Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4867/08.6TBOER-A.L1-7
Relator: TOMÉ GOMES
Descritores: REGULAMENTO COMUNITÁRIO
ACÇÃO EXECUTIVA
PACTO DE JURISDIÇÃO
PACTO ATRIBUTIVO DE COMPETÊNCIA
TÍTULO EXECUTIVO
DOCUMENTO PARTICULAR
DOCUMENTO EMITIDO NO ESTRANGEIRO
CAUSA PREJUDICIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/15/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I - O artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000, em vigor desde 1 de Março de 2002, não contempla pactos de atribuição de competência em sede de acção executiva.
II - Os pactos de jurisdição permitidos pelo artigo 99.º do CPC presumem-se, em caso de dúvida, meramente alternativos com a competência legal dos tribunais portugueses.
III - Não é de presumir que, através de um pacto atributivo de competência executiva a uma jurisdição estrangeira, as partes tenham pretendido excluir os tribunais portugueses quanto à possibilidade de penhorar bens sitos em Portugal, a menos que os isentem de penhora nos termos do artigo 602.º do CC.
IV - A exequibilidade do título executivo é aferível à luz da lei adjectiva aplicável à jurisdição competente, uma vez que se trata de um pressuposto processual específico da acção executiva.
V - Assim a exequibilidade de um documento negocial exarado no estrangeiro depende da sua conformidade com o disposto nos artigos 46.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 49.º, n.º 2, do CPC.
VI - A exigibilidade da obrigação exequenda não é, em regra, um requisito do título executivo, mas da própria obrigação, nos termos do artigo 802.º do CPC.
VII - A exigibilidade no quadro de obrigações sinalagmáticas importa a existência de um vínculo de reciprocidade entre ambas, em termos de cada uma delas consistir na contrapartida económica e jurídica da outra, de modo a que tenham de ser cumpridas em paralelo.
VIII - Os documentos particulares exarados no estrangeiro sem intervenção de funcionário público não carecem de legalização, nos ter-mos do n.º 2 do artigo 540.º do CPC, sem prejuízo da sua exequibilidade, desde que estejam em conformidade com o disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), e 49.º, n.º 2, do mesmo diploma.
IX - O tribunal de execução não detém competência para conhecer da compensação como fundamento de oposição, quando a questão litigiosa relativa ao contracrédito tenha sido objecto de atribuição de competência exclusiva a um tribunal estrangeiro.
X - Para que ocorra causa prejudicial relevante, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, do CPC, é necessário que se verifique a existência de um nexo de precedência lógica entre o fim de uma acção e o de outra, sob o ângulo de conexão das respectivas relações materiais controvertidas, não podendo, por isso, ocorrer entre uma pretensão declarativa e uma pretensão executiva.
XI - A compensação, sendo uma forma de extinção de outra obrigação fundada em relação autónoma, não traduz uma relação de precedência lógica dessa relação com a que se pretende extinguir.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:
 
