Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
640/10.0TBPDL-W.L1-2
Relator: ONDINA CARMO ALVES
Descritores: RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
ACÇÃO DE SIMPLES APRECIAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. A resolução em benefício da massa insolvente visa a reconstituição do património do devedor, permitindo a destruição de actos prejudiciais a este património.
2. É de rejeitar uma motivação minimalista ou maximalista da declaração de resolução, exigindo-se, todavia, uma motivação mediana ou suficiente que contenha, de forma clara, a indicação de todos os factos essenciais que justificam as concretas razões invocadas para a destruição do negócio, por forma a permitir ao destinatário da declaração a sua posterior impugnação.
3. A acção de impugnação da declaração de resolução em benefício da massa reconduz-se a uma acção de simples apreciação negativa, estando confinada à mera declaração da existência ou inexistência do direito, competindo ao réu, nos termos do artigo 343º, nº 1 do Código Civil, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, do Tribunal da Relação de Lisboa.


I.Relatório:


M.P., S.G.P.S. S.A., com sede na ….., SOCIEDADE TURÍSTICA, S.A., com sede na ……, AREIAS, S.A., com sede na ….. e MOTA, S.A., com sede …… intentaram, em 15.03.2013 contra MASSA INSOLVENTE DE L.G., S.A., com sede na ……, representada pela Administradora da Insolvência, acção de impugnação da resolução de contratos, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 125º do Código de Insolvência e da Recuperação de Empresas, por apenso ao processo em que foi declarada insolvente a Sociedade “L.G., S.A.”.

Fundamentaram as autoras, no essencial, esta sua pretensão da forma seguinte:

1. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 2ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 2ª A. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 2ª A., no valor de € 535.116,07, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
2. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 2ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 04 de Janeiro de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 2ª A. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 2ª A., no valor de € 4.491.144,30, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
3. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 11 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 2ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Março de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 2ª A. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 2ª A., no valor de € 11.581,80, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
4. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 3ª A., a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. Como Cessionária e a 3ª A. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 474.678,96, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
5. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 3ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Março de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 3ª A. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 576.137,89, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
6. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 4ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 4ª A. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 3.574.529,88, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
7. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 11 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 4ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Março de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 4ª A. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 85.099,30, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
8. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a sociedade EMPREITEIROS, S.A., pessoa colectiva e número de matrícula ….. como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a identificada sociedade, no valor de € 4.245.069,17, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
9. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a sociedade ELECTRICIDADE ….. S.A., pessoa colectiva e número de matrícula 512 011 850, como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a identificada sociedade, no valor de € 150.701,96, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
10. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 11 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a sociedade PROJECTOS E CONSTRUÇÕES, S.A., pessoa colectiva e número de matrícula …., como Devedora, pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a identificada sociedade, no valor de € 283.816,88, invocando que o fazia com os fundamentos ali descritos e nos termos do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º, todos do CIRE.
11. Apesar dos fundamentos invocados e vertidos nas cartas de comunicação da resolução dos contratos acima identificadas serem totalmente falsos que, por isso, a realidade passada não preenche os requisitos estabelecidos nas normas identificadas e, em consequência, não confiram a prerrogativa que as mesmas determinam.
12. A Sentença que declarou a insolvência da sociedade L.G., S.A., agora Massa Insolvente, foi proferida no dia 14 de Dezembro de 2010
13. Todas as identificadas cartas de resolução foram datadas de 10 de Dezembro de 2012 e de 11 de Dezembro de 2012.
14. O prazo impreterível de 2 (dois) anos fixado no citado nº 1, do artigo 123º do CIRE, teve o seu termo às 24 horas do dia 14 de Dezembro de 2012.
15. Todas as aludidas cartas de resolução endereçadas à 1ª, 2ª, 3ª e 4ª AA. foram por estas recebidas em dia posterior ao identificado dia 14 de Dezembro de 2012.
16. As declarações de resolução só têm eficácia com o recebimento/conhecimento das mesmas por parte do seu destinatário, neste caso as aqui A.A., facto que só ocorreu dias após o termo do prazo estabelecido para o exercício do direito de resolução.
17. O prazo para o exercício do direito de resolução dos contratos que se tentou, embora indevidamente, exercer com as identificadas comunicações para todas as A.A., à data da receção das mesmas já tinha manifestamente terminado.
18. O direito de resolução dos contratos que a Administradora da Insolvência pretendeu exercer e aqui em causa, à data em que teria eficácia já estava prescrito – nos termos conjugados pelo estabelecido nos artigos 123º, nº 1 do CIRE, do artigo 279º, al. c), do artigo 436º e do artigo 224º, nºs 1 e 3, todos do Código Civil, excepção de prescrição do direito de resolução que se invoca e deve ser julgado procedente por provado, com as legais consequências.
19. Os actos aqui em causa e identificados com a Cessão de Créditos pela ora sociedade insolvente L.G., S.A. e as aqui A.A. e outras sociedades, formalizados pelos Contratos de Cessão de Créditos referenciados, não constituíram qualquer estranho ao objecto social da sociedade insolvente, são usuais no comércio jurídico que, por isso, estão regulados nos artigos 577º a 588º do Código Civil.
20. Não foram com o intuito e finalidade de prejudicar os credores da ora sociedade insolvente, não foram prejudiciais à agora massa insolvente e para tornar inexigível ou de difícil cobrança os referidos créditos.
21. Não foram aqueles créditos cedidos a título gratuito e foram formalizados no rigoroso cumprimento da Lei, nomeadamente refletidos na contabilidade das partes, comunicados nas declarações fiscais devidas, do conhecimento de todos os eventualmente interessados, afinal no escrupuloso cumprimento das normas legais aplicáveis.
