Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1539/17.4T8PDL.L1-4
Relator: CELINA NÓBREGA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 04/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A SENTENÇA
Sumário: É lícita e com justa causa a resolução do contrato de trabalho com fundamento no comportamento da representante da empregadora que abordou a mãe do trabalhador à porta do estabelecimento comercial desta última dizendo-lhe que o filho era “ladrão” e que ia despedi-lo.

(Sumário elaborado pela relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


AAA, S.A., pessoa colectiva número (…), propôs contra BBB, contribuinte número (…), residente na (…) concelho da (…), a presente acção sob a forma de processo comum para declaração da ilicitude da resolução do contrato de trabalho, pedindo que a acção seja considerada procedente por provada e, em consequência, seja declarada a rescisão do contrato pelo Réu ilícita e sem justa causa e este condenado a pagar à Autora os 2 (dois) meses de aviso prévio a que estava obrigado, no valor de € 1.169,70.

Para tanto invocou, em síntese, que:
-A Autora é uma sociedade comercial anónima que se dedica, entre outras, à actividade de venda e distribuição de combustíveis;
-A partir de 9 de Abril de 2010, o Réu passou a trabalhar às ordens e por conta da Autora, com a categoria de operador de caixa, a pedido dos pais deste que são vizinhos da sua administradora;
-Os pais do Réu são proprietários de um estabelecimento comercial vizinho à residência da administradora da Autora e perguntavam a esta, amiúde, pelo comportamento do filho, bem como lhe pediam para os informar se houvesse algum problema;
-Durante algum tempo, o Réu foi um trabalhador exemplar, mas desde há cerca de 6/7 meses, começou a chegar atrasado ao trabalho, a faltar sem avisar, a ter faltas de dinheiro no caixa e a não requerer a assinatura do seu chefe de turno nos documentos ao seu cuidado;
-Nessa sequência, a referida administradora da Autora, no dia 8 de Maio de 2017, pelas 19h30, narrou aos pais do Réu aqueles factos, sendo que, na presença da administradora da Autora, a mãe do Réu telefonou-lhe reconhecendo este que havia usado dinheiro do caixa para pagamento de uma renda que devia;
- No dia 11 de Maio de 2017, a Autora recepcionou a carta do Réu, datada de 9 de Maio de 2017 resolvendo o contrato de trabalho alegadamente com justa causa;
- Sucede que não é verdade que a administradora da Autora se tenha dirigido ao local de trabalho da mãe do Réu e, muito menos, que tenha proferido a afirmação: “Ai, vizinha! Venho avisar que vou despedir o seu filho porque é ladrão”, pelo que a Autora não violou qualquer das suas obrigações, sendo, pois, ilícita e sem justa causa a resolução do contrato de trabalho efectuada pelo Réu; e
-Não existindo qualquer fundamento para a rescisão unilateral com justa causa pelo Réu deverá este indemnizar a Autora pela falta de aviso prévio que era de 60 dias.

Realizou-se a audiência de partes sem que se obtivesse a sua conciliação

Notificado, o Réu contestou invocando, em resumo, que:
-É prática corrente na empresa, desde há longa data, do conhecimento dos superiores hierárquicos, nunca tendo levantado qualquer objecção, que os trabalhadores, muitas das vezes, adiantam dinheiro do caixa para seu uso, que repõem posteriormente, pessoal ou colectivamente, consoante o uso dado ao mesmo e que, por essa razão, o Réu, na semana anterior à de 08/05/2017, usou dinheiro do caixa, que repôs posteriormente, o que fez entregando tal quantia directamente aos seus chefes;
-Sem motivo para tal, no dia 08/05/2017, pelas 19h30, a Administradora da Autora, D.ª (…), dirigiu-se ao local de trabalho da mãe do Réu e à porta do estabelecimento daquela e por razões que o Réu desconhece, disse “Ai, vizinha! Venho avisar que vou despedir o seu filho porque é ladrão”;
-Tal imputação e expressão, além de constituir justa causa para a resolução do contrato de trabalho, porque objectivamente falsa e atentatória da honra e dignidade pessoal e profissional do Réu faz incorrer aquela administradora num ilícito criminal, crime de difamação, razão pela qual o Réu também apresentou a competente queixa crime, que corre termos nos Serviços do Ministério Público de Ponta Delgada; e
-Para além da indemnização, no valor de €. 6.513,13, ainda estão em dívida 10 dias de vencimento do mês de Maio de 2017, no valor de €. 204,33,10 dias de subsídio de refeição, no valor de €. 13,78, proporcionais de férias, no valor de €. 218,33, proporcionais do subsídio de férias, no valor de €. 218,33, proporcionais do subsídio de Natal, no valor de €. 218,33, tudo no valor global de €. 7.386,23.
Pediu, a final, que a acção seja julgada improcedente com a sua absolvição do pedido e que seja julgada procedente a reconvenção, condenando-se a Autora no pagamento dos créditos laborais acima identificados, sem prejuízo do disposto no artigo 74º do CPT.