I – Relatório

1. BCG, sediada em França, veio instaurar, em 17-7-2008, junto do Juízo de Execução de Oeiras, contra:
   1.ª Executada – CIM Ld.ª;  
   2.º Executados - JB e cônjuge MB,
casados sob o regime de separação de bens;
acção executiva para pagamento pela 1.ª executada da quantia de € 2.083.189,00, a título de capital, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos, computando os juros vencidos em € 107.271,11, e pelos segundos executados, na qualidade de fiadores, da quantia de € 1.000.000,00, com base no acordo de regularização de dívida, resultante de aquisição de algumas mercadorias, conforme documento redigido em língua francesa, datado de 3-8-2007, acompanhado da respectiva tradução em português, reproduzidos a fls. 814-844, dívida essa, por sua vez, emergente de um contrato de franquia de produtos de marca M..., celebrado em 19/9/ 2002, entre a 1.ª executada, na qualidade de franquiada, e a sociedade AM, S.A., como franquiadora, mas que transmitira esta posição à ora exequente. Indica à penhora nove estabelecimentos comerciais de pronto-a-vestir da executada CIM e os bens móveis que sejam encontrados na sede da mesma, todos eles sitos em Portugal, bem como uma quota social da mesma executada (fls. 796 a 801); indica ainda os bens móveis que sejam encontrados na residência em Portugal dos 2.º executados e uma quota social de cada um deles (fls. 795 e 800).
            2. Citada, a executada CIM deduziu oposição à execução, alegando, em síntese, os seguintes fundamentos:
            2.1. O tribunal português demandado é territorialmente incompetente para a presente execução, porquanto, no acordo que lhe serve de base, celebrado em França e em língua francesa, foi inserida uma cláusula de foro, segundo a qual: em caso de litígio sobre a interpretação ou execução das presentes disposições, as partes atribuem de forma expressa competência ao Tribunal de Comércio de Paris;
            2.2. Essa cláusula traduz-se num pacto privativo de jurisdição dos tribunais portugueses para as acções executivas emergentes daquele acordo, tanto mais que este envolve prestações recíprocas entre as partes;
            2.3. O referido documento é ainda desprovido de força executiva, por respeitar a um acordo celebrado em França, redigido em língua francesa, no qual uma das partes intervenientes tem sede naquele país, sendo-lhe, por isso, aplicável a lei francesa;
            2.4. Nessa medida, o referido documento não integra o conceito de título executivo conforme o previsto nas alíneas do artigo 3.º da Lei francesa n.º 91-650, de 9-7-1991, já que, para tanto, carecia de aposição de fórmula executória, o que não se verifica;
            2.5. Mesmo que assim não fosse, muito embora se trate dum documento particular a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC, o acordo dele constante estabelece obrigações recíprocas para ambas as partes, em que o cumprimento por parte da exequente assume uma interdependência fulcral face ao cumprimento da obrigação da 1.ª executada, não sendo, pois, a obrigação exequenda susceptível sequer de se tornar exigível por via do mecanismo previsto no artigo 804.º do CPC;
            2.6. Por outro lado, tratando-se de um documento exarado em país estrangeiro, a sua exequibilidade em Portugal depende de legalização;
2.7. E embora, aquela espécie de documento não se encontre formalmente incluída no reconhecimento e forma de atribuição de executoriedade previstos nos artigos 53.º, 55.º e 57.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22-12-2000, devem estas disposições ser-lhes aplicáveis por identidade de razões, o que, não tendo sido observado, importa a sua inexequibilidade;
            2.8. A par disso, sucede que, após vicissitudes várias ocorridas no âmbito da relação comercial entre exequente e a 1.ª executada, esta, em 4 de Março de 2008, reconheceu a rescisão do contrato de franquia, por falta de pagamento de facturas, e a caducidade do Memorando de Entendimento de 3 de Agosto de 2007, constante do documento de regularização de dívida dado à execução, por inexecução do calendário ali acordado, tendo a exequente instaurado, em França, uma acção declarativa de condenação contra a ora 1.ª executada com base no mesmo documento;              
            2.9. A cessação do contrato subjacente ao título dado à execução é totalmente imputável à exequente, assistindo à ora 1.ª executada o direito a uma indemnização total de € 5.015.157,29, pela qual se deverá operar a compensação sobre o crédito peticionado, devendo ainda a exequente ser condenada a pagar à referida executada a quantia de € 2.824.697,18.
            Em resumo, concluiu a 1.ª Executada que seja julgada totalmente procedente a oposição por ela deduzida e, consequentemente, que:
a) - seja a executada absolvida da instância, por incompetência do tribunal português;
b) - seja o documento apresentado desprovido de força executiva, quer face à lei francesa quer por aplicação do Regulamento (CE) n.º 44/2001;
c) - seja a obrigação exequenda considerada inexigível e, como tal, o título tido por inadequado;
d) - seja julgado procedente o pedido de compensação formulado em sede de acção declarativa que corre termos na França e, por isso, considerada inexigível a quantia exequenda e destituída de valor e força executiva.
            3. Foi também deduzida oposição, noutros autos apensos, pelos executados JB e MB, alegando, além dos argumentos aduzidos pela 1.ª Executada CIM, o seguinte:
- O contrato de fiança celebrado entre os oponentes JB e MB e a exequente não é mais do que uma decorrência do acordo celebrado entre a executada CIM e a exequente, não podendo ser invocado como título executivo autónomo sem a prévia invocação do acordo celebrado entre a executada sociedade e a exequente;
- Os oponentes não assumiram a qualidade de devedores principais na fiança por si prestada, não sendo principais pagadores da mesma.
- Assim, não sendo a execução instaurada da competência dos tribunais portugueses, também não se aplica a lei portuguesa, pois deve seguir o processo de execução da 1.ª executada enquanto devedora principal.
4. A exequente contestou a sustentar que:
- O pacto privativo de jurisdição respeita apenas aos litígios decorrentes da interpretação e aplicação das cláusulas do acordo e não à acção executiva instaurada para cumprimento do mesmo.
- O normativo do Regulamento (CE) n.º 44/2001 invocado pela oponente para a atribuição de competência ao Tribunal de Paris não é aplicável ao caso em apreço pois não respeita a acções executivas mas apenas à competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou possam surgir de uma determinada relação jurídica, ou seja, acções de natureza declarativa.
- Admitindo que a lei substantiva aplicável ao acordo celebrado é a lei substantiva francesa, não é contudo extensível tal competência à lei adjectiva, a qual estabelece o que se deve ou não entender que constitui título executivo;
- Atento o disposto no art. 46.º, n.º 1, al. c), do CPC, lei adjectiva aplicável ao acordo em apreço, os documentos dados à execução são títulos executivos.
- No que respeita à inexequibilidade material do acordo exequendo, as obrigações assumidas pela oponente sociedade não foram sujeitas a qualquer condição suspensiva decorrente do cumprimento das obrigações assumidas pela exequente.
- Acresce que não foi convencionado que o plano de pagamentos discriminado no acordo exequendo estava dependente do cumprimento por parte da exequente das obrigações por si assumidas.
- Inexiste sinalagma entre as obrigações assumidas pela exequente e as obrigações assumidas pela oponente, desde logo porque a obrigação de pagamento da dívida não é a razão de ser das obrigações assumidas pela exequente no acordo exequendo.
- No que respeita à necessidade de legalização dos documentos dados à execução, inexiste fundamento legal para tal exigência, justificando-se a diferença existente em relação às sentenças e aos documentos autênticos, desde logo, atenta, desde logo, a diferença de exequibilidade das sentenças e documentos autênticos dos documentos particulares e as causas que podem fundamentar as oposição às execuções em que são títulos uns e outros;
- No que respeita à alegada compensação de créditos, não tendo o alegado crédito da oponente sido previamente reconhecido, ou seja, sendo ainda um crédito controvertido, não pode ser invocado como fundamento de oposição à execução.
5. Em resposta à oposição deduzida pelos 2.º executados, diz a exequente, além dos argumentos aduzidos em relação à oposição da 1.ª executada, que:
- O contrato de fiança foi celebrado em Portugal, sendo as partes nele intervenientes de nacionalidade portuguesa, regendo-se assim pela lei portuguesa;
- Tendo aqueles executados renunciado ao benefício da excussão prévia, não sendo principais devedores constituíram-se como principais pagadores, o qual se equipara, do ponto de vista do credor, a um verdadeiro devedor solidário, só não o sendo pois poderá exigir do afiançado, se cumpre a obrigação, a totalidade do que pagou.
6. Findo os articulados e ordenada a apensação das duas oposições, foi proferido saneador-sentença a julgar improcedente tais oposições.
7. Inconformados com tal decisão, os executados apelaram dela, formulando as seguintes conclusões:
1ª - Vem o presente recurso interposto da decisão proferida no dia 16 de Março de 2011, nos termos da qual foi julgada improcedente a oposição à execução quanto à excepção dilatória de incompetência relativa do Tribunal;
  2. O Tribunal “a quo” considerou improcedente a excepção dilatória de incompetência relativa, para tanto considerando que a Recorrente CIM e a Recorrida não convencionaram a competência do tribunal para efeitos de acções executivas, e que, não havendo regras comunitárias específicas que convencionem a competência dos tribunais para a execução, tem-se como aplicável a alínea b), do artigo 65.º-A do CPC, mas sem razão;  
   3.ª - Em primeiro lugar, consta da Cláusula IV do Acordo, sob a epígrafe “foro”, que serve de fundamento à presente acção executiva, que as partes convencionaram que “en cas de litige portant sur l’interprétation ou l’exécution des présentes, les parties font attribution expresse de compétence au Tribunal de Commerce de Paris” (cfr. doc. 1 do Requerimento Executivo), correspondendo à seguinte tradução “em caso de litígio sobre a interpretação ou execução das presentes disposições, as partes atribuem de forma expressa a competência ao Tribunal de Comércio de Paris”.
   4.ª - A expressão francesa “exécution des présentes” tem uma maior proximidade com a expressão portuguesa “execução das presentes disposições”, do que com o termo “aplicação das presentes disposições”, tal como consta da tradução da aludida cláusula pela Recorrida, correspondendo por isso a uma tradução mais fiel do original da língua francesa.
   5.ª - Independentemente da tradução acolhida, a circunstância de as Partes terem redigido uma cláusula onde se refere “cumprimento das presentes disposições”, “aplicação das presentes disposições” ou “execução das presentes disposições”, não retira eficácia à intenção expressa das Partes em afastar da competência dos tribunais portugueses a apreciação das questões suscitadas no âmbito do Acordo celebrado.
   6.ª - As partes pretenderam, portanto, concentrar e atribuir competência quanto ao julgamento de todos os aspectos ou litígios emergentes daquele Acordo – incluindo a sua execução e garantia de cumprimento – à jurisdição francesa, tendo celebrado um pacto privativo de jurisdição, atribuindo competência ao Tribunal de Comércio de Paris.
   7.ª - Em segundo lugar, resulta do teor do Acordo uma intenção manifesta, ou pelo menos uma intenção implícita, das Partes de aplicação da lei francesa e de atribuição de competência exclusiva aos tribunais da jurisdição francesa para o conhecimento de todas as questões emergentes do Acordo. É por essa razão que o Acordo foi celebrado em França e redigido em língua francesa.
   8.ª - A faculdade atribuída às partes de convencionar a competência exclusiva dos tribunais para dirimir um litígio encontra-se expressamente prevista no n.º 1, do artigo 23.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001. E subsumindo os factos ao direito, neste caso ambas as Partes têm sede e domicílio num Estado-Membro e acordaram, por escrito e expressamente, atribuir ao Tribunal de Comércio de Paris a competência para a execução do Acordo.
   9.ª - Na tentativa de contornar a aplicação do disposto no n.º 1 do artigo 23.º do Reg. (CE) n.º 44/2001, o Tribunal “a quo” declarou inexistir, aqui, uma “relação jurídica”, conforme consta do texto da lei, e entendeu não aplicar a aludida disposição normativa.
   10.ª - Sucede que, o acordo celebrado entre as Partes incorpora uma “(…) relação interprivada que o direito regula através da atribuição a um sujeito de um direito e a imposição ao outro de um dever ou sujeição”, pelo que, estando em causa uma efectiva relação jurídica, é aplicável o n.º 1 do artigo 23.º do Reg. (CE) n.º 44/2001 (vide Ana Prata acima citada).
   11.ª - Sendo aplicável aquele normativo legal, conclui-se como válida a atribuição de competência exclusiva aos tribunais franceses, razão pela qual o Tribunal a quo é internacionalmente incompetente para se pronunciar sobre o litígio executivo trazido ao seu conhecimento.
   12.ª - Em terceiro lugar, ainda que se considerasse não serem aplicáveis as disposições resultantes do Reg. (CE) n.º 44/2001, a verdade é que também o CPC português admite a celebração de pactos privativos de jurisdição no n.º 1 do artigo 99.º.
   13.ª - Ponderando que as partes convencionaram a competência exclusiva dos tribunais franceses para a execução do Acordo e sendo evidente a maior conexão do Acordo e das suas estipulações com o ordenamento jurídico francês, não há dúvidas de que, também à luz do disposto na lei processual civil portuguesa, o Tribunal a quo teria de se considerar internacionalmente incompetente, de harmonia com o artigo 108.º do CPC.
   14.ª - Assim, à luz dos artigos 99.º e 108.º CPC português o Tribunal “a quo” é internacionalmente incompetente para a discussão do presente pleito executivo.
   15.ª - Em último lugar, importa esclarecer que a aplicação (analógica) encetada pelo Tribunal “a quo” do disposto no n.º 5 do artigo 22.º do Reg. (CE) n.º 44/2001 não pode ser adoptada porquanto está em causa um pacto privativo de atribuição de competência, e para estas situações o Reg. compreende uma disposição específica e expressa que as regula, qual seja, o preceituado no n.º 1 do artigo 23.º.
   16.ª - Logo, não pode o Tribunal fundar a sua decisão com base numa disposição normativa genérica, quando para os pactos privativos de atribuição de competência o legislador comunitário previu a sua regulamentação e estabeleceu os requisitos a que a mesma deve obedecer num normativo específico.
   17.ª - Queda, desta forma, de sentido a atribuição de competência aos tribunais portugueses com base no disposto no artigo 65.º-A do CPC.
   18.ª - Em suma, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 99.º, 108.º, 109.º, n.º 1, 493.º, n.º 2, e 494.º, alínea a), do CPC, deverá ser considerada procedente a excepção dilatória de incompetência internacional do Tribunal “a quo”, sendo os Recorrentes absolvidos da instância executiva e, consequentemente, revogando-se a decisão recorrida.
   19.ª – Quanto à lei aplicável ao título executivo, a Recorrida apresentou nos presentes autos como título um documento particular com a assinatura dos representantes da aqui Recorrente CIM, redigido em francês e elaborado em Paris, França.
   20.ª - Precisamente, mas não exclusivamente, por se tratar de um acordo celebrado em França, que se encontra redigido em língua francesa e no qual uma das partes intervenientes tem sede em França, os Recorrentes alegaram que apenas de acordo com a lei francesa podia ser aferida a validade e adequação daquele documento particular enquanto título executivo.
   21.ª - Para o efeito, não tendo as partes convencionado expressamente a lei reguladora do negócio jurídico, seria inaplicável o artigo 41.º do CC; por outro lado, não estando em causa um negócio jurídico unilateral, nem havendo uma residência comum das partes contratantes, inaplicável seria, também, o n.º 1 do artigo 42.º do CC; da intenção das partes (em especial da Cláusula IV intitulada “foro” do Acordo) resulta, outrossim, que as mesmas entenderam submeter o litígio emergente do referido acordo à lei francesa (vide João Baptista Machado).
   22.ª - Mas ainda que assim não se entendesse e se considerasse aquela Cláusula IV como irrelevante para efeitos de determinação da lei aplicável ao objecto do negócio, sempre se deveria considerar aplicável o n.º 2 do artigo 42.º do CC, segundo o qual, sendo aplicável ao acordo celebrado entre as partes a lei do lugar da sua celebração e tendo o mesmo sido celebrado em França, a aplicação da lei francesa à situação “sub judice” seria indiscutível;
   23.ª - O Tribunal “a quo”, porém, não perfilhou a argumentação aduzida pelos Recorrentes e considerou aplicável a lei portuguesa, mas também, neste caso, sem qualquer razão.
    24.ª - Em primeiro lugar, o Tribunal não ponderou que as normas processuais que estabelecem os requisitos a que devem obedecer os títulos executivos constituem, em rigor, verdadeiras normas de direito probatório material - vide Baptista Machado e A. Ferrer Correia.
   25.ª - Uma vez que as normas de delimitação dos títulos executivos consubstanciam verdadeiras normas de direito probatório material – não apenas normas de direito probatório formal que estabelecem meras formalidades processuais – as quais contendem com a substância do direito do seu titular, e na esteira da doutrina acima preconizada, consideram-se aplicáveis as normas que regulam o fundo da causa.
   26.ª - Volvendo à situação “sub judice”, se o artigo 46.º do CPC consubstancia uma norma de direito probatório material, então o elenco dos títulos executivos que podem servir de base à execução terá de ser analisado à luz da lei que regula o fundo da causa, qual seja, a lei francesa.
   27.ª - Deverá, por essa razão, ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo, substituindo-a por outra que determine a aplicação, ao presente caso, das normas de direito probatório material francesas, em detrimento das normas de direito probatório material a que se reporta o artigo 46.º do CPC, por serem as normas competentes para o fundo da causa.
   28.ª – Assim, estabelece o artigo 502.º do Nouveau Code de Procédure Civile que “nenhuma sentença e nenhum acto poderão ser executados a não ser através da apresentação de uma certidão que revista a forma executória, salvo se a lei dispuser o contrário” - doc. 1 da oposição à execução.
   29.ª - Ao remeter para as disposições da lei francesa, refere-se o artigo 502.º do citado preceito legal francês à Lei francesa n.º 91-650, de 9 de Julho de 1991, alterada em 2006, pelo Decreto-Lei n.º 2006-461, de 21 de Abril de 2006 (doc. 2 da oposição à execução), cujo artigo 2.º determina que “o credor pode, nas condições previstas na lei, obrigar o seu devedor faltoso a executar as obrigações que lhe digam respeito”,
   30.ª - Acrescentando o artigo 3.º daquela Lei n.º 91-650 um elenco restrito de títulos executivos. Confrontando o elenco de títulos executivos plasmado naquele artigo 3.º com o acordo que a Recorrida juntou como doc. 1 no seu requerimento executivo, conclui-se que aquele acordo não pode ser considerado como título executivo porquanto não reúne os requisitos legais para o efeito.
   31.ª - Concretamente, o acordo não constitui uma decisão “das jurisdições judicial ou administrativa (…)” (1.º § do artigo 3.º), um acto e sentença estrangeiros (2.º §), uma acta de processo verbal de conciliação assinado pelo juiz e pelas partes (3.º §), um acto notarial (4.º §) ou um título outorgado pelo solicitador de execução (5.º §), muito menos podendo ser qualificado como um título outorgado “(…) pelas pessoas colectivas de direito público” (6.º §).
   32.ª - Não constituindo este acordo um título executivo nos termos da lei francesa n.º 91-650 para a qual remete o artigo 502.º Nouveau Code de Procédure Civile, quer isso dizer que, conforme estabelece esta última disposição legal, o acordo teria de revestir fórmula executória, a qual, como resulta evidente, o acordo não reúne.
   33.ª - Na ausência daquela fórmula executória aposta no Acordo apresentado pela Recorrida, e porque nesse caso não existe um verdadeiro título executivo, a presente execução deve improceder.
  34.ª - Em suma, sendo aplicáveis as disposições da lei francesa à validade substancial do negócio celebrado entre as Partes, aqui se incluindo as normas de direito probatório material, e dispondo a ordem jurídica francesa que é essencial a aposição naquele documento de uma fórmula executória para que o documento sirva como título executivo, deverá a decisão proferida pelo Tribunal “a quo” ser substituída por outra que conclua pela inexistência de título executivo e, consequentemente, pela improcedência da acção executiva instaurada pela Recorrida.
   35.ª – Ainda que assim não se entendesse, e se considerasse como aplicável a lei portuguesa - como assim o entendeu o Tribunal “a quo” e os Recorrentes não concedem -, sempre se dirá que um olhar menos atento para o que se dispõe no regime processual civil em sede de acção executiva poderia propender à conclusão – precipitada – de que se encontram reunidas as condições de que o artigo 46.º do CPC faz depender para que o documento apresentado pela Recorrida seja qualificado como título executivo, mas assim não é.
   36.ª - Interpretando de forma cabal o acordo celebrado entre as partes, dele resulta que não foi apenas a Recorrente CIM quem se obrigou ao cumprimento de prestações perante a Recorrida. Diversamente, também na esfera jurídica da Recorrida foram constituídas obrigações, as quais se encontram reflectidas no Capítulo II do Acordo, intitulado “Medidas adoptadas para ajudar a liquidação da dívida e o desenvolvimento futuro da rede”, em especial sob o n.º 2 cuja epígrafe é “obrigação da sociedade BCG”.