22. No início do ano de 2009 o denominado “Grupo Cof.” e seus detentores de capital deliberaram adquirir as participações sociais do denominado “Grupo  Mota”, do qual faziam parte as sociedades aqui Autoras, a sociedade insolvente L.G., S.A. e outras sociedades, através, essencialmente, da compra das participações sociais da aqui 1ª A.
23. No integral cumprimento dessa decisão e adquiridas as participações sociais da 1ª A., constataram que a ora sociedade insolvente L.G., S.A., tinha sido e era a “mãe” das demais sociedades do denominado “Grupo Mota, nomeadamente para com a 3ª e 4ª A.A. e outras sociedades do grupo que, pelo facto decorrente da sua actividade principal – execução de empreitadas de obras públicas e particulares e a promoção imobiliária – era aquela que sempre libertou fluxos financeiros consideráveis.
24. Por esse único e exclusivo motivo, era esta sociedade agora insolvente que por via de serviços prestados às outras referidas sociedades ou por empréstimos concedidos, tinha elevados créditos em conta corrente naquelas sociedades.
25. Como é do conhecimento geral, ao sector de actividade da ora sociedade insolvente – execução de obras públicas e particulares e, a promoção imobiliária – adveio uma grave crise, causada pelo substancial decréscimo de obras a realizar, pelos sistemáticos e reiterados atrasos nos recebimentos dos donos das obras, com maior incidência por parte dos sector público, decréscimo substancial nas vendas dos imóveis construídos na promoção imobiliária, factos ainda mais agravados com o fim do crédito bancário, como é igualmente do conhecimento comum.
26. Em meados de 2009 a sociedade insolvente L.G., S.A. estava com dificuldades de tesouraria ou seja, não conseguia libertar fluxos financeiros suficientes para fazer face às suas obrigações, apesar da elevada capacidade de produção instalada e do seu substancial património.
27. Perante esses factos, os atuais detentores do capital social do denominado “Grupo Mota”, decidiram adotar medidas que viabilizassem o reforço da tesouraria da sociedade insolvente L.G., S.A. através da entrada de valores muito consideráveis, com a finalidade de aquela solver as suas obrigações, de manter a sua actividade e em última instância preservar as centenas de postos de trabalho.
28. No cumprimento desse propósito e para efeitos de dar cumprimento às boas práticas contabilísticas e para a transparência fiscal, esses “apports” de dinheiro à tesouraria da sociedade insolvente eram e foram realizados pela 1ª A. como sociedade gestora de participações sociais e detentora do capital da sociedade insolvente que, para essa finalidade, procederam a avultadas entregas de valores à aqui 1ª A. com entregas por conta de aumentos de capital e de suprimentos à dita sociedade, para com esses valores, a 1ª A. provesse como proveu a tesouraria da ora sociedade insolvente L.G., S.A..
29. Como primeiro acto para satisfazer as necessidades de tesouraria da aqui Ré massa insolvente, por contrato promessa de compra e venda de participações socais, celebrado em 23 de Julho de 2009, a agora sociedade insolvente L.G., S.A. prometeu vender à 3ª A. a totalidade da participação social de 30% que detinha na sociedade TURISMO E ANIMAÇÃO, S.A., pelo preço de € 2.622.000,00, bem como o valor das prestações suplementares de cerca de € 4.200.000,00, mas ainda a fixar conforme estabelecido no devido contrato promessa, cujo pagamento do preço e respectivos prazos foram assumidos pela aqui 1ª A.
30. Para cumprimento da obrigação que assumiu no identificado contrato promessa e, essencialmente para pagamento do preço da participação social prometida vender de € 2.622.000,00, a aqui 1ª A. realizou à agora sociedade insolvente L.G., aqui massa insolvente e Ré, vários pagamentos que identificou
31. Em 30 de Novembro de 2009 a 1ª A. tinha liquidado/entregue, por transferências e outros pagamentos, à sociedade L.G., S.A., aqui massa insolvente Ré, a quantia de € 3.205.188,72, que esta usou para o seu giro comercial, tenho pago obrigações a fornecedores, subempreiteiros, trabalhadores e encargos ao Estado.
32. A quantia identificada no nº anterior, pagou à ora Ré o valor de € 2.622.000,00, a totalidade do valor de venda da participação social descrita nos nºs 69 e 72 desta, em total cumprimento da obrigação que assumiu no identificado contrato, sendo certo que, o valor pago pela 1ª A. à ora massa insolvente Ré até 30/09/2009, era superior ao preço de venda fixado da identificada participação social na quantia de € 583.118,72 (€ 3.205.118,72 - € 2.622.000,00).
33. Valor remanescente que, entre outros, se destinava a liquidar o valor das prestações Suplementares que foram objecto da promessa de venda da participação social mas cujo valor, previsto naquele contrato, ainda não era certo.
34. Porque o preço da identificada venda da participação social estava paga, as partes ali promitentes – Ré, 1ª A. e 2ª A., em 01 de Março de 2010, celebraram o contrato definitivo de compra e venda da participação social da ora Ré na sociedade TURISMO E ANIMAÇÃO, S.A à aqui 2ª A., passando esta 2ª A. a ser a titular efectiva e de boa-fé da participação de 30% do capital da aludida sociedade.
35. Nesse contrato foi acordado pelas partes que afinal o valor das prestações suplementares que a aqui Ré também vendeu à 2ª A. não era o mesmo que descreveram no Contrato Promessa supra identificado, que inclusive, sendo esse valor inferior, existiria um valor de Suprimentos da aqui Ré que também foi vendido à 2ª A. mas, mais uma vez, ainda sujeito a confirmação, como previram na alínea e) da Clausula 7ª do contrato, sendo certo que o pagamento das prestações suplementares e dos Suprimentos objecto daquela venda, seriam pagos como estabelecido na Cláusula 4ª.
