1) A 1ª R. exerce a actividade bancária.
2) A 2.a R. era funcionária daquela.
3) A A. é titular da conta depósito à ordem nº 469.10.------7, domiciliada no Balcão da B de Pero Pinheiro, aberta no dia 02-05-2011, conforme ficha de abertura de conta de que se mostra junta cópia a fls. 38.
4) É co-titular da conta D [  Francisca ….. ]  .
5) Trata-se de uma conta bancária que pode ser movimentada por qualquer uma das titulares.
6) Em 03-05-2011 foi efectuado um depósito em valores no montante de € 65 000, 00.
7) Registaram-se movimentos a débito, mercê das transferências bancárias e pagamento de cheques a saber:
Transferências bancárias:
Data             Montante
10-05-2011      15,000,00
06-06-2011      5.000,00
16-06-2011      4.350,00
28-06-2011      5.000,00
Cheques:
Número      Data              Montante
43629472   19-05-2011    9.500,00
43629474   30-05-2011    7.500,00
43629473    03-06-2011   5.000,00
43629477   16-06-2011    5.000,00
43629475   08-07-2011    2.000,00
43629478   13-07-2011    2.000,00
43629479   15-07-2011    1.900,00
43629480   18-07-2011    1.250,00
43629481   26-08-2011    1.100,00
8) As transferências operadas em 10-5-2011, 6-6-2011, 16-6-2011 e 28-6-2011, de € 15 000,00, € 5 000, 00, € 4 350,00 e € 5.000,00, foram-no para o BANIF, a favor de Pedro ……., com o NIB: 0038.0000.3944------ 47 (docs. de fls. 9 verso, 11, 11 verso e 12).
9) Em escrito datado de 20-11-2015, de que se mostra junta cópia a fls. 23, José ……, assumindo a qualidade de advogado da A., lê-se, assinaladamente, o seguinte, ( ... )  acontece que nos meses de Maio a Agosto de 2011, ocorreram na conta da minha cliente situações estranhas, pois foram efectuados levantamentos de importâncias elevadas através de cheques sem autorização da minha cliente, sem ter sido a minha cliente a assinar os referidos cheques. Convém salientar que a minha cliente nunca requisitou cheques dessa conta. E ainda foram realizadas transferências de quantias sem autorização da minha cliente, efectuadas pela gestora de conta do B , C para a conta do seu filho Pedro …...
10) A 2.a R. C era gerente da agência em que a A. abriu conta.
11) Pedro ……. é filho da 2.a R..
12) A A. não deu as ordens de transferência, nem assinou os cheques.
13) Foi a 2.a R. que requisitou um módulo de 10 cheques, conforme doc. de fls. 10, tendo nestes sido aposto o nome da A., como se da assinatura desta se tratasse.
14) Foi a 2.a R., ou terceiro a seu pedido, que apôs o nome da A., como se da assinatura desta se tratasse, nos documentos de que se mostram juntas cópias a fls. 9 verso, 11, 11 verso e 12.
15) A 2.a R. fez suas as quantias que fez movimentar.
16) Previamente ao processamento dos movimentos aquando da validação das ordens de transferência e dos cheques, funcionários da R. conferiram as assinaturas, tendo-se-lhes afigurado que eram semelhantes às assinaturas apostas no documento identificativo da A. de que dispunham e da ficha de assinaturas.
17) Os funcionários da R. vão ganhando experiência e preparação na conferência de assinaturas através da prática e do contacto com colegas mais antigos.
Inconformada recorre B , concluindo que:
- Considera a Recorrente, salvo melhor opinião e com o devido respeito, incorrectamente julgados pelo Tribunal a quo, os seguintes factos:
- O Tribunal a quo considerou como provados os factos constantes dos pontos 9.,12., 13. e 14. da Sentença;
- Tendo baseado a sua convicção no facto de, face ao teor da prova produzida, não se afigurar de todo credível ao tribunal que a Autora tivesse dado as ordens de transferência ou assinado os cheques e, ao invés, se lhe afigurar perfeitamente crível que não o tivesse feito.
- Mais considera o tribunal a quo que das Declarações de Parte resulta que a Autora pensava estar a abrir uma conta a prazo, ao invés de uma conta à ordem, pelo que também não teria qualquer fundamento para assinar os documentos assinados e para apôr a sua assinatura em cheques;
- Sendo ainda concluído que a Autora nunca tivera qualquer contacto com o sistema bancário, nem sequer na modalidade comum de manter uma conta à ordem e um cartão de débito.
