Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
742/16.9PGLRS.L1-5
Relator: RICARDO CARDOSO
Descritores: CRIME DE PERSEGUIÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/09/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: - O crime de perseguição ou “stalking” pode definir-se como uma forma de violência relacional e pode caracterizar-se por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc.
- Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada.
- Este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 C.P. tem como seus elementos constitutivos objectivos, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção,
- Comete o ilícito do art.º 154º-A, nº 1 do Código Penal, com dolo directo o arguido que, de forma reiterada, contacta telefonicamente a ofendida, a horas diversas, perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência os Juízes da 5ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

1. No Processo Comum (Tribunal Singular) nº 742/16.9PGLRS do Juízo Local Criminal de Loures (Juiz 3) do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, no qual sob acusação deduzida pelo Digno Magistrado do MºPº foi julgado o arguido T. , por sentença, proferida 22 de Novembro de 2018, foi decidido:

“Assim, e pelo exposto, o Tribunal julga a acusação procedente e, em consequência, decide:
a) Condenar o arguido pela prática de um crime de perseguição, previsto e punido pelo art.º 154° A, n° 1 e 155°, n°1, al. a) ambos do Código Penal, na pena 15 meses de prisão cuja execução se suspende por igual período.
b) Condenar o arguido nas custas do processo, fixando em 2 Ucs a taxa de justiça.
Deposite — art.º 372°, n.° 5 do Código de Processo Penal.
Após trânsito, remeta boletim ao registo criminal, ordenando-se a não transcrição.”

2. Não se conformando com esta decisão o arguido T. dela interpôs recurso apresentando motivação da qual extrai as seguintes conclusões:

A) Errou o Tribunal na correcta apreciação da prova, nomeadamente na apreciação das mensagens trocadas entre recorrente e ofendida. Nomeadamente, erra o Tribunal ao considerar ao considerar o número de mensagens de forma objectiva; ao considerar as mensagens do ora recorrente de forma isolada em vez de no contexto em que vêm inseridas, ao não considerar que ambos os intervenientes participaram activamente e responderam um ao outro na mesma moeda; ao não considerar a inexistência de mensagens que revelem o desejo da ofendida de não querer ser importunada - até final da conversa de 31 de Agosto; ao não considerar que a conversa morreu pouco depois; e ao valorar as palavras do recorrente como ameaças, não as lendo no contexto muito emocional em que foram ditas, após provocação de baixo nível da ofendida.
B) Errou o Tribunal na interpretação da lei, nomeadamente em relação requisitos do tipo legal do crime de perseguição.
C) Da conduta de perseguição: O arguido jamais actuou por forma a perseguir ou assediar a ofendida. Teve sim uma conversa que terá envolvido injúrias e difamação de parte a parte - de que muito se arrepende e sobre os quais foi realizada transacção cível e desistência de queixa - mas não mais que isso.
D) Da exigência de prática reiterada: Conforme se demonstra na análise supra das mensagens trocadas, entende o recorrente que as conversas, que decorreram durante 2 semanas, e nessas, essencialmente em 2 dias, não correspondem a uma prática reiterada no contacto com a ofendida - o elevado número de SMS trocado corresponde quase na globalidade a duas interacções de grande actividade. O arguido não foi “no encalço, importunou ou buscou afincadamente o contacto” com a ofendida. Aliás, a ofendida, durante todo o tempo, nunca tentou quebrar o contacto, ou sequer parar a conversa. Bem pelo contrário, sempre lhe respondeu na mesma moeda, inclusivamente usando uma anterior tentativa de suicídio do arguido para o atingir emocionalmente. Apenas no dia 31 de Agosto de 2016, no final da conversa, a ofendida revela pela primeira vez que não deseja mais contactar com o arguido “Desaparece da minha vida. Apaga o meu número”. E a conversa acabou mesmo no dia seguinte (houve troca de mensagens 3 dias depois, mas sem conteúdo relevante e sem conversa), e nunca mais voltou a existir troca de mensagens. Pelo que o arguido não foi “obstinado” nem “insistente”.
E) Da adequação a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação da pessoa perseguida: Entende o arguido que a troca de mensagens realizada não é adequada a provocar o medo ou a inquietação que a ofendida diz ter sofrido. Até porquanto esta sempre lhe foi respondendo na mesma moeda.
F) Do dolo: Entende o recorrente que o douto Tribunal confundiu um eventual dolo nas injúrias e difamações realizadas - aliás de parte a parte - com o dolo necessário à prática de um crime de perseguição. A existência de dolo no primeiro caso não implica necessariamente a existência de dolo na perseguição da vítima.
Porquanto tudo o que foi dito nos pontos acima, jamais o arguido pretendeu - ou configurou sequer a hipótese de - perseguir ofendida.
Nestes termos deverá ser concedido provimento ao recurso, revogando-se a douta sentença, com as legais consequências.”

3. Admitido o recurso com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo o MºPº respondeu, pugnando pela improcedência do recurso, nos seguintes termos:

1° Quanto aos factos dados como provados e a sua subsunção aos dispositivos legais aplicados, nenhum reparo nos merece a sentença ora em crise.
2° Não há qualquer insuficiência para a matéria de facto provada;
3° Em relação ao vício de erro notório na apreciação da prova, basta uma leitura atenta dos factos dados como provados na sentença ora recorrida para se concluir não existe qualquer erro judiciário e muito menos um erro tão crasso que salte aos olhos, sem necessidade de qualquer exercício mental;
4° Os factos provados, a fundamentação de facto e de direito e a decisão constituem um percurso lógico, racional e objectivo, valorados à luz das regras da experiência da vida existindo a persuasão racional do juízo e que permite o acompanhamento no seu processo formativo segundo o princípio da publicidade da actividade probatória.
5° Invoca o recorrente nas suas alegações que “O tribunal “a quo” desvaloriza completamente as declarações do arguido...”, recordando o julgamento não podemos deixar de fazer notar que:
- O arguido faz da questão de ter trocado mensagens com a ofendida um ponto de honra, no entanto compulsados os autos e as transcrições das mensagens trocadas facilmente se percebe o teor agressivo das mensagens;
- A ofendida a 19.08.2016 (cfr. Fls. 45) escreveu para o arguido “Tiago, aquilo é o meu facebook de trabalho. Tem respeito e deixa de ser imbecil”,
6° Parece-nos, SMO que desta frase se retira que a ofendida desde o início pretendeu que o arguido parasse com os comentários realizados pelo mesmo a seu respeito.
7° Dizer a alguém “N vires zombie senão enterro te again n sabes com quem te tas a meter chavala”, não nos parece que seja de quem se está a defender de alguma ignomínia que tenha sofrido e que está debaixo de forte carga emocional, como defende o Recorrente.
8° Por fim as mensagens cessaram porque a ofendida para colocar termo ao acossamento de que se viu alvo, mudou de número de telefone.
9° Concluindo, ponderados os argumentos invocados pelo Recorrente na motivação do seu recurso, não podemos deixar de considerar que não lhe assiste qualquer razão e que a sentença recorrida não merece reparo algum.
10° O crime de perseguição está contemplado no artigo154°- A, n°.1 do C.P. (aditado pela L.n°.83/15, de 5-8, com início de vigência a 5-9-15) e dispõe:
- “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”
11° São vários os comportamentos que se podem enquadrar no conceito de perseguição (ou stalking), nomeadamente a tentativa de entrar em contracto com a vítima (através de mensagens, chamadas, envio de emails), aparecer em locais habitualmente frequentados por ela, ou perseguir/ aparecer junto da mesma onde quer que ela esteja (cabeleireiro, café, trabalho, junto ao carro, porta de casa), ameaçar a vítima ou pessoas próximas dela (familiares, amigos, animais de estimação, entre outras).
12° Todos estes actos, praticados de forma repetida, persistente e imprevisível, levam a que a vítima se sinta desprotegida e incapaz de se defender perante a actuação do agressor, temendo que a qualquer momento aquele a surpreenda nas suas rotinas diárias, invadindo o seu espaço e a sua esfera pessoal.
13° Esta presença constante no quotidiano da vítima provoca efeitos prejudiciais na sua saúde física e mental, provocando desgaste, ansiedade, medo e acaba por afectar o estilo de vida e o bem-estar emocional do visado, acarretando sentimentos de profunda insegurança e mal-estar.
14° Muitas vezes a vítima vê-se obrigada a alterar as suas rotinas diárias de forma a escapar ao perseguidor (stalker), para evitar o contacto com o agressor.
15° A tipificação deste tipo de condutas pretende defender direitos fundamentais das vítimas como o direito à integridade física e psicológica, direito à saúde, direito à reserva da vida privada e familiar e a liberdade de autodeterminação.
16° O tipo legal previsto no artigo 154ºA do Código Penal, não exige que os comportamentos do agressor provoquem, efectivamente, medo ou inquietação na vítima ou lhe prejudiquem a liberdade de determinação, bastando que essas condutas sejam adequadas a provocar tais efeitos no “homem médio”.
17° Escreveu-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 11-3-15 (in www.dgsi.pt), a propósito de stalking (ainda que antes da criminalização no artigo 154ºA do código Penal), que o mesmo se caracteriza como:
- "Uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento.”
18° Concluindo, o tipo de crime previsto no art.154°-A, n° 1, tem como seus elementos constitutivos:
a) Elementos objectivos:
i) a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima,
ii) por qualquer meio, directo ou indirecto;
iii) a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação;
iv) e a reiteração da acção;
b) Elemento subjectivo, o dolo em qualquer das modalidades.
19° Ora, tendo presente a referida disposição legal e os elencados elementos típicos, temos que aqueles apurados factos são susceptíveis de configurar o apontado ilícito.
20° Na verdade, analisando os factos apurados e descritos nos factos provados da sentença agora em crise, verificamos que o arguido nas descritas circunstâncias actuou por forma adequada a provocar medo e a prejudicar a liberdade de movimentos e determinação da ofendida, através das mensagens diária dirigidas à ofendida, nas quais a amedrontava, injuriava e humilhava, assim a perseguindo de forma reiterada, persistente e insistente, o que fez de forma deliberada e consciente, com o propósito de lesar a sua liberdade pessoal, como conseguiu.
21° Assim, verifica-se que as condutas do arguido preenchem efectivamente o tipo de crime do art.154°-A, n°.1 do Código Penal.”

4. Neste Tribunal da Relação a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Foram colhidos os vistos e realizada a competente conferência.
      
6. Suscita-se a apreciação das seguintes questões:

- Do erro na apreciação da prova;
- Do erro na apreciação do direito quanto ao preenchimento do tipo penal do crime de perseguição, previsto e punido pelo art.º 154° A, n° 1 e 155°, n°1, al. a) ambos do Código Penal.

