Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
32/14.1JBLSB-U.L1-9
Relator: CALHEIROS DA GAMA
Descritores: PRAZO DE RECURSO EM PROCESSO PENAL
PRORROGAÇÃO DO PRAZO
JUSTO IMPEDIMENTO DE ADVOGADO E SEUS REQUISITOS
ÓNUS DA PROVA DO JUSTO IMPEDIMENTO
ATESTADO MÉDICO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/04/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I– O prazo para interposição de recurso é um prazo peremptório, pelo que o decurso do mesmo, face à inacção do arguido, ou dos outros intervenientes processuais com legitimidade para tal, conduz à extinção do direito de praticar tal acto, em conformidade com o art.° 139.° do Código de Processo Civil aplicável, ex vi do artigo 4° do C.P.P.A este regime preclusivo estabelece a lei duas excepções, a primeira sendo a possibilidade de a parte praticar o acto fora de prazo havendo justo impedimento, e sendo a segunda a possibilidade de, independentemente de justo impedimento, a parte praticar o acto desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei;

II– O regime do justo impedimento é geral: ele abrange a prática de qualquer acto que a parte tenha a faculdade de praticar. Se a parte tem essa faculdade porque está dentro do prazo ou porque beneficia do "prazo de complacência" estabelecido no art. 139.º, n.º 5, CPC, isso tem de ser indiferente. Aquele regime destina-se a desonerar a parte do risco de um evento que lhe não é imputável e que obsta à prática do acto, ou seja o conceito de "justo impedimento" assenta na não imputabilidade do facto obstaculizador da prática atempada do acto à parte ou ao mandatário ,ou a um auxiliar deste: art. 800.°, n.° 1, do Código Civil, justamente por se evidenciar que não houve culpa (e seu juízo de censurabilidade) na sua produção, sem que seja decisiva a imprevisibilidade do acontecimento;

III– Deve ser suscitado assim que tenha cessado a situação invocada como tendo sido facto impeditivo da prática atempada do acto, o que, em princípio, faz diferir o termo do prazo para o dia imediato àquele em que a causa do impedimento termina. Nessa oportunidade à parte faltosa incumbe o ónus de requerer a admissão extemporânea do acto mediante a alegação e a prova do "justo impedimento", o que pressupõe, por regra, que o próprio acto seja simultaneamente praticado;

IV–Igualmente, para que ocorra justo impedimento, é necessário que, em consequência do obstáculo, o acto não possa ser praticado por mandatário, não se verificando justo impedimento se, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, houver possibilidades, usando a diligência normal, de o acto ser praticado pela parte ou mandatário, ou por outro advogado, no qual possa substabelecer o mandatário impedido ou que a parte possa mandatar para o efeito;

V–Sendo o justo impedimento, no caso concreto, sido apenas invocado quando se encontrava já decorrido o prazo legal e a prorrogação do mesmo, bem como os três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, é inoperante aquela invocação por já se encontrar exaurido o prazo legal de interposição de recurso.

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na 9a Secção (Criminal) do Tribunal da Relação de Lisboa:

IRelatório


1.–No âmbito do processo comum n.º 32/14.1JBLSB, do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste - Juízo Central Criminal de Cascais - Juiz 2, foi submetido a julgamento, com intervenção de Tribunal Coletivo, entre outros, o arguido AA, nascido em S. Sebastião da Pedreira - Lisboa ………………., filho de …………………. e de ………………., morador na ……………………, em A______, vindo a ser condenado, por acórdão proferido em 6 de dezembro de 2019, que foi publicitado, notificado e depositado nesse mesmo dia, pela prática, como coautor, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203.°, n.° 1 e 204.°, n.° 1, al. f) e g) do Código Penal, na forma tentada, na pena de um ano e seis meses de prisão, e de um crime de sequestro, p. e p. pelo art. 158.°, n.° 1 do Código Penal, na pena de três meses de prisão (com referência ao processo 648/14.6PSLSB); bem como pela prática, em coautoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210.º, n.ºs 1 e 2, al. b) ex vi do. artigo 204.° n.° 2 e 1, al. f) e g) do Código. Penal, na pena de cinco anos de prisão, e de um crime de sequestro, p. e p. pelo art.° 158.°, n.° 1 do Código Penal, pena de quatro meses de prisão (com referência ao processo 407/14.6GEALM), e, em cúmulo jurídico, na pena única de cinco anos e seis meses de prisão.

2.–Por requerimento de 7 de dezembro de 2019 o coarguido BB veio aos autos “ao abrigo do que se encontra preceituado, entre outros, no artigo 107.° n.° 6 do Código de Processo Penal, requerer que V/Ex.ª - na esteira da abnegada Cooperação que lhe é publicamente reconhecida - se digne autorizar a Prorrogação do Prazo para Interposição do Recurso por mais trinta (30) dias, além dos legalmente estabelecidos.”

3.–Na sequência do que, em 16 de dezembro de 2019, foi prolatado o seguinte despacho:
“Requerimento de 07/12/2019: Atentos os motivos invocados, a excepcional complexidade dos autos e o preceituado no artigo 107°, no. 6, do C.P.P., prorrogo por mais 30 dias o prazo a que alude o artigo 411° do C.P.P., prorrogação extensível a todos os demais sujeitos processuais.
Notifique.” (fim de transcrição).

4.–O arguido AA, inconformado com aquele acórdão condenatório, veio, apenas em 24 de fevereiro de 2020, interpor recurso do mesmo. Antecedendo-o, a Exmª mandatária sua subscritora, simultaneamente, alegou e requereu o seguinte:
“CC, Advogada, portadora da CP …………, vem mui respeitosamente nos termos do disposto no artigo 140.° 1 do CPC, invocar justo impedimento para a prática atempada do acto nos termos e com os seguintes fundamentos:
No passado dia 14 de Fevereiro de 2020, durante a noite a ora signatária foi acometida de doença súbita que tem vindo a impedir a mesma de praticar a sua actividade profissional, cfr. atestado médico que protesta juntar.
No entanto e não obstante encontrar-se efectivamente doente, como advogada que é e sabendo que nunca nos podemos arriscar a "perder" um prazo de uma causa que atempadamente nos foi entregue, não pôde a ora subscritora, não obstante o estado grave de doença de que padece, praticamente arrastar-se para o seu escritório e com muito sacrifício apresentar o presente recurso, uma vez que se encontra em terceiro dia de multa e por vezes, as situações de doença que não impliquem internamento não são entendidas como justo impedimento.
Pelo que, sempre salvaguardando em detrimento da sua própria saúde, o interesse do cliente, a ora subscritora viu-se obrigada a apresentar, nesta data, o recurso.
Face a todo o exposto e com perfeito conhecimento que a peça está a ser apresentada em terceiro dia de multa, vem mui respeitosamente requerer a V. Exa., caso não considere o justo impedimento ora apresentado, que ordene a emissão das guias do terceiro dia de multa nos termos do disposto no artigo 107.° A do CPP.
Requer a junção dos presentes aos autos e,
Espera Deferimento” (fim de transcrição).

5.–Tal requerimento é complementado com outro, apresentado a 4 de março de 2020, do seguinte teor:
“AA, arguido nos autos à margem identificados, tendo protestado juntar atestado médico comprovativo do seu estado clínico, vem, mui respeitosamente, juntar o mesmo.
Requer a junção deste aos autos e,
Espera Deferimento,
A advogada,
CC” (fim de transcrição).