A Autora respondeu invocando, além do mais, que quanto aos valores peticionados pelo Réu na Reconvenção é certo que os mesmos não foram pagos, mas tal aconteceu porque a Autora peticiona uma indemnização por rescisão do contrato sem justa causa e sem aviso prévio o que dá lugar a indemnização superior aos créditos do Réu sobre a Autora, havendo lugar a encontro de contas.

Conclui pela improcedência da reconvenção e consequente absolvição desse pedido.

O Tribunal dispensou a realização da audiência preliminar, proferiu despacho saneador e absteve-se de proceder à enunciação dos temas da prova.

Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo conforme decorre das actas que antecedem.

Foi proferido despacho que decidiu a matéria de facto.

Foi elaborada a sentença que finalizou com o seguinte dispositivo:
“Pelo referido, atentas as orientações atrás explanadas, e ponderados todos os princípios e normas jurídicas que aos factos apurados se aplicam, julga o Tribunal a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente, nos seguintes termos:
a)- absolve o Réu, BBB, do pedido formulado pela Autora, AAA,, SA;
b)- declara lícita e com justa causa a resolução do contrato de trabalho promovida pelo Réu / Reconvinte;
c)- condena a Autora / Reconvinda a pagar ao Réu /Reconvinte as quantias de € 4345,44, a título de indemnização, € 204,30 + € 13,78, a título de retribuição relativa a Maio de 2017 (10 dias) e subsídio de alimentação (10 dias), e € 218,33 + € 218,33 + € 218,33, a título de retribuição do período de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado neste último ano;
d)- absolve a Autora / Reconvinda do que mais foi peticionado pelo Réu / Reconvinte.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção do decaimento.
Registe e notifique.”

Inconformada, a Autora recorreu e formulou as seguintes conclusões:
- O Tribunal recorrido fez uma deficiente apreciação da prova;
(…)
- A sentença recorrida não enquadra correctamente o conceito de justa causa para a resolução do contrato de trabalho.
- O Tribunal recorrido considerou erradamente que, apesar dos factos que precederam a conversa entre a administradora e a mãe do R. (falhas de dinheiro no caixa, utilização pessoal do dinheiro do caixa), a expressão proferida de “ladrão” relativamente ao R., tornava imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho, uma vez que o trabalhador já havia reposto o dinheiro e que tal situação já ocorrera com outros trabalhadores.
- Tal entendimento é inaceitável e pode levar a que se conclua que a infracção do trabalhador – mesmo que grave – é tolerada sempre que haja arrependimento ou que seja idêntica à de outros colegas.
- A resolução do contrato pelo R. deveria ter sido considerado ilícito e sem justa causa.”
Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente decidindo-se que a rescisão do contrato de trabalho pelo Réu não foi precedida de justa causa, revogando-se, nessa parte, a sentença recorrida.

O Réu contra alegou e apresentou as seguintes conclusões:
(…)
Pediu, a final, que se mantenha, na íntegra, a sentença recorrida.

O recurso foi admitido na espécie, modo de subida e efeito adequados.

Subidos os autos a este Tribunal, o Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Notificadas as partes do parecer, não responderam.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso.
Sendo o âmbito do recurso limitado pelas questões suscitadas pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º nº 4 e 639º do CPC, ex vi do nº 1 do artigo 87º do CPT), sem prejuízo da apreciação das questões que são de conhecimento oficioso (art.608º nº 2 do CPC), no presente recurso há que apreciar as seguintes questões:
- Da impugnação da matéria de facto.
2 - Se inexiste justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo Réu.

Fundamentação de facto.

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1.– Em 9 de Abril de 2010, mediante acordo verbal, BBB foi admitido ao serviço de AAA, SA para, no interesse e sob as ordens, direcção e fiscalização desta última, exercer as funções inerentes à categoria profissional de ‘operador de caixa’.