7.1. Assim reza a sentença recorrida:

“II - FUNDAMENTAÇÃO
1- MATÉRIA DE FACTO PROVADA
De relevante para a discussão da causa resultou provada a seguinte matéria de facto:
1. O arguido T. e AA conheceram-se 2006, mantendo uma relação de amizade, por terem amigos em comum.
2. Em data não concretamente apurada mas anterior a Agosto de 2016, o arguido conheceu J. , amiga da AA , e tornaram-se amigos no Facebook, facto que não agradou ao namorado da J. .
3. Por ter conhecimento que tal amizade não agradava ao namorado da J. , a AA  pediu ao arguido que deixasse de contactar com a J. , o que não agradou ao arguido.
4. A partir de Agosto de 2016, T.  começou a enviar diversas mensagens de voz e texto a partir do seu telemóvel com o n.° 96 … …para o telemóvel de AA com o n.° 93 ….
5. Todas as mensagens enviadas por T.  que de seguida se transcrevem, bem como a fotografia enviada, foram recebidas e lidas por AA quando se encontrava na área desta comarca.
6. No dia 08.08.2016 às 14h07 através da aplicação Whatsapp, T.  enviou uma mensagem de voz a AA , com a duração de 1 segundo, cujo conteúdo não foi possível apurar.
7. No dia 10.08.2016 entre as 14h16m e as 22h14m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou três mensagens de voz a AA , com duração de 6, 18 e 18 segundos, respectivamente, cujo conteúdo não foi possível apurar.
8. No dia 11.08.2016 às 16h00m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou uma mensagem de voz a AA com a duração de 8 segundos, cujo conteúdo não foi possível apurar.
9. No dia 13.08.2016 entre as 02h44m e as 02h45m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou nove mensagens de texto a AA , cada uma delas contendo uma letra maiúscula, podendo ler-se, no seu conjunto, a palavra “POKERALHO”.
10. No mesmo dia 13.08.2016, às 2h45m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou a AA uma mensagem de texto dizendo “Isto é Art”, seguida de uma fotografia do próprio arguido com uma t-shirt com os dizeres “AS MÁS LÍNGUAS FALAM DE MIM, AS BOAS DEIXAM-ME CHUPAR”.
11. De seguida, às 02h46m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou a AA mensagem de texto em que dizia “E isto tb J”.
12. Ainda no mesmo dia pelas 02h46, 02h47 e 02h56m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou a AA três mensagens de voz, com a duração de 2, 1 e 5 segundos, respectivamente, cujo conteúdo não foi possível apurar.
13. No dia 19.08.2016 T.  fez uma publicação no mural da página da rede social Facebook pertencente a AA , cujo conteúdo não foi possível apurar.
14. No dia 19.08.2016, através da aplicação Whatsapp, T.  enviou vinte e seis mensagens escritas a AA , sendo que:
i. Por mensagem enviada às 15h36m T.  escreveu Tou teso;
ii. Por mensagem enviada às 15h40m T.  escreveu Isso queria eu mas n tens colhoes suficientes só para falar pa outras pessoas ... N sabes o teu rotulo por ai! Ninguem te dá razão filha agr pensa é grátis e deixa de ser ntirosa que já te apanharam no encalço;
iii. Por mensagem enviada às 15h44m T.  escreveu Miuda contigo n há conversas. Já tavas há mt na lista cinzenta e passaste para a negra. Ninguem te dá razão e suporta filha! Se soubesses o que os teus SUPOSTOS “amiguinhos” dizem de ti n saias mais de casa. És bombeira mas é de outros “fogos”.. .CHUCKYMATE RIP;
iv. Por mensagem enviada às 15h45 T.  escreveu PS: n vires zombie senão enterro te again n sabes com quem te tas a meter chavala;
v. Por mensagem enviada às 15h47m T.  escreveu Mas alguém disse para teres medo? só és grande por sms faces e whats pk sabes tu e toda a gente que colhoes para vires falar cmg chapeu LOL;
vi. Por mensagem enviada às 15h48m T.  escreveu Nem quero “enterrar-te” com o rotulo que tens ainda fico com alguma doença UPS;
vii. Por mensagem enviada às 15h48m T.  escreveu também ERA UMA VEZ.;
viii. Por mensagem enviada às 15h52 T.  escreveu Isso queria eu mas ya tens de mandar pessoas PS: ninguém te dá razão e suporta e tens rotulo de dada espera sejamos sinceros puta.quero e pessoalmente que cmg isto e para combinar e conversas resumidas. Ate um dia que te apanhe a frente e .Reza!
ix. Por mensagem enviada às 16h07m, T.  escreveu Filha primeiro n falo com pessoas que tem o teu rotulo segundo falas dos meus amigos mas são alguns dos trus que n te suportam e tiram a pinta terceiro e último n te metas em curvas para as quias n tens andamento PS: falas mt mas praticas pc! Dizes que bates mas era se fosse a punheta e eu tinha de deixar;
x. Por mensagem enviada às 16h14m T.  escreveu A tua também;
xi. Por mensagem enviada às 16h15m T.  escreveu Olha que estas errada se fosse a ti fazia uma lacagrm nas amizades como eu fiz. m seres os amiguinhos da onça claro lol;
xii. Por mensagem enviada às 16h22m T. escreveu CHUCKYMATE! RIP!
xiii. Por mensagem enviada às 16h24m T.  escreveu Um dia pode ser que vejas um morto à tua frente ...
xiv. Por mensagem enviada às 16h35m T.  escreveu PS: fazes te de forte aqui mas dizes as pessoas que e passo a citar: "tenho medo de confrontar o chucky”! es uma falsa triste e inútil;
xv. Por mensagem enviada às 16h46m T.  escreveu Pois as pessoas e é mais que uma deduziram e acham isso pela tua lábia;
xvi. Por mensagem enviada às 16h50m T.  escreveu Mas quem disse que falas de mim otaria? Falas dos teus filmes para mim oh manuela de oliveira. Epa n da msm pa falar contigo;
xvii. Por mensagem enviada às 16h50m T.  escreveu Nasceste aqui ou em marte?;
xviii. Por mensagem enviada às 16h51m T.  escreveu Tao sao adivinhos ahahahaha enfim.;
xix. Por mensagem enviada às 16h56m T.  escreveu Es sempre apanhada no encalco e se formos a ver quem e burro realmente esse alguem es tu pk ninguem anda com um gajo que vive em leiria morando tu em lisboa lol CRESCE FILHA;
xx. Por mensagem enviada às 17h06m T.  escreveu Andei eu tb n andaste com aquele o outro e o da esquina? Atrasado mental msm ainda bem que sabes...;
xxi. Por mensagem enviada às 17h09m T.  escreveu Es uma santa so te falta a aurea lolol;
xxii. Por mensagem enviada às 17h13m T.  escreveu Ao mns essas admitem já tu tens o rótulo e nada... tu nem imaginas o que falam de ti nas costas e pessoas que consideras amigas. Volto a dizer que n te suportam e que es uma putinha de esquina! É tudo por agr! Agr pensa é gratis!;
xxiii. Por mensagem enviada às 17h14m T.  escreveu Desculpa a sinceridade mas... eu guio-me por ela ja outras pessoas n!;
xxiv. Por mensagem enviada às 117h22m T.  escreveu Deixa me rir agr tomara teres meio colhao meu filha meuio só quem e conhecida aqui por falsa es tu dos de verem as conversacoes agr mais uma x te digo pensa e grátis;
xxv. Por mensagem enviada às 17h22m40s T.  escreveu R;
xxvi. Por mensagem enviada às 17h22m46s T.  escreveu I;
xxvii. Por mensagem enviada às 17h22m47s T.  escreveu P;