36. Na Assembleia Geral de Acionistas da identificada TURISMO E ANIMAÇÃO, S.A, realizada em 31 de Maio de 2011, constataram que o Consórcio de empreiteiros de que a sociedade L.G., S.A. e aqui Ré fazia parte com adjudicatários das empreitadas de construção do “SPA Hotel”, do “Hotel Príncipe” do “Shopping …” e do “Casino ….” haviam faturado valores percentuais de trabalhos muito superiores ao volume e valor dos trabalhos realizados.
37. Naquela identificada Assembleia Geral a sociedade TURISMO E ANIMAÇÃO, S.A, foi deliberado reafectar a totalidade dos valores constituídos pela aqui Ré a título de prestações suplementares/acessórias e de suplementos à cobertura do valor do diferencial constatado de facturação e, em consequência, o valor dessas prestações suplementares e suplementos que a Ré tinha vendido à 2ª A., mas cujo valor ainda não era certo, foi extinto em favor e claro benefício da agora massa insolvente Ré.
38. Ou seja, veio-se a constatar que a ora Ré não tinha o crédito, por aqueles títulos, que vendeu à 2ª A. e, por isso, não pode nem devia nem deve receber o referido valor.
39. O que constava daqueles identificados contratos de venda de participações sociais, foi a ora 1ª A. que pagou o preço dessa compra e venda à aqui Ré, sendo certo que, quer formal, quer contabilisticamente, a aqui Ré detinha um crédito, decorrente daquela venda, sobre a 2ª A.,porque de facto esta não lhe pagou.
40. Mas também era uma realidade que a aqui Ré tinha em divida à 1ª A. o valor que esta já lhe havia adiantado pelas transferências bancárias e outros pagamentos, razão e motivo porque celebrou com as 1ª e 2ª A.A. os identificados contratos de cessão de crédito, datados de 31/12/2009, 04/01/2010 e 31/03/2010, em pagamento do valor que já lhe tinha entregue, sendo que, do valor do crédito cedido só o montante de € 2.622.000,00 era real, efectivo e devido.
41. As identificadas cessões de créditos foram pelo seu valor nominal, foi integralmente pago pela 1ª A. à ora Ré, que o recebeu e com ele deu pagamento às suas obrigações.
42. São erradas e infundadas as comunicações de resolução dos identificados contratos de cessão de créditos que se impugnam e, por isso, devem aquelas comunicações ser revogadas e declaradas sem efeito, com as legais consequências.
43. Prosseguindo com a descrita estratégia real, a 1ª A. continuou a transferir para as contas da ora Ré avultadas quantias para habilitar a tesouraria desta a satisfazer as suas obrigações, quantias essas que identificaram.
44. No final do ano de 2009 a 1ª A. tinha transferido para as contas da ora Ré e que esta fez suas, utilizando-as para o pagamento das suas obrigações, para além da quantia de € 2.622.000,00 que pagou a supra referida venda de participações sociais, a quantia de € 2.315.256,00.
45. Para pagamento da supra identificada quantia a ora Ré cedeu à 1ª A. o crédito de € 1.050.816,85 que tinha em conta corrente com a 3ª A., pelo valor nominal e, que se disse, foi integralmente pago, ou seja, o valor do crédito cedido foi recebido pela aqui Ré.
46. Os identificados Contratos de Cessão de Créditos que a Administradora da Insolvência pretende resolver com as comunicações aqui em causa foram pelo valor nominal do crédito, foi pago, não houve qualquer prejuízo para os credores, não foi com o intuito de frustrar ou dificultar a sua cobrança, etc., como erradamente refere a Administradora da Insolvência, pelo que, deve a presente impugnação ser julgada procedente e declaradas sem efeito as identificadas comunicações de resolução, com as legais consequências.
47. Até 31 de Março de 2010 a 1ª A. transferiu para contas e proveito da ora Ré a módica quantia de € 5.926.161,10, que unicamente se destinou a prover a tesouraria desta de fluxos financeiros para proceder ao pagamento das suas obrigações.
48. No seguimento da decisão de recuperar a agora Ré insolvente outras quantias de valor muito avultado seriam transferidas para a aqui Ré, razão e motivo porque foram celebrados os demais contratos de cessão de créditos detidos em conta corrente pela aqui Ré sobre outras sociedades do denominado “Grupo Mota” e que estão aqui em causa.
49. Os quais foram sempre celebrados a titulo oneroso e pelo valor nominal do crédito cedido que só não foi integralmente pago pela 1ª A. à ora Ré porquanto, adveio ao conhecimento daquela que tinha sido requerida a sua insolvência que se identifica com os presentes Autos.
50. Por via do Processo de Insolvência da ora Ré e enquanto não ficar definitivamente decidido qual o fim da ora Ré, a aqui 1ª A. entende não proceder a qualquer demais pagamento.
51. Na sequência dos factos descritos, o saldo remanescente do valor já pago, por transferência, à ora Ré, na quantia de € 1.253.344,25 (€ 5.926.161,10 - € 2.622.000,00 - €1.050.816,85) pagou parcialmente o valor dos créditos cedidos pela Ré à 1ª A. detidos em conta corrente sobre a 4ª A.
52. Todos os identificados Contratos de Cessão de Créditos que a Administradora da Insolvência pretende resolver com as comunicações aqui em causa, foram pelo valor nominal do crédito, foi pago, não houve qualquer prejuízo para os credores, não foi com o intuito de frustrar ou dificultar a sua cobrança, não se verifica os requisitos que impliquem a qualificação da atuação de má-fé dos agentes envolvidos, como erradamente refere a Administradora da Insolvência.
53. Deve a presente impugnação ser julgada procedente e declaradas sem efeito as identificadas comunicações de resolução por não se verificarem cumpridos os fundamentos de facto que impliquem a sua resolução, mesmo aqueles que estão descritos nas comunicações que se impugnam e por não se mostrarem cumpridos os requisitos legais que impliquem a aplicação e cominação estabelecida nas normas que descreve.