- Conclusões com as quais a Recorrente não se pode conformar;
- Já que, com o devido respeito, tais factos foram dados como provados, devendo os mesmos, na sua convicção, figurar nos factos dados como não provados.
- Efectivamente, no que à alegada falsidade da assinatura da Autora diz respeito, foi a mesma objecto de perícia efectuada pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária, tendo da mesma resultado que é provável que as assinaturas examinadas sejam da autoria da Autora, desconsiderando o Tribunal a quo tal conclusão;
- Igualmente, nas suas Declarações de Parte, a Autora alega, por um lado que nada assinou, tendo de seguida admitido que algo terá assinado, como também admite que a letra (assinatura) patente dos documentos será muito parecida com a sua;
- Não se retirando de qualquer momento da prova feita, que a Autora estaria em qualquer momento convicta de que estaria a abrir uma conta a prazo e não uma conta à ordem, pelo que tal facto não deveria, igualmente, constar da convicção do Tribunal a quo;
- Mais, a Autora, contrariamente ao que conclui o Tribunal a quo, já fora titular de contas bancárias, como expressamente resulta do depoimento da testemunha por si arrolada, seu sobrinho, Sr. António …..  ;
- Pelo que respeitosamente discorda a recorrente da conclusão a que chegou o Tribunal a quo, relativamente à iliteracia bancária da Autora;
- Sendo certo que, caso o Tribunal a quo tivesse valorado a prova feita, designadamente o evidente resultado da perícia efectuada e as declarações da Autora, no sentido que entende a Recorrente que deviam ter sido valoradas, tal conduziria, necessariamente, a diferente matéria de facto assente;
- No que ao ponto 9. dos factos dados como provados diz respeito, considerou o Tribunal a quo como provado, excerto de urna carta remetida à Recorrente, pelo Ilustre Mandatário da Autora, não concordando a Recorrente com a inclusão, nos factos dados como provados, do teor do excerto da aludida carta;
- Uma vez que o mesmo remete para determinada matéria, a saber, cheques e transferências cuja assinatura não seria a da Autora, bem como uma requisição de cheques cuja assinatura não teria, igualmente, sido aposta pela Autora;
- Não resultando da prova feita, dos documentos juntos e da perícia efectuada à assinatura da Autora, qualquer evidência relativa à sua autenticidade que não seja, justamente, a inversa daquela que se encontra defendida na douta Sentença - devendo assim considerar-se que a assinatura foi aposta pela Autora, nas ordens de transferência, nos cheques e endossos e na requisição de cheques - como aliás decorre do depoimento do Sr. António …… ;
- Tendo, ainda, a prova feita quanto ao procedimento de verificação da assinatura pelos funcionários da Recorrente, decorrente dos depoimentos das testemunhas Francisco ….. e Albino ……., sido desconsiderada pelo Tribunal a quo;
- Defendendo a Recorrente que dos mesmos resultou que a Recorrente não violou qualquer dos seus deveres de prudência, na medida em que foram observados todos os deveres de conduta, vigilância, rigor, zelo e diligência a que o Banco e os seus funcionários estão adstritos no que concerne à verificação das assinaturas;
- Como aliás ficou patente no ponto 16., dos factos dados como provados;
- Sendo, inexplicavelmente, sido considerado como não provado, que as assinaturas apostas nos documentos são em tudo semelhantes às assinaturas apostas no documento identificativo da A. que consta dos seus arquivos e da ficha de assinatura.
- Ora, se por um lado, se dá como provado, na Sentença (ponto 17.), que os funcionários da R. vão ganhando experiência e preparação na conferência de assinaturas através da prática e do contacto com colegas mais antigos;
- Bem como que, previamente ao processamento dos movimentos aquando da validação das ordens de transferência e dos cheques, os funcionários da Recorrente conferiram as assinaturas, tendo-se-Ihes afigurado que eram semelhantes às assinaturas apostas no documento identificativo da Autora de que dispunham e da ficha de assinaturas;
- Como pode vir-se a considerar como não provado o vertido em U., supra?
- Não pode a Recorrente conformar-se com tal conclusão do Tribunal a quo, devendo tal facto, dado como não provado, ser considerado como provado, face à prova produzida em sede de audiência de julgamento, à documentação junta ao processo e à conclusão do Relatório Pericial elaborado pelo Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária.