15. No dia 24.08.2016, às 23h51m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou duas mensagens de voz a AA , com duração de 10 e 2 segundos, respectivamente, mas cujo conteúdo não foi possível apurar.
16. Ainda no dia 25.08.2016, através da aplicação Whatsapp, T.  enviou duas mensagens de texto a AA , sendo que às 23h51m escreveu Ta bom o mercado de alges? e às 23h49 enviou uma mensagem sem conteúdo.
17. No dia 31.08.2016, através da aplicação Whatsapp, T.  enviou cinco mensagens de texto a AA , sendo que:
i. Por mensagem enviada às 13h28m T.  escreveu Foste apanhada mais uma x no encalço da mentira. Conselho? Não mintas. "Essa gaja é ridícula"... Dizem eles!;
ii. Por mensagem enviada às 13h31m T.  escreveu Nao aceito beijos de putas e mentirosas dispenso...;
iii. Por mensagem enviada às 13h35m T.  escreveu Não e o que consta por ai e alguns “amiguinhos” ate na tua festa de anos tavam... UPS! Tas fdd cmg ate a tua morte.
iv. Após AA ter escrito a T.  (...) “não me vou atirar de nenhum janela”, T.  por mensagem enviada às 13h41m escreveu “Es mt dada vamos ser sinceros?PUTA! 3? Mete mais uma pessoa ai lol n precisas basta teres a sorte de me apanhares a frente J “
v. Por mensagem enviada às 13h53m T.  escreveu Ainda te faco um favor e vais ter com a tua mãe.
18. No dia 01.09.2016, às 02h14 através da aplicação Whatsapp, T.  enviou duas novas mensagens de voz a AA , com a duração de 5 e 3 segundos, respectivamente, mas cujo conteúdo não foi possível apurar.
19. No dia 01.09.2016, às 13h16m através da aplicação Whatsapp, T.  enviou uma mensagem de texto a AA com o seguinte teor: Oh vaca do monte foste fazer queixinhas? depois dizes que n falas loool mas ve se msm que e o teu amiguinho fala por uma ana Jorge ... “tem medo”
20. No dia 04.09.2016 através da aplicação Whatsapp, T.  realizou duas chamadas para o telemóvel de AA , respectivamente às 19h31m e 19h40m:36s, sendo que esta não atendeu.
21. Logo após a realização dos telefonemas, através da aplicação Whatsapp, T.  enviou duas mensagens de texto a AA , respectivamente às 19h40m50s e 19h41m07, dizendo Ligaste? Fala e Não posso atender so por sms. Fala.
20. Após AA ter informado que fora o arguido a contactar e não ela, T.  enviou mais mensagens de texto a esta através da aplicação Whatsapp, uma às 19h42 dizendo caga era so para saber se estavas bem lol e ainda outra às 19h44m dizendo como tinhas móvel desligado deduzi que não amiga.
22. Como consequência directa e necessária das condutas de T.  supra descritas, AA passou a sentir-se constrangida na sua liberdade de determinação, na vida privada, na sua paz e sossego, chegando inclusivamente a recear pela sua própria vida e integridade física.
23. Por esse motivo AA trocou de número de telemóvel.
24. Sabia o arguido que AA não pretendia receber as suas mensagens.
25. Ao enviar, de forma frequente e sequencial, mensagens para o telemóvel da mesma, sabia ainda que a perturbava na sua paz e o sossego, resultado esse que pretendeu e logrou atingir, bem sabendo que a sua conduta era adequada a obter esse resultado.
26. T.  sabia igualmente que a mãe de AA já tinha falecido.
27. Com as três mensagens de dia 19.08.2017 às 17h22m cada uma delas contendo uma letra maiúscula, podendo ler-se, no seu conjunto, “RIP”, T.  quis transmitir a AA “Descansa em paz”, frase que aparece em lápides, habitualmente utilizada na forma abreviada como “RIP” por referência à língua latina ou língua inglesa, respectivamente “requiescat in pace” ou “rest in peace”.
28. Ao dirigir a AA as mensagens que acima se transcreveram, T.  agiu com o propósito concretizado de anunciar um mal sobre a vida e integridade física daquela, de forma adequada a provocar-lhe medo, insegurança, inquietação, e a prejudicar a sua liberdade de determinação, bem sabendo igualmente que a sua conduta era adequada a causar tal resultado, não se abstendo de agir do modo descrito.
29. O arguido actuou sempre de forma deliberada, livre e consciente, bem sabendo que as suas descritas condutas eram censuradas, proibidas e punidas por lei.
30. A ofendida respondeu a alguns dos sms enviados pelo arguido e, sabendo que este tentou suicidar-se enviou-lhe um sms dizendo “não me vou atirar de nenhuma janela”
31. O arguido não tem antecedentes criminais.
32. O arguido é conhecido pelos amigos por utilizar linguagem de vernáculo, ser uma pessoa assertiva.
33. O arguido, à data dos factos, tinha recuperado de uma tentativa de suicídio e estava sob medicação e acompanhamento médico.
34. É solteiro e vive com os pais e em casa destes.
35. É segurança/vigilante em part-time e aufere € 430 líquidos mensais.
36. Contribui com 80 a 100 euros mensais para as despesas da casa.
37. Possui como habilitações literárias o 12° ano de escolaridade.
2- MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
De relevante para a discussão da causa, não se logrou provar a seguinte matéria de facto:
Em data não concretamente apurada mas entre 2016 e Março de 2017 T.  colocou um anúncio na internet, numa página com o endereço www.conviviocm.pt com o seguinte texto Bombeira quer mangueira. A Portuguesa!25 aninhos!Busto e Oral Natural!Vaginal e/ou Anal! Vem descobrir o prazer sem limites!15R.
T.  publicou o referido anúncio indicando como contacto o número de telemóvel de AA , como se tivesse sido a própria a realizar a publicação do mesmo.
3- MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados fundou-se na análise crítica da prova. Assim, o arguido admitiu ter enviado as mensagens e deixado várias mensagens de voz, negando no entanto ter enviado a mensagem sob o ponto 18 dos factos provados, esclarecendo que a linguagem que utilizou é aquela que sempre usa e que não teve qualquer intenção de ofender ou ameaçar a ofendida, afirmando que só repetiu o que os outros pensavam dela.
Ora, basta ler o conteúdo das mensagens para se perceber que o arguido não se limitou a reproduzir o que os outros pensam da ofendida, e constatar que o arguido a injuriou e a ameaçou. Se bem que possamos concordar com a defesa que a expressão RIP ou Chucky Mate (checkmate), pode ter sido utilizada apenas para por um ponto final na conversa, o certo é que a expressão “Ainda te faço um favor e vais ter com a tua mãe”, sendo o arguido sabedor que a mãe da ofendida havia falecido pouco tempo antes, só pode ser entendida como uma ameaça de morte.
Assim, analisadas as sms o tribunal deu os factos como assentes.
Teve-se ainda, em atenção as declarações da assistente que nos deu conta não só das mensagens recebidas mas do estado de espírito com que ficou após as receber, e que a mesma não tinha outros conflitos com outras pessoas, pelo que conjugado tal facto com o teor do sms dado como assente no ponto 18, deu-se como assente que foi o arguido quem o enviou.
Mais, teve-se em atenção o depoimento das testemunhas Mariana Ribeiro, Engrácia Campos e André Silva, quanto à forma de o arguido se exprimir.