Sendo que tal atestado médico é do seguinte teor:
“Eu, MM, médica, licenciada pela Faculdade de Lisboa, inscrita na Ordem dos Médicos — Secção Regional do Sul — com o n°…………, atesto, para os devidos e legais efeitos, sob compromisso profissional, que CC se encontra doente e impossibilitada de comparecer ao seu local de trabalho, estando impedida de realizar a sua atividade profissional entre os dias 14 de fevereiro a 24 de fevereiro de 2020, inclusive, por patologias classificadas na CID-10 com os códigos F32.3 e F51.1.
Por ser verdade, e me ter sido solicitado, passo o presente Atestado, que vai ser por mim assinado.
Laranjeiro, 14 de fevereiro de 2020” (fim de transcrição).

6.–A Mmº Juiz a quo, em 9 de julho de 2020, e não antes com a justificação de “só nesta data face ao grande volume de serviço existente na secção e a escassez de recursos humanos também em face da pandemia Covid-19”, proferiu o seguinte despacho:
“Requerimentos de 24/02/2020 e de 04/03/2020: Veio o arguido AA, em 24/02/2020, invocar justo impedimento ou, caso o mesmo não seja julgado verificado, solicitar que sejam emitidas guias a que alude o artigo 107°-A, al. c), do C.P.P., correspondentes ao pagamento da multa pela prática extemporânea do acto processual no 3° dia.
Uma vez que o prazo para interposição do recurso expirou em 17/02/2020, o 3° dia para a sua prática extemporânea ocorreu em 20/02/2020.
Resta, assim, apreciar se existe prova que sustente o invocado justo impedimento. Em face do exposto, cumpra-se o disposto no artigo 107°, n°. 2, do C.P.P. em relação aos demais sujeitos processuais.” (fim de transcrição).

7.–Assim se tendo procedido, o Ministério Público, em 2 de setembro de 2020, formulou nos autos a seguinte promoção:
AA apresentou, em 24.02.2020, requerimento de interposição de recurso do acórdão condenatório e as respectivas motivações, mais tendo apresentado requerimento invocando a apresentação do recurso no terceiro dia de multa após o fim do prazo, em conformidade com o disposto no art.° 107.°­A do Código de Processo Penal, mas igualmente invocando a existência de justo impedimento da mandatária, por motivos de doença da mesma.
Com efeito, foi junto em 04.03.2020 atestado médico, datado de 14.02.2020, atestando que a mandatária "se encontra doente e impossibilitada de comparecer ao seu local de trabalho, estando impedida de realizar a sua atividade profissional entre os dias 14 de fevereiro a 24 de fevereiro de 2020, inclusive, por patologias classificadas na CID-1 0 com os códigos F32.3 [episódios depressivos — episódio depressivo grave com sintomas psicóticos] e F51.1 [transtornos não-orgânicos do sono devidos a factores emocionais — hipersonia não-orgânica]" [descrição especificada nossa, obtida após consulta da referenciada Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde — CID].
De acordo como disposto no art.° 411.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, é de 30 dias o prazo para a interposição de recurso.

Por despacho proferido em 16.12.2019, foi prorrogado por mais 30 dias o prazo a que alude o art.° 411.° do Código de Processo Penal, sendo a prorrogação extensível a todos os demais sujeitos processuais.
O acórdão proferido nos autos foi publicitado, notificado e depositado no dia 06.12.2019.
Pelo exposto, expirou em 17.02.2020 o prazo dos 60 dias para o arguido interpor recurso da decisão.
O acto poderia ainda ter sido praticado nos três dias úteis subsequentes, ou seja, até 20.02.2020 (cfr. art.° 107°-A, do Código de Processo Penal).
O prazo para interposição de recurso é um prazo peremptório, pelo que o decurso do mesmo, face à inacção do arguido, ou dos outros intervenientes processuais com legitimidade para tal, conduz à extinção do direito de praticar tal acto, em conformidade com o art.° 139.° do Código de Processo Civil.
A este regime preclusivo estabelece a lei duas excepções, a primeira sendo a possibilidade de a parte praticar o acto fora de prazo havendo justo impedimento, e sendo a segunda a possibilidade de, independentemente de justo impedimento, a parte praticar o acto desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei.
Ora, o justo impedimento, no caso concreto, apenas foi invocado quando se encontrava já decorrido o prazo legal e a prorrogação de mesmo, bem como os três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, pelo que é inconsequente a invocação do justo impedimento.
De qualquer modo, ainda que a invocação do justo impedimento tivesse sido apresentada nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo peremptório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que deveria ter sido observado.
Ou seja, o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis.
Neste sentido, vide Ac.s do STJ, de 04.05.2006 (processo n.° 2786/05) e de 27.11.2008 (processo 08B2372 e relator Santos Bernardino), bem como os Ac.s do TR de Coimbra, de 29.10.2014 (processo 1713/12.OTALRA.C1 e relator Calvário Antunes), e de 06.03.2012 (processo 1627/04.7TBFIG-A.C1 e relator Silvia Pires) e ainda o Ac. do TR de Évora de 19.03.2013 (processo n.° 1323/11.9TBSLV.E1 e relator Proença da Costa) e do Ac. do TR de Guimarães, de 01.02.2010 (processo n.° 21/06.OGAFLG.G1 e relator Cruz Bucho), todos in www.dgsi.pt.

Acresce que, para que ocorra justo impedimento, é necessário que, em consequência do obstáculo, o acto não possa ser praticado por mandatário, não se verificando justo impedimento se, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, houver possibilidades, usando a diligência normal, de o acto ser praticado pela parte ou mandatário, ou por outro advogado, no qual possa substabelecer o mandatário impedido ou que a parte possa mandatar para o efeito.

In casu, o invocado impedimento da mandatária ocorreu entre 14.02.2020 e 24.02.2020, tendo sido iniciado a cinco dias do fim da prorrogação de 30 dias que acresceu ao prazo legal de 30 dias para interposição do recurso e não resulta ainda sequer invocado que a mandatária impedida não tivesse podido substabelecer ou que não houvesse possibilidade de outro colega apresentar as motivações de recurso.
Vide Ac. do STJ de 14.05.1992 (processo n.° 42771 e relator Cargueira Vahia) e de 12.01.1995 (processo n.° 043090 e relator Sá Ferreira).
Em consequência, promove-se seja indeferido o justo impedimento.”

8.– Apreciando a suscitada questão, a Mmª Juíza a quo, em 11 de setembro de 2020, proferiu a seguinte decisão:
“Vem a ilustre mandatária do arguido AA, em 24/02/2020, invocar justo impedimento e apresentar alegações de recurso do acórdão proferido nos autos, alegando que, no passado dia 14 de Fevereiro de 2020, durante a noite, foi acometida de doença súbita que tem vindo a impedir a mesma de praticar a sua actividade profissional, protestando juntar atestado médico.
Em 04/03/2020, veio a ilustre mandatária juntar aos autos atestado médico, datado de 14/02/2020, atestando que a mesma se encontra doente e impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho, estando impedida de realizar a sua actividade profissional entre os dias 14 a 24/02/2020.
Dado cumprimento ao disposto no artigo 107°, n°. 2, do C.P.P. em relação aos demais sujeitos processuais, apenas o Ministério Público se pronunciou, pugnando pelo indeferimento da pretensão o requerente.

Cumpre decidir.