   37.ª - O cumprimento daquelas obrigações por parte da Recorrida, que as aceitou, assume uma reciprocidade e uma interdependência fulcrais face ao cumprimento da correspectiva obrigação da Recorrente CIM no pagamento do montante em dívida. O Tribunal a quo, porém, considerou não estar em causa qualquer contraprestação da Recorrida que fosse exigível, até porque a obrigação da Recorrente CIM havia sido constituída em momento anterior. Sem razão, adiante-se.
   38.ª - Com efeito, resulta do disposto no n.º 1 do artigo 45.º do CPC que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva” - vide José Lebre de Freitas e Remédio Marques.
   39.ª - Ao considerar como título executivo da presente acção executiva o acordo que a Recorrida juntou aos autos, o Tribunal “a quo” aceitou e admitiu que daquele mesmo documento se extraem as obrigações dos Recorrentes em face da Recorrida. É simples: apenas com base no documento que o exequente junta como título executivo se podem extrair conclusões quanto à alegada dívida exequenda do executado em face do primeiro.
   40.ª - É que, sendo o título executivo um (e apenas um foi apresentado nos presentes autos!) e sendo daquele título executivo que a Exequente, Recorrida, extrai a existência de uma dívida exequenda dos Recorrentes, então o Tribunal a quo tem de aferir da validade de todo aquele documento,
   41.ª - E aferindo da sua validade, é imperioso concluir que – tendo, ou não, a obrigação da Recorrente CIM sido constituída em data anterior – dele constam também obrigações assumidas pela Recorrida e que a mesma não provou ter cumprido, tendo aliás admitido não o ter feito!
   42.ª - O cumprimento, pela Recorrente CIM, da obrigação plasmada no tal acordo apresentado nos presentes autos como título executivo dependia – condição essencial – do paralelo e simultâneo cumprimento por parte da Recorrida das suas obrigações.
   43.ª - É, por isso, manifesto que a Recorrida se encontra obrigada ao cumprimento de uma contraprestação perante a Recorrente CIM e que é legítima e válida a invocação da excepção de não cumprimento prevista no n.º 1 do artigo 428.º do CC - vide Antunes Varela, Almeida Costa e o Ac. do STJ de 20.06.2007.
   44.ª - Perante a citada disposição normativa, conclui-se que nos termos do título executivo apresentado nos presentes autos – o Acordo – as prestações de ambas as partes eram simultâneas! E é apenas daquele Acordo, que constitui título executivo na presente acção executiva, que se extrai (ou pode extrair) a existência de alguma obrigação a cumprir pela Recorrente CIM (e não de qualquer outro!).
   45.ª - Por outro lado, é indiferente tentar perceber se a dívida da Recorrente CIM havia ou não tido origem numa qualquer outra relação, isto porque, com a celebração do Acordo, a Recorrida aceitou expressamente (as Partes assim o convencionaram) que a exigibilidade dos pagamentos que ali estão referidos e do montante em apreço só teria início no vencimento da primeira prestação.
   46.ª - Ao contrário do que o Tribunal “a quo” entendeu para concluir pela não verificação da excepção de não cumprimento do contrato, o que releva é a data da exigibilidade da prestação. E quanto a essa, não há dúvidas: o vencimento das obrigações da Recorrente coincidia com a primeira prestação liquidada nos termos do Acordo. Não antes.
   47.ª - Resulta, assim, evidente que, por estar em causa um acordo bilateral e não havendo prazos diferentes para o cumprimento das obrigações dele decorrentes – recorde-se que algumas obrigações da Recorrida deviam ser cumpridas imediatamente – era (como é) válido e legítimo o não prosseguimento do plano de pagamentos pela Recorrente CIM – que em três meses ainda efectuou três liquidações sem o cumprimento da respectiva contraprestação pela Recorrida! – admitindo-se, por essa razão, a excepção de não cumprimento do Acordo pela Recorrente CIM enquanto a Recorrida não cumprir com as suas obrigações (artigo 428.º do CC).
   48.ª - Pelas razões aduzidas, está em causa a aplicação do n.º 1 do art. 804.º do CPC, segundo o qual “quando a obrigação esteja dependente de condição suspensiva ou de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, incumbe ao credor provar documentalmente, perante o agente de execução, que se verificou a condição ou que se efectuou ou ofereceu a prestação” - vide Lebre de Freitas.
   49.ª - Encontrando-nos perante uma contraprestação a cumprir pela Recorrida (não apenas perante uma prestação da Recorrente CIM) e não tendo a Recorrida provado ter realizado a sua prestação, é inexigível à Recorrente CIM o cumprimento da sua prestação (vide ac. do STJ, de 16.09.2008, no processo n.º 08B2427 e de 27.11.2007, processo n.º 07B3969). O Acordo não é, por isso, exigível (artigo 802.º do CPC).
   50.ª - Em suma, sendo o alegado título apresentado pela Recorrida inexigível, deve a execução improceder, na íntegra, revogando-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo
   51.ª – No que respeita à legalização do título, mais precisamente sobre a necessidade de os documentos (nos quais se incluem os documentos particulares) deverem ser objecto de legalização, Lebre de Freitas considera que os mesmos devem ser objecto de legalização, entendimento que não briga com o n.º 2 do artigo 49.º do CPC.
   52.ª - Com efeito, a exigência do cumprimento de um mínimo de requisitos formais para a validação de documentos particulares radica, essencialmente, na necessidade de acautelar e garantir a veracidade do conteúdo do documento e a sua adequação à lei reguladora do negócio celebrado. Daí que o reconhecimento e a execução de sentenças e documentos, em Portugal, obedeça aos Regulamentos europeus sobre esta matéria – dos quais se destaca o Regulamento (CE) n.º 44/2001.
   53.ª - Contudo, se naquele Regulamento se estabelecem os requisitos para o reconhecimento de sentenças estrangeiras e documentos autênticos, melhor se compreenderá que tal procedimento seja igualmente extensível aos documentos particulares. É que, se é o próprio legislador que desconfia da veracidade de um documento exarado por uma autoridade estadual estrangeira (sentenças e documentos autênticos), mal se compreende que se não duvide, igualmente, da autenticidade de documentos particulares redigidos em língua estrangeira e celebrados no estrangeiro.
   54.ª - É precisamente porque a força probatória dos documentos particulares é menor que deles se deve exigir uma legalização prévia. Por sensatez de argumentação e por maioria de razão, dever-se-á considerar – ao invés do que entendeu o Tribunal a quo – que as exigências impostas pelo legislador no sentido de aferir da veracidade de sentenças judiciais e documentos autênticos deverão, igualmente, ser impostas quando em causa estejam documentos particulares.
   55.ª - Milita em torno deste entendimento a circunstância de também os documentos particulares poderem contender com os objectivos que o próprio Reg. (CE) n.º 44/2001 determina como essenciais para o reconhecimento prévio da força executiva de uma sentença e de um documento autêntico.
   56.ª - Ao proceder à aplicação do Reg. (CE) n.º 44/2001 e das normas processuais civis portuguesas sobre a força executiva de um documento particular, deverão ser entendidas como aplicáveis àqueles documentos as disposições referentes aos documentos autênticos (e, por remissão expressa do Reg. (CE) n.º 44/2001, também quanto às sentenças judiciais).
   57.ª - Por maioria de razão, e porque o contrário seria descaracterizar o sistema de executoriedade dos documentos estrangeiros, tais requisitos deverão igualmente considerar-se como aplicáveis aos documentos particulares, devendo estes – como se refere no artigo 57.º do mencionado Reg. – serem declarados executórios mediante requerimento próprio para o efeito. Isto, naturalmente, antes de ser instaurada a respectiva acção executiva.
   58.ª - Por estas razões se entendendo que, na falta dos requisitos de que depende a sua força executiva prévia, o acordo deverá ser considerado como desprovido de força executiva e, como tal, desconsiderado enquanto tal.
   59.ª - Em suma, deverá ser revogada a decisão proferida pelo Tribunal a quo e substituída por outra que considere improcedente a acção executiva por inexistência de objecto executável em face da inexistência de legalização do documento particular estrangeiro
   60.ª – No que respeita à acessoriedade da fiança prestada pelos 2.º executados, o contrato de fiança celebrado entre os aqui Recorrentes JB e MB e a Recorrida é uma mera decorrência do acordo celebrado entre a Recorrente CIM e a Recorrida BCG. Quer isto dizer que o contrato de fiança não pode ser invocado como título executivo autónomo sem a prévia invocação do acordo com base no qual foi celebrado o contrato de fiança, conforme decorre do n.º 2 do artigo 627.º do CC (vide Almeida Costa, Antunes Varela, Menezes Leitão e o Ac. do TRP, de 19.02.2002, processo n.º 0220038).
   61.ª - Quer isto dizer que o contrato de fiança não pode ser executado autonomamente face ao acordo que vincula o devedor principal, isto porquanto milita entre a fiança e a obrigação principal (aqui, o Acordo de 03 de Agosto de 2007) um regime de acessoriedade da primeira face à segunda.
   62.ª - Por outro lado, a verdade é que os Recorrentes JB e MB não assumiram a qualidade de devedores principais na fiança por si prestada, ou seja, não se obrigaram como devedores principais, logo, não são principais pagadores à luz do estipulado na alínea a), in fine, do artigo 640.º do CC (vide Ac. do TRG, de 18.01.2006, processo n.º 2421/05.1).
   63.ª - As partes assumiram como sendo devedor principal a Recorrente CIM e não os ora Recorrentes JB e MB, pelo que estes não podem ser demandados sem a Recorrente CIM, o que significa que a instauração da acção executiva contra os aqui Recorrentes JB e MB deve sempre seguir o processo de execução da Recorrente CIM, enquanto devedor principal, sendo também competentes os tribunais franceses, como supra analisado em detalhe, para o conhecimento da execução instaurada contra os Recorrentes JB e MB.
   64.ª - Acresce que, nos termos do artigo 637.º do CC, aos Recorrentes JB e MB são atribuídos os mesmos direitos que são facultados ao devedor principal. Quer isto dizer que podem os Recorrentes JB e MB invocar contra a Recorrida todos os meios de defesa que seria lícito ao devedor invocar, o que, acrescido à acessoriedade da fiança face à obrigação principal, deriva na virtualidade da dedução dos argumentos supra analisados e relativos às excepções que impedem a procedência da presente instância executiva.
   65.ª - Termos em que, porque a presente instância executiva não pode prosseguir contra a Recorrente CIM e perante a acessoriedade da fiança face à obrigação principal, deverão os Recorrentes JB e MB ser absolvidos da instância executiva e a execução contra eles ser igualmente considerada improcedente.
   66.ª – No que toca à verificação do pressuposto da exigibilidade na excepção de compensação, com vista ao preenchimento do requisito constante da alínea g) do artigo 814.º do CPC, a Recorrente CIM apresentou um conjunto de factos que, suportados pelos respectivos documentos juntos aos autos, fundamentam que se conclua que a Recorrente era (como é) credora da Recorrida – factos que extinguem a alegada dívida exequenda.
   67.ª - O facto extintivo da dívida exequenda consubstancia-se, por isso, na compensação entre ambos os créditos (a dívida exequenda e o crédito que a Recorrente alegou na acção judicial francesa), nos termos da qual resulta que o crédito da Recorrente CIM é superior ao crédito de que se arroga titular a Recorrida.
   68.ª - Interpretando o artigo 847.º, n.º 1, do CC, o Tribunal recorrido considerou (e bem) preenchidos os pressupostos da reciprocidade dos créditos, da fungibilidade do objecto das obrigações e da existência e validade do crédito principal, não já o pressuposto da validade, exigibilidade e exequibilidade do contra-crédito (vide João de Matos Antunes Varela).
   69.ª - Ora, o artigo 816.º do CPC determina – por imposição legislativa – que em sede de oposição à execução, e quando esteja em causa um título executivo diferente de sentença (como é o caso), podem ser apresentados na oposição à execução quaisquer fundamentos de defesa que possam, também, ser apresentados em sede de “processo de declaração”.
   70.ª - Isto significa que se a excepção extintiva de compensação pode ser apresentada como fundamento da defesa numa acção judicial de processo de declaração, a mesma excepção extintiva de compensação poderá, também, fundar a apresentação da defesa em sede de oposição à execução, porquanto nesta podem ser apresentados quaisquer fundamentos passíveis de fundar um “processo de declaração”.
   71.ª - Quanto bastaria para que o Tribunal “a quo” concluísse que a excepção de compensação invocada pela Recorrente CIM podia, e devia, ter sido apreciada, com vista a determinar da sua verificação efectiva.
   72.ª - Por outro lado, a circunstância de se encontrar pendente de apreciação uma acção declarativa na qual foi alegada uma excepção de compensação não faz presumir que o contra-crédito (que subjaz à compensação) não seja judicialmente exigível (vide Ac. proferido pelo TRP, de 24 de Fevereiro de 2011, no processo n.º 3507/06.2TBMAI-A.P1). É que a instauração da aludida acção judicial francesa não torna o contra-crédito da Recorrente CIM judicialmente inexigível.
   73.ª - No mais, apenas com base na verificação das excepções da litispendência ou do caso julgado podia o Tribunal “a quo” considerar não exigível a compensação invocada. Porém, no presente caso, não se verificam nenhuma daquelas excepções (vide n.º 1 do artigo 497.º do CPC). In casu, tendo em atenção que a acção judicial francesa ainda não transitou em julgado, apenas poderá estar em causa a figura da litispendência.
    74.ª - A propósito dos requisitos de que depende a verificação desta excepção de litispendência, o artigo 498.º do CPC estabelece que se repete uma causa “(…) quando se propõe uma acção idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir” (vide Lebre de Freitas). Só que aqui, nem os pedidos (a Recorrente não peticionou, na acção em apreço, a condenação da Recorrida ao pagamento do crédito activo excedente após a respectiva compensação) nem os sujeitos são idênticos, quando comparados com o que consta da acção judicial francesa.
   75.ª - Não se verificando a excepção de litispendência entre a acção judicial instaurada em França e a oposição à execução (porque nem os pedidos nem os sujeitos são idênticos), queda de sentido a decisão de indeferir a oposição apresentada para tanto concluindo que a excepção de compensação não reúne o requisito de exigibilidade.
   76.ª - Independentemente de se considerar verificada, ou não, a excepção de litispendência (que já se disse não se verificar), a verdade é que o TRP, por Ac., de 29 de Junho de 2010, proferido no processo n.º 229-N/199.P1, admitiu que nada obsta a que na oposição à execução sejam apresentados os mesmos fundamentos que já tenham sido alegados numa acção judicial ou num recurso de revisão, acrescentando que a oposição à execução “não é impedida pela excepção da litispendência”.
   77.ª - Conclui-se, sumariando, que deverá a decisão a quo ser revogada e substituída por outra em que o Tribunal a quo se pronuncie quanto à verificação da excepção de compensação de créditos invocada pela Recorrente CIM na sua oposição à execução.
   78.ª – Agora no plano da suspensão da instância executiva, com fundamento em relação de prejudicialidade, ainda que se considerasse estar em causa uma relação de estreita proximidade entre as duas acções judiciais, apenas se poderia concluir que entre elas havia uma relação de prejudicialidade (vide Ac. proferido pelo TRP, de 29 de Junho de 2010, no processo n.º 229-N/199.P1).
   79.ª - Tendo em atenção que o Tribunal a quo considerou como improcedente a oposição à execução (em que estão em causa factos dos quais se extrai a compensação de créditos) e que na acção judicial francesa se poderá vir a considerar procedente a existência de tal compensação, a contradição de julgados tornar-se-á evidente. Resumidamente, a decisão da causa prejudicial compromete a causa dependente.
   80.ª - Por essa razão, na esteira do constante no aresto acima mencionado, porque a causa prejudicial (a acção judicial francesa) tem influência na decisão a proferir na oposição à execução e porque não está em causa qualquer excepção de litispendência, o Tribunal “a quo” deveria ter promovido a suspensão da oposição à execução com a consequente suspensão da instância executiva de que aquela é dependente e face à sua dependência funcional (neste sentido, o ac. do TRP, proferido em 29 de Junho de 2010 no processo n.º 229-N/199.P1).
   81.ª - No presente caso, a pendência de uma acção judicial em França na qual se discutem os mesmos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal “a quo” (pese embora os pedidos e os sujeitos não sejam os mesmos), aliado à circunstância de a decisão proferida nos presentes autos poder contrariar a decisão futura a proferir nos autos do processo judicial francês, impunham ao Tribunal recorrido que, na esteira dos citados normativos legais, declarasse suspensa a oposição e, consequentemente, suspensa também a instância executiva.
   82.ª - Releva destacar, a este propósito, que a necessidade de suspender a oposição e a presente instância executiva adquire relevância acrescida considerando que, já após a instauração da presente acção executiva pela Recorrida e a apresentação da oposição à execução pelos Recorrentes, o Tribunal de Comércio de Paris (1.ª Instância) proferiu decisão que confirma os factos alegados pela Recorrente CIM, condenando a Recorrida BCG a liquidar à Recorrente CIM o montante total de € 1.590.112,72 (Doc. n.º 1 ora junto).
   83.ª - Atendendo aos fundamentos expostos naquela decisão proferida pelo Tribunal de Comércio de Paris, não há dúvidas de que, após a respectiva compensação, a Recorrente CIM não é credora da Recorrida BCG, sendo, ao invés, a Recorrida quem é devedora da Recorrente.
   84.ª - O Tribunal “a quo” proferiu, por isso, uma decisão que contraria a decisão proferida pelo Tribunal de Comércio de Paris, nos termos da qual se concluiu que a Recorrente CIM nada deve à Recorrida BCG, e que é a Recorrida BCG quem deve mais de um 1,5 milhões de euros à Recorrente CIM.
   85.ª - O problema é que, caso as instâncias judiciais francesas venham a considerar procedente, com trânsito em julgado, a excepção de compensação – por hipótese, mantendo a decisão de condenação da Recorrida BCG tal qual proferida pelo Tribunal de Comércio de Paris –, consumada estará a decisão que ora se sindica de prosseguimento dos autos de execução e, quiçá, consumada estará a penhora de bens…
   86.ª - É por estas razões, e considerando que o Tribunal de Comércio de Paris foi já claro ao decidir condenar a Recorrida BCG a pagar à Recorrente o montante de mais de 1,5 milhões de euros, que se impõe a reversão da decisão proferida pelo Tribunal a quo, sob pena de o Tribunal aceitar que corra termos uma acção executiva contra um Executado que, na verdade, é Exequente!
   87.ª - Termos em que, para os efeitos dos artigos 276.º, n.º 1, alínea c), e 279.º, n.º 1, do CPC, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere suspensa a presente oposição à execução com a consequente suspensão da instância executiva, até que seja proferida decisão transitada em julgada pelas instâncias judiciais francesas.
   88.ª - A título de parêntesis, os Recorrentes esclarecem que a junção da decisão proferida pelo Tribunal de Comércio de Paris em Janeiro de 2010 apenas agora se revelou necessária já que, em face da decisão da qual ora se recorre, tornou-se evidente que o Tribunal “a quo” proferiu uma decisão contrária à decisão que foi proferida pelo Tribunal de Comércio de Paris, razão pela qual a sua junção deverá ser admitida nos termos do n.º 2 do artigo 524.º do CPC.
   89.ª - Em suma, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 22.º, n.º 5, 23.º, n.º 1, 34.º, 35.º, 53.º, 55.º e 57.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001, nos artigos 45.º, n.º 1, 46.º, 99.º, n.º 1, 108.º, 109.º, n.º 1, 276.º, n.º 1, alínea c), 279.º, n.º 1, 493.º, n.º 2, 494.º, alínea a), 802.º, 804.º, n.º 1, 814.º, alínea g), e 816.º do CPC, nos artigos 41.º, 42.º, n.º 1 e 2, 428.º, n.º 1, 627.º, n.º 2, 637.º, 640.º, alínea a) e 847.º, n.º 1, do CC, no artigo 502.º do Nouveau Code de Procédure Civile e nos artigos 2.º e 3.º da Lei francesa n.º 91-650 de 09/07/1991 (alterada pelo Decreto-Lei francês n.º 2006-461, de 21/04/2006).
Pedem, em síntese, os apelantes que se dê provimento ao recurso e, em consequência, seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que considere:
a) - procedente, por provada, a excepção dilatória de incompetência, sendo, em consequência, os Recorrentes absolvidos da instância executiva;
b) - desprovido de força executiva, por aplicação da lei francesa, o documento que suporta a obrigação principal apresentado, sendo, em consequência, os Recorrentes absolvidos da instância executiva;
c) - desprovido de força executiva, por aplicação das disposições do Regulamento (CE) n.º 44/2001, o documento apresentado, sendo, em consequência, os Recorrentes absolvidos da instância executiva;
d) - a obrigação exequenda inexigível, sendo, em consequência, os Recorrentes absolvidos do pedido executivo;
e) - admissível e válida a compensação formulada pela Recorrente CIM, sendo, em consequência, os Recorrentes absolvidos do pedido executivo;
f) - suspensa a oposição à execução e a instância executiva até que seja proferida decisão com trânsito em julgado na acção judicial francesa.
            7. Foram apresentadas contra-alegações a sustentar a confirmação do julgado.

            Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. 

            II – Delimitação do objecto do recurso
           
            De acordo com o teor das conclusões recursórias, as questões a resolver são as seguintes:
a) – Da invocada incompetência relativa do tribunal de execução com fundamento em violação de pacto privativo de jurisdição (conclusões 1.ª a 18.ª e 89.ª ); 
b) – Da inexistência de título executivo à luz da lei francesa, que lhe seria aplicável (conclusões 19.ª a 34.ª e 89.ª);
c) – Da inexigibilidade da obrigação exequenda (conclusões 35.ª a 50.ª  e 89.ª);
d) – Da inexequibilidade do título por falta de legalização (conclusões 51.ª a 59.ª e 89.ª);
e) – Da impossibilidade do prosseguimento da execução contra os 2.º executados, em virtude da acessoriedade da fiança (conclusões 60.ª a 65.ª  e 89.ª);
f) – Da excepção de compensação fundada num contra-crédito da 1.ª executada (conclusões 66.ª a 77.ª  e 89.ª);
g) – Da suspensão da instância executiva com fundamento na pendência de acção prejudicial nos tribunais franceses (conclusões 78.ª a 87.º e 89.ª).

            III - Fundamentação           

1. Factualidade dada como provada em 1.ª Instância

Vem dado como provado em 1.ª Instância o seguinte factualismo:
1.1. Na execução à qual a presente oposição corre por apenso foi apresentado como título executivo um acordo celebrado entre a exequente e a sociedade opoente, elaborado em língua francesa nas já devidamente tra-duzido para língua portuguesa, com intervenção dos opoentes JB e MB na qualidade de fiadores das obrigações da sociedade opoente, no qual consta:
“Considera-se previamente que:
A Sociedade CIMP é franquiada da rede MK em virtude de um contrato com data de 19 de Setembro de 2002; é ainda, e por outro lado, o agente da marca MK em Portugal, em virtude de um contrato com data de 28 de Março de 1994.
A rede de franquia “MK” existe desde 1988.
A rede de franquia da marca, desde a sua criação, há 18 anos, desenvolveu-se com sucesso no mercado português e o volume de negócios esteve em constante progresso.
Durante o ano 2005, a Sociedade MK S.A., foi cedida na totalidade ao grupo americano B.C.G. e foi absorvida por este grupo; a sociedade mudou de nome para passar a denominar-se BCG, passando a marca a designar-se como “MK” e já não “AMK”.
A partir do ano de 2005 as vendas continuaram a aumentar, nomeadamente por força da colecção Outono/Inverno de 2005, 6% em relação às vendas realizadas no ano anterior.
Os franquiados indicam ter conhecido desde a Primavera de 2006, problemas na entrega das encomendas efectuadas.
Para além disso, eles alegam que a redução significativa do seu volume de negócios verificada a partir de Julho de 2006, que continuou até Julho de 2007, seria consequência da alteração do sistema de encomendas e de entregas.
Os primeiros contraentes indicam que os franquiados não conseguiram fazer face aos prazos de pagamento e não conseguiram cumprir as suas obrigações financeiras e que alguns tiveram mesmo de cessar a sua actividade.
Foram realizadas duas reuniões com os franquiados para analisar os problemas registados e para encontrar uma solução para os mesmos.
- Através de carta registada com aviso de recepção, com data de 30 de Maio de 2007, a gerência da primeira signatária solicitou à Sociedade BCG que tomasse todas as medidas necessárias para evitar a perda da rede e que fosse efectuado um acordo para restabelecer as relações contratuais e a confiança necessária à perenidade dessas mesmas relações.
- Através de correspondência oficial de resposta, em 12 de Junho de 2007, a administração da Sociedade B.C.G. constatava que a rede de franquiados em Portugal se encontrava em dificuldade mas negava ser a responsável por essa situação.
- Através de correspondência oficial de resposta, com data de 13 de Junho de 2007, o representante dos franquiados reiterava a posição dos seus clientes e solicitava que fosse marcada uma reunião com urgência.
A Sociedade BCG respondia que a sociedade CIM, proprietária de vários estabelecimentos comerciais, tinha além do mais se beneficiado de faseamento da dívida que tinha contraído, em resultado da sua exploração anterior à compra pela sociedade BCG.
É nestas condições que as partes se aproximaram na procura comum de uma solução visando, por um lado apurar a dívida dos franquiados para com a sociedade BCG e, por outro lado, permitir à rede retomar o seu desenvolvimento.
Consigna-se que o presente acordo apenas diz respeito, nas suas disposições, à sociedade CIM na sua qualidade de franquiada e de agente da marca “MK”, precisando-se ainda que neste mesmo dia foi assinado um acordo distinto com os outros franquiados.
É nestas condições que as partes se aproximaram na procura comum de uma solução visando, por um lado apurar a dívida dos franquiados para com a sociedade BCB e, por outro lado, permitir à rede retomar o seu desenvolvimento.
Consigna-se que o presente acordo apenas diz respeito, nas suas disposições, à sociedade CIM na sua qualidade de franquiada e de agente da marca “MK”, precisando-se ainda que neste mesmo dia foi assinado um acordo distinto com os outros franquiados.
FOI ESTABELECIDO E ACORDADO O SEGUINTE:
1 - Medidas sobre o apuramento da divida da sociedade CIM:
1/ Restituição pela sociedade CIM das mercadorias não vendidas na Primavera/Verão de 2007:A fim de minorar o seu passivo, a sociedade CIM restituirá no prazo de 30 dias a contar da data de assinatura do presente acordo a sociedade BCG as mercadorias não vendidas da colecção Primavera/ Verão de 2007, por um montante máximo de 150.000 €.
2/. Concessão, pela sociedade BCG de uma remissão de dívida no valor de 500.000 €.
Sob condição expressa do apuramento por parte da sociedade CIM da sua dívida nas condições definidas infra, a sociedade BCG concede à Sociedade CIM uma remissão de dívida no montante de € 500.00, apenas eventualmente pagável de acordo com as condições enunciadas infra.
3/ Especificação das dívidas e dos débitos da sociedade CIM no que diz respeito à restituição das mercadorias:
Tendo em conta a restituição das mercadorias supracitada, a dívida da sociedade CIM em Julho de 2007 é no valor de 2.209.166 Eur, ou seja:
. 1.000.000 € a título do valor devido no âmbito do acordo assinado no dia 31 de Agosto de 2006 entre as partes, no qual foi feito um reconhecimento de dívida da sociedade CIM e fixado um escalonamento do pagamento da dívida.
. 1.209.166 € a título das quantias devidas independentemente daquelas incluídas no referido acordo, a título de facturas não pagas.
Total € 2.209.166.
3./ Plano de Pagamento: A sociedade CIM compromete-se a pagar à sociedade BCG a quantia total de 2.209.166 € no âmbito do um plano de pagamentos de 36 meses, através de 35 pagamentos mensais, distribuídos da seguinte forma:
. o primeiro pagamento no valor de 28.311€ (montante fixado após dedução do pagamento de 20.552 € efectuado pela sociedade CIM aos franquiados Novas Formas Comércio de Artigos e Vestuário e Perfumaria e Faria Modas Unipessoal por conta da sociedade BCG),
. o segundo e os seguintes, até ao 35.°, inclusive, no valor de 48.833 € cada,
. o 36° pagamento no valor de € 500.000.
A primeira prestação ocorrerá em 31 de Outubro de 2007 e as restantes no último dia de cada mês até ao pagamento integral da dívida.
Fica expressamente convencionado com a última prestação no valor de € 500.000 não será devida se a sociedade CIM cumprir a sua obrigação de pagar as 35 primeiras prestações.
4./ Modalidades de Pagamento:
Estes pagamentos serão efectuados através de letras aceites para cada prestação supramencionada, com excepção da última prestação, que não será garantida por uma letra, tendo em conta a remissão prevista em caso de pagamento atempado das 35 primeiras prestações.
Em caso de incumprimento, a última prestação será paga de forma espontânea ou através do accionamento das garantias pessoais e das garantias reais apresentadas.
(A sociedade CIM deverá enviar as suas letras aceites à sociedade BCG no prazo máximo de 15 dias a contar da recepção pela sociedade CIM das letras enviadas pela sociedade BCG).
Em caso de incumprimento, o presente acordo caducará.
5./ Possibilidade de restituir 10% das mercadorias:
A sociedade BCG autoriza a sociedade CIM, na sua qualidade de franquiado, a devolver 10% das mercadorias entregues nas estações Outono/Inverno 2007 e Primavera/Verão 2008 no final da estação, após o período de saldos.
6./ Redução do número de lojas:
A fim de reduzir o seu passivo e para melhor garantir o cumprimento das presta-ções do presente acordo, a sociedade CIM encerrará no máximo 3 franquias não rentáveis.
7.1 Garantias de pagamento:
O senhor JB e a senhora MB, esposa do senhor JB, intervenientes no presente acordo, subscreveram já, em 31 de Agosto de 2006, a favor da sociedade BCG uma fiança solidária e indivisa a fim de garantir o bom cumprimento dos compromissos da sociedade CIM até ao valor de € 600.000.
Pelo presente acordo, reiteram o seu compromisso e declaram aumentá-lo para o valor de € 1.000.000 (um milhão de Euros) a fim de garantir, durante a vigência do presente acordo, o cumprimento integral e correcto dos seus termos.
O senhor e a senhora MB comprometem-se a reiterar o seu compromisso através de acto em separado assinado em simultâneo com os presentes.
Este compromisso torna-se exequível se a sociedade CIM não respeitar o presente acordo.
Após a liquidação da dívida objecto do presente acordo, este compromisso voltará ao valor de € 600.000.
8./ Comissões devidas à sociedade CIM na qualidade de agente da marca MK:
Na qualidade de agente da marca, a CIM recebe da sociedade BCG uma comissão de 11% sobre todos os pagamentos efectuados pelos franquiados, incluindo neste cômputo o volume de negócios que ela realiza na sua qualidade de franquiado.
A título excepcional, a sociedade BCG aceita elevar para 13% a percentagem das comissões pagas à sociedade CIM, na sua qualidade de agente da marca, sobre a liquidação dos valores devidos pelos franquiados (excepto a CIM) e sobre as encomendas efectuadas pelos franquiados (excepto a CIM) durante as próximas 4 estações.
É convencionado que a taxa das comissões pagas à sociedade CIM na sua qualidade de agente, a título de (…) e das suas compras efectuadas na qualidade de franquiado, permanece em 11%.
Por outro lado, a sociedade BCG pagará à sociedade CIM, na sua qualidade de agente da marca, uma comissão de 13% sobre a quantia de 350.000 €, correspondente a metade das entregas acordadas com todos os franquiados portugueses no âmbito dos acordos assinados nesta data (incluindo a CIM), num montante total de 700.000 € (200.000 € + 500.000 €).
Quando expirar este período que abrange as 4 próximas estações, será de novo aplicada a comissão contratual de 11%.
A sociedade CIM emitirá mensalmente, após a recepção por parte da sociedade BCG dos pagamentos dos franquiados, uma factura à sociedade BCG no montante que lhe é devido, a qual será paga a pronto pagamento.
9/ Ultrapassagem do crédito autorizado para encomendas novas:
Tendo em conta o acima exposto, e o compromisso do Sr. e da Sra. MB de elevarem o valor da sua fiança de 600.000 € para 1.000.000 € durante o período de vigência do presente acordo, a sociedade BCG aceita entregar as novas encomendas à sociedade CIM sem exigir pronto pagamento, aumentando assim o crédito autorizado para o valor de 800.000 €.
Se para as encomendas relativas à colecção Outono/Inverno de 2007 e para todas as encomendas seguintes, o crédito de 800.000 € for ultrapassado, a sociedade BCG apenas procederá li entrego das mercadorias contra pronto pagamento parte das mesmas que exceda o valor do crédito autorizado.
II – Medidas adoptadas para ajudar a liquidação da dívida e ao desenvolvimento futuro da rede.
1./ Entregas garantidas pela sociedade BCG nas próximas 4 estações:
A fim de facilitar a liquidação daquela dívida, a sociedade BCG compromete-se, nas estações Outono/Inverno de 2007 e 2008 e nas Estações Primavera/Verão 2008 e 2009, ou seja nas próximas quatro estações, a autorizar à sociedade CIM um desconto suplementar de 20% sobre as duas primeiras estações e de 15% sobre as duas últimas estações; este desconto será efectuado com base nos preços praticados (tarifa 90), o que a sociedade CIM aceita expressamente.
Este desconto será concretizado através de uma nota de crédito emitida em simultâneo com a factura.
2./ Obrigação da sociedade BCG:
2 – 1.°) A sociedade BCG obriga-se a enviar as mercadorias Outono/Inverno encomendadas depois da assinatura do presente protocolo após a recepção das letras aceites.
Os pagamentos serão efectuados a 90 dias a contar do fim do mês.
2-2°) A sociedade BCG compromete-se a desenvolver, a partir de Setembro de 2007, uma política de promoção da marca e da nova linha de vestuário que comercializa através da sua rede portuguesa.
Nestes termos, até ao final do ano 2007 e para o ano 2008, a sociedade BCG compromete-se a financiar uma ou mais campanhas publicitárias a nível nacional, em Portugal, num montante mínimo de 50.000 € por ano.
2-3°) Por outro lado, a fim de reposicionar a imagem da marca, deverão ser efectuadas de imediato pequenas obras em cada loja franquiada, para alterar o seu logótipo e a sua marca.
A sociedade BCG compromete-se a vender os seus kits de mobiliário a preço de revenda, majorado em 10%, ao qual deduzirá previamente uma quantia fixa por loja de 2.000 €. Se o valor da factura for inferior a 2.000€, a sociedade regularizará a diferença através de um cheque para cada um dos franquiados.
III – Confidencialidade
O presente acordo e o protocolo que ele contém são estritamente confidenciais entre as partes.
Ele não deverá ser divulgado de forma alguma a terceiros, com excepção dos representantes da administração fiscal com poderes para solicitar a análise do mesmo e de uma autoridade judiciária, em caso de incumprimento dos seus termos por qualquer um dos contraentes.
IV – Foro:
Em caso de litígio sobre a interpretação ou aplicação das presentes disposições, as partes atribuem de forma expressa a competência ao Tribunal de Comércio de Paris.
V – Obrigações recíprocas de respeitar os termos do presente acordo.
Cada um dos contraentes compromete-se a cumprir de boa-fé as obrigações a que estão adstritos no âmbito do presente acordo.
VI – Transacção:
O presente acordo constitui uma transacção entre as partes nos termos do artigo 2044.° do CC. Ele põe fim a todos os contenciosos existentes entre a sociedade CIM e a sociedade CBG no âmbito dos problemas verificados entre Julho de 2006 e Julho de 2007 e dos prejuízos financeiros deles resultantes para cada uma das partes.
As partes têm autoridade para proceder à escolha de jurisdição nos termos do artigo 2052.° do CC.
Feito em Paris, em 03 de Agosto de 2007.
Em 4 exemplares [assinatura]
Sociedade CIM Ld.ª. Representada pelo Senhor JB [assinatura]
A sociedade BCG que explora a marca “MK”, representada pelo Senhor FB [assinatura]
Senhor JB
Na qualidade de fiador das garantias da sociedade CIM [assinatura]
Senhora MB esposa do senhor JB
Na qualidade de fiadora das garantias da sociedade CIM».