Teve-se, ainda, em atenção todas as declarações do arguido quando ouvido sobre as suas condições de vida e no CRC junto aos autos.
No que concerne à matéria não provada na ausência total de prova, já que o arguido negou tais factos e a ofendida afirmou que o anúncio que um amigo lhe mostrou nunca foi publicado.
3- ASPECTO JURÍDICO DA CAUSA
A) ENQUADRAMENTO JURÍDICO-PENAL
Sendo esta a matéria de facto provada, façamos o seu enquadramento jurídico-penal.
O arguido vem acusado pela prática de um crime perseguição, agravada, previsto e punido pelo art.º 154°A, n.° 1, 3 e 4 e 115°, n.°1, al. a) do Código Penal.
De acordo com o disposto no art.º 154°A do Código Penal pratica tal crime “1 - Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, (...)”.
A pena será agravada, nos termos do art.º 155°, n.° 1, al. a) se os factos previstos nos art.º 153 a 154° C forem realizados por meio de ameaça com a prática de um crime punível com pena de prisão superior a três anos.
A conduta do arguido reveste-se das notas características do chamado stalking, isto é, uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, Estamos perante uma conduta reiterada, e não ocasional ou isolada.
Na verdade, no período compreendido entre 08.08.2016 a 01.09.2016, o arguido enviou inúmeras mensagens (sms), mensagens pelo whatsapp, e mensagens de voz à ofendida, sendo que num desses sms o arguido efectua uma ameaça de morte, sendo que o arguido teve este comportamento por ter ficado desagradado com o facto de esta lhe ter pedido para deixar de contactar a amiga J. .
Face à matéria provada, dúvidas não restam de que o arguido praticou o crime pelo qual vem acusado, tendo agido com dolo directo.
Inexistem causas de exclusão da ilicitude e da culpa.
B) DA MEDIDA CONCRETA DA PENA
Feito pela forma descrita o enquadramento jurídico-penal da conduta da arguida importa agora determinar a natureza e medida da sanção a aplicar.
O crime de perseguição é punido com pena de prisão de um a cinco anos. Podendo ainda ser aplicadas ao arguido, nos termos do n.° 3 do artigo 154°A do Código Penal as penas acessórias de proibição de contacto com a vítima pelo período de 6 meses a 3 anos e de obrigação de frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas da perseguição.
E, de acordo com o n.° 4 do citado preceito legal “A pena acessória de proibição de contacto com a vítima deve incluir o afastamento da residência ou do local de trabalho desta e o seu cumprimento deve ser fiscalizado por meios técnicos de controlo à distância.”.
De acordo com o estabelecido no n.° 1, do art. 40° do Código Penal, “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. E o n.° 2 dispõe que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.”
As finalidades da punição são, pois, a protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade. Estas finalidades são complementares no sentido de que não se excluem materialmente, havendo sempre que encontrar um justo equilíbrio na sua ponderação.
Com a determinação que sejam tomadas em consideração as exigências de prevenção geral procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos.
E com o recurso à vertente da prevenção especial almeja-se satisfazer as exigências da socialização do agente, com vista à sua reintegração na comunidade (Ac. do S.T.J. de 04.07.1996, in C.J. - Acs. Do S.T.J., ano IV, T 2, pág. 225).
A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo em concreto imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente: entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização do agente.
Na determinação da medida concreta da pena a aplicar ao arguido há que atender, ainda, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele e, que se encontram enumeradas, a título exemplificativo, no n.° 2 do artigo 71° do Código Penal.
Assim, e voltando ao caso concreto, há que considerar que as exigências de prevenção geral são medianas.
Há, ainda, que ter em consideração o espaço de tempo que durou a conduta, e que, dentro deste tipo de crime, é reduzido, o tipo de expressões proferidas, o número de sms diários, o facto de se tratar apenas de sms, não tendo o arguido procurado a ofendida, a ausência de antecedentes criminais e o facto de o arguido estar familiar, social e profissionalmente inserido.
Tudo devidamente ponderado, fazendo uso de um critério razoável proporcionalidade e sem esquecer que, e na esteira do que foi defendido por Beleza dos Santos “a tranquilidade pública só deverá considerar-se convenientemente restabelecida quando a pena for um justo castigo, um adequado meio de intimidação e um conveniente processo de regeneração do delinquente” (Ver. Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 78, pág. 26), afigura-se necessária e adequada a pena 15 meses de prisão.
Atendendo às circunstâncias do caso concreto, cumpre, todavia, apurar se se mostram reunidos os pressupostos de aplicação do instituto de suspensão da execução de pena, previsto no artigo 50° do Código Penal.
Nos termos do n° 1 deste artigo, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades de punição».
Ensina Figueiredo Dias que «pressuposto da aplicação material do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente» (4).
A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, tendo por base o princípio ressocializador que orienta o nosso ordenamento jurídico-penal.
Tendo presente a matéria de facto apurada, pode concluir-se que, a ideia da prevenção encontra eco nos presentes autos, já que o arguido não tem antecedentes criminais.
Neste particular, a aplicação efectiva da pena de prisão não contribuirá para o reforço da sua consciência cívica, não favorecendo a sua integração sócio- comunitária.
A suspensão da execução da pena de prisão é uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico que pode salvaguardar as expectativas comunitárias na validade das normas violadas e, ao mesmo passo, aqui prioritariamente, conduzir o arguido para parâmetros de comportamento mais adequados aos valores sociais dominantes.
Assim, sem embargo da potencialidade do risco de cometer novos delitos, neste momento, a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Em jeito de conclusão, a pena de prisão aplicada fica suspensa na sua execução por igual período, atento o disposto no artigo 50°, n.° 5 do Código Penal.
Peticiona o Ministério Público a aplicação das penas acessórias de proibição de contacto com a vítima, frequência de programas específicos de prevenção de condutas típicas de perseguição e afastamento da residência ou local de trabalho da ofendida.
Uma vez que os factos ocorreram em 2016 e que desde aí não existiu qualquer outro contacto com a ofendida, entende-se que não é de aplicar a proibição de contactos e vista a reflexão que o arguido efectuou, tendo afirmado que esteve mal neste episódio, afigura-se que não é de impor a frequência de qualquer programa.