Pediram as autoras que seja julgada, totalmente procedente por provada, a excepção de prescrição do direito de resolução dos identificados contratos, por decurso do prazo estabelecido no artigo 123º, nº 1, do CIRE, com todas as consequências legais. E, sem prescindir, em todo o caso, ser a presente impugnação da resolução julgada totalmente procedente, por provada e, em consequência, julgadas sem efeito as comunicadas resolução dos identificados contratos, com as legais consequências.

Citada a Massa insolvente, esta apresentou contestação, em 13.06.2013, concluindo, pedindo que seja declarada improcedente a invocada excepção de prescrição ou caducidade e a ré ser absolvida do pedido com as legais consequências, sendo declarada improcedente a acção, por não provada, e mantendo-se todas as resoluções em causa efectuadas a favor da massa insolvente ora ré agora discutidas nestes autos.

Teve lugar audiência prévia, em 25.06.2015, na qual foi proferido o despacho saneador, identificado o objecto do litígio e enunciados os Temas da Prova e realizada perícia colegial.

Foi levada a efeito a audiência de discussão e julgamento, em 13.10.2015, após o que o Tribunal a quo proferiu decisão, em 25.11.2015, constando do Dispositivo da Sentença, o seguinte:
Pelo exposto, julgo a acção procedente e, em consequência:
1. Julgo improcedente por não provada a excepção de prescrição do direito de resolução dos contratos referidos em 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19 dos factos provados.
2. Julgo procedente a impugnação da resolução e, em consequência, declaro sem efeito a comunicação da resolução relativa aos contratos referidos em 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19 dos factos provados, relativos às Autoras.
Custas pela Ré (artigo 527º, nº 1 e nº 2 do Código de Processo Civil), sem prejuízo do apoio judiciário.
Registe e Notifique.

Inconformada com o assim decidido, a , MASSA INSOLVENTE DE L.G., S.A., interpôs, em 15.12.2015, recurso de apelação, relativamente à sentença prolatada.

São as seguintes as CONCLUSÕES da recorrente:

i.No que respeita à matéria dada como não provada, a ré não poderá aceitar os factos numerados em “1)” na parte dos factos dados como não provados – e que este tenha sido considerado como não provado, devendo passar a ser considerado e julgado como provado e a matéria de facto ser alterada nesse sentido.
ii. O relatório pericial junto aos autos, subscrito de forma unânime pelos Srs. Peritos, e sem qualquer reserva individual por parte destes, bem como os seus esclarecimentos prestados em sede de julgamento não permitem outra conclusão que não seja a consideração como provado deste facto – antes, impõem a conclusão de que este facto deverá ser dado como provado.
iii. Percorrendo o relatório pericial, quanto aos quesitos da ré, ora recorrente, e sem prejuízo de que o relatório, visto como um todo impõe a conclusão agora pugnada, podemos atentar e evidenciar nos seguintes pontos:
- Quesito 1º: onde é afirmado que as cedências de créditos não se traduziram em qualquer mais valia para a insolvente; e que a insolvente ficou impossibilitada de receber essas quantias ou parte dessas empresas que tinham tesouraria activa;
- Quesito 2º: onde é afirmado que a qualidade do activo financeiro da insolvente piorou uma vez que a SGPS não tinha receitas próprias e como tal não tinha condições de liquidar a dívida para com a cedente (insolvente); e o facto de que se esta dívida tivesse sido lançada na contabilidade da insolvente esta ficaria com uma situação líquida drástica;
- Quesito 3º: onde é referido expressamente que os credores viram diminuída a possibilidade de serem pagos/ressarcidos;
- Quesito 4º: onde é referido que o risco de incobrabilidade aumentou, pelo que essa imparidade deveria ter sido lançada na contabilidade e em consequência o activo ver-se-ia assim diminuído;

iv. Quanto aos quesitos da autora:
- todos os que quesitavam pagamentos e compensações de pagamentos e que os Srs. Peritos não lograram ver documentação que os convencesse desses factos, designadamente 1º, 2º e 4º.
- Quesito 5º: onde os Srs. Peritos colocam seriamente a hipótese de que os fluxos financeiros poderiam ter sido maiores para a insolvente, caso esses créditos se mantivessem na sua esfera patrimonial; e onde expressamente escrevem que com essas cedências de créditos a insolvente ficou a “perder” e que o activo da insolvente se degradou, por via dessas cedências de créditos e que esse facto só não transparece na contabilidade da insolvente porque a sua escrita contabilística foi viciada para o não mostrar;
Quesito 7º: onde vai expressamente referido que os créditos cedidos à SGPS não foram pagos à insolvente.

v. Ora, em sede de esclarecimentos, para além de terem mantido tudo quanto tinham escrito no seu relatório e para além de terem reiterado tudo quanto aí verteram, os Srs. Peritos, ambos, declararam essas cedências de créditos de “baixo para cima”, isto é da sociedade “filha”(operacional) para a sociedade “mãe”(SGPS) não tinha qualquer sentido do ponto de vista racional, económico-financeiro e que, ambos, jamais tinham visto semelhante operação, ao longo das suas vidas profissionais, pois o que normalmente viam era o oposto – aliás, como bem vem descrito na sentença recorrida na parte em que versa sobre os esclarecimentos destes Srs. Peritos em sede de audiência de julgamento.

vi. A ser assim, e salvo o devido respeito, a sentença recorrida violará as regras sobre prova tarifada, designadamente no que toca à livre convicção do julgador, quando dela se entende afastar (e nada a sentença nos diz ter sido o caso), tendo violado o Art.388º do Código Civil e devendo, por isso, ser anulada nesta parte, fazendo-se consignar como provado o facto dado como não provado em “1)” dos factos não provados na sentença.