1.2. Foi ainda junto aos autos um documento denominado “Instrumento de Fiança Solidária e Indivisível”, em língua francesa e traduzido para português, no qual se lê:
«OS ABAIXO-ASSINADOS
Senhor JB, nascido em …. (Portugal) e Senhora MB sua esposa, nascida em … (Portugal), ambos com residência em …OEIRAS (PORTUGAL), ambos abrangidos pelo regime de separação de bens, regime esse que não foi objecto de qualquer alteração.
De agora em diante designados como “Fiadores”.
COM A INTERVENCÃO DE SOCIEDADE CIM, LD.ª, Sociedade de responsabilidade limitada com o capital social de 299.276,74 €, matriculada sob o número … no Registo Comercial de Lisboa (PORTUGAL), pessoa colectiva no …., com sede social na Rua ….
De agora em diante designada como “Devedora” Questão prévia: Declaração dos fiadores.
Os fiadores declaram, pelo presente, estar em situação de falar e de compreender de forma correcta a língua francesa, o que lhes permite ter consciência da extensão do presente compromisso e terem sido aconselhados no âmbito da assinatura do presente documento tanto por um advogado de língua portuguesa como de um advogado de língua francesa.
CONSIDERA-SE PREVIAMENTE QUE A Sociedade CIM é titular de um contrato de franquia de produtos da marca MK, assinado com a sociedade MK, estando neste momento investido nos direitos desta última sociedade a Sociedade. BCG.
No âmbito da execução desse contrato, a Sociedade CIM contraiu com a Sociedade MK e posteriormente com a Sociedade BCG, a título de aquisição de mercadorias, uma dívida que se eleva nesta data à soma de DOIS MILHOES DUZENTOS E NOVE MIL, CENTO E SESSENTA E SEIS (2.209.166) Euros, para efeito de regularização da qual foi subscrito em 3 de Agosto de 2007 um acordo transaccional.
Convirá por outro lado considerar que anteriormente a Sociedade CIM tinha já assinado um acordo com a Sociedade BCG que incluía um acordo de regularização da sua dívida, celebrado em 31 de Agosto de 2006, dívida essa que tinha um montante menos elevado nessa data.
No âmbito dos acordos celebrados com vista à regularização da sua dívida em 31 de Agosto de 2006 por parte da Sociedade CIM, os seus dois gerentes e sócios principais, Senhor e Senhora B constituíram uma fiança solidária e indivisa entre si e com a Sociedade CIM para pagamento das dívidas que poderiam vir a ser contraídas por esta última Sociedade perante a Sociedade BCG.
TENDO EM CONTA O ACIMA EXPOSTO É DETERMINADO E ACORDA-DO O SEGUINTE:
Os fiadores declaram pelo presente à:
Sociedade BCG, Sociedade por acções com o capital social de 1.406.000 €, inscrita no Registo Comercial de Romans sob o número …, com sede social em ….
Que se comprometem, de forma solidária e indivisível, tanto entre si como com o devedor beneficiário da fiança, a Sociedade CIM, a favor da Sociedade BCG, acima identificada a pagar quaisquer quantias, qualquer que seja a sua natureza, que possam ser devidas à Sociedade BCG por parte da Sociedade CIM, até ao valor de UM MILHÃO (1.000.000) de Euros quer a título principal quer a título de quantias que possam ser devidas à primeira ao abrigo do acordo transaccional subscrito em 3 de Agosto de 2007, quer relativas a mercadorias encomendadas posteriormente pela Sociedade CIM à Sociedade BCG.
Fica igualmente definido que o montante garantido do UM MILHÃO (1.000.000) de Euros será mantido até à liquidação completa por parte da Sociedade CIM da dívida objecto do acordo de 3 de Agosto de 2007.
Após o pagamento completo da referida dívida por parte da CIM o valor da fiança prestada será reduzido para SEISCENTOS MIL (6OO.OOO) Euros.
Estes valores serão imputados primeiramente às dívidas mais antigas e cobrirão progressivamente o conjunto das responsabilidades assumidas pela Sociedade CIM até à extinção total da sua divida perante a Sociedade BCG.
O presente compromisso torna-se exequível de pleno direito após a interpelação do mesmo através de carta registada com aviso de recepção, a partir do momento em que os créditos da Sociedade BCG sobre a Sociedade CIM sejam igualmente exigíveis.
O presente compromisso continuará a produzir os seus efeitos até ao integral pagamento e à recepção da revogação da fiança, notificada através de carta com aviso de recepção enviada pela Sociedade BCG aos fiadores, os quais apenas poderão Intervir após o integral pagamento e desoneração total do devedor de qualquer dívida, qualquer que seja a sua natureza, perante a Sociedade BCG.
O Senhor e a Senhora B, na sua qualidade de fiadores, renunciam expressamente ao benefício da excussão e da divisão quer relativamente à Sociedade CIM quer entre si bem como com quaisquer outras pessoas obrigadas.
Em consequência, a Sociedade BCG poderá reclamar o pagamento da fiança ao abrigo do contrato e dentro dos limites previsto no mesmo, sem de ter de executar previamente aos bens da Sociedade sem ter de interpor qualquer processo contra quaisquer terceiros que seja titulares de uma garantia do devedor, independentemente da forma que essa garantia possa revestir.
De forma a obter o pagamento ao abrigo do presente compromisso, a Sociedade BCG poderá interpor processos judiciais que abranjam a totalidade dos bens móveis e imóveis, presentes e futuros dos fiadores.
Os fiadores ficam proibidos de efectuar qualquer sub-rogação e de tomar qualquer medida que pudesse ter como resultado colocá-la em concorrência com a Sociedade BCG de forma a que esta possa não ser reembolsada da totalidade dos seus créditos sobre a Sociedade CIM.
Os fiadores não poderão de forma alguma invocar os prazos de pagamento acordados de forma expressa ou tácita pela Sociedade BCG.
Os fiadores declaram ter plena consciência da natureza e da extensão do seu compromisso bem como dos compromissos do devedor principal.
Qualquer pessoa que assuma a titularidade dos direitos dos fiadores, independentemente do motivo que esteja na origem desse facto, os respectivos herdeiros ou titulares de direitos, ficará vinculada, de forma solidária e indivisível perante o credor, pela execução da obrigação objecto de fiança, nas mesmas condições que os fiadores. Em consequência desse facto, o credor poderá reclamar a qualquer uma das pessoas acima referidas, o pagamento da totalidade das quantias que teria direito a reclamar aos fiadores, sem que possa ser imposto ao credor uma divisão destes recursos entre as referidas pessoas.
Quaisquer direitos, impostos, taxas, penalidades e despesas que o presente instrumento ou a respectiva execução possam originar, serão da responsabilidade dos fiadores, que se comprometem a liquidar as mesmas.
Os fiadores reconhecem ter recebido uma cópia do presente instrumento. Os fiadores autorizam o credor a remeter ao beneficiário da fiança uma cópia do presente documento.
Todas as disposições do presente compromisso conservam-se plenamente em vigor, independentemente da evolução jurídica e financeira do beneficiário da fiança ou das relações existentes entre este último e os fiadores.
O presente instrumento ficará registado no Processo Fiscal da sede da Sociedade BCG.
Feito em Lisboa, em 03/08/2007
Em cinco (5) exemplares
Intervêm nos presentes A Sociedade CIM, LD.ª., Sociedade de Responsabilidade limitada, matriculada sob o n.º …. junto do Registo Comercial de Lisboa (Portugal), representada pelo seu gerente, Senhor JB.
[carimbo da CIM]
Os fiadores:
Senhor JB
[Assinatura]
Senhora MB esposa do senhor JB [assinatura]
Registado no: SIBC DE VALENCE SUD – PÓLO DE REGISTO 24/09/2007
[Ilegível] nº 2007/1 001 Caso no 3 Ext 3723 Registo: 125€
Penalidades:
Total liquidado: Cento e vinte e cinco euros Montante recebido: cento e vinte e cinco euros
O Responsável Financeiro
[assinatura]
Jos
[carimbo]:
DUPLICATA
Declaro estar em condições de falar e de compreender a língua francesa e de dar o meu consentimento expresso à presente fiança e de compreender, por me ter sido explicado, antes da assinatura da presente escritura, tanto pelo meu advogado português como pelo meu advogado francês, a extensão e o significado do compromisso que assumo nos termos do presente documento.
Assumo uma fiança solidária e indivisa com renúncia expressa ao benefício da excussão e da divisão até ao limite da quantia máxima de UM MILHÃO (1.000.000) de Euros para pagamento de quaisquer quantias devidas pela Sociedade CIM, LD.ª, à sociedade BCG
Feito em Lisboa, em 03/08/2007
Em 5 exemplares»
1.3. A oponente apenas procedeu ao pagamento das três primeiras prestações, vencidas a 31/10/2007, 30/11/2007 e 31/12/2007, não tendo pago as demais.

2. Do mérito do recurso

2.1. Quanto à excepção de incompetência relativa fundada em violação de pacto privativo de jurisdição

Em primeira linha, os executados e ora apelantes invocaram, como fundamento da oposição à execução, a incompetência relativa do tribunal fundada em violação de pacto privativo de jurisdição, pacto este que, segundo sustentam, se encontraria estipulado na cláusula IV do acordo negocial constante do documento dado à execução, em que as partes atribuíram, de forma expressa, competência ao Tribunal de Comércio de Paris para os casos de litígio sobre a interpretação ou aplicação das disposições contratuais ali consignadas. 
O tribunal a quo julgou improcedente aquela excepção dilatória por considerar que a invocada cláusula se circunscreve à competência para a resolução de litígios emergentes da relação contratual em referência, à luz do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, não alcançando portanto a competência para a execução das obrigações dali resultantes, para o que serão exclusivamente competentes os tribunais portugueses nos termos do artigo 65.º-A, alínea a), do CPC e ainda por aplicação analógica do preceituado no artigo 22.º, n.º 5, do citado Regulamento.
No entanto, os apelantes argumentam, em síntese, que:
- as partes contratantes pretenderam com aquela cláusula, senão manifestamente pelo menos de forma implícita, concentrar e atribuir competência exclusiva à jurisdição francesa para o julgamento de todos os aspectos ou litígios do mencionado acordo, incluindo a sua execução e garantia de cumprimento;
- Essa atribuição era permitida ao abrigo e nos termos previstos no artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, no qual se contempla qualquer relação jurídica interprivada efectiva, mesmo no domínio da própria acção executiva;
- Mas ainda que se considere inaplicável ao caso o indicado normativo, a sobredita cláusula de foro seria também autorizada, como pacto privativo exclusivo, a coberto do disposto no artigo 99.º, n.º 1, do CPC, sendo, para tal, evidente a maior conexão do acordo em fo-co com o ordenamento jurídico francês;               
- Perante um pacto privativo de jurisdição ao abrigo da norma específica e expressa do artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, não é de convocar a aplicação analógica da disposição genérica constante do artigo 22.º, n.º 5, do mesmo diploma;
- E, por idênticas razões, face àquela norma específica, não faz sentido invocar também o disposto no artigo 65.º-A do CPC.

            Vejamos.