2. No âmbito do acordo descrito no número anterior, à data de 11 de Maio de 2017, o Réu recebia, por mês, como contrapartida:
a)- € 585,00, a título de retribuição base;
b)- € 28,00, a título de diuturnidades;
c)- € 41,34, a título de subsídio de alimentação.

3. Nos termos descritos nos números anteriores, o Réu foi admitido ao serviço da Autora após solicitação dos seus pais, os quais exploravam um estabelecimento comercial vizinho à residência de Sónia Borges de Sousa, administradora da sociedade A.AA
4. Enquanto esteve ao serviço da Autora, o Réu apresentou, em número de vezes e circunstâncias não concretamente determinados: atrasos na hora de entrada, faltas de comparência, ‘falhas de dinheiro no caixa’ e faltas de assinatura do seu ‘chefe de turno’ em registos que se encontravam a seu cargo.
5. Em 8 de Maio de 2017, às 19:30 horas, (…), administradora da Autora, abordou a mãe do Réu, (…), à porta do estabelecimento comercial desta última.
6. Então, (…) dirigiu-se a (…), dizendo-lhe que o Réu era “ladrão” e que iria despedi-lo.
7. Nesse momento, a mãe do Réu, na presença de (…), telefonou a este último, comunicando-lhe o descrito nos dois números anteriores.
8. Em 11 de Maio seguinte, o Réu apresentou, junto da Autora, uma comunicação escrita com o seguinte teor:
“Venho pela presente comunicar a imediata cessação, por resolução com justa causa, do contrato de trabalho celebrado em Maio de 2010, nos termos dos nº 1 e 2, al. f), do art. 394º do Código do Trabalho e com os fundamentos seguintes:
No dia 08/05/2017, pelas 19:30, a Administradora dessa Empresa, a Sra. D. (…), dirigiu-se ao local de trabalho da minha mãe. Sra. D. (…) e, na presença de quem ali passava, disse: “Ai, vizinha! Venho avisar que vou despedir o seu filho porque é ladrão”.
Tal afirmação e expressão proferida por essa Sra. Administradora, além de falsa, e objectivamente difamatória, constitui uma ofensa grave à minha honra e dignidade profissional e pessoal, enquanto trabalhador e pessoa, razão pela qual, além de constituir justa causa para a resolução, que aqui invoco para cessação imediata da relação de trabalho, constitui também ilícito criminal”.

9. Na semana anterior a 8 de Maio de 2017, o Autor:
a)- para fins não concretamente determinados, mas fora do âmbito da actividade da Autora, retirou dinheiro do ‘caixa’, no valor de, pelo menos, € 100,00;
b)- repôs este quantitativo em momento posterior, mas anterior ao descrito em 5), 6) e 7), com a sua entrega a (…), ‘chefe de posto’.

10. No âmbito da actividade da Autora, concretamente nos seus postos de venda e distribuição de combustíveis, as ‘falhas de caixa’ ocorrem com ‘frequência’, com todos os operadores de caixa.
11. Não havendo na empresa o pagamento de ‘abono para falhas’, são os operadores que suportam, com o seu dinheiro, essas ‘falhas’.
12. A haver no ‘caixa’ dinheiro ‘a mais’, tal quantitativo reverte para as reposições referidas no número anterior.
13. Ainda no âmbito da actividade da Autora, concretamente nos seus postos de venda e distribuição de combustíveis, já ocorreu, com conhecimento, pelo menos, do coordenador dos postos, o uso de dinheiro do ‘caixa’, por parte dos operadores, para fins particulares, ainda que com reposição até ao final desse dia.
14. Cada operador abre e encerra o ‘caixa’ com um código próprio.
15. Em 11 de Março de 2013, a Autora, no âmbito de um procedimento disciplinar que havia instaurado, aplicou ao Autor uma sanção de ‘repreensão registada’, com referência a “utilização pessoal” de um ‘fundo de caixa’.
*

Da impugnação da matéria de facto
(…)
Consequentemente, perante a prova produzida, era mister considerar provados os pontos 5 e 6 dos factos provados, como considerou o Tribunal a quo, termos em que improcede a impugnação da matéria de facto.