vii. Salvo o devido respeito, a carta de resolução cumpre as exigências legais de fundamentação, quer substantivas, no que toca à materialidade, quer formais, no que toca à subsunção jurídica e consequências da prática dessa materialidade – sendo que as missivas resolutivas são todas aquelas que vão descritas na matéria de facto dada como provada e que se aceita nesses termos descritivos.

viii. A título de exemplo e uma vez que, como bem refere a sentença recorrida, têm todas praticamente o mesmo teor aquela que vai mencionada em 39 dos factos dados como provados fez aí inscrever o seguinte (de forma resumida):
- descreve o objecto social da insolvente, sendo que o da SGPS, (destinatária da carta) está legalmente fixado e tarifado;
- menciona a data em que foi requerida a insolvência da devedora (26/03/2010);
- menciona a data em que foi proferida a sentença de insolvência (14/12/2010);
- menciona que a data da celebração dos negócios resolvidos (31/12/2009) e que a essa data a insolvente já estava com graves dificuldades financeiras e na prática já insolvente (facto confirmado pelo relatório pericial e reafirmado em esclarecimentos);
- especifica que a essa mesma data já a insolvente se encontrava a ser demandada judicialmente em inúmeras acções judiciais com vista ao cumprimento de obrigações financeiras que voluntariamente não fazia;
- Que a situação financeira da insolvente era do conhecimento publico em geral e dos seus parceiros comerciais em especial, designadamente bancos, clientes e fornecedores;
- Que essa situação não poderia ser do desconhecimento quer da insolvente quer da cessionária e aqui 1ª autora, uma vez que as intervenientes nesse negócio, sociedades, estavam a ser representadas pela mesma pessoa física, por serem os mesmos gerentes e administradores;
- Menciona que a cedência de créditos foi efectuada em prejuízo dos credores e que esse prejuízo se presume;
- Menciona que essas cedências foram efectuadas com o intuito de retirar essa liquidez financeira ao activo da insolvente e ao concurso de credores – facto comprovado pelos peritos no relatório e em esclarecimentos;
- Menciona que esse acto é estranho ao objecto social de ambas as empresas – facto comprovado pelos peritos e explicado em sede de esclarecimentos;
- Que foi um acto de delapidação do activo patrimonial – facto comprovado da mesma e já referida forma.
- Que caso esse crédito continuasse na esfera patrimonial da insolvente, poderia ser cobrável, pelo menos em parte – facto comprovado e escrito em sede pericial e explicado pelos peritos em audiência;
- Que no limite, esses créditos a continuarem na esfera patrimonial da insolvente, reverteriam para todos os credores, em sede de liquidação e não apenas para um, especificamente escolhido para o efeito;
- Que, atenta a cronologia e conhecimento dos factos, pelas sociedades intervenientes nestas cedências não se pode deixar de constatar a má-fé com que foram celebradas;
- Que por via destes factos, os actos eram resolvidos a favor da massa nos termos dos Arts.120ºnºs.1, 2, 3, 4 e 5 e ainda nos termos do Art.121ºnº.1, Als.b), f) e g) e Arts. 124º e 126º, todos do CIRE.

ix. Quanto à má-fé (art.120º):
Vai esta devidamente fundamentada pelo conhecimento dos factos aí descritos e pelo facto das sociedades serem representadas pela mesma pessoa física – impossível desconhecer.

x. Quanto à prejudicialidade (art.120º)
A recorrente deverá remeter para quanto alegou em sede de matéria a dar como provada e sobretudo para o relatório dos Srs. Peritos – afigurando-se impossível aos olhos da recorrente não se poder deixar de verificar.

xi. Quanto às dificuldades financeiras (art.120º)
O relatório pericial, salvo o devido respeito, prova-o à saciedade, e do conhecimento sobre o início do processo de insolvência também nenhumas dúvidas poderá haver, uma vez que as pessoas físicas eram as mesmas, para além de que é facto notório, pelo menos, a declaração de insolvência, por obrigação legal quanto à sua publicação em D.R.
No entanto e como bem refere a sentença recorrida, a resolução em causa vai efectuada nos termos do Art.121º, als.b), f) e g) do CIRE. Ora, salvo o devido respeito e a ser assim.

xii. O requisito inserto na al.b) desta norma, foi expressamente alegado na carta resolutiva e emergirá como consequência dos seguintes factos provados e mencionados à saciedade no relatório pericial:
- Não haver qualquer relação causal, material e substantiva ou comercial que justificasse essa transferência de créditos;
- A cessionária continua, à data actual, do julgamento destes autos, a dever elevadíssimas quantias à insolvente (milhões de euros) quantificados e mencionados no relatório pericial;
- Tendo apenas liquidado algumas dívidas da insolvente com o dinheiro que recebeu através dessas cedências de créditos;
- Os Srs. Peritos concluem por várias vezes e de forma segura, quer no relatório pericial, quer em sede de esclarecimentos na audiência, que a insolvente nenhum lucro teve com estas transferências – antes pelo contrário, contribuíram todas para a diminuição do seu activo financeiro e da sua liquidez operacional.