            Antes de mais, importa ter presente que a competência executiva dos tribunais portugueses em razão da nacionalidade repousa, fundamentalmente, sobre o princípio da sua coincidência com a competência territorial, conforme estatuído na alínea b) do artigo 65.º do CPC.
Daí que os tribunais portugueses sejam internacionalmente competentes para as execuções fundadas:
a) – em decisões proferidas por tribunais portugueses ou por arbitragem ocorrida em território português - artigo 90.º, n.º 1 e 2, do CPC;
b) – em títulos extrajudiciais de obrigação para entrega de coisa certa ou provida de garantia real, quando o bem a entregar ou onerado se encontre em território português – artigo 94.º, n.º 2, do CPC; 
c) - em títulos extrajudiciais para as demais obrigações, quando o executado tenha domicílio em Portugal ou quando a obrigação deve ser cumprida aqui, consoante os casos, nos termos do artigo 94.º, n.º 1, do CPC.
            Acresce que, nos termos da alínea b) do artigo 65.º-A do CPC, os tribunais portugueses são exclusivamente competentes para as execuções sobre bens imóveis situados em Portugal.
            A par disso, no âmbito da União Europeia, os tribunais portugueses têm competência executiva exclusiva, qualquer que seja o domicílio do executado, nos termos do artigo 22.º, n.º 1 e n.º 5, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22-12-de 2000, em vigor desde 1 de Março de 2002 (artigos 66.º, n.º 1, e 76.º), respectivamente:  
a) – para as execuções sobre bens imóveis situados em território português;
b) – em matéria de execução de decisões, quando os tribunais portugueses sejam os tribunais do lugar da execução.
            Significa isto que a competência exclusiva assim estabelecida no citado Regulamento se encontra em sintonia como o preceituado nos artigos 65.º, alínea b), com referência ao artigo 90.º, e com o artigo 65.º-A, alínea b), do CPC.
            Todavia, o artigo 99.º do CPC concede autonomia às partes para convencionarem pactos atributivos ou privativos de jurisdição, nos seguintes termos:
1 – As partes podem convencionar qual a jurisdição competente para dirimir um litígio determinado, ou litígios eventualmente decorrentes de certa relação jurídica, contanto que a relação controvertida tenha conexão com mais de uma ordem jurídica.
2 – A designação convencional pode envolver a atribuição de competência exclusiva ou meramente alternativa com a dos tribunais portugueses, quando esta exista, presumindo-se que seja alternativa em caso de dúvida.
3 – A eleição do foro só é válida quando se verifiquem cumulativamente os seguintes requisitos:
   a) – Dizer respeito a um litígio sobre direitos disponíveis;
   b) – Se aceite pela deli do tribunal designado;
   c) – Ser justificada por um interesse sério de ambas as partes ou de uma delas, desde que não envolva inconveniente grave para a outra;
   d) – Não recair sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
   e) – Resultar de acordo escrito ou confirmado por escrito, devendo nele fazer-se menção expressa da jurisdição competente.
4 – Para os efeitos do número anterior, considera-se reduzido a escrito o acordo constante de documento assinado pelas partes, ou o emergente de troca de cartas, telex, telegramas ou outros meios de comunicação de que fique prova escrita, quer tais instrumentos contenham directamente o acordo, quer deles conste cláusula de remissão para algum documento em que ele esteja contido.    
            Do normativo transcrito decorrem, pois, duas modalidades de pactos de jurisdição, definidas na perspectiva da ordem jurídica portuguesa[1]:
  - o pacto atributivo de jurisdição, quando concede competência a um ou vários tribunais estrangeiros, podendo fazê-lo em termos concorrentes com a competência legal dos tribunais portugueses ou com exclusão desta;
   - o pacto privativo de jurisdição, quando retira competência a um ou vários tribunais portugueses para a atribuir exclusivamente a um ou vários tribunais estrangeiros,  
            Segundo o disposto no n.º 2, in fine, do citado artigo 99.º, a atribuição de competência a tribunais estrangeiros, em caso de dúvida, presume-se concorrente com a que decorre da lei para os tribunais portugueses. Nas palavras do Prof. Teixeira de Sousa “a atribuição de competência aos tribunais estrangeiros só vale como um pacto privativo quando retirar a competência legal concorrente dos tribunais portugueses”[2].  
            No que respeita agora aos pactos de jurisdição em sede de acção executiva, segundo o Prof. Teixeira de Sousa, “a coincidência entre a competência territorial e a internacional, bem como a aferição da competência internacional pelos critérios do domicílio do executado e da situação dos bens penhoráveis não deixam muito espaço para os pactos atributivos de jurisdição, pois que dificilmente se concebe uma situação em que os tribunais portugueses não sejam legalmente competentes, mas em que a execução apresente uma conexão com a ordem jurídica portuguesa que justifique, tal como o artigo 99.º, n.º 3, alínea c), exige, o interesse de, pelo menos, uma das partes em que ela decorra em território português”[3]. E no que concerne aos pactos privativos de jurisdição, o mesmo Professor questiona a validade dos pactos privativos de jurisdição quando existam bens penhoráveis em Portugal, embora considere que tal circunstância não se mostra suficiente para excluir essa validade, uma vez que as partes podem excluir por via convencional a penhorabilidade desses mesmo bens, nos termos dos artigos 602.º do CC e 821.º, n.º 1, do CPC[4].     
            Derivando agora para o domínio do Direito Comunitário Europeu, já vimos que, no âmbito da acção executiva, os tribunais dos Estados-Membros detêm competência exclusiva para as execuções sobre imóveis situados nos respectivos territórios (n.º 1 do artigo 22.º do Regulamento CE n.º 44/2001) e, em matéria de execução de decisões, quando os tribunais nacionais sejam os tribunais do lugar da execução, ou seja, quando se situarem Portugal os bens a apreender, já que só aqui é viável o recurso à força coercitiva para o desapossamento dos bens imóveis e móveis (n.º 5 do artigo 22.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001)[5]. Tratando-se, porém, “de execução fundada em título extrajudicial, os tribunais portugueses só serão competentes, se, de acordo com as regras especiais … do referido Regulamento, em Portugal de localizar a realidade fáctica que suporta o critério aferidor da competência no caso ajuizado”[6].         
             Por seu lado, o artigo 23.º, n.º 1, do mesmo Regulamento autoriza a convenção de foro, nos seguintes moldes:
1 - Se as partes, das quais pelo menos uma se encontre domiciliada no território de um Estado-Membro, tiverem convencionado que um tribunal ou os tribunais de um Estado-Membro têm competência para decidir quaisquer litígios que tenham surgido ou que possam surgir de uma determinada relação jurídica, esse tribunal ou esses tribunais terão competência. Essa competência será exclusiva a menos que as partes convencionem em contrário. Este pacto atributivo de jurisdição deve ser celebrado:
a) – Por escrito ou verbalmente com confirmação escrita; ou
b) – Em conformidade com os usos que as partes estabeleceram entre si; ou
c) – No comércio internacional, em conformidade com os usos que as partes conheçam ou devam conhecer e que, em tal comércio, sejam amplamente conhecidos e regularmente observados pelas partes em contrato do mesmo tipo, no ramo comercial considerado.
            -----------------------------------------------------------------------------------
   5 – Os pactos atributivos de jurisdição … não produzirão efeitos … se os tribunais cuja competência pretendam afastar tiverem competência exclusiva por força do artigo 22.º.
Desde já convém reter que, contrariamente ao preceituado no artigo 99.º, n.º 2, parte final, do CPC, a atribuição de competência a tribunais estrangeiros no âmbito do artigo 23.º, n.º 1, do citado Regulamento, se tem por exclusiva, salvo se as partes estipularem o contrário. 

Os apelantes sustentam a validade e alcance do denominado pacto privativo de jurisdição ao Tribunal de Comércio de Paris, em primeira via, ao abrigo do disposto no artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento em referência.
Como estamos no quadro de uma execução fundada num pretenso título extrajudicial e não está em causa a incidência de penhora sobre bens imóveis sitos em Portugal, não se coloca aqui qualquer impedimento de competência exclusiva nos termos dos n.º 1 e 5 do artigo 22.º do mesmo diploma. Ponto é saber se o artigo 23.º, n.º 1, contempla pactos atributivos ou privativos de jurisdição no domínio da acção executiva, como defendem os apelantes.
Ora, tal como já acontecia no âmbito da Convenção de Bruxelas e de Lugano, também o Regulamento n.º 44/2001 teve como objectivo essencial unificar as regras de conflito de jurisdição em matéria civil e comercial, bem como simplificar as formalidades para reconhecimento e executoriedade rápidos das decisões judiciais proferidas em cada um dos Estados-Membros, de modo a favorecer a livre circulação dessas decisões no espaço da União Europeia, instrumento jurídico tido por fundamental para o funcionamento do mercado interno, conforme, aliás, se refere nos considerandos daquele Regulamento. Daí que a disciplina ali estabelecida se tenha centrado nas regras de competência judiciária para a decisão dos litígios em matéria civil e comercial, apenas contendo regras, em matéria de execução de decisões, relativas à concessão de exequatur (artigos 38.º e seguintes), ou seja, como condição de executoriedade dessas decisões. 
Nesse contexto, salvo o devido respeito por opinião contrária, não se afigura que o artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento n.º 44/2001 tenha como alcance permitir pactos atributivos ou privativos de jurisdição em sede da acção executiva[7].
Não se ignora que poderão suscitar-se sempre questões litigiosas no quadro da relação jurídica de que emerge a obrigação exequenda, o que sucederá com particular frequência no campo das execuções fundadas em títulos extrajudiciais, mas tal circunstância não parece que, por si só, se deva sobrepor aos critérios aferidores legais da competência executiva, os quais, como é sabido, radicam em factores de conexão territorial ligados à adopção de medidas coactivas para a realização da prestação exequenda, que constituem, por sua vez, monopólio das soberanias de cada Estado-Membro. De resto, do preceituado no n.º 5 do artigo 22.º do Regulamento n.º 44/2001 decorre que os tribunais do lugar da execução detêm competência exclusiva para as decisões suscitadas em matéria de execução, como sejam as que venham a ser introduzidas em procedimento declarativo de oposição à própria execução.
            Nesta linha de entendimento, não se acolhe a tese dos apelantes ao pretenderem ver aferida a validade da cláusula do foro a coberto daquele normativo comunitário. Resta saber se tal cláusula é válida, com o alcance pretendido, à luz do disposto no artigo 99.º do CPC.
            Como já foi dito, o normativo em referência concede autonomia às partes para firmarem convenções de foro, nos limites e termos ali estabelecidos, inclusivamente sobre a competência em matéria executiva, muito embora de alcance prático limitado, dados os factores de conexão territorial decorrentes da situação dos bens penhoráveis ou do domicílio do executado e, em especial, os requisitos exigidas pelas alíneas c) e d) do n.º 3 do referido artigo 99.º.
            Mas, a apreciação da validade dessa cláusula requer que, em primeiro lugar, se determine a modalidade de pacto de jurisdição estipulado e o seu alcance.
            Como se colhe da matéria de facto provada, no âmbito do acordo negocial dado à execução, as partes contraentes convencionaram que: em caso de litígio sobre a interpretação ou execução das presentes disposições, as partes atribuem de forma expressa competência ao Tribunal de Comércio de Paris.
            Formalmente trata-se de um pacto atributivo de competência a tribunal estrangeiro, porquanto dessa estipulação não resulta qualquer manifestação de vontade expressa em retirar a competência executiva aos tribunais portugueses. Além disso, do teor da referida cláusula não se extrai sequer um mínimo de correspondência textual, ainda que imperfeitamente expresso, no sentido da privação da jurisdição portuguesa, que possa ser tido em conta com tal sentido nos termos do artigo 238.º do CC.    
            Mas será que aquela atribuição de competência pode ser interpretada como uma atribuição exclusiva de competência executiva ao Tribunal de Comércio de Paris?
            Nessa linha, os apelantes argumentam que tal exclusividade se torna evidente em virtude da maior conexão do acordo em causa com o ordenamento jurídico francês.
Pese embora a pertinência desse argumento, sempre se poderá dizer que não se afigura ser de presumir, segundo as regras da experiência comum nem tão pouco se mostra equilibrado concluir que as partes, em particular a exequente, tenham querido excluir a jurisdição portuguesa quanto à possibilidade de penhorar bens sitos em Portugal, sabido como é que os executados se encontram aqui domiciliados. Ademais não de mostra que tenham sequer sido isentados de penhora os bens dos executados, sitos em Portugal, nos termos do disposto no artigo 602.º do CC.
Nestas circunstâncias, no limite, impõe-se presumir, a coberto do preceituado no artigo 99.º, n.º 2, parte final, do CPC, que a atribuição de competência ao Tribunal de Comércio de Paris, pelo menos em sede de acção executiva, concorreria com a competência legal dos tribunais portugueses, sem prejuízo, porém, da prevalência da competência exclusiva destes estabelecida na alínea b) do artigo 65.º-A e da justificação de um interesse sério de ambas as partes, sem inconveniente grave para qualquer delas, naquela atribuição de competência ao tribunal estrangeiro, o que não se divisa quando estiver em causa, como aqui está, a penhora de bens sitos em Portugal.   
Termos em que se conclui, neste capítulo, pela improcedência das razões dos apelantes constantes das conclusões 1ª a 18.ª acima sumariadas e, consequentemente, pela improcedência da excepção dilatória de incompetência relativa fundada na alegada violação de pacto privativo de jurisdição, como decidiu o tribunal a quo.

2.2. Da inexistência do título executivo

Em segunda linha, vieram os executados invocar a inexistência de título executivo, sustentando que os requisitos de exequibilidade do pretenso título apresentado devem ser aferidos à luz da lei francesa.
Nessa base, argumentam que:
   - além de terem as partes submetido à jurisdição francesa o litígio do acordo que serve de base à execução, a  lei aplicável ao objecto desse negócio é a lei francesa, já que, na falta de residência comum e tratando-se de negócio oneroso, o que releva é o lugar da celebração do mesmo, nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 42.º do CC;   
   - assim, considerando que a questão da exequibilidade do título se reconduz a uma questão de direito probatório material, seria aplicável aquela lei. 
É nesse pressuposto que convocam o disposto no artigo 3.º da Lei francesa n.º 91-650, de 9 de Julho de 1991, alterada pelo Dec.-Lei n.º 2006-461, de 21 de Abril, para que remete o artigo 502.º do Nouveau Code de Procédure Civile, para concluir que o documento dado à execução não reveste força executiva. 
Por sua vez, o tribunal a quo rejeitou essa tese, considerando que a exequibilidade do título é aferível pela lei portuguesa, segundo a qual o documento dado à execução constitui título executivo, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC.
Ora, nos termos do artigo 45.º, n.º 1, do CPC, toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da acção executiva
Nessa conformidade, o título executivo é uma condição da acção executiva e torna-se imprescindível para traçar o fim da execução, maxime, a espécie de acção executiva adequada e para confinar o seu âmbito subjectivo e objectivo. É, pois, em função dele que se define objecto da execução, que se aferem os titulares da obrigação exequenda e que se delimita a intervenção dos órgãos executivos.
A lei não dá uma noção legal de título executivo, mas das funções e características que lhe confere pode decantar-se, pelo menos, uma noção compreensiva das espécies contempladas na tipologia taxativa do artigo 46.º, n.º 1, do CPC.
Com base nos requisitos gerais e específicos de exequibilidade exigidos pelos artigos 46.º a 52.º do CPC, ou em legislação extravagante, pode definir-se o título executivo como um documento escrito e assinado, representativo da constituição ou reconhecimento de uma obrigação patrimonial, emergente de relações jurídico-privadas, que tem por objecto uma prestação pecuniária, uma prestação para entrega de coisa móvel ou imóvel ou uma prestação de facto positivo ou negativo, fungível ou infungível, e provido dos requisitos gerais e específicos de exequibilidade exigidos pela lei. O que parece, pois, sobressair no título executivo não é tanto a mera forma documental, mas sim a matriz de acto documentado, seja ele uma sentença, um negócio jurídico ou um acto da entidade com competência para o produzir.
O título executivo expressa, pois, a exequibilidade extrínseca da obrigação, sendo através da verificação dos seus requisitos que se afere a idoneidade do objecto da pretensão executiva. Por isso mesmo, o título executivo, reveste a natureza de um pressuposto processual específico da acção executiva, constituindo um dos requisitos de admissibilidade da mesma[8].
É certo que, tratando-se de um documento, não se pode ignorar o seu valor probatório, mas não é este valor que releva propriamente para aferir a sua exequibilidade, podendo até existir títulos em que não se coloque sequer a questão da prova dos factos que servem de fundamento à obrigação exequenda, como sucede no âmbito dos títulos de mero reconhecimento de uma obrigação. O que conta para tal efeito são os requisitos de que a lei faz depender o acesso imediato à acção executiva, independentemente do seu valor probatório formal ou material.
Por conseguinte, a aferição da exequibilidade não convoca a aplicação das regras do direito probatório material, mas tão só a aplicação das regras adjectivas que disciplinam os requisitos que determinado documento ou acto documentado deve reunir para valer como título executivo, o mesmo é dizer, como pressuposto específico do exercício da acção executiva perante a jurisdição competente. Nas palavras de Teixeira de Sousa: “A exequibilidade do título é apreciada pela lex fori. Portanto, é pela lei portuguesa que se afere a exequibilidade dos títulos apresentados nos tribunais portugueses”[9].
Nessa linha de entendimento, a exequibilidade tem de ser aferida à luz da lei adjectiva a que está sujeito o tribunal competente para a execução. Por isso mesmo, os documentos exarados em país estrangeiros relevam, na ordem jurídica portuguesa, como títulos executivos, sem que careçam de revisão, nos termos conjugados dos artigos 46.º e 49.º, n.º 2, do CPC.
No caso vertente, estamos perante um acordo negocial constante de documento particular, exarado no estrangeiro, assinado pela 1.ª executada, na qualidade de devedora e pelos 2.º executados como fiadores solidários, do qual resulta a constituição e reconhecimento da obrigação pecuniária exequenda nos limites acordados. É quanto basta para lhe reconhecer exequibilidade, nos termos do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), e 49.º, n.º 2, do CPC.
  Termos em que improcedem também aqui as razões dos apelantes constantes das conclusões 19.ª a 34.ª.