Fundamentação de direito.
Apreciemos, agora, a questão fulcral submetida à apreciação deste Tribunal e que consiste em saber se inexiste justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo Réu.
Sobre a justa causa de resolução do contrato de trabalho, após referenciar os casos de justa causa subjectiva ou culposa e justa causa objectiva e não culposa, previstos no artigo 394º do CT e citar o disposto na alínea f) do nº 2 daquele artigo, pronunciou-se o Tribunal a quo nos seguintes termos:
“A justa causa é apreciada nos termos previstos no art. 351º, nº 3, do mesmo Código, com as necessárias adaptações, tendo em conta o quadro de gestão da empresa, o grau de lesão dos interesses do trabalhador, o carácter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso sejam relevantes. Mas não poderão apreciar-se tais elementos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar: a dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador assim o impõem. Ou seja, na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência tem de ser menor que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento – uma vez que o trabalhador, perante o incumprimento contratual do empregador, não tem formas de reacção alternativas à resolução, enquanto este, perante o incumprimento contratual do trabalhador, pode optar pela aplicação de uma sanção conservatória do vínculo laboral, em detrimento da mais gravosa de despedimento (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Setembro de 2014, disponível em www.dgsi.pt; no mesmo sentido, Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4 de Março de 2013, também disponível em www.dgsi.pt).
Voltando ao regime disposto no art. 394º, exigem-se três requisitos para que se verifique uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato: a) um requisito objectivo, traduzido num comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador; b) um requisito subjectivo, consistente na atribuição / imputação desse comportamento, a título de culpa, ao empregador; c) um requisito causal, no sentido de que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. O que significa que o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho com justa causa subjectiva se o comportamento do empregador for ilícito, culposo e tornar imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, em razão da sua gravidade e consequências, sendo necessária a existência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e a insubsistência da relação laboral (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Setembro de 2014, já citado).
No caso em apreciação, e tenha-se presente que BBB exercia as funções de ‘operador de caixa’, ficou provado que, em 8 de Maio de 2017, (…), administradora desta sociedade ao serviço da qual o Réu / Reconvinte se encontrava, encontrando a mãe do trabalhador, à porta de um estabelecimento comercial desta última, abordou-a e, fazendo referência ao trabalhador e ao seu exercício de funções nesta empresa (é seguro depreendê-lo, a partir dos factos provados), afirmou que iria despedi-lo porque era  “ladrão”, levando a mãe do Réu / Reconvinte, de imediato, ainda na presença da administradora, a telefonar ao mesmo, comunicando-lhe o ora descrito.
Com estes factos, podemos concluir, desde logo, que houve, da parte da legal representante da empregadora, uma acção atentatória da honra e dignidade do trabalhador, praticada de forma voluntária e consciente, subjectivamente imputada a si através de um juízo de culpa.
Restando saber se este comportamento, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, se há o tal nexo de causalidade entre a conduta da empregadora e insubsistência da relação laboral, impõe-se a observância de critérios de objectividade, razoabilidade e proporcionalidade, em face do condicionalismo da situação concreta em que vigora esta relação de trabalho, apenas se justificando a resolução quando tal acção culposa da empregadora torna inexigível ao trabalhador a manutenção do contrato. E sempre tomando em consideração, reitera-se, que na apreciação de justa causa de resolução pelo trabalhador o grau de exigência é menos intenso que o utilizado na apreciação de justa causa de despedimento, atendendo à ausência de alternativas, por parte do mesmo, perante o incumprimento contratual do empregador.
Assim, de novo atendendo ao caso dos autos, relembre-se que o Réu / Reconvinte exercia funções de ‘operador de caixa’, tendo acesso e manuseando, de forma constante, quantias pecuniárias pertencentes à sua empregadora. Por outro lado, a sua mãe, junto de quem a administradora da Autora / Reconvinda proferiu tal expressão atentatória da sua honra e dignidade, havia sido a pessoa, juntamente com o progenitor, que, em 2010, solicitara a esta administradora, por ser sua vizinha, um emprego para o seu filho. Tal expressão foi proferida na via pública, à porta de um estabelecimento comercial (explorado, precisamente, pela mãe deste trabalhador). E, pode também afirmar-se, tal expressão tomava como referência este trabalhador e, especificamente, o exercício das suas funções. É verdade que, enquanto esteve ao serviço desta empresa, BBB apresentou algumas falhas no exercício das suas funções, designadamente ‘falhas de dinheiro no caixa’, sendo ainda certo que, na semana anterior, havia usado dinheiro do ‘caixa’ para fins particulares, no valor de, pelo menos, € 100,00 (tendo sido isso a levar a administradora da empresa a dizer o que disse), mas também não é menos verdade que o trabalhador já teria reposto esse dinheiro, para além de que, como também ficou provado, as ‘falhas de caixa’ eram frequentes, com todos os operadores, e já havia ocorrido, com conhecimento do próprio coordenador dos postos de combustíveis, outros casos de uso de dinheiro do ‘caixa’ para fins particulares, por parte dos operadores (que não apenas Hugo Raposo), com posterior reposição no final do respectivo dia. O que atenua, com absoluta relevância, tal conduta que o trabalhador havia praticado. E torna ainda mais insustentável o comportamento da administradora da empresa que, sem que se apure a instauração de qualquer inquérito ou procedimento disciplinar, encontra a mãe do trabalhador, nas circunstâncias já descritas, e afirma que o vai despedir porque ele “é ladrão”.
Estas circunstâncias, conjugadas entre si, fazem preencher, aceita-se, o requisito causal, levando a que esta conduta ilícita e culposa da legal representante da empregadora torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho. E legitimando, como tal, a resolução do respectivo contrato, com justa causa, nos termos legais já enunciados.
Em suma, estão reunidas todas as condições para se concluir que BBB, tendo declarado a resolução do contrato de trabalho que o vinculava a AAAA SA, com invocação de justa causa, tinha fundamento para o efeito, ao abrigo do art. 394º, nº 1 e 2, alínea f), do Código do Trabalho. O que equivale dizer que a pretensão da Autora, com esta acção, improcede.”