- Mais considera a recorrente que a 2.a Ré ultrapassou as competências que lhe estava atribuídas, devendo a responsabilidade do banco ser afastada, a título de comitente, nos termos e para os efeitos do nº 2., do artigo 500.° do CC, uma vez que a 2.a Ré se aproveitou de uma aparência social, tendo criado um estado de confiança da Autora, na lisura do seu comportamento.
- Face a todo o sobredito, não pode a Recorrente conformar-se com as conclusões do Tribunal a quo.
- A douta Sentença recorrida fez uma incorrecta interpretação e aplicação do direito aos factos provados relativamente à não elisão da presunção de culpa estabelecida pelo artigo 799.° do Código Civil, devendo, ao invés e face à prova produzida, considerar-se que foi elidida tal presunção e não verificada a sua responsabilidade a título de comitente, já que se provou o cumprimento dos deveres de diligência que as circunstâncias reclamavam, tendo a Recorrente cumprido com ordens escritas cujas assinaturas conferiam com aquela existente nos seus registos, assim se cumprindo os deveres emergentes do contrato de depósito bancário e da Lei Uniforme Relativa ao Cheque, devendo, assim, ser a Sentença revogada no que concerne à condenação da B ao pagamento solidário da quantia global de € 64.600,00 (sessenta e quatro mil e seiscentos euros), a que acrescem juros à taxa legal de 4% ao ano, desde 21/08/2011, até integral pagamento.
 
A Autora contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.
Cumpre apreciar.
Incide o recurso, logo à partida, na impugnação da matéria de facto dada como provada nos nºs 9, 12, 13 e 14.
O nº 9 resulta provavelmente de equívoco da recorrente, já que o que foi dado como provado não foi o teor da carta, os factos que constituem o seu conteúdo, mas antes a própria carta e o seu envio. Ora ninguém discute que a carta de 20/11/2015, da autoria do advogado da Autora, foi enviada para o recorrente e dela constam os dizeres referidos na decisão fáctica.
Quanto à restante factualidade impugnada.
A questão crucial, como se compreende, consiste em saber se foi a Autora que apôs a sua assinatura nos cheques, nas ordens de transferência, ou se ocorreu falsificação da sua assinatura ou pela funcionária do B, ou por terceiro.
No relatório pericial do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciária concluiu-se ser provável que as escritas suspeitas dos cheques sejam da autoria de A, ora Autora. Quanto às escritas nas tranasferências interbancárias, não foi possível obter resultados conclusivos.
Na tabela apresentada pela mesma instituição, a qualificação de “provável” vem a seguir a “muitissimo provável” e “muito provável” e à frente de “provável que não”.
 Ou seja, para os senhores peritos é mais provável que a assinatura nos cheques seja do punho da Autora do que não seja.
Em geral, temos entendido que pelo elevado grau científico e tanto quanto possível objectivo, deste tipo de perícia, as conclusões finais, mesmo que apenas ao nível de “provável” devem fornecer um decisivo contributo para uma decisão factual em conformidade com tal perícia.
Nos termos do art.389º do Código Civil, “a força probatória das respostas dos peritos é fixada livremente pelo tribunal”.
Contudo, não nos podemos esquecer que a perícia, pela sua própria natureza, envolve o recurso a especialistas para apreciação de determinados elementos da factualidade controvertida, socorrendo-se de meios e conhecimentos que o juiz não tem.
Tal como se observou no acórdão da Relação de Coimbra de 22/06/2004, disponível no endereço da dgsi, “os tribunais não podem infundadamente desatender às conclusões dos exames periciais, nomeadamente quando estão em causa áreas de conhecimento específico como é o caso dos exames médico-forenses”.
E no acórdão desta Relação de Lisboa, 02/11/2006, sublinha-se que:
A perícia tem como finalidade auxiliar o julgador na percepção ou apreciação dos factos a que há-de ser aplicado o direito, sempre que sejam exigidos conhecimentos especiais que só os peritos possuem. Embora o relatório pericial esteja fundamentado em conhecimentos especiais que o juiz não possui, é este que tem o ónus de decidir sobre a realidade dos factos a que deve aplicar o direito. Em termos valorativos, os exames periciais  configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juriscidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas”.