De acordo com o disposto no artigo 411°, n.° 1 do C.P.P., é de 30 dias o prazo para a interposição de recurso.
Por despacho proferido em 16/12/2019, foi prorrogado por mais 30 dias o prazo a que alude o artigo 411 º do C.P.P., prorrogação extensível a todos os demais sujeitos processuais.
O acórdão proferido nos autos foi publicitado, notificado e depositado no dia 06/12/2019.
Pelo exposto, expirou em 17/02/2020 o prazo dos 60 dias para o arguido interpor recurso da decisão.
O prazo para interposição de recurso é um prazo peremptório, pelo que o decurso do mesmo, face à inacção do sujeito processual, conduz à extinção do direito de praticar tal acto — cfr. artigo 139.° do Código de Processo Civil, aplicável, ex vi do artigo 4° do C.P.P..
A lei, porém, estabelece duas excepções: a primeira sendo a possibilidade de a parte praticar o acto fora de prazo havendo justo impedimento; e sendo a segunda a possibilidade de, independentemente de justo impedimento, a parte praticar o acto desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei.
Nos termos do artigo 107.°, n°. 2, do Código do Processo Penal, a prática de actos processuais fora do prazo legalmente estabelecido tem lugar em caso de justo impedimento.

Por seu turno, a figura do justo impedimento é definida no artigo 141.° do Código de Processo Civil, como o "evento não imputável à parte nem aos seus representantes legais ou mandatários, que obste à prática atempada do acto".
O justo impedimento tem, assim, como requisitos cumulativos:
- a verificação de um evento normalmente imprevisível,
- estranho à vontade da parte e
- que determine a impossibilidade da prática do acto por si ou por mandatário.
Assim, constitui justo impedimento, o evento súbito e inusitado alheio ao domínio da vontade das partes quando configure um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, consideradas as condições mínimas do exercício do direito em causa.
O incidente de justo impedimento deverá ser deduzido no prazo de 3 dias após o termo do prazo ou a cessação do impedimento, estando o requerente obrigado a oferecer logo a prova respectiva, nos termos do disposto no artigo 140.°, n.° 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4.° do Código de Processo Penal.
Assim, a verificação do justo impedimento depende, essencialmente e para além da prova de evento impeditivo da prática do acto dentro do prazo estabelecido por lei ou por despacho da autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que ele respeitar, que deve ser oferecida juntamente com a alegação, da comprovação da inexistência de culpa, negligência ou imprevidência aferida por comparação com o procedimento que um bom pai de família teria adoptado se colocado perante as mesmas circunstâncias externas - da parte, seu representante ou mandatário, na produção desse evento.
No caso dos autos, e como supra referido, o arguido, através da sua ilustre mandatária, invocou justo impedimento em 24/02/2020 (data em que apresentou as alegações de recurso), alegando ter estado impossibilitada de exercer a sua actividade profissional entre 14 e 24/02/2020, mas apenas em 04/03/2020, ou seja, nove dias após a cessação da invocada incapacidade laboral, logrou juntar um atestado médico, emitido em 14/02/2020.
Ora, tal documento, atenta a data da sua emissão (14/02/2020), deveria ter sido logo apresentado pela ilustre mandatária quando invocou o pretendido justo impedimento e, mais ainda, poderia, e deveria, ter sido apresentado logo em 14/02/2020, data em que foi emitido, e em que ainda se encontrava a decorrer o prazo para interposição de recurso.
Porém, não logrou a ilustre mandatária do arguido apresentar atempadamente tal atestado médico que visava comprovar a sua impossibilidade de exercer as suas funções no período temporal nele consignado, apenas o tendo feito após o decurso do prazo peremptório para interposição de recurso, e após o período do prazo adicional previsto nos artigos 139°, n°. 5, do C.P.C. e 107°-A do C.P.P., e ainda após até o prazo em que veio invocar o justo impedimento.
Por outro lado, e mesmo que assim não fosse, sempre diremos que a doença de que a ilustre mandatária se viu acometida, poderia impedi-la de se deslocar até ao seu domicílio profissional ou mesmo de trabalhar em casa. Todavia, não resulta, nem foi alegado e provado que a impedia de substabelecer em outro advogado, com ou sem reserva.
A nossa jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado "justo impedimento", excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele. Por isso, a circunstância da ilustre mandatária não poder deslocar-se para o seu local de trabalho, como refere o atestado médico, não era impeditivo que diligenciasse por um substabelecimento, mesmo que com reserva. Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/3/2017, "Ninguém é insubstituível, nem a lei permite a derrogação de qualquer prazo peremptório à espera que um mandatário da parte se restabeleça para que o processo prossiga os seus termos. O acto é da parte, o advogado é apenas representante desta".
Em conclusão, para que se verifique urna situação de justo impedimento tem de ocorrer um evento não imputável à parte nem aos seus representantes e a consequente impossibilidade de praticar o acto em tempo. Assim, não tendo sido alegada nem provada qualquer incapacidade para a emissão de substabelecimento, a não interposição de recurso em tempo ficou a dever-se à actuação da ilustre mandatária do arguido, mas não a motivo de força maior que a impossibilitasse de adoptar outro comportamento capaz de conduzir à prática do acto atempadamente.
Pelo exposto, e em conformidade, julgo não verificado qualquer justo impedimento. Notifique.
Inexistindo justo impedimento e encontrando-se esgotado o prazo a que alude o artigo 107°-A, al. b), do C.P.P. à data da interposição do recurso, e nos termos das disposições legais supra citadas, por extemporâneo, não admito o recurso interposto pelo arguido AA
Sem custas do incidente dada a simplicidade do mesmo.
Notifique.” (fim de transcrição).

9.–O arguido AA, inconformado com esta decisão, reagiu.

9.1.–No tocante à não admissão do recurso, ao abrigo do disposto no artigo 405.° do Código de Processo Penal, apresentou reclamação para o Presidente do Tribunal da Relação de Lisboa, a qual deu origem ao Apenso S, aguardando a Exmª Presidente deste Tribunal da Relação o desfecho do presente recurso;