xiii. No que toca ao requisito da al.f) do mesmo Art.121º, foi também alegado factualmente na carta resolutiva e salvo o devido respeito, encontrar-se-á preenchido pelo próprio teor dos documentos e dos contratos de cessão de créditos que os descrevem em detalhe.

xiv. Quanto à al.g) do mesmo preceito, foi também alegado em sede de carta resolutiva na descrição factual aí vertida, e continuando a ressalvar o muito respeito devido, os mesmos Srs. Peritos dela deram nota no seu relatório e nos esclarecimentos que prestaram em audiência (conforme à descrição destes esclarecimentos efectuada na sentença recorrida), tendo escrito e depois reiterado que jamais viram uma operação destas ser efectuada, que não tem racionalidade económico-financeira e que é até contrária ao objecto social de uma SGPS, sendo que o acontece sempre e é normal na vida comercial é o capital circular das SGPS para as sociedades “filhas” e não o contrário.
xv. Pelo exposto haverá de concluir-se que a fundamentação das missivas resolutivas em causa nestes autos é suficiente e que se encontram devidamente provados e preenchidos os requisitos legais das supra mencionadas alíneas do Art.121º, pelo que as agora impugnadas resoluções, também nesta parte, se deveriam manter e ter sido consideradas válidas.

xvi. No entanto, e caso se entendesse que o acto não é gratuito – o que repugnará à ré e só por mera cautela de raciocínio se adianta – então sempre seria oneroso, e sendo oneroso, nada impediria que o tribunal da primeira instância o subsumisse na al.h) do mesmo normativo falimentar, continuando assim, também por aqui, a prevalecer estas resoluções.

xvii. A ser assim, e salvo o muito e devido respeito, entende a ré, massa insolvente, ora recorrente, que se encontram violados os Arts.388º do Código Civil, bem como os Arts.120º nºs.1, 2, 3, 4 e 5 e 121ºnº.1, als. b), f) e g) e ainda os Arts.124º e 126º do CIRE, devendo a decisão recorrida ser anulada e substituída por outra que, por de justiça, mantenha as resoluções em causa nestes autos, declarando improcedente a presente acção de impugnação a essas resoluções.

Pede, por isso, a apelante, que seja julgado procedente o recurso e revogada a decisão recorrida e substituindo-se por outra que declare improcedente a presente acção de impugnação e dela absolva a ré, ora recorrente.

As autoras apresentaram contra-alegações, em 30.12.2015, propugnando pela improcedência do recurso e confirmada na totalidade a decisão recorrida e formularam as seguintes CONCLUSÕES:

i. As Alegações e Conclusões de Recurso que se estribam no alegado erro de julgamento da matéria de facto por via dos esclarecimentos dos Senhores Peritos prestados em Audiência de Julgamento, para além de não serem verdadeiras, devem ser rejeitadas por manifesto incumprimento da ora Recorrente da obrigação constante do artigo 640º do CPC, nomeadamente nas alienas b) do nº1 e a) do nº2,
ii. Porquanto, a Recorrente em momento algum indica com exatidão as passagens da gravação realizada em Audiência de Julgamento quanto aos esclarecimentos dos Senhores Peritos, assim como também não os descreveu ou juntou a respetiva transcrição.
iii. Aliás, quanto aos ditos esclarecimentos e por se reportar de essencial para a descoberta da verdade material, veja – se a descrição que o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo efetuou na “motivação” da Douta Sentença quanto aos esclarecimentos prestados pelos Senhores Peritos, que são bem diferentes daqueles que a ora Recorrente procura, erradamente, descrever para fundamentar o seu Recurso.
iv. Resultou provado e agora assente que, os actos resolvidos pela Massa Insolvente, ora Recorrente, foram feitos pelo seu valor nominal e real e, foram pagos.
v. Pelo que, muito bem andou o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo ao decidir que esses actos não são prejudiciais à Massa Insolvente e aos credores,
vi. Acrescido do facto constante da fundamentação da Douta Sentença em que os actos resolvidos não significaram nenhuma perda de garantia para a ora Recorrente porquanto, a 1ª Recorrida era a titular direta ou indiretamente da maioria do capital social das primitivas devedoras.
vii. Ou seja, podemos concluir que na eventualidade de alguma das primitivas devedoras não ter capacidade/libertação de meios para liquidar os créditos objeto da cessão, o que no caso concreto era comum a várias dessas devedoras, a 1ª Recorrida tinha e sempre teria maior capacidade para liquidar os referidos créditos junto da ora Recorrente, o que aliás em grande parte ocorreu.
viii. Finalmente, a Douta Sentença recorrida é manifestamente correta quanto ao julgamento da nulidade das comunicações/cartas de resolução, por manifesta falta de descrição casuística dos concretos factos que levaram à decisão de resolução.
ix. Em consequência, a Douta Sentença recorrida não viola nenhuma das normas legais que a ora Recorrente identifica.
x. Razão e motivo porque, as Alegações e Conclusões da ora Recorrente são manifestamente infundadas de facto, e erradas de direito pelo que, devem ser julgadas totalmente improcedentes, por não provadas, e
xi. Consequentemente, confirmada na totalidade a Douta Sentença recorrida porquanto, faz uma correta interpretação e valoração dos factos carreados para os Autos, da prova escrita e oral produzida em julgamento e uma correta subsunção dos factos às normas jurídicas aplicáveis, não merecendo por isso qualquer censura ou reparo.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. ÂMBITO DO RECURSO DE APELAÇÃO.