Discorda a Recorrente do entendimento do Tribunal a quo invocando, em síntese, que, mesmo que tivesse havido uma correcta apreciação da prova, nunca a sentença recorrida poderia enquadrar legalmente os factos numa resolução lícita e com justa causa do contrato, estribando-se em duas linhas de argumentação.

Na primeira, defende que da matéria dada como provada, não resulta, em nenhum item, que a referida administradora pudesse vincular a Autora nessa matéria, que a eventual “difamação” do Réu foi-o pela referida (…) e não pela Autora, facto que terá ocorrido fora da empresa e na sequência de uma relação pessoal e de conhecimento entre a referida administradora e a mãe do Réu e este deveria tê-lo comunicado à Autora, o que não fez e que a actuação da administradora foi-o a título particular.

Ora, analisada a petição inicial e a resposta da Autora constata-se que a mesma nunca suscitou esta questão perante o Tribunal a quo, nem por ele foi conhecida. Aliás, (…) prestou declarações de parte sem que, alguma vez, tivesse sido colocada a questão de não poder vincular a Autora.

Por isso, como refere o Recorrido, estamos perante uma questão nova.

E como escrevem José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes no “Código de Processo Civil Anotado”, Vol.3º, pag. 5 “ Os recursos ordinários são, entre nós, recursos de reponderação e não de reexame, visto que o tribunal superior não é chamado a apreciar de novo a acção e a julgá-la como se fosse pela primeira vez, indo antes controlar a correcção da decisão proferida pelo tribunal recorrido, face aos elementos averiguados por este último.
É, por isso, constante a jurisprudência no sentido de que aos tribunais de recurso não cabe conhecer de questões novas (o chamdo ius novorum, mas apenas reapreciar a decisão do tribunal a quo, com vista a confirmá-la ou revogá-la. Os tribunais de recurso podem, porém, conhecer de questões novas que sejam de conhecimento oficioso, como é o caso, por exemplo, das questões de inconstitucionalidade de normas suscitadas nas alegações de recurso ou da caducidade de conhecimento oficioso (…).”

Ora, a questão agora suscitada no recurso é uma questão nova que não é de conhecimento oficioso. Consequentemente, não pode este Tribunal dela conhecer.

Na segunda linha argumentativa alega a Recorrente, em resumo, que a sentença recorrida não enquadra correctamente o conceito de justa causa para a resolução do contrato de trabalho e que o Tribunal recorrido considerou erradamente que, apesar dos factos que precederam a conversa entre a administradora e a mãe do Réu (falhas de dinheiro no caixa, utilização pessoal do dinheiro do caixa), a expressão proferida de “ladrão” relativamente ao Réu, tornava imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho, uma vez que o trabalhador já havia reposto o dinheiro e que tal situação já ocorrera com outros trabalhadores, entendimento que é inaceitável e pode levar a que se conclua que a infracção do trabalhador – mesmo que grave – é tolerada sempre que haja arrependimento ou que seja idêntica à de outros colegas.