2.3. Da inexigibilidade da obrigação exequenda

Neste capítulo, os apelantes invocam a inexigibilidade do título, por considerarem que, emergindo a obrigação exequenda de um acordo bilateral, também a exequente apelada estaria obrigada a uma contraprestação simultânea, assistindo aos executados a faculdade de invocar a excepção de não cumprimento, ao abrigo do artigo 428.º do CC. E a partir daí concluem que, não tendo a exequente provado a realização da respectiva contraprestação, nos termos do n.º 1 do artigo 804.º do CPC, ocorre a excepção dilatória de inexigibilidade do título.
Desde logo, convém precisar que o fundamento invocado não constitui, nem de perto nem de longe, um requisito de exequibilidade do próprio título executivo, mas sim da obrigação exequenda, como decorre claramente do consignado no artigo 802.º do CPC.
Com efeito, nos termos do indicado normativo, se a obrigação exequenda não se mostrar exigível face ao título executivo, incumbe ao exequente requerer, logo no requerimento executivo, as diligências necessárias a torná-la exigível, o que terá lugar nos casos previstos no n.º 1 do artigo 804.º do mesmo Código, segundo o procedimento preliminar delineado nos demais números daquele normativo. 
Ora, uma das situações previstas no referido artigo 804.º, n.º 1, é precisamente aquela em que a obrigação exequenda esteja dependente de uma prestação por parte do credor ou de terceiro, caso em que recai sobre o exequente o ónus de provar que efectuou ou ofereceu essa prestação. É o que sucede, nomeadamente, no âmbito das obrigações sinalagmáticas, quando as prestações correspectivas não estiverem sujeitas a prazos diferentes ou, se estiverem, a contraprestação do exequente deva ser efectuada em primeiro lugar, nos termos exigidos no artigo 428.º do CC para a excepção de não cumprimento[10].
Assim, com o sobredito procedimento preliminar, pretende-se prevenir que mais tarde venha a ser suscitada, em sede de oposição à execução, aquela excepção de não cumprimento[11].

No caso vertente, da factualidade provada consta que entre a exequente e a 1.ª executada foi celebrado, conforme o consignado no documento dado à execução, o seguinte plano de pagamento:
3./ Plano de Pagamento: A sociedade CIM compromete-se a pagar à sociedade BCG a quantia total de 2.209.166 € no âmbito do um plano de pagamentos de 36 meses, através de 35 pagamentos mensais, distribuídos da seguinte forma:
. o primeiro pagamento no valor de 28.311 € (montante fixado após dedução do pagamento de 20.552 € efectuado pela sociedade CIM aos franquiados Novas Formas Comércio de Artigos e Vestuário e Perfumaria e Faria Modas Unipessoal por conta da sociedade BCG),
. o segundo e os seguintes, até ao 35.°, inclusive, no valor de 48.833 € cada,
. o 36° pagamento no valor de € 500.000.
A primeira prestação ocorrerá em 31 de Outubro de 2007 e as restantes no último dia de cada mês até ao pagamento integral da dívida.
Fica expressamente convencionado com a última prestação no valor de € 500.000 não será devida se a sociedade CIM cumprir a sua obrigação de pagar as 35 primeiras prestações.
            Seguidamente foram ajustadas as seguintes modalidade de pagamento:
4./ Modalidades de Pagamento:
Estes pagamentos serão efectuados através de letras aceites para cada prestação supramencionada, com excepção da última prestação, que não será garantida por uma letra, tendo em conta a remissão prevista em caso de pagamento atempado das 35 primeiras prestações.
Em caso de incumprimento, a última prestação será paga de forma espontânea ou através do accionamento das garantias pessoais e das garantias reais apresentadas.
(A sociedade CIM deverá enviar as suas letras aceites à sociedade BCG no prazo máximo de 15 dias a contar da recepção pela sociedade CIM das letras enviadas pela sociedade BCG).
   Em caso de incumprimento, o presente acordo caducará.  
E com vista a ajudar a liquidação da dívida foram adoptadas as seguintes medidas:  
II – Medidas adoptadas para ajudar a liquidação da dívida e ao desenvolvimento futuro da rede.
1./ Entregas garantidas pela sociedade BCG nas próximas 4 estações:
A fim de facilitar a liquidação daquela dívida, a sociedade BCG compromete-se, nas estações Outono/Inverno de 2007 e 2008 e nas Estações Primavera/Verão 2008 e 2009, ou seja nas próximas quatro estações, a autorizar à sociedade CIM um desconto suplementar de 20% sobre as duas primeiras estações e de 15% sobre as duas últimas estações; este desconto será efectuado com base nos preços praticados (tarifa 90), o que a sociedade CIM aceita expressamente.
Este desconto será concretizado através de uma nota de crédito emitida em simultâneo com a factura.
   2./ Obrigação da sociedade BCG:
   2 – 1.°) A sociedade BCG obriga-se a enviar as mercadorias Outono/Inverno encomendadas depois da assinatura do presente protocolo após a recepção das letras aceites.
   Os pagamentos serão efectuados a 90 dias a contar do fim do mês.
   2-2°) A sociedade BCG compromete-se a desenvolver, a partir de Setembro de 2007, uma política de promoção da marca e da nova linha de vestuário que comercializa através da sua rede portuguesa.
Nestes termos, até ao final do ano 2007 e para o ano 2008, a sociedade BCG compromete-se a financiar uma ou mais campanhas publicitárias a nível nacional, em Portugal, num montante mínimo de 50.000 € por ano.
2-3°) Por outro lado, a fim de reposicionar a imagem da marca, deverão ser efectuadas de imediato pequenas obras em cada loja franquiada, para alterar o seu logótipo e a sua marca.
A sociedade BCG compromete-se a vender os seus kits de mobiliário a preço de revenda, majorado em 10%, ao qual deduzirá previamente uma quantia fixa por loja de 2.000 €. Se o valor da factura for inferior a 2.000€, a sociedade regularizará a diferença através de um cheque para cada um dos franquiados.
Nesse quadro, os apelantes invocam precisamente a falta de cumprimento, por parte da exequente das obrigações constantes dos pontos 2.1.º, 2.2.º e 2.3º.
            Importa, pois, apurar se ocorre o necessário nexo de sinalagmaticidade funcional entre a obrigação de liquidação da dívida por parte da 1.ª executada e as obrigações assumidas pela exequente no âmbito das medidas de ajuda a tal liquidação.
Para que se verifique aquele nexo sinalagmático funcional torna-se indispensável que nos encontremos perante duas obrigação ligadas por um vínculo de reciprocidade ou interdependência, nos termos do qual, sendo cada uma das obrigações a contrapartida económica e jurídica da outra, devam ser cumpridas em paralelo[12].   
Sucede que o plano de pagamento acordado consiste no faseamento de pagamento de dívida anteriormente existente, no montante de € 2.209.166,00 a efectuar ao longo de 36 meses, através de 35 pagamentos mensais. Trata-se portanto de uma obrigação liquidável em prestações correspondente a fornecimentos de mercadorias anteriores da franquiadora à franquiada.
Ora as medidas adoptadas nos indicados pontos 2.1.º, 2.2.º e 2.3.º traduzem-se em prestações autónomas, laterais, que, visando o bom desenvolvimento da execução do contrato quadro de franquia, quando muito proporcionariam condições para a execução do plano de pagamento, mas que não se assumem, no quadro contratual, como contrapartida económico-jurídica da dívida em causa. Nem tão pouco se pode afirmar que exista cláusula em que as partes tenham submetido o acordo de pagamento a efeito resolutivo, em caso de falta de implementação de tais medidas.
Por conseguinte, não se verifica o nexo sinalagmático que faça depender o cumprimento da obrigação exequenda da implementação daquelas medidas de ajuda à liquidação.
Assim, improcedem também aqui as razões dos apelantes vertidas nas conclusões 35.ª a 50.ª.
2.4. Da inexequibilidade do título por falta de legalização

Os apelantes invocam também a falta de um requisito específico de exequibilidade do título consistente na falta da sua legalização por se tratar de um documento particular exarado em país estrangeiro.
Em primeiro lugar, importa referir que a exequibilidade dos documentos exarados em país estrangeiro se afere pela lei do tribunal da execução (lex fori). Daí que, para efeitos de acção executiva instaurada nos tribunais portugueses, aqueles documentos sejam providos de exequibilidade nos precisos termos previstos nos artigos 46.º e seguintes do CPC. Segundo o n.º 2 do artigo 49.º deste diploma, os títulos exarados em país estrangeiro não carecem de revisão para serem exequíveis.  
Por sua vez, no âmbito estritamente probatório, o artigo 365.º, n.º 1, do CC, determina que “os documentos autênticos ou particulares passados em país estrangeiro, na conformidade da respectiva lei, fazem prova como o fariam os documentos da mesma natureza exarados em Portugal”.
E do n.º 2 do mesmo normativo resulta que, não ocorrendo dúvidas acerca da sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, pode ser exigida a sua legalização, a qual será feita de harmonia com o preceituado no artigo 540.º do CPC.  
Assim, segundo o n.º 1 do citado artigo 540.º, os documentos autênticos exarados no estrangeiro consideram-se legalizados desde que a assinatura do funcionário público esteja reconhecida por agente diplomático ou consular português no Estado respectivo e a assinatura deste agente esteja autenticada com o selo branco consular respectivo.
Por sua vez, a legalização dos documentos particulares lavrados fora de Portugal far-se-á nos termos do n.º 2 do referido artigo 540.º do CPC, pelo reconhecimento da assinatura do devedor. Se estiverem legalizados por funcionário público estrangeiro, a legalização carece de valor enquanto se não obtiverem os reconhecimentos exigidos no n.º 1. Não há lugar, pois, a legalização quando a assinatura do devedor não se encontre reconhecida por funcionário público estrangeiro, sem prejuízo de o documento não poder valer se acaso for exigível esse reconhecimento.
Ora, nos termos do artigo 57.º do Regulamento do Conselho da CE n.º 44/2001, de 22-12-2000, relativos à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, os documentos autênticos exarados num Estado contratante ou num Estado-Membro, que aí tenham força executiva, são declarados executórios noutro Estado contratante ou noutro Estado-Membro, mediante requerimento do interessado, à semelhança do ali previsto quanto à declaração de executoriedade das decisões judiciais. O exequatur só pode ser recusado, se a execução do acto documentado for contrária à ordem pública do Estado em que é requerida. No que respeita aos documentos particulares, não há dúvida de que estão fora do âmbito de aplicação do Regulamento CE n.º 44/2001 e de outras Convenções sobre a mesma matéria.
Coloca-se agora a questão de saber se, para serem exequíveis em Portugal, os documentos particulares exarados no estrangeiro carecem de ser legalizados nos termos do artigo 540.º do CPC.  
Alguns autores defendem a exigência dessa legalização, dado não estar em causa apenas o valor probatório do documento, mas a sua validade e eficácia enquanto título executivo. Nesse sentido, o Prof. Lebre de Freitas opina que só excepcionalmente deverá ser dispensada a legalização, ou seja, quando a autenticidade do documento for manifesta, sem prejuízo do estabelecido no Regulamento do Conselho da CE n.º 44/2001, de 22-12-2000, nas Convenções de Bruxelas e de Lugano relativas à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial e na Convenção de Haia de 1961[13].
Outros, porém, entendem só ser necessária essa legalização, quando houver fundadas dúvidas sobre a sua autenticidade ou da autenticidade do reconhecimento, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 365.º do CC[14].

No caso dos autos, como já foi dito, estamos perante um documento particular elaborado em Paris e assinado pelas partes, em 3 de Agosto de 2007, sem que estas tenham posto minimamente em causa a genuinidade desse documento, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre tal genuinidade e nem tão pouco se exigindo que essas assinaturas sejam notarialmente reconhecidas.
Nessas circunstâncias, face ao disposto no artigo 540.º, n.º 2, do CPC, a contrario sensu, uma vez que a assinatura do documento exarado em França, dado à execução, não se encontra legalizado por funcionário público estrangeiro, não se impõe a legalização prevista no n.º 1 do mesmo artigo, sem que tal prejudique a exequibilidade desse documento em Portugal, como já foi dito. Aliás, será de certo modo abusivo que os executados, não tendo posto em causa a genuinidade desse documento, invoquem a falta de tal legalização sem apoio em qualquer razão substancial, que aqui, de resto, se não descortina.
Termos em que também aqui improcedem as razões dos apelantes sumariadas nas conclusões 51.ª a 59.ª acima consignadas.

2.5. Quanto à impossibilidade do prosseguimento da execução contra os 2.º executados, em virtude da acessoriedade da fiança

Neste ponto, os apelantes sustentam que os 2.º executados que:
- O contrato de fiança celebrado entre os aqui apelantes JB e MB e a apelada é uma mera decorrência do acordo celebrado entre a CIM e a BCG, o que significa que o contrato de fiança não pode ser invocado como título executivo autónomo sem a prévia invocação do acordo com base no qual foi celebrado o contrato de fiança, conforme decorre do n.º 2 do artigo 627.º do CC;
- Assim, o contrato de fiança não pode ser executado autonomamente face ao acordo que vincula o devedor principal, porquanto milita entre a fiança e a obrigação principal um regime de acessoriedade da primeira face à segunda;
- Por outro lado, os apelantes JB e MB não assumiram a qualidade de devedores principais na fiança por si prestada, não se obrigando como devedores principais, não sendo portanto principais pagadores à luz do estipulado na alínea a), in fine, do artigo 640.º do CC;
- As partes assumiram como sendo devedor principal a CIM e não os ora apelantes JB e MB, pelo que estes não podem ser demandados sem a CIM, o que significa que a instauração da acção executiva contra JB e MB deve sempre seguir o processo de execução da CIM, enquanto devedor principal, sendo também competentes os tribunais franceses, como supra analisado em detalhe, para o conhecimento da execução instaurada contra os Recorrentes JB e MB.
   - Nos termos do artigo 637.º do CC, a JB e MB são atribuídos os mesmos direitos que são facultados ao devedor principal, pelo que podem JB e MB invocar contra a apelada todos os meios de defesa que seria lícito ao devedor invocar, o que, acrescido à acessoriedade da fiança face à obrigação principal, deriva na virtualidade da dedução dos argumentos supra analisados e relativos às excepções que impedem a procedência da presente instância executiva.
Nessa base concluem que, não podendo a presente instância executiva prosseguir contra a CIM, perante a acessoriedade da fiança face à obrigação principal, deverão os executados JB e MB ser absolvidos da instância executiva e a execução contra eles ser igualmente considerada improcedente.