É claro que isto tem igualmente a ver com a natureza específica de uma dada perícia e com os seus resultados.
Um exame pericial à letra que envolve necessariamente uma especialização científica de que o juiz não dispõe, bem como de meios instrumentais apropriados, fornece ao julgador um tipo de informação que, de um modo geral, dificilmente poderá ser afastado por outros meios de prova, nomeadamente testemunhal.
Mas, neste âmbito, também o grau de probabilidade relativo à existência ou inexistência de um dado facto, poderá restringir a livre apreciação do juiz, como será, por exemplo, um caso em que da peritagem resulte ser muitíssimo provável que uma dada assinatura é do punho de uma dada pessoa.
No caso ora em apreço, a peritagem nãio foi além de um conclusão de ser provável que os cheques tenham sido assinados pela Autora. E isto, como já vimos, significa acima de tudo a conclusão de ser mais provável que as assinaturas sejam do punho da Autora do que não sejam do seu punho. 
Como vimos, o Mº juiz a quo não se ateve a este elemento informativo, fazendo apelo a outros meios de prova para formar a sua convicção.
Tais meios de prova são, no essencial, as declarações de parte da Autora e os depoimentos de diversas testemunhas, referidas a fls. 173 e 174.
Reapreciada a prova gravada, e com a ressalva de que este tribunal da Relação está limitado à gravação do que foi dito mas não se pode aperceber de outros factores essencialmente visuais que, num caso como o dos autos, poderiam ter alguma relevância.
De qualquer modo, a Autora mostrou muitos esquecimentos relativamente aos factos, o que é normal dada a idade (87 anos). Disse que o dinheiro do depósito, para o que abriu a conta na B, resulta da venda de um terreno, tendo depositado o cheque (não se apurou bem se era um ou dois cheques, uma vez que metade do dinheiro era para a Autora e a outra metade para a sua irmã) nessa conta. Foi uma das duas vezes que se deslocou à agência da B, sendo a outra quando quis apurar o estado da sua conta, nomeadamente o saldo. Referiu que a C era a gerente da agência e foi com ela que tratou de tudo. Curiosamente, foi a C que se deslocou a casa da Autora, tendo-a convencido a abrir a dita conta para depositar o dinheiro que ia receber.
Disse ainda a Autora que nunca requisitou cheques, não assinou nenhum cheque nem nenhuma autorização de transferência bancária, mas que uma vez a C foi a casa dela dando-lhe uns papéis a assinar, o que ela fez.
Afirmou não ter nenhuma outra conta bancária. Recebe a pensão de reforma através dos Correios.

António ……., sobrinho da Autora , foi quem a convenceu a abrir conta na B, pois era sócio do marido da C, tendo-lhe este apresentado a mulher que era gerente da agência da B.
Disse que sempre ficou convencido que a conta que a tia abriu era a prazo.
Ao fim de algum tempo e porque a tia não recebia quaisquer extractos bancários da conta e porque a mãe da C lhe perguntou se ele tinha emprestado dinheiro à filha, decidiu levar a tia à agência do Banco onde constataram que a conta registava um saldo de apenas € 400,00. Refere que foi falar com o marido da C , que lhe disse que não se preocupasse que ele iria pagar tudo, só não sabendo quando.
Quanto ao ex-marido de C, Humberto …., o mesmo recusou prestar depoimento. Contudo, confirmou ter sido sócio do sobrinho da Autora, António …..
Note-se que C, Ré nos presentes autos, não apresentou contestação.
A testemunha Francisco …., funcionário do Banco, disse que o depósito da Autora era à ordem. Confirmou que a Autora só foi à agência duas vezes, para abrir a conta e, mais tarde, para ver o saldo desta. O documento relativo à transferência bancária foi-lhe levado pela C, gerente da agência, já assinado. Sabia que o destinatário da transferência e dos cheques era o filho da C mas não fez qualquer pergunta ou observação, por entender que se tratava de um assunto que só dizia respeito à titular da conta.
Contudo, reconheceu que era ele que geria a conta da Autora. Não sabe a razão do facto de a C ter sido transferida para outra agência do Banco meses depois das transferências e cheques em causa e em seguida ter-se despedido.
Quanto a Albino …., funcionário do B, analisou a situação depois das reclamação do advogado da Autora, conferindo visualmente as assinaturas e confirmando que era semelhantes às que constavam dos ficheiros do Banco. Sabe que a C rescindiu o contrato com o Banco meses depois das movimentações e saídas de dinheiro da conta da Autora, mas não sabe porquê.