9.2.–E, no que concerne a ter-se julgado não verificada a causa de justo impedimento invocada pela ilustre mandatária, interpôs o presente recurso (que constitui o Apenso U), extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
A-Foi a ora signatária em 2015 contratada pelo arguido supra indicado para o presente processo, tendo-o representado até ao presente momento, em meados do mês de janeiro de 2020, iniciou a Mandatária a elaboração do recurso, tendo o mesmo ficado praticamente concluído no dia 14 de fevereiro de 2020. Porém,
B-Durante a noite de 14 para 15 de Fevereiro do corrente ano, a mandatária foi acometida de doença incapacitante, com os códigos F32.3 e F51.1, hipersónia não-orgânica, que culminou num episódio depressivo grave com sintomas psicóticos, doença que a mandatária entendeu ser do foro intimo, não tendo explanado a mesma no requerimento de justo impedimento, uma vez que se encontrava devidamente documentada no atestado médico, o qual protestou juntar uma vez que não o encontrou no próprio dia, dado que ainda se encontrava doente e muito confusa.
C-Claro que face ao indeferimento do justo impedimento apresentado a mandatária vê-se na obrigação, por forma a proteger o Direito ao recurso do arguido, de expor a sua intimidade e a doença que a assolou a todos quantos consultem o processo, mormente aos órgãos de comunicação social que têm acesso ao mesmo, o que é em seu entender, ultrajante e humilhante, mas necessário para assegurar, nos presentes autos, o Direito fundamental ao recurso do arguido.
D-Desde tal dia até ao dia 24 de fevereiro de 2020, cfr. atestado médico que juntou ao requerimento de justo impedimento, ficou, conforme informou, desde o dia 14 de fevereiro, acamada, e impossibilitada de se deslocar ao escritório para efectuar o seu trabalho, contactar o cliente, ora arguido, para este contactar outro Advogado que fizesse um recurso da dimensão do dos autos em cerca de seis dias, ou mesmo contactar e explicar a situação a um colega de confiança que pudesse redigir novo recurso, não se encontrando mais ninguém no escritório que pudesse enviar o recurso inacabado.
E-Assim, a mandatária encontrava-se impedida e incapacitada para a prática da actividade profissional, devido ao estado supramencionado, tendo-se visto forçada a manter a sua situação de incapacidade até ao dia 24 de fevereiro e apesar de, nessa data, ainda se sentir doente e no prazo que a Médica aconselhou manter-se acamada (até 24 de fevereiro), foi possível, apesar de não estar totalmente curada, e, com muito sacrifício, apresentar o recurso.
F-Uma vez que se entende que a Decisão que condena o arguido tem de ser conhecida em sede de recurso, não podendo este ficar impedido de exercer tal direito, por um erro que não lhe é imputável.
G-Veio o Ministério Público, pronunciar-se no sentido de não admissão da impugnação apresentada pelo arguido, por intempestiva. Tendo o Mmo. Juiz indeferido o recurso por entender que não se encontrando vertido no atestado médico a doença de que padecia a mandatária, não obstante o indicado no referido atestado junto aos autos, não se cumpriu o ónus que cabia à parte.
H-Dispõe o artigo 140°, n.° 1 do Código do Processo Civil que "considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto".
I-Como bem afirma o Digníssimo Procurador do Ministério Público a jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do acto pode ser considerada 'justo impedimento', excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele. O que, efectivamente, aconteceu, era impossível à Mandatária praticar o acto, uma por estar acamada como supramencionado.
J-Não tendo sido possível substabelecer noutro Colega uma vez que, além da Mandatária, mais ninguém possui a chave do escritório, onde se encontrava o recurso quase finalizado, o processo físico. Como suprarreferido, a elaboração do recurso foi, praticamente, concluída no dia 14 de Fevereiro de 2020, na noite de 14 para 15 de fevereiro, a mandatária, foi acometida de doença incapacitante, o que a impossibilitou para a prática da sua actividade profissional, desde tal dia até ao dia 24 de fevereiro de 2020, cfr. atestado médico que juntou.

K-Ficou a Mandatária, conforme expos no requerimento, acamada fortemente medicada e impossibilitada de se deslocar ao escritório para efectuar o seu trabalho, contactar o cliente, ora arguido, para este contactar outro Advogado ou mesmo contactar e explicar a situação a um colega de confiança que pudesse redigir novo recurso, não se encontrando mais ninguém no escritório que pudesse enviar o recurso praticamente acabado.
L-Assim, esta encontrava-se impedida e incapacitada para a prática da actividade profissional, devido ao estado supramencionado, sempre com a expectativa de se sentir melhor e conseguir deslocar-se ao escritório, tendo-se visto forçada a manter a sua situação de incapacidade até ao dia 24 de Fevereiro, apesar de, nessa data, ainda se sentir doente e no prazo que a Médica aconselhou manter-se acamada, foi possível, apesar de não estar totalmente curada, e, com muito sacrifício, apresentar o recurso.
M-O recurso foi interposto, tendo a mandatária junto logo no acto o requerimento a invocar o justo impedimento, e protestado juntar o atestado médico comprovativo da sua situação de doença, o qual juntou assim que recuperou plenamente as suas faculdades. Dispõe o artigo 140°, n.° 1 do Código do Processo Civil que "considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do acto".
N-A jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do acto pode ser considerada 'justo impedimento', excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele.
O-Como decidiu o acórdão da Relação de Lisboa de 09.03.2010 in www.dgsi.pt, ao exarar que não se verifica justo impedimento se, apesar de um acontecimento normalmente imprevisível, à luz da diligência normal, o ato puder ser praticado pela parte ou por mandatário. O que, efectivamente, aconteceu, era impossível à Mandatária praticar o acto, por estar acamada como supramencionado. Não tendo sido possível substabelecer noutro Colega uma vez que, além da Mandatária, mais ninguém possui a chave do escritório, onde se encontrava o recurso quase finalizado e o processo físico.
P-Estabelece o artigo 139°, n.°4 que os actos processuais podem ser praticados fora de prazo em caso de justo impedimento. Complementando o referido preceito, prescreve o artigo 140° do mesmo diploma legal que se considera justo o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários impedimento que obste à prática atempada do acto.
Q-E no n° 2 deste último normativo legal consagrou a imposição, a quem alega o justo impedimento, de oferecer de imediato a respectiva prova, devendo o juiz, ouvida a parte contrária, admitir o requerente a praticar o acto fora de prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
R-Ora, é verdade que DL. n° 329-A/95, de 12 de Dezembro, introduziu alterações ao nível do conceito de justo impedimento, visando torná-lo mais flexível, "em termos de permitir a uma jurisprudência criativa uma elaboração, densificação e concretização, centradas essencialmente na ideia de culpa" (Cfr. Preâmbulo). O novo conceito de justo impedimento faz, pois, apelo, em derradeira análise, ao "meio termo" de que falava Vaz Serra (RLJ, 109°-267): devendo, assim, exigir-se às partes que procedam com a diligência normal, mas já não é de lhes exigir que entrem em linha de conta com factos e circunstâncias excepcionais.
S-À luz do novo conceito, basta, para que estejamos perante o justo impedimento, que o facto impeditivo da prática do acto não seja imputável à parte ou ao mandatário, por ter tido culpa na sua produção, o que não obsta à possibilidade de a parte ou o mandatário ter tido participação na ocorrência, desde que, nos termos gerais, tal não envolva um juízo de censurabilidade.
T-Vertendo aos presentes autos, a Mandatária alegou a doença e juntou atestado médico e requerimento de justo impedimento explicando a impossibilidade de apresentar atempadamente o recurso, tendo apresentado ainda no dia 24 de fevereiro porque só em tal data se sentiu um pouco melhor, tendo-se arrastado até ao escritório para enviar o recurso e voltado de imediato para casa onde se manteve acamada, apesar da indicação da sua Médica, em descanso absoluto.
U-Quanto ao atestado médico, o mesmo não deverá conter a doença da Mandatária do arguido, sendo a mesma do foro pessoal e muito íntima, sendo certo que o mesmo foi passado pela sua médica, sob compromisso profissional, respeitando o segredo profissional, tendo sido dada toda a explicação da doença no requerimento de justo impedimento.
V-Assim, não se concorda com a falta de diligência da Mandatária, assim que conseguiu deslocar-se ao escritório foi, sendo certo que não tinha mais nenhum Colega a quem pudesse substabelecer uma vez que trabalha em prática individual e, assim como não tinha força para se deslocar ao escritório enviar o recurso também não tinha para substabelecer noutro Colega.
W-Ora, para que se dê por verificado o justo impedimento, impõe a lei que o facto que obstaculizou à prática do acto seja um facto estranho à vontade da parte, isto é, de que ele não resulte de uma conduta negligente da mandatária do recorrente, desta ou dos empregados daquela, o que foi alegado, juntou-se prova, sendo razoável e, de evidente boa fé e diligência da Mandatária que a mesma não enviou o recurso atempadamente porque, efectivamente, ocorreu uma situação de doença, que absteve a que fosse o recurso enviado até ao dia 24 de Fevereiro.
X- Pelo que, vem o arguido, interpor recurso do Despacho que não admitiu o justo impedimento invocado pela Mandatária, julgando o recurso interposto extemporâneo, com vista à revogação deste Despacho, substituindo-o por outro que reconheça a verificação de justo impedimento.
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso, julgando válido o justo impedimento apresentado e admitindo o recurso da decisão condenatória, por tempestivo, fazendo-se assim Douta e Costumada Justiça” (fim de transcrição).