7.2. Apreciação.

Funda o recorrente a sua discordância relativa à sentença proferida nos autos, - que o condenou pela prática de um crime de perseguição previsto e punido pelos art.ºs 154° A, n° 1 e 155°, n° 1, al. a) ambos do Código Penal, na pena 15 meses de prisão cuja execução foi suspensa por igual período de tempo, - na alegação de que “o Tribunal a quo não fez uma correcta interpretação dos factos nem, tão pouco, uma adequada subsunção dos mesmos à norma jurídica aplicável.

Quanto à apreciação da prova a sua alegação é a seguinte:
“Errou o Tribunal na correcta apreciação da prova, nomeadamente na apreciação das mensagens trocadas entre recorrente e ofendida. Nomeadamente, erra o Tribunal ao considerar ao considerar o número de mensagens de forma objectiva; ao considerar as mensagens do ora recorrente de forma isolada em vez de no contexto em que vêm inseridas, ao não considerar que ambos os intervenientes participaram activamente e responderam um ao outro na mesma moeda; ao não considerar a inexistência de mensagens que revelem o desejo da ofendida de não querer ser importunada - até final da conversa de 31 de Agosto; ao não considerar que a conversa morreu pouco depois; e ao valorar as palavras do recorrente como ameaças, não as lendo no contexto muito emocional em que foram ditas, após provocação de baixo nível da ofendida.”

Cumpre recordar que as Relações julgam de facto e de direito, – art.º 428º nº 1 do CPP – mas o duplo grau de jurisdição está condicionado e limitado à previsão do art.º 410º nºs 2 e 3 do CPP.
A impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto exige ao recorrente a especificação dos artigos ou pontos da matéria de facto que considera incorrectamente apreciados, as provas que impõem decisão diversa da recorrida, as provas que devem ser renovadas – art.º 412º nº 3 do CPP.
Constitui entendimento pacífico e constante da jurisprudência dos tribunais superiores que a referência aos suportes técnicos a que se refere o nº 4 do art.º 412º implica a expressa indicação dos específicos pontos da gravação correspondentes aos depoimentos erradamente valorados pelo tribunal de 1ª instância e que reclamavam decisão diversa quanto à matéria de facto, não sendo admissível a indicação genérica da gravação desse depoimento.
Para dar cumprimento às referidas exigências legais tem a recorrente nas suas conclusões de especificar, quais os pontos de facto que considera terem sido incorrectamente julgados, quais as provas específicas que impõem decisão diversa da recorrida, bem como referir as concretas passagens/excertos/segmentos das declarações/depoimentos que, no seu entender, obrigam à alteração da matéria de facto, transcrevendo-as (se na acta da audiência de julgamento não se faz referência ao início e termo de cada declaração ou depoimento gravados) ou mediante a indicação do segmento ou segmentos da gravação áudio que suportam o seu entendimento divergente, com indicação do início e termo desses segmentos (quando na acta da audiência de julgamento se faz essa referência, o que não obsta a que, também nesta eventualidade, o recorrente, querendo, proceda à transcrição dessas passagens).