Desta prova, resulta manifestamentamente plausível que a decisão da Autora de abrir conta no B se deveu às sugestões do sócio do sobrinho, e então marido da C, por esta ser gerente na agência desse Banco. A conta foi aberta a 02/05/2011 com um depósito de € 65.000,00. E estranhamente, logo a 10/05/2011 começam as transferências bancárias para a conta do filho da C no BANIF. De Maio a Julho de 2011 quase todo o dinheiro da conta foi transferido para Pedro …., filho da C. Meses depois a C é transferida para outra agência e pouco depois despede-se do Banco.
Note-se que não foi sequer esboçada a mais ínfima razão para que a Autora transferisse verbas ou passasse cheques a favor do filho da C. Nem sequer existe o menor indício de que a Autora conhecesse o Pedro …..  .
Como a Ré C não contestou a acção e o seu ex-marido se recusou a depôr, todos esses movimentos na conta ficam sem explicação.
Mas sabe-se que a C apresentou os documentos das transferências bancárias ao funcionário Francisco …. já assinados. Francisco …. nunca viu a Autora assinar fosse o que fosse à sua frente.
E aqui, a nosso ver, reside uma das fontes de responsabilidade do B.
Que as assinaturas nas transferências bancárias fossem semelhantes à da Autora não se pode negar, dada a resposta do Laboratório de Polícia Científica da Polícia Judiciário de “provável” que as assinaturas fossem do punho da Autora.
O funcionário do Banco encarregado de efectuar as movimentações em causa, comparou visualmente as assinaturas e dada tal semelhança não viu qualquer óbice no tocante à autenticidade do documento. Até aqui nada há de censurável.
Mas não esqueçamos que esse funcionário, Francisco …., geria a conta da Autora. Qualquer funcionário com um mínimo de diligência, acharia estranho que logo a seguir à abertura da conta de depósito, se sucedessem em catadupa as transferências bancárias: 10/05/2011 no montante de € 15.000,00, 06/06/2011 no montante de € 5.000,00, 16/06/2011 no montante de € 4.350,00 e 28/06/2011 no montante de € 5.000,00. Trata-se de avultadas quantias, sempre para a conta no BANIF do filho da gerente dessa mesma agência do B .
E isto – a que acrescem os cheques - até deixar, ao fim de apenas três meses, a conta (que era de € 65.000,00) reduzida a € 400,00. Ninguém deixaria de achar isto pouco normal, tanto mais que desde a abertura da conta que a Autora não ia a essa agência do B.
Um mínimo de prudência consistiria em telefonar para a Autora, ou comunicar com ela de qualquer forma, para se certificar que as movimentações não ofereciam quaisquer problemas.
A Autora, como se percebe do seu depoimento, é uma pessoa muito idosa, certamente com baixo nível de literacia, sem conhecimentos mesmo que básicos das operações bancárias.
A prova realizada, no seu conjunto, gera a convicção de que a gerente da agência do B em Pêro Pinheiro, se aproveitou das debilidades da Autora, para ou falsificar a sua assinatura ou, obter assinaturas nos documentos de transferência bancária, requisição de cheques e na passagem dos próprios cheques, assinaturas essas ignoradas pela Autora, assim conseguindo apropriar-se, a título pessoal ou através das contas do seu filho noutros Bancos, da quase totalidade do dinheiro depositado pela Autora no B.
O mais estranho é que ninguém – nem mesmo a C ou o ex-marido – afirmou que as transferências e os cheques tenham sido efectuados pela Autora ou por ordem desta. Ninguém indicou qualquer motivo, mesmo que remoto, que justificasse a razão de ser de tais operações.
Para o B tudo se passa como se a sua responsabilidade, nesta matéria, se esgotasse na comparação das assinaturas. Mas não é assim. Que uma conta, aberta por sugestão da gerente Ce do seu então marido, sofra em três meses movimentos que a reduzem de € 65.000,00 para € 400,00, sendo a requisição de cheques e a documentação das transferências apresentadas por tal gerente já assinadas, que as transferências se destinassem a uma conta do filho da gerente – facto do conhecimento do funcionário Francisco …. tal como ele próprio reconheceu – e sem que a Autora tivesse ido a essa agência desde o dia em que foi aberta a conta, não podia deixar de causar estranheza e, por uma questão mínima de precaução, levar a uma comunicação com a Autora.