10.–Em 2 de dezembro de 2020, foi proferido despacho judicial admitindo o recurso como se alcança na referência Citius n.º 127900413.

11.–Respondeu o Ministério Público em primeira instância extraindo da sua motivação as seguintes conclusões:
1.-De acordo com o disposto no art.° 411.°, n.° 1, do Código de Processo Penal, é de 30 dias o prazo para a interposição de recurso.
2.-Por despacho proferido em 16.12.2019, foi prorrogado por mais 30 dias o prazo a que alude o art.° 411.° do Código de Processo Penal, sendo a prorrogação extensível a todos os demais sujeitos processuais.
3.-O acórdão proferido nos autos foi publicitado, notificado e depositado no dia 06.12.2019.
4.-Expirou em 17.02.2020 o prazo dos 60 dias para o arguido interpor recurso da decisão.
5.-O acto poderia ainda ter sido praticado nos três dias úteis subsequentes, ou seja, até 20.02.2020 (cfr. art.° 107°-A, do Código de Processo Penal).
6.-O prazo para interposição de recurso é um prazo peremptório, pelo que o decurso do mesmo, face à inacção do arguido, ou dos outros intervenientes processuais com legitimidade para tal, conduz à extinção do direito de praticar tal acto, em conformidade com o art.° 139.° do Código de Processo Civil.
7.-A este regime preclusivo estabelece a lei duas excepções, a primeira sendo a possibilidade de a parte praticar o acto fora de prazo havendo justo impedimento, e sendo a segunda a possibilidade de, independentemente de justo impedimento, a parte praticar o acto desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei.
8.-Ora, o justo impedimento, no caso concreto, apenas foi invocado quando se encontrava já decorrido o prazo legal e a prorrogação de mesmo, bem como os três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, pelo que é inconsequente a invocação do justo impedimento.
9.-De qualquer modo, ainda que a invocação do justo impedimento tivesse sido apresentada nos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, seria inaceitável que o justo impedimento pudesse funcionar e produzir efeitos relativamente a um período temporal adicional, que está fora do prazo peremptório estabelecido na lei e de que a parte só pode valer-se pagando uma multa, como sanção pelo desrespeito pelo prazo que deveria ter sido observado.
10.-Ou seja, o justo impedimento só pode ser invocado em situações em que ainda não tenha decorrido o prazo peremptório estabelecido na lei para a prática do acto processual, não o podendo ser no período temporal adicional de três dias úteis.
11.-Neste sentido, vide Ac.s do STJ, de 04,05.2006 (processo n,° 2786/05) e de 27.11.2008 (processo 0862372 e relator Santos Bernardino), bem como os Ac.s do TR de Coimbra, de 29.102014 (processo 1713/12.OTALRA.C1 e relator Calvário Antunes), e de 06.03.2012 (processo 1627/04.7TBFIG-A.C1 e relator Silvia Pires) e ainda o Ac. do TR de Évora de 19.03.2013 (processo n.° 1323/11.9TBSLV.E1 e relator Proença da Costa) e do Ac. do TR de Guimarães, de 01.02.2010 (processo n.° 21/06.0GAFLG.G1 e relator Cruz Bucho), todos in www.dgsi.pt.
12.-Acresce que, para que ocorra justo impedimento, é necessário que, em consequência do obstáculo, o acto não possa ser praticado por mandatário, não se verificando justo impedimento se, apesar de um acontecimento, normalmente imprevisível, houver possibilidades, usando a diligência normal, de o acto ser praticado pela parte ou mandatário, ou por outro advogado, no qual possa substabelecer o mandatário impedido ou que a parte possa mandatar para o efeito.
13.- In casu, o invocado impedimento da mandatária ocorreu entre 14.02.2020 e 24.02.2020, tendo sido iniciado a cinco dias do fim da prorrogação de 30 dias que acresceu ao prazo legal de 30 dias para interposição do recurso e não resulta ainda sequer invocado que a mandatária impedida não tivesse podido substabelecer ou que não houvesse possibilidade de outro colega apresentar as motivações de recurso.
14.-Vide Ac. do STJ de 14.05.1992 (processo n.° 42771 e relator Cerqueira Vahia) e de 12.01.1995 (processo n.° 043090 e relator Sá Ferreira).
15.-Pelo exposto, deve manter-se a decisão recorrida, improcedendo o presente recurso.
Termos em que farão V. Exas. a costumada justiça " (fim de transcrição).

13.–Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto teve neles Vistae emitiu parecer, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso interposto, acompanhando a posição assumida pelo Ministério Público na primeira instância (cfr. referência Citius n.° 17181485).

14.–Foi cumprido o preceituado no art. 417.°, n.° 2, do Código de Processo Penal (doravante CPP), não tendo havido resposta.

15.–Efetuado o exame preliminar foi considerado não haver razões para a rejeição do recurso.

16.– Colhidos os vistos legais, cumpre agora apreciar e decidir.

IIFundamentação

1.–Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respetiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objeto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer (cfr., entre outros, os Acs. do STJ de 16.11.95, de 31.01.96 e de 24.03.99, respetivamente, nos BMJ 451.° - pág. 279 e 453.° - pág. 338, e na Col (Acs. do STJ), Ano VII, Tomo 1, pág. 247, e cfr. ainda, arts. 403.° e 412.°, n.° 1, do CPP).

2.–Apreciemos se assiste razão ao recorrente.

Tendo presente toda a tramitação dos autos que acima se deixou alinhada em sede de relatório, e como também assertivamente dá conta a decisão recorrida, veio a ilustre mandatária do arguido AA, em 24 de fevereiro de 2020, invocar justo impedimento e apresentar alegações de recurso do acórdão proferido nos autos em 6 de dezembro de 2019, alegando que no dia 14 de fevereiro de 2020, durante a noite, foi acometida de doença súbita que estava a impedir de praticar a sua actividade profissional, protestando juntar atestado médico.
Em 4 de março de 2020, veio a ilustre mandatária juntar aos autos atestado médico, datado de 14 de fevereiro de 2020, atestando que a mesma se encontra doente e impossibilitada de comparecer no seu local de trabalho, estando impedida de realizar a sua actividade profissional entre os dias 14 a 24 de fevereiro de 2020.
De acordo com o disposto no artigo 411°, n.° 1 do C.P.P., é de 30 dias o prazo para a interposição de recurso daquele acórdão de 6 de dezembro de 2019.
Por despacho proferido em 16 dezembro de 2019, foi prorrogado por mais 30 dias o prazo a que alude o artigo 411º do CPP, prorrogação extensível a todos os demais sujeitos processuais.
O acórdão proferido nos autos a 6 de dezembro de 2019, foi publicitado, notificado e depositado nesse mesmo dia.
Pelo exposto, expirou em 17 de fevereiro de 2020 o prazo dos 60 dias para o arguido interpor recurso daquela decisão.
O prazo para interposição de recurso é um prazo peremptório, pelo que o decurso do mesmo, face à inacção do sujeito processual, conduz à extinção do direito de praticar tal acto — cfr. artigo 139.° do Código de Processo Civil, aplicável, ex vi do artigo 4° do C.P.P..
A lei, porém, estabelece duas excepções: a primeira sendo a possibilidade de a parte praticar o acto fora de prazo havendo justo impedimento; e sendo a segunda a possibilidade de, independentemente de justo impedimento, a parte praticar o acto desde que o faça num dos três dias seguintes ao seu termo, e pague a multa fixada na lei.