Na verdade, ao reportar-se à apreciação da prova, o recorrente limitou-se a indicar genericamente a sua pessoalíssima interpretação da prova de forma diversa à fundamentadamente efectuada pelo tribunal, o que não satisfaz minimamente a exigência legal.
Conforme resulta do confronto da redacção dos nºs 2 e 3 do citado art.º 412º, contrariamente ao que sucede com a falta das especificações que devem constar das conclusões, a omissão das especificações previstas no nº 3 nos termos legalmente previstos, isto é, por referência aos suportes técnicos, não implica a rejeição do recurso.
Tal omissão tem, no entanto, uma consequência: impede o tribunal de recurso de modificar a decisão proferida relativamente à matéria de facto.
Fica em aberto, obviamente, a possibilidade de conhecer da matéria de facto nos estreitos limites previstos no art.º 410º, nº 2 do CPP, por ser do conhecimento oficioso, cumprindo recordar que a disciplina dos vícios de contradição insanável de fundamentação, ou entre a fundamentação e a decisão, e do erro notório na apreciação da prova, cujo quadro legal disciplinador se encontra no disposto no referido art.º 410º nº 2 alíneas a), b) e c) do CPP, se exige que resultem do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras de experiência comum.
Ora, tais vícios, como jurisprudência uniforme dos tribunais superiores, apenas são atendíveis se resultarem, ostensivos, do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugados com as regras da experiência comum, e sejam perceptíveis por uma pessoa média, o que significa, além do mais, inadmissibilidade de apelo a elementos exteriores à mesma decisão.
Por esse motivo se encontram excluídos do exame deste tribunal os considerandos sobre o que não constem expressamente da sentença, o que decorre dos termos em que o recorrente delimitou o âmbito de apreciação do presente recurso, nos termos já explicados supra. Não podem por isso ser tomadas em consideração em sede de apreciação de recurso as alegações e considerandos da recorrente sobre a pretensa interpretação dos factos que não constem do texto da sentença recorrida.

O recorrente limitou-se a invocar o alegado erro na apreciação da prova.
Vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no artigo 127º do Código de Processo Penal, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pela recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador, após a produção de prova em audiência de julgamento, não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação.
Alega o recorrente que o tribunal errou “ao considerar o número de mensagens de forma objectiva; ao considerar as mensagens do ora recorrente de forma isolada em vez de no contexto em que vêm inseridas, ao não considerar que ambos os intervenientes participaram activamente e responderam um ao outro na mesma moeda; ao não considerar a inexistência de mensagens que revelem o desejo da ofendida de não querer ser importunada - até final da conversa de 31 de Agosto; ao não considerar que a conversa morreu pouco depois; e ao valorar as palavras do recorrente como ameaças, não as lendo no contexto muito emocional em que foram ditas, após provocação de baixo nível da ofendida”.
Sucede que tais alegações fenecem de sustento face à factualidade assente por provada, a qual desmente claramente a interpretação pretendida pelo recorrente, desde logo porque o tribunal interpretou as 60 mensagens do recorrente, enviadas entre os dia 8 de Agosto e 4 de Setembro de 2016, a qualquer hora do dia ou da noite, no exacto contexto em que foram produzidas com o único propósito de aterrorizar e atormentar a sua vítima, com ameaças de morte como RIP, - frase que aparece em lápides, habitualmente utilizada na forma abreviada como “RIP” por referência à língua latina ou língua inglesa, respectivamente “requiescat in pace” ou “rest in peace”, - ou cheque mate, - em persa شاه مات , significando o rei está morto, pois a maioria dos termos de xadrez, usados pelos europeus, tem origem no persa “Shah”, que quer dizer rei, deu origem a check e chess em inglês, echec e echecs em francês, scacco em italiano e xaque em espanhol, - como “ainda te faço um favor e vais ter com a tua mãe”, sendo o arguido sabedor que a mãe da ofendida havia falecido pouco tempo antes.
Mandar tal número de mensagens e chamadas a qualquer hora do dia e da noite, às duas, três e quatro horas da noite, a alguém ultrapassa o mero propósito de injuriar ou ameaçar, revelando que o animus de perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação.
A alegação de “que ambos os intervenientes participaram activamente e responderam um ao outro na mesma moeda”, não tem assento na matéria provada, nem no conteúdo das mensagens da vítima, que quase nem não existiram, pretendendo o recorrente referir-se à mensagem que nem consta da matéria provada, de 19 de Agosto de 2016 (cfr. fls. 45) “Tiago, aquilo é o meu facebook de trabalho. Tem respeito e deixa de ser imbecil,” e a que consta provada no ponto 30 da matéria de facto – “a ofendida enviou-lhe um sms dizendo “não me vou atirar de nenhuma janela”,” - o que obviamente desmente a alegação de que a ofendida alguma vez respondeu na mesma moeda.
Mais alega o recorrente que o tribunal errou “ao não considerar a inexistência de mensagens que revelem o desejo da ofendida de não querer ser importunada”, contudo tal argumento fenece de sustento porque do apurado quadro factual, assim como de quanto ficou exposto supra e do auto de denúncia efectuado pela ofendida resulta claramente que a mesma não queria ser importunada
Os factos também não terminaram a 31 de Agosto, mas sim a 4 de Setembro.
Também não tem assento na matéria de facto provada a alegação de que o tribunal errou “ao valorar as palavras do recorrente como ameaças, não as lendo no contexto muito emocional em que foram ditas, após provocação de baixo nível da ofendida”, até porque o comportamento do arguido não teve como causa qualquer provocação da ofendida, a qual se limitou a pedir ao recorrente “pediu ao arguido que deixasse de contactar com a J. ”, conforme ponto 3 da matéria provada, “o que não agradou ao arguido”.
Assim, não só a prova se encontra devidamente analisada como a matéria de facto não merece reparo ou censura.