Alega o Recorrido, por sua banda, que a questão da verificação da justa causa também só foi questionada e ponderada pelo Recorrente em sede de recurso, o que, por si só, desde logo, demonstra que a prática dos factos constantes da comunicação do trabalhador foram entendidas pela Recorrente como consubstanciadoras de justa causa, tendo o Tribunal a quo considerado o que havia a considerar, designadamente a qualidade das partes, as expressões utilizadas, o contexto da relação laboral, de modo a poder concluir pela verificação de um comportamento imputável a título de culpa, comportamento esse que pela sua gravidade e consequências tornou inexigível a manutenção da relação de trabalho.

Vejamos:
Antes de mais, face ao alegado nos artigos 23º e 24 da petição inicial onde a Autora afirma, respectivamente que não violou qualquer das suas obrigações ou deveres, não havendo, pois, qualquer razão que assista ao Réu e que é, pois, ilícita e sem justa causa a resolução do contrato de trabalho pelo Réu, não se pode concluir, como faz o Recorrido, que a questão da inexistência de justa causa não foi suscitada pelo Recorrente. Com efeito, não se trata de questão nova, devendo, pois, ser apreciada no âmbito do recurso.

De acordo com o artigo 398º do Código do Trabalho de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009 de 12 de Fevereiro, aplicável ao caso atenta a data em que ocorreram os factos em análise, “1-A ilicitude da resolução do contrato pode ser declarada por tribunal judicial em acção intentada pela empregadora.
2-A acção deve ser intentada no prazo de um ano a contar da data da resolução.
3-Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no nº 1 do artigo 395º.”
4- (…).”
Por seu turno, dispõe o artigo 399º do CT que “ Não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do artigo 401º.”
Em anotação a este artigo escreve Joana Vasconcelos no “Código do Trabalho Anotado”, de Pedro Romano Martinez e outros autores, 8ª edição, pags. 1032 e1033:” II. O presente preceito, tal como o que o antecedeu, esclarece, antes de mais, que a prova dos factos que alicerçam a justa causa e que indiciam a situação de inexigibilidade de prossecução da relação laboral que constitui o seu núcleo essencial (exceptuada, sendo o caso, a culpa do empregador, que se presume, nos termos gerais do artigo 799.º, n.º 1 do CC), cabe ao trabalhador, o qual suporta, por isso, as consequências da sua eventual insuficiência.”
De acordo com o nº 1 do artigo 394º do mesmo Código,“ Ocorrendo justa causa o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato”.
E nos termos do nº 2 do mesmo artigo “ Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador:
(…).
f)-Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante.”

De acordo com o nº 4 do mesmo preceito legal, “A justa causa é apreciada nos termos do nº 3 do artigo 351º, com as necessárias adaptações”, o que significa que, na apreciação da justa causa, deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.

Assim e como escreve Maria do Rosário Palma Ramalho, na obra “Direito do Trabalho” Parte II-Situações Laborais Individuais”, pags. 1010 e 1011” para aferição concreta da justa causa, a lei manda atender aos critérios de apreciação da justa causa disciplinar (art.394º nº 4), que são indicados pelo artigo 351º nº 3 com as necessárias adaptações (…) A jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjectiva para a resolução do contrato:
i)-Um requisito objectivo, que é o comportamento do empregador violador dos direitos ou garantias do trabalhador;
ii)-Um requisito subjectivo, que é a atribuição, desse comportamento ao empregador a título de culpa. Contudo, no que se refere ao requisito da culpa é de presumir a sua verificação, uma vez que estamos no âmbito da responsabilidade contratual, ou seja, por aplicação da regra geral do artigo 799º do CC. Desta presunção decorre o ónus da prova do empregador demonstrar que a situação subjectiva de justa causa alegada pelo trabalhador não procedeu de um comportamento culposo.
iii)-Um terceiro requisito que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador, a subsistência desse vínculo (ou seja, em termos comparáveis aos da justa causa subjacente ao despedimento disciplinar). Este requisito retira-se da exigência legal de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo muito curto (30 dias sobre o conhecimento desses factos pelo trabalhador, nos termos do artigo 395º nº 1) mas não pode deixar de ser reconduzido à ideia de simples inexigibilidade da manutenção do vínculo laboral.”