Como doutamente se expendeu na decisao recorrida:
“Nos termos do artigo 107.°, n°. 2, do Código do Processo Penal, a prática de actos processuais fora do prazo legalmente estabelecido tem lugar em caso de justo impedimento.
Por seu turno, a figura do justo impedimento é definida no (...) Código de Processo Civil, como o "evento não imputável à parte nem aos seus representantes legais ou mandatários, que obste à prática atempada do acto".
O justo impedimento tem, assim, como requisitos cumulativos:
- a verificação de um evento normalmente imprevisível,
- estranho à vontade da parte e

- que determine a impossibilidade da prática do acto por si ou por mandatário.
Assim, constitui justo impedimento, o evento súbito e inusitado alheio ao domínio da vontade das partes quando configure um obstáculo razoável e objectivo à prática do acto, consideradas as condições mínimas do exercício do direito em causa.
O incidente de justo impedimento deverá ser deduzido no prazo de 3 dias após o termo do prazo ou a cessação do impedimento, estando o requerente obrigado a oferecer logo a prova respectiva, nos termos do disposto no artigo 140.°, n.° 2 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do art. 4.° do Código de Processo Penal.
Assim, a verificação do justo impedimento depende, essencialmente e para além da prova de evento impeditivo da prática do acto dentro do prazo estabelecido por lei ou por despacho da autoridade judiciária que dirigir a fase do processo a que ele respeitar, que deve ser oferecida juntamente com a alegação, da comprovação da inexistência de culpa, negligência ou imprevidência aferida por comparação com o procedimento que um bom pai de família teria adoptado se colocado perante as mesmas circunstâncias externas - da parte, seu representante ou mandatário, na produção desse evento.
No caso dos autos, e como supra referido, o arguido, através da sua ilustre mandatária, invocou justo impedimento em 24/02/2020 (data em que apresentou as alegações de recurso), alegando ter estado impossibilitada de exercer a sua actividade profissional entre 14 e 24/02/2020, mas apenas em 04/03/2020, ou seja, nove dias após a cessação da invocada incapacidade laboral, logrou juntar um atestado médico, emitido em 14/02/2020.
Ora, tal documento, atenta a data da sua emissão (14/02/2020), deveria ter sido logo apresentado pela ilustre mandatária quando invocou o pretendido justo impedimento e, mais ainda, poderia, e deveria, ter sido apresentado logo em 14/02/2020, data em que foi emitido, e em que ainda se encontrava a decorrer o prazo para interposição de recurso.
Porém, não logrou a ilustre mandatária do arguido apresentar atempadamente tal atestado médico que visava comprovar a sua impossibilidade de exercer as suas funções no período temporal nele consignado, apenas o tendo feito após o decurso do prazo peremptório para interposição de recurso, e após o período do prazo adicional previsto nos artigos 139°, n°. 5, do C.P.C. e 107°-A do C.P.P., e ainda após até o prazo em que veio invocar o justo impedimento.
Por outro lado, e mesmo que assim não fosse, sempre diremos que a doença de que a ilustre mandatária se viu acometida, poderia impedi-la de se deslocar até ao seu domicílio profissional ou mesmo de trabalhar em casa. Todavia, não resulta, nem foi alegado e provado que a impedia de substabelecer em outro advogado, com ou sem reserva.
A nossa jurisprudência tem defendido que só o evento que impeça em absoluto a prática atempada do ato pode ser considerado "justo impedimento", excluindo-se a simples dificuldade da realização daquele. Por isso, a circunstância da ilustre mandatária não poder deslocar-se para o seu local de trabalho, como refere o atestado médico, não era impeditivo que diligenciasse por um substabelecimento, mesmo que com reserva. Como se refere no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 9/3/2017, "Ninguém é insubstituível, nem a lei permite a derrogação de qualquer prazo peremptório à espera que um mandatário da parte se restabeleça para que o processo prossiga os seus termos. O acto é da parte, o advogado é apenas representante desta".

Em conclusão, para que se verifique urna situação de justo impedimento tem de ocorrer um evento não imputável à parte nem aos seus representantes e a consequente impossibilidade de praticar o acto em tempo. Assim, não tendo sido alegada nem provada qualquer incapacidade para a emissão de substabelecimento, a não interposição de recurso em tempo ficou a dever-se à actuação da ilustre mandatária do arguido, mas não a motivo de força maior que a impossibilitasse de adoptar outro comportamento capaz de conduzir à prática do acto atempadamente.
Pelo exposto, e em conformidade, julgo não verificado qualquer justo impedimento. Notifique.
Inexistindo justo impedimento e encontrando-se esgotado o prazo a que alude o artigo 107°-A, al. b), do C.P.P. à data da interposição do recurso, e nos termos das disposições legais supra citadas, por extemporâneo, não admito o recurso interposto pelo arguido AA.” (fim de transcrição).

Vejamos.

A questão que importa dilucidar é pois a de saber se se verifica "justo impedimento", à luz do consagrado nos artigos 107.°, n.° 2, do CPP (“Os actos processuais só podem ser praticados fora dos prazos estabelecidos por lei, por despacho da autoridade referida no número anterior, a requerimento do interessado e ouvidos os outros sujeitos processuais a quem o caso respeitar, desde que se prove justo impedimento”) , e 140.º, n.º 1, do Código de Processo Civil [doravante CPC) – aplicável ex vi do art. 4.° do CPP –, na esteira do art. 139.º, n.º 4, do CPC, que o antecede (“O acto pode, porém, ser praticado fora do prazo em caso de justo impedimento, nos termos regulados no artigo seguinte.”), que permita sanar – ou legitimar processualmente – a intempestividade da apresentação do recurso, por parte do ora Recorrente, em 24 de fevereiro de 2020, que foi a causa da sanção letal proferida na Decisão ora revidenda, proferida no despacho de 11 de setembro de 2020.
Esse é o fundamento que o recorrente AA invoca para fazer inverter o sentido da decisão sub iudice, para a prática do acto cuja tempestividade tinha sido excedida.

Prescreve o art. 140.º do CPC:
«1-Considera-se «justo impedimento» o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste à prática atempada do ato.
2-A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz, ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3-É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento quando o evento a que se refere o n.º 1 constitua facto notório, nos termos do n.º 1 do artigo 412.º, e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.» (fim de transcrição).

O conceito de "justo impedimento" assenta na não imputabilidade do facto obstaculizador da prática atempada do acto à parte ou ao mandatário (ou a um auxiliar deste: art. 800.°, n.° 1, do Código Civil), justamente por se evidenciar que não houve culpa (e seu juízo de censurabilidade) na sua produção, sem que seja decisiva a imprevisibilidade do acontecimento.

Deve ser suscitado assim que tenha cessado a situação invocada como tendo sido facto impeditivo da prática atempada do acto, o que, em princípio, faz diferir o termo do prazo para o dia imediato àquele em que a causa do impedimento termina. Nessa oportunidade à parte faltosa incumbe o ónus de requerer a admissão extemporânea do acto mediante a alegação e a prova do "justo impedimento", o que pressupõe, por regra, que o próprio acto seja simultaneamente praticado (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, CPC, Volume 1.°, Artigos 1.° a 361.°, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 140°, págs. 300-301, ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, CPC, Vol. I, Parte geral e processo de declaração, Artigos 1.° a 702.°, Almedina, Coimbra, 2018, sub art. 140°, pág. 166.).

