Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
27/19.9TREVR.L1-9
Relator: ANABELA CABRAL FERREIRA
Descritores: RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
CONSENTIMENTO DO CONDENADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/04/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECONHECIMENTO DE SENTENÇA PENAL EUROPEIA
Decisão: NÃO RECONHECIDA
Sumário: Exigindo o condenado como condição “sine qua non” para dar o seu consentimento ao reconheciemnto e transmissão da sentença penal europeia a determinadas condições que não pidem ser satisfeitas por colidirem como o principio da igualdade não deve aquela ser reconhecida.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da T.Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa
I. RELATÓRIO
A Excelentíssima Senhora Procuradora Adjunta veio requerer o reconhecimento de sentença por Tribunal Criminal de recurso do Reino Unido, respeitante a AA, de nacionalidade Portuguesa, nascido a ………, em Carvalhais, filho de BB e de CC, titular do cartão de cidadão ……….., com vista à execução em Portugal da pena de 11 (onze) anos e 6 (seis) meses em que se mostra condenado, pugnando que seja proferida decisão de reconhecimento da sentença em conformidade com o disposto nos artigos 169 n° 1 e 20º n° 1 da Lei 158/2015.
Inicialmente apresentados no Tribunal da Relação de Évora, os autos foram remetidos para o Tribunal da Relação de Coimbra, o qual se declarou territorialmente incompetente, ordenando a sua remessa a este Tribunal.
Nomeado defensor oficioso ao arguido, foi determinado o contraditório para fins de eventual oposição, nos termos do arte 981° do CPC, tendo-se pronunciado no sentido de estarem reunidas as condições legais para que seja reconhecida a sentença condenatória.
2. FUNDAMENTAÇÃO
Mostram-se apurados os seguintes factos:
1. O Reino Unido, enquanto Estado requerente, solicitou a Portugal, com base na Lei n° 158/2015, de 17 de Setembro1, relativa à transmissão e execução de sentenças em matéria penal, e para efeitos da execução de sentença por sua vez fundamentada nas Decisões — Quadro 2008/909/JHA, de 27 de Novembro, a continuação da execução da pena de 11 anos e 6 meses de prisão aplicada em no Crown Court at Stafford imposta a AA.
2. Tal pena foi-lhe imposta no processo com o n° T20137023 que correu seus termos nesse Tribunal, e que condenou o arguido por um crime de violação (11 anos) e "delito de não comparecimento (6 meses);
3. Conforme resulta da documentação e sentença enviada, o condenado, entre os dias 1 de Março e 17 de Abril de 2010, intencionalmente introduziu o pénis na boca e na vagina de menor de 13 anos, tendo ejaculado.
4. AA prestou o seu consentimento sujeito às
seguintes condições:
Acaso o Estado Português garanta:
"1- Se não ficar misturado com os prisioneiros na prisão em Portugal
2- Se não ficar registado no Registo de Crimes Sexuais em Portugal
3- Se esta transferência não afectar o meu registo criminal em Portugal
4- Se esta transferência não afectar o (meu) recurso no Tribunal do Royal
Court of Justice (...)
5 — Se podem descontar os 9 meses do meu ERD da minha pena de prisão"
Face aos factos, vejamos se existem condições para reconhecer e executar a decisão condenatória.
Estes factos constituem crime no ordenamento jurídico português, designadamente, crime de abuso sexual de criança — uma vez que se tratou de acto sexual com menor de 14 anos, sem que tivesse sido utilizada violência - , previsto e punido pelo disposto no artigo 171.º, n.L's 1 e 2 do Código Penal, com pena de 3 a 10 anos de prisão.
A certidão, devidamente transmitida em língua portuguesa, nos termos dos artigos 30° e 34° da Lei n° 158/2015, de 17 de Setembro, foi emitida em conformidade com o respectivo formulário cujo modelo constitui anexo à lei acima citada, sendo que se encontra devidamente preenchida.
A entidade emissora enviou cópia da respectiva sentença, a qual foi proferida em 23.05.2013.
O condenado, de nacionalidade portuguesa, com residência no Reino Unido, não esteve presente no julgamento mas teve do mesmo conhecimento, estando representado por Advogado.
Em 05/04/2019, o arguido já tinha cumprido 708 dias de prisão, sendo que o cômputo final da pena de prisão ocorrerá em 11/11/2027.
Entre as causas de recusa de reconhecimento da sentença e da execução da condenação previstos no artigo 17.º da Lei n°. 158/2015, de 17 de Setembro, encontra-se, designadamente, e com relevo na decisão a tomar:
"1-A autoridade competente recusa o reconhecimento e a execução da sentença quando:
b) Não estiverem preenchidos os critérios definidos no n.° 1 do artigo 8.º;
Entre os referidos critérios, temos a considerar o consentimento do condenado, assim como que seja nacional do Estado de execução e nele tenha residência legal ou habitual — vd. artigo 8.º, n.º 1.
Ora, embora tratando-se de cidadão nacional, não tem residência legal ou habitual em Portugal.
Mais significativo, e decisivo na decisão a tomar, o facto de o condenado ter prestado consentimento sujeito a condições que o Estado Português não pode cumprir, por serem ilegais face ao ordenamento jurídico nacional. Vejamos.
Não é possível assegurar que o condenado cumpra o remanescente da pena afastado de outros presos. A pena de prisão é cumprida em Estabelecimento Prisional no qual, naturalmente, se encontram vários presos. Admitir a condição apresentada pelo condenado, além de inexequível, representaria ilegal discriminação face aos outros reclusos.
Constar no registo nacional de Crimes Sexuais decorre da lei, não havendo aqui nenhum elemento discricionário.
Finalmente, é obrigatório a menção da condenação no registo criminal.
Nestes termos, não se mostram verificados os requisitos pera que seja reconhecida a sentença, e executada em território nacional, pelo que se recusa esse reconhecimento.

3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes que integram este tribunal em recusar o reconhecimento solicitado da decisão acima identificada, proferida pelo Crown Court at Stafford.
Notifique e informe o Estado Emissor.
Sem tributação.

Lisboa, 4 de Julho de 2019
(Processado e revisto pela relatora que assina e rubrica as restantes folhas - artigo 94.° do Código de Processo Penal).
Anabela Cabral Ferreira
Cristina Santana

Margarida Vieira de Almeida


1Que transpôs a Decisão-Quadro 2008/909/JAI, do Conselho, de 27 de novembro de 2008, alterada pela Decisão-Quadro 2009/299/JAI, do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009.