Ora, o acordo de regularização de dívida dada à execução encontra-se assinado pelos 2.º executados, JB e mulher MB, ambos na qualidade de fiadores das garantias da sociedade CIM.
Além disso, foi junto o documento reproduzido a fls. 828 a 837, intitulado “Instrumento de Fiança Solidária e Indivisível”, elaborado em Lisboa, em 3 de Agosto de 2007, e assinado pela CIM e pelos 2.º executados, em que estes se constituíram fiadores desta sociedade pelos créditos da BCG, no âmbito do acordo de transacção, de 3 de Agosto de 2007, até ao montante de € 1.000.000,00, renunciando expressamente ao benefício da excussão prévia e da divisão, quer relativamente à sociedade CIM, que entre si, bem como quaisquer outra pessoas obrigadas.      
Assim, como se refere na decisão recorrida, não pode haver dúvidas de que os 2.º executados assumiram a qualidade de fiadores solidários, nos termos do artigo 640.º, alínea a), do CC, pelo pagamento da dívida exequenda até ao referido montante, tal como foram demandados. Acresce que o fiador de obrigação mercantil, como é no caso a obrigação exequenda, responde solidariamente com o respectivo afiançado, ainda que não seja comerciante, nos termos do artigo 101.º do Código Comercial.  
É quanto basta para considerar inconsistentes as apontadas razões dos apelantes constantes das conclusões 60.ª a 65.ª.
É certo que, como tal, àqueles executados assistem direitos de defesa equiparados ao devedor afiançado, nos termos do artigo 637.º, n.º 1, do CC, sendo assim também improcedentes, quanto a eles, os fundamentos invocados pela 1.ª executada a que aderiram. 


2.6. Da excepção de compensação fundada num contracrédito da 1.ª executada 

A 1.ª executada invocou outrossim, como fundamento de oposição, a compensação sobre a quantia exequenda dum contracrédito que teria sobre a exequente, no valor de € 5.015.157,29, emergente da cessação do contrato de franquia em referência, a título de indemnização da clientela, contracrédito este que fora invocado pela ora 1.ª Executada, em sede reconvenção, no âmbito de uma acção proposta pela ora exequente, e ainda pendente, junto da jurisdição francesa. Esse contracrédito seria sustentado em pretenso incumprimento do acordo de pagamento, que imputa à mesma exequente pela violação dos deveres de conduta no âmbito das políticas de mercado adoptadas e que teria levado à perda de clientes e à consequente quebra das vendas, inviabilizando o plano de pagamento entretanto ajustado.
O tribunal a quo considerou que, para aqui se operar a compensação, necessário seria a sua exigibilidade judicial, o que se não verificaria quando um deles fosse litigioso, por estar dependente de decisão ainda a proferir.
O que está em causa é, pois, saber se a situação litigiosa em que se encontra o contracrédito invocado pela 1.ª executado, junto da jurisdição francesa, obsta à compensação em sede da presente oposição à execução.
Antes de mais, importa reter que, nos termos conjugados dos artigos 814.º, alínea g), e 816.º do CPC, o primeiro deles na redacção anterior ao Dec-Lei n.º 226/2008, de 20-11, a oposição à execução baseada em título extrajudicial pode ser fundada em facto extintivo da obrigação exequenda, nos mesmos termos em que o poderia ser no processo de declaração.
Ora, nos termos definidos no artigo 847.º, n.º 1, do CC, a compensação é uma forma de extinção de obrigações, pela qual o devedor se pode livrar da respectiva obrigação mediante o exercício de crédito equivalente de que disponha sobre o seu credor, desde que se trata de crédito exigível judicialmente, não procedendo contra ele excepção peremptória ou dilatória de direito material, e as obrigações recíprocas tenham por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade. Se as duas dívidas não forem de igual montante, a compensação opera-se na parte correspondente (art. 847.º, n.º 2, CC); a iliquidez de qualquer delas não impede a compensação (art. 847.º, n.º 3, CC). A compensação torna-se efectiva mediante declaração de uma parte à outra, e portanto através de negócio jurídico unilateral integrado por uma declaração receptícia, mas é ineficaz se for feita sob condição ou a termo (art. 848.º do CC). 
Nessa configuração, a compensação reveste a natureza de um direito potestativo extintivo que tanto pode ser exercido extrajudicial como judicialmente, seja por via de acção, seja por via de defesa por excepção ou por reconvenção, conforme os casos. 
Em face disso, é inegável que a compensação pode também ser exercida em sede de oposição à execução como facto extintivo da obrigação exequenda, mas aqui só pode sê-lo a título de mera excepção peremptória e não de reconvenção, uma vez que esta é inadmissível nesse tipo de procedimento. Nas palavras do Professor Lebre de Freitas, no âmbito da oposição à execução “é permitido deduzir a excepção de compensação, seja como objecção (no caso de já extrajudicialmente ter declarado querer compensar), seja como excepção propriamente dita (no caso de essa declaração ser feita no requerimento de oposição)”. E conclui aquele Professor que “basta, portanto, que se provem … o facto constitutivo do contracrédito e as suas características relevantes para o efeito do artigo 847.º do CC, bem como a declaração de querer compensar (art. 848.º do CC), no caso de esta ter sido feita fora do processo …”[15]
A este propósito, tem-se colocado a questão de saber se será aplicável às execuções baseados em título diverso de sentença, a restrição a prova escrita do facto extintivo prevista no citado artigo 814.º, alínea g), sendo que a orientação dominante milita em sentido negativo, sem prejuízo das restrições de prova estabelecidas nos artigos 351.º e 395.º do CC[16].    

No caso vertente, o direito à indemnização invocado pela 1.ª executada fora já judicialmente exercido por via reconvencional no âmbito de uma acção judicial, ao que é suposto, ainda pendente nos tribunais franceses.
Ora, segundo orientação jurisprudencial do STJ “o crédito a compensar tem que se encontrar já judicialmente reconhecido, pois de outra forma seria permitir ao executado que se servisse da oposição à execução para entorpecer, ou até inviabilizar, a actividade de cobrança rápida e eficaz de créditos, como é específica da execução para pagamento de quantia certa”[17]. Foi nesta linha que o tribunal a quo julgou da improcedência do fundamento invocado.
Seja como for, o que é certo é a questão terá sido colocada junto da jurisdição francesa, a coberto do pacto atributivo de jurisdição firmado pelas partes, o qual, no que respeita à acção declarativa, se presume conferir competência exclusiva à jurisdição francesa, nos termos do artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001, de 22-12.
Nessa medida, a apreciação dessa matéria está excluída da competência, em razão da nacionalidade, dos tribunais portugueses, nem sequer sendo disso impeditivo o preceituado no n.º 5 do artigo 22.º do mesmo Regulamento. De resto, tem vindo a ser considerado que a compensação é uma das questões sobre as quais não recai competência exclusiva do tribunal de execução para os efeitos do citado do artigo 22.º, n.º 5. Neste sentido, o Tribunal de Justiça da Comunidade Europeia, pelo acórdão de 4-7-1985, no âmbito do processo A.S.- Autoteile GmbH c. Pierre Malhe, a propósito do disposto na disposição similar contida no n.º 5 do artigo 16.º da Convenção de Bruxelas, decidiu que “as acções de oposição à execução (…) se encontram abrangidas pelo artigo 16.º, n.º 5 (…), mas esta disposição não permite requerer aos tribunais do Estado contratante do lugar da execução, em sede de oposição à execução, a compensação entre o direito em que se funda a execução e um crédito que os tribunais desse Estado não teriam competência para apreciar, caso constituísse objecto de uma acção autónoma”[18].
Termos em que improcedem as razões dos apelantes constantes das conclusões 66.ª a 77.ª
   
2.7. Quanto à suspensão da instância executiva com fundamento na pendência de acção prejudicial nos tribunais franceses

Neste ponto, tendo em linha de conta as considerações feitas no ponto precedente também não releva a invocação da pendência do litígio sobre o contracrédito na jurisdição francesa para ser considerada como acção prejudicial que implique a suspensão da presente execução.
Além disso, para que ocorra causa prejudicial relevante, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, do CPC, é necessário que a decisão da causa tida como prejudicial possa ter por efeito o desaparecimento do fundamento ou da razão de ser da causa que se pretende suspender, como decorre do disposto no n.º 2 do artigo 284.º do mesmo diploma, o que implicará, necessariamente, a existência de um nexo de precedência lógica entre o fim de uma acção e o de outra, sob o ângulo de conexão das respectivas relações materiais controvertidas. Nessa medida, só poderá ocorrer uma relação de prejudicialidade entre pretensões declarativas e não entre uma acção declarativa e uma acção executiva[19]. Acresce que, sendo a compensação uma forma de extinção de outra obrigação fundada em relação jurídica autónoma, não se divisa que exista sequer uma relação de precedência lógica desta relação jurídica com a que se pretende extinguir.
Improcedem assim também nesta parte as razões dos apelantes constantes das conclusões 78.ª a 87.ª.

3. Síntese conclusiva

De tudo o que fica dito formula-se a seguinte síntese conclusiva:
1. O artigo 23.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22-12-2000, em vigor desde 1 de Março de 2002, não contempla pactos de atribuição de competência em sede de acção executiva.
2. Os pactos de jurisdição permitidos pelo artigo 99.º do CPC presumem-se, em caso de dúvida, meramente alternativos com a competência legal dos tribunais portugueses.
3. Não é de presumir que, através de um pacto atributivo de competência executiva a uma jurisdição estrangeira, as partes tenham pretendido excluir os tribunais portugueses quanto à possibilidade de penhorar bens sitos em Portugal, a menos que os isentem de penhora nos termos do artigo 602.º do CC.
4. A exequibilidade do título executivo é aferível à luz da lei adjectiva aplicável à jurisdição competente, uma vez que se trata de um pressuposto processual específico da acção executiva.
5. Assim a exequibilidade de um documento negocial exarado no estrangeiro depende da sua conformidade com o disposto nos artigos 46.º, n.º 1, alíneas b) e c), e 49.º, n.º 2, do CPC.
6. A exigibilidade da obrigação exequenda não é, em regra, um requisito do título executivo, mas da própria obrigação, nos termos do artigo 802.º do CPC.
7. A exigibilidade no quadro de obrigações sinalagmáticas importa a existência de um vínculo de reciprocidade entre ambas, em termos de cada uma delas consistir na contrapartida económica e jurídica da outra, de modo a que tenham de ser cumpridas em paralelo.
8. Os documentos particulares exarados no estrangeiro sem intervenção de funcionário público não carecem de legalização, nos ter-mos do n.º 2 do artigo 540.º do CPC, sem prejuízo da sua exequibilidade, desde que estejam em conformidade com o disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), e 49.º, n.º 2, do mesmo diploma.
9. O tribunal de execução não detém competência para conhecer da compensação como fundamento de oposição, quando a questão litigiosa relativa ao contracrédito tenha sido objecto de atribuição de competência exclusiva a um tribunal estrangeiro. 
10. Para que ocorra causa prejudicial relevante, nos termos do artigo 279.º, n.º 1, do CPC, é necessário que se verifique a existência de um nexo de precedência lógica entre o fim de uma acção e o de outra, sob o ângulo de conexão das respectivas relações materiais controvertidas, não podendo, por isso, ocorrer entre uma pretensão declarativa e uma pretensão executiva.
11. A compensação, sendo uma forma de extinção de outra obrigação fundada em relação autónoma, não traduz uma relação de precedência lógica dessa relação com a que se pretende extinguir.

IV – Decisão

            Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida, ainda que como fundamentos diversos nalguns aspectos.  
Custas pelos apelantes.


Lisboa, 15 de Maio de 2012

Manuel Tomé Soares Gomes
Maria do Rosário Oliveira Morgado
Rosa Maria Ribeiro Coelho
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[1] A este propósito, vide Prof. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, Lisboa 1997, pag. 125 e seguintes.
[2] Ob. cit. pag. 125/126.
[3] Vide Prof. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pag. 129.
[4] Vide Prof. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pag. 129.
[5] Vide Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13.ª Edição, 2010, pag. 94.
[6] Amâncio Ferreira, Curso de Processo de Execução, Almedina, 13.ª Edição, 2010, pag. 94.
[7] No sentido exposto, ainda no âmbito das Convenções de Bruxelas e de Lugano, vide Prof. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pag. 130.
[8] A este propósito, vide Lebre de Freitas, A Acção Executiva depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pag. 32-33.
[9] Neste sentido, vide Prof. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa 1998, pag. 65.
[10] A este propósito, vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2000, pag. 399 e 400..
[11] Vide Prof. Teixeira de Sousa, Acção Executiva Singular, Lex, Lisboa, 1998, pag. 99.
[12] Vide Prof. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Almedina, 10.ª Edição, 2000, pag. 396 e 397.
[13] Nesse sentido, vide Cons. Dr. Eurico Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1986, pag. 98; Prof. Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código Revisto, 3.ª Edição, Coimbra Editora, 2001, pag. 51; Remédio Marques, Curso de Processo Executivo Comum, SPB Editores, Porto, 1998, pag. 75..
[14] Vide Cons. Amâncio Ferreira , Curso de Processo de Execução, 4.ª Edição, Almedina, 2003, pag. 37-38.
[15] A Acção Executiva depois da reforma da reforma, Coimbra Editora, 5.ª Edição, 2009, pag. 178-179.
[16] Vide Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 2003, pag. 321-322.
[17] Ac. do STJ, de 27-11-2003, CJ Ano XI, Tomo III, pag. 168.
[18] Citado in Comentário à Convenção de Bruxelas, de Miguel Teixeira de Sousa e Dário Moura Vicente, Lex, Lisboa 1994, pag. 118.
[19] Neste sentido vide a doutrina fixada no Assento do STJ, de 24-5-1960, in BMJ n.º 97.º, pag. 173, hoje com valor de jurisprudência uniformizada..