Deste modo, cabe à parte faltosa alegar e provar a sua falta de culpa, ou seja e em particular, a ocorrência de caso fortuito ou de força maior impeditivos (art. 799.°, n.° 1, Código Civil): "embora não esteja em causa o cumprimento de deveres, mas a observância de ónus processuais, a distribuição do ónus da prova põe-se nos mesmos termos" (cfr. JOSÉ LEBRE DE FREITAS/ISABEL ALEXANDRE, CPC anotado, Volume 1.° cit., sub art. 140°, pág. 298.).

Neste contexto - elucidamos melhor -, "o justo impedimento pode ser reconhecido mesmo quando não tenha ocorrido nenhum facto imprevisível. Basta, neste caso, que a omissão do acto resulte de um erro desculpável da parte, para que se deva considerar relevante o referido justo impedimento", uma vez que releva "a eventual censurabilidade dessa omissão e não a ocorrência de um facto exterior à vontade da parte" (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DA SOUSA, "Apreciação de alguns aspectos da «Revisão do processo civil - Projecto»", ROA, 1995, Volume II, pág. 387).

Seja qual for a causa, de todo o modo, incumbe sempre à parte faltosa o ónus relativo à alegação e prova de factos que comprovem que essa causa se traduziu na impossibilidade não culposa da prática do acto (cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, "Artigo 140°", CPC on line, Lei 41/2013: art. 130.° a 149.°, in Blog do IPPC, 2021, pág. 15).

Assim sendo, é manifesto que a decisão que a lei atribui ao julgador (art. 140.°, n.° 2, CPC) depende da alegação de factos que habilitem o tribunal a formular um juízo sobre a conduta culposa da parte, do mandatário ou dos seus auxiliares na ultrapassagem do prazo peremptório, sendo essa culpa apreciada à luz do critério geral do art. 487.º, n.º 2, do Código Civil («(...) na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso.»). Isto é, compete ao tribunal decidir se, tendo em conta a prova produzida e atravessada nos autos, (i) o evento não é imputável à parte nem aos seus representantes, por não ter havido culpa (nomeadamente sob a forma de negligência), e (ii) obsta à prática tempestiva do acto.

Posto isto, antes de tudo, verifica-se que o prazo peremptório que se oferecia à parte, depois de notificada da prorrogação por mais 30 dias do primeiro prazo de 30 dias, terminou a 17 de fevereiro de 2020. Poderia, no entanto, o acto ser praticado dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, ou seja, a 18, 19 ou 20 de fevereiro de 2020, de acordo com o "prazo de complacência" ou "tolerância" admitido no art. 139.º, n.º 5, do CPC, o que in casu também não sucedeu.

Como salienta a doutrina, "[s]e, ainda que mediante o pagamento de uma multa, a parte tem a faculdade de praticar o acto nos três dias subsequentes ao termo do prazo peremptório (art. 139.º, n.o 5, CPC), não há, à partida, nenhum obstáculo à aplicação do regime do justo impedimento (cfr. art. 140.º CPC). (...) O regime do justo impedimento é geral: ele abrange a prática de qualquer acto que a parte tenha a faculdade de praticar. Se a parte tem essa faculdade porque está dentro do prazo ou porque beneficia do "prazo de complacência" estabelecido no art. 139.º, n.º 5, CPC, isso tem de ser indiferente. Aquele regime destina-se a desonerar a parte do risco de um evento que lhe não é imputável e que obsta à prática do acto" [cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, "Invocação de justo impedimento no "prazo de complacência" - Ac. da Relação de Coimbra, 1/7/2014", in Blog do IPPC,Jurisprudência (27), 10/9/2014,
https://blogippc.blogspot.com/2014/09/jurisprudencia-27.html; também "Artigo 139º", CPC on line cit., pág. 13 ("Nada obsta a [que] uma situação de justo impedimento (art. 140.º, n.o 1) possa ocorrer durante este prazo."). Concordantes: ABRANTES GERALDES/PAULO PIMENTA/LUÍS PIRES DE SOUSA, CPC anotado, Vol. I cit., sub art. 139º, págs. 164-165.).

Ou seja, tal como se concluiu no Ac. do STJ de 25/10/2012, pode ser invocado como justo impedimento "um facto ocorrido num dos três dias úteis previstos" no art. 139.º, n.º 5, do CPC (cfr. Processo n.º 1627/04.7TBFIG-A.C1.S1, Rel. MARIA DOS PRAZERES BELEZA, in www.dgsi.pt, em referência ao pretérito art. 145º. Favorável: Ac. do STJ de 14/5/2019, Processo n.o 7353/15.4T8VNG-B.P1.S1, Rel. GRAÇA AMARAL, inédito, com sumário disponível in Sumários de Acórdãos do STJ - Secções Cíveis, 2015, https:// www.stj.pt/wp-content/uploads/2021/05/sumarios_civel_2019.pdf, pág. 360).

Vejamos se, como defende o Recorrente, houve "justo impedimento" a partir do que se declara no atestado médico.


Como se consignou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de julho 2021, proferido no processo 4044/18.8T8STS-C.P1.S1 e consultável na JusNet, que aqui seguimos de perto, “é muito comum a invocação de situações de doença e comprovada por atestado médico para os mandatários das partes se fazerem prevalecer da sanação provocada pelo "justo impedimento". O que obriga a que nos debrucemos sobre o cumprimento desse ónus probatório quanto a esse facto de "força maior" relativo à saúde do mandatário e ao documento de justificação da extemporaneidade da observância do ónus processual.

A jurisprudência do STJ tem construído com clareza a sua posição nesta matéria. Destacamos os seguintes arestos, evidenciando o que interessa para o que aqui se torna pertinente.