Em conformidade com o disposto no art.154º-A, nº1 do C.P. (aditado pela Lei nº83/15, de 5 de Agosto, com início de vigência a 5 de Setembro de 2015, comete o crime de perseguição: “Quem, de modo reiterado, perseguir ou assediar outra pessoa, por qualquer meio, directa ou indirectamente, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até 3 anos ou pena de multa, se pena mais grave não lhe couber por força de outra disposição legal.”
Trata-se de crime novo na nossa ordem jurídica, sendo as condutas susceptíveis de o preencher vulgarmente conhecidas, ainda antes de tal criminalização específica, como “stalking”.
Na exposição de motivos do projecto de lei nº.647/XII que deu origem ao corpo do art.º 154º A do Código Penal, definiu-se a perseguição, ou “stalking”, como “um padrão de comportamentos persistentes, que se traduz em formas diversas de comunicação, contacto, vigilância e monitorização de uma pessoa-alvo”.
Tais comportamentos podem consistir em acções rotineiras e aparentemente inofensivas, como oferecer presentes, ou telefonar insistentemente, ou em acções inequivocamente intimidatórias, como no caso dos autos, em que a perseguição se efectuou através do envio de mensagens ameaçadoras e insultuosas.
Pela sua persistência e contexto de ocorrência, este padrão de conduta pode escalar em frequência e severidade o que, muitas vezes, afecta o bem-estar das vítimas, que são sobretudo mulheres e jovens.
A perseguição consiste na vitimação - palavra formada por derivação do verbo vitimar, significa acto ou efeito de vitimar, tendo este verbo as seguintes acepções: fazer vítima, reduzir à condição de vítima, matar, imolar, sacrificar, oferecer a vida de um ser vivo em troca de protecção divina, prejudicar, danificar, destruir, - de alguém que é alvo, por parte de outrem, o assediante, de um interesse e atenção continuados e indesejados, como vigilância, ou perseguição, os quais são susceptíveis de gerar ansiedade e medo na pessoa-alvo.”
“O stalking pode definir-se como uma forma de violência relacional. Segundo a maioria da legislação norte-americana, o crime consiste num padrão intencional de perseguição repetida ou indesejada que uma “pessoa razoável” consideraria ameaçadora ou indutora de medo. Já a legislação australiana define o stalking como “perseguir uma pessoa, permanecer no exterior da sua residência ou em locais por ela frequentados, entrar ou interferir na sua propriedade, oferecer-lhe material ofensivo, mantê-la sob vigilância, ou agir de um modo que se poderia esperar com razoabilidade que fosse susceptível de criar stress ou medo na vítima.” Cfr. Nuno Lima da Luz, a fls.6, da sua tese de dissertação de mestrado (disponível in http://repositorio.ucp.pt)
Pode-se caracterizar também por uma série de comportamentos padronizados que consistem num assédio permanente, nomeadamente através de tentativas de comunicação com a vítima, vigilância, perseguição, etc.
Embora estes comportamentos possam ser aparentemente corriqueiros se não forem percebidos no seu contexto do “stalking”, as condutas que integram o seu tipo objectivo podem ser bastante intimidatórios pela persistência e intensidade com que são praticadas, causando um enorme desconforto na vítima e atentando claramente à reserva da vida privada.
De acordo com a jurisprudência uniforme, verbi gratia o Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 11 de Março de 2015 (in www.dgsi.pt), a propósito de “stalking”, ainda que antes da criminalização autónoma da conduta, que o mesmo caracteriza-se como “uma perseguição prolongada no tempo, insistente e obsessiva, causadora de angústia e temor, com frequência motivada pela recusa em aceitar o fim de um relacionamento”.
Assim, este novo tipo de crime, agora previsto no art.154º-A, nº.1 já supra transcrito, tem como seus elementos constitutivos objectivos, a acção do agente, consubstanciada na perseguição ou assédio da vítima, por qualquer meio, directo ou indirecto; a adequação da acção a provocar naquela medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação; e a reiteração da acção,
E elementos subjectivos, o dolo, em qualquer das modalidades referidas no art.14º do C.P., constituído pelo conhecimento dos elementos objectivos do tipo e pela vontade de agir por forma a preenchê-los.
“Comete o ilícito do art.º 154º-A, nº 1 do Código Penal, com dolo directo o arguido que, de forma reiterada, contactava telefonicamente a ofendida, a horas diversas, perturbando quer o seu desempenho profissional, quer o seu descanso.” Vide Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 5 de Junho de 2017.
Ora, tendo presente a referida disposição legal e os elencados elementos típicos, temos que aqueles apurados factos são efectivamente integradores do tipo penal do crime de perseguição pelo qual foi o arguido, muito justamente, condenado, termos que ditam a total improcedência do recurso.

8. Decisão:

Em conformidade com o exposto acordam os juízes neste tribunal em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido T.  e confirmar a douta decisão recorrida.
Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) unidades de conta.

(Texto elaborado de acordo com a raiz latina da língua portuguesa, em suporte informático e integralmente revisto pelos signatários)
Lisboa, 9 de Julho de 2019

Ricardo Manuel Chrystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso
Artur Daniel Tarú Vargues da Conceição