Assim e como se escreve no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07.11.2012, in www.dgsi.pt, cujo entendimento temos perfilhado, “para que se possa afirmar a existência de justa causa de rescisão do contrato pelo trabalhador não é suficiente a mera verificação objectiva de um dos comportamentos previstos no nº 1º do artigo 394º do CT/2009, tendo também que haver culpa por parte do empregador, devendo ainda a violação das obrigações contratuais por parte deste último, em resultado da sua gravidade, implicar a insubsistência da relação laboral”.

E como também elucida o Acórdão do mesmo Tribunal, de 02.03.2011, igual pesquisa, “o trabalhador pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.
(…) Embora os dois conceitos de justa causa (a invocada pelo empregador e a invocada pelo trabalhador) não devam considerar-se absolutamente simétricos ou idênticos, embora o trabalhador não disponha das formas de reacção alternativas de que dispõe o empregador, entendemos que não basta verificar-se um incumprimento qualquer ou qualquer falta imputável ao empregador, a título de culpa, para o trabalhador poder resolver com justa causa o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização. Para existir justa causa é necessário que se verifique uma infracção grave em si mesma ou nas suas consequências, imputável ao empregador, a título de culpa, que torne inexigível para o trabalhador a manutenção da sua relação contratual, embora o limiar da gravidade do incumprimento do empregador (na resolução do contrato) se possa situar abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador (no despedimento com justa causa)”.

Ora, face ao teor dos pontos 5 e 6 dos factos provados, não existem dúvidas que o comportamento da representante legal da Autora (…), tal como refere o Tribunal a quo, atenta contra a honra e dignidade do trabalhador na medida em imputa à pessoa do mesmo actos de apropriação de bens da Autora, sendo certo, ainda, que estamos perante um comportamento voluntário, consciente e merecedor de um juízo de censurabilidade.

Consequentemente, verificados estão os requisitos objectivo e subjectivo que acima se referiu.

Mas será que, conforme defende a Recorrente, está errada a conclusão do Tribunal a quo quando considera que este comportamento, pela sua gravidade e consequências, torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho?

Ou seja, não se verifica o terceiro requisito exigido para a resolução do contrato com justa causa, qual seja o da inexigibilidade da manutenção da relação laboral?

Ora, considerando que ficou provado que o Réu foi admitido na Autora para exercer as funções inerentes à categoria profissional de ‘operador de caixa’, que em 8 de Maio de 2017, às 19:30 horas, (…), administradora da Autora, abordou a mãe do Réu, (…), à porta do estabelecimento comercial desta última e que, então, (…) dirigiu-se a (…), dizendo-lhe que o Réu era “ladrão” e que iria despedi-lo, impõe-se afirmar que, face às funções exercidas pelo Réu no âmbito da empresa, ao conteúdo de tais expressões, ao local desajustado onde foram proferidas e à pessoa a quem foram dirigidas, admitir a possibilidade de manutenção da relação laboral equivaleria a impor ao Réu um sacrifício injustificado na medida em que o “rótulo” que lhe foi aposto sempre seria apto a tolher a sua liberdade de actuação.

Por outro lado, entendemos que qualquer trabalhador minimamente razoável colocado na posição do Réu não toleraria continuar a trabalhar para uma empregadora cuja representante legal tivesse actuado de igual modo, na medida em que o comportamento em causa quebra, irremediavelmente, a confiança que deve, necessariamente, existir entre trabalhador e empregador, tanto mais que o Réu, no exercício das suas funções, sempre teria de lidar com dinheiro.

Acresce que a situação ilustrada nos pontos 4 e 9 dos factos provados também não legitima a actuação da representante legal da empregadora, sendo certo que existem processos próprios onde tais factos podem ser apurados e, caso se justifique, punidos.

Consequentemente, não merece reparo a decisão do Tribunal a quo quando conclui que a resolução do contrato de trabalho por parte do Autor foi lícita por ter ocorrido justa causa e que a acção não pode proceder.

Considerando o disposto nos nºs 1 e 2 do artigo 527º do CPC, as custas são da responsabilidade da Recorrente.

Decisão.

Em face do exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em:
- julgar improcedente a impugnação da matéria de facto nos termos supra mencionados; e
- julgar a apelação improcedente, confirmando-se, na íntegra, a sentença recorrida.
Custas do recurso pela Recorrente.



Lisboa, 26 de Abril de 2018



Maria Celina de Jesus de Nóbrega
Paula de Jesus Jorge dos Santos
Maria Paula Sá Fernandes