- Ac. de 27/5/2010 (Processo n.° 4184/07, Rel. BETTENCOURT DE FARIA, in www.dgsi.pt, tal como Sumariado):
"O atestado de doença que atesta a impossibilidade de exercício dos deveres profissionais, sem esclarecer a gravidade do mal, ou desacompanhado de outros meios de prova que demonstrem essa gravidade, não é suficiente para estabelecer o justo impedimento, uma vez que não indicia que não pudesse ser encarregada outra pessoa de praticar o acto.";
"A mera entrega das conclusões de recurso pode ser efectuada por via informática ou, na pior das hipóteses, por terceiro, pelo que a doença concretamente invocada apenas seria atendível se se demonstrasse que impedia o requerente de tomar as necessárias providências para que outro praticasse por si o acto omitido.";
"Logo, tendo o requerente provado apenas a impossibilidade relativa de exercer a actividade processual que tinha o ónus de praticar, deve ter-se por não verificado o (justo) impedimento.";
- Ac. de 22/10/2015 (Processo n.° 2736/11.1TBPVZA.S1, Rel. SALAZAR CASANOVA, in Sumários de Acórdãos do STJ - Secções Cíveis, 2015, https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/Civel2015
.pdf, pág. 575):
"O Tribunal reconhece, por força da lei (artigo 376.°/1 do Código Civil) a força plena da declaração constante do atestado, mas não pode considerar abrangidos factos que não constam dessa declaração, aqueles que permitiriam considerar não ter havido culpa, negligência ou imprevidência do mandatário.";
"Se não são mencionadas as circunstâncias do caso - circunstâncias factuais - que permitam considerar que o evento foi imprevisto, estranho à vontade da parte, pondo-a na impossibilidade de praticar atempadamente o acto, o Tribunal não pode reconhecer que houve justo impedimento";
"Aceita-se que a doença seja um evento estranho à vontade da parte, mas nem toda a doença é imprevista e nem toda a doença obsta à prática atempada de um ato processual.";
"A circunstância de o mandatário não aceitar que seja relevada a doença não obsta à declaração de que a sua eclosão foi imprevista - declaração de imprevisão que responsabiliza o médico e pode ser objeto de contraditório", nem "obsta igualmente a que sejam mencionados os factos que permitam considerar que o mandatário esteve incapacitado de cumprir os seus deveres profissionais (v.g., porque esteve hospitalizado durante esses dias, porque esteve acamado, porque sofria de dores ou de outros incómodos provocados pela doença que o impediam (...).";
"(...) mesmo sem menção concreta da doença, podem ser mencionados os factos que permitam ao Tribunal concluir que a doença de que padeceu o advogado obstou à prática atempada do ato." (Elucidativos, em 2.ª instância, do preconizado quanto ao não reconhecimento do "justo impedimento" fundamentado em doença do mandatário, vd. os Acs. da Relação de Guimarães de 7/4/2011, Processo n.o 780/07.2TVPRT-C.G1, Rel. MANUEL BARGADO, e da Relação do Porto de 23/6/2014,Processo n.º 61/12.0GAMIR-A.P1, in www.dgsi.pt.)” (fim de transcrição).
O atestado médico, datado de 14 de fevereiro de 2020 e junto pelo Recorrente, limita-se tão-somente a referir que o seu Mandatário “CC se encontra doente e impossibilitada de comparecer ao seu local de trabalho, estando impedida de realizar a sua atividade profissional entre os dias 14 de fevereiro a 24 de fevereiro de 2020, inclusive, por patologias classificadas na CID-10 com os códigos F32.3 e F51.1.”
Constata este tribunal ad quem que as patologias classificadas na CID-10, ou seja, Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde, com os códigos F32.3 e F51.1 correspondem, respectivamente a “episódios depressivos - episódio depressivo grave com sintomas psicóticos” e a “transtornos não-orgânicos do sono devidos a factores emocionais - hipersonia não-orgânica]".
Assim, muito estranha este colectivo de desembargadores, ou pelo menos é-nos pouco compreensível, que no ponto 4 das motivações do recurso ora em apreço se tenha escrito “Durante a noite de 14 para 15 de Fevereiro do corrente ano, a mandatária foi acometida de virose, doença incapacitante, o que a impossibilitou para a prática da sua actividade profissional, desde tal dia até ao dia 24 de Fevereiro de 2020, cfr. atestado médico que protestou juntar ao requerimento de justo impedimento”, já que o atestado médico não alude a qualquer virose e aquelas patologias também não se reportam a viroses.
A declaração contida no atestado médico, por um lado, não certifica factos concretos que permitam comprovar se a doença de que padeceu a Mandatária foi imprevisível, súbita ou inesperada, em função da sua natureza, circunstâncias ou causas, ou se foi prevista e geradora de impossibilidade esperada naquele período.

O atestado médico não alude a qualquer internamento e do requerimento em que a mandatária do recorrente veio alegar justo impedimento por motivo de doença resulta claramente não ter ocorrido tal situação de internamento.

Por outro lado, pese embora a mandatária do ora recorrente tenha alegado que no “dia 14 de Fevereiro de 2020, durante a noite a ora signatária foi acometida de doença súbita”, fazendo-se aqui apelo à realidade das coisas – à mundividência dos homens e regras de experiência comum que resultam do viver em sociedade – patologias como as indicadas não surgem num dia do nada e não acabam sem mais dez dias depois, o que a própria parece logo a seguir admitir quando alude “[a]o estado grave de doença de que padece”.

A declaração contida no atestado médico, também não evidencia se a Mandatária do arguido AA, em razão da causa da incapacidade de saúde para trabalhar, sofreu de uma restrição efectiva durante todos esses 11 dias e qual a medida dessa restrição, em particular para se saber se esteve incapacitada de manifestar a vontade de encarregar outrem das tarefas profissionais e se fazer substituir (substabelecer), de tal modo que os encargos e as diligências profissionais da Exmª Senhora Advogada pudessem ser realizados durante esse período de incapacidade, mormente o concluir da peça recursória em causa.

Acresce ainda que, a afirmação contida no atestado médico de que “CC se encontra doente doença impossibilitada de comparecer ao seu local de trabalho”, carecia de real concretização, pois nem toda a doença impede a realização de deslocações e que o paciente se ausente da sua residência e vá até onde for necessário, mormente ao seu domicílio profissional, mesmo que aí não vá para trabalhar mas para proprocionar meios para que outrém o faça em seu lugar, aí ou posteriormente noutro local.

O que deveria e poderia ser analisado e apreciado à luz das exigências legais inerentes ao exercício de patrocínio forense. Note-se, uma vez mais e agora, que o "justo impedimento" não se basta com uma mera dificuldade ou uma dificuldade acrescida na prática do acto, exige a verdadeira e radical impossibilidade da prática do acto [cfr. MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, "Artigo 140°", CPC on line cit., pág. 15 (com jurisprudência de suporte)].


Para além do atestado, e da sua força probatória, nenhuma outra prova foi apresentada pelo Recorrente, nem qualquer outra alegação de facto foi aduzida, a não ser a algo melodramática e não comprovada de que a sua Advogada “não pôde (...) arrastar-se para o seu escritório e com muito sacrifício apresentar o presente recurso”.

Destarte, não se fornece ao julgador o circunstancialismo factual suficiente e idóneo para se considerar se e que o evento, nomeadamente se imprevisto e estranho à vontade da Recorrente, não lhe era imputável. Portanto, fora da imprevidência ou descuido que não lhe seriam desculpáveis e, deste modo, isentos de um juízo de culpa que lhe permitiria beneficiar da sanação processual promovida pelo "justo impedimento". E, por isso, não se permite julgar se houve uma impossibilidade justificada e, por tal, obstativa de praticar atempadamente - ou nos prazos subsequentes com penalizações - o acto.

Ao invés, deve considerar-se que, no caso concreto, não foi cumprido pelo Recorrente o ónus da prova do "justo impedimento" relevante - arts. 140°, n.°s 1, e 2, e 342°, n.° 1, ambos do CPC.

Termos em que não pode manifestamente proceder a sua pretensão e sanar-se a extemporaneidade que motivou o desfecho trazido pela decisão recorrida.

IIIDecisão

Pelo exposto, acordam os Juízes na 9ª Secção Criminal da Relação de Lisboa, em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça no mínimo (art. 513.º do CPP e artigos 5.º e 8.º, n." 9, e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 34/2008, de 26 de fevereiro), devendo levar-se em conta quanto aos encargos que o arguido beneficia de apoio judiciário (art. 514.º, n.º 2, do CPP).
Notifique nos termos legais.

Após trânsito, comunique, com cópia, ao Apenso S.


(o presente acórdão foi processado em computador pelo relator, seu primeiro signatário, e integralmente revisto por si e pelo Exmº Juiz Desembargador Adjunto – art. 94.º, n.º 2, do CPP)



Lisboa, 4 de novembro de 2021

(Calheiros da Gama)
(Abrunhosa de Carvalho)