E isso nunca foi feito.
Existe negligência do Banco, não se provando, por outro lado, qualquer atitude negligente da Autora.
Face à presunção do art. 799º do Código Civil é o Montepio responsável pelos danos causados à Autora.
Mas, para além disso, verifica-se outro fundamento de responsabilidade do Banco.
A C era funcionária do B. Actuou nessa qualidade ao convencer a Autora a abrir conta no B, na agência de que era gerente, foi enquanto funcionária do B que falsificou as assinaturas da Autora, dispondo do acesso à respectiva ficha de assinaturas.
A C, no caso em apreço, actuou sempre enquanto funcionária do B e aproveitando-se até dessa qualidade.
Como se sublinha no acórdão do STJ de 26/03/2014, citado na sentença recorrida, “também não tem merecido acolhimento a exigência de que a actuação do comissário se tenha desenrolado no interesse do comitente. Importante será, então, que o comportamento danoso tenha sido levado a cabo fazendo uso, o comissário, dos meios colocados à sua disposição pelo comitente. Assim se aderindo a um critério instrumental para apuramento da responsabilidade do comitente. É evidente que todo o acto ilícito pressupõe  um exorbitar das funções que estão cominadas ao comissário. Caso contrário, haveria conluio entre comitente e comissário para a prática do acto ilícito, e a responsabilidade daquele deslocar-se-ia para o domínio da culpa, esvaziando-se por completo a possibilidade de incorrer em responsabilidade objectiva. Só que esse exorbitar das funções confiadas não implica a incompatibilidade com a prática no exercício das funções”.
Não vemos pois razões para alterar a decisão relativa à matéria de facto, nem o seu enquadramento jurídico.
De salientar que quando o recorrente se insurge por ter sido dado como não provado “que as assinaturas apostas nos documentos são em tudo semelhantes às assinaturas apostas no documento identificativo da Autora que consta dos seus arquivos e da ficha de assinatura” esquece que os resultados da perícia efectuada não conduzem à conclusão de ser muitíssimo provável, ou até, muito provável, que as assinaturas sejam do punho da Autora. A conclusão foi de que é provável que as assinaturas sejam do punho da Autora, ou seja, o antepenúltimo patamar da escala de probabilidades considerada.
Isto conduz a que se deva reconhecer que a assinatura é semelhante à da Autora mas não que seja em tudo semelhante.
De resto, a sentença recorrida nunca pôs em causa o cumprimento dos deveres de diligência dos funcionários do Banco no tocante à comparação das assinaturas. Pelo contrário, entendeu que tal dever tinha sido cumprido. Só que o problema, como vimos, não se cinge à comparação das assinaturas.
Por outro lado, a perícia incide sobre um facto objectivamente considerado e descontextualizado, como não podia aqui deixar de ser: saber quais as conclusões probabilísticas que se retiram das semelhanças ou diferenças entre assinaturas.
Mas inserindo a conclusão da perícia num quadro factual mais amplo, logo vemos que uma perspectiva como a defendida pelo recorrente conduziria a uma situação inexplicável. Ninguém abre uma conta numa agência bancária, por sugestão da gerente dessa agência e do seu marido, com a única verba significativa de que presumivelmente dispôs em toda a vida – de acordo com as declarações da Autora – para logo a seguir, em cerca de três meses transferir ou passar cheques com a quase totalidade desse dinheiro para tal gerente ou para o filho desta. E isto sem que ninguém adiante qualquer razão para um tal procedimento.

Conclui-se assim que:
– Efectuada perícia com exame à letra e assinatura que comporta a nível da escala de conclusões os patamares derradeiros de muito provável ou muitíssimo provável, o resultado de ser provável que tais assinaturas sejam do punho da Autora, não obsta a que se venha a dar como provado que tais assinaturas foram abusivamente feitas por outra pessoa, quando, no contexto do conjunto da prova, seja essa a conclusão mais lógica, coerente e apta a tornar compreensíveis os fatos atinentes ao comportamento das partes envolvidas.
Termos em que se julga a apelação improcedente, confirmando-se a douta sentença recorrida.
Custas pela apelante.
LISBOA, 21/3/2019

António Valente
Teresa Prazeres Pais
Isoleta Almeida Costa