Importa ter em consideração que, de acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Novo Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação da recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, e face ao teor das conclusões formuladas a solução a alcançar pressupõe a análise das seguintes questões:

i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E OS ESPECÍFICOS ÓNUS DE       IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE;
ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS  APURADOS.

O que implica a análise:   
DO INSTITUTO DA RESOLUÇÃO DE NEGÓCIO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE:
a) DAS MODALIDADES DE RESOLUÇÃO E RESPECTIVOS REQUISITOS;
b) DO CONTEÚDO DA DECLARAÇÃO RESOLUTIVA;
c) DA NATUREZA DA ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA RESOLUÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS.


III.FUNDAMENTAÇÃO.

A–
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Foi dado como provado na sentença recorrida, o seguinte:

1. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 2ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 2ª A. como Devedora.
2. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 2ª A., no valor de € 535.116,07.
3. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 04 de Janeiro de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 2ª A. como Devedora.
4. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 2ª A., no valor de € 4.491.144,30.
5. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 11 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Março de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 2ª A. como Devedora.
6. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 2ª A., no valor de € 11.581,80.
7. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 3ª a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. Como Cessionária e a 3ª A. como Devedora.
8. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 474.678,96.
9. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 3ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Março de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 3ª A. como Devedora.
10. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 576.137,89.
11. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 4ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 4ª A. como Devedora.
12. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 3.574.529,88.
13. Por carta registada com aviso de recepção, datadas de 11 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. e à 4ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Março de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a 4ª A. como Devedora.
14. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a 3ª A., no valor de € 85.099,30.
15. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a sociedade EMPREITEIROS, S.A., pessoa colectiva e número de matrícula …. como Devedora.
16. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a identificada sociedade, no valor de € 4.245.069,17.
17. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 10 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2010, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a sociedade ELECTRICIDADE …, S.A., pessoa colectiva e número de matrícula…, como Devedora.
18. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a identificada sociedade no valor de € 150.701,96.
19. Por carta registada com aviso de recepção, datada de 11 de Dezembro de 2012, a Administradora da Insolvência comunicou à 1ª A. a resolução do Contrato de Cessão de Créditos celebrado em 31 de Dezembro de 2009, entre a sociedade Insolvente e aqui Ré como Cedente, a 1ª A. como Cessionária e a sociedade CONSTRUÇÕES, S.A., pessoa colectiva e número de matrícula ..., como Devedora.
20. Pelo qual a Ré cedeu à 1ª A. o crédito que detinha em conta-corrente sobre a identificada sociedade no valor de € 283.816,88.
21. A Sentença que declarou a insolvência da sociedade L.G., S.A., foi proferida no dia 14 de Dezembro de 2010.
22. A carta referida em 1 foi rececionada no dia 17.12.2012.
23. A carta referida em 3 foi rececionada no dia 17.12.2012.
24. A carta referida em 5 foi rececionada no dia 17.12.2012.
25. A carta referida em 7 foi rececionada no dia 17.12.2012.
26. A carta referida em 9 foi rececionada no dia 17.12.2012.
27. A carta referida em 11 foi rececionada no dia 17.12.2012.
28. A carta referida em 13 foi rececionada no dia 17.12.2012.
29. A carta referida em 15 foi rececionada no 17.12.2012.
30. A carta referida em 17 foi rececionada no dia 17.12.2012.
31. A carta referida em 19 foi rececionada no dia 17.12.2012.
32. A carta referida em 1 dirigida à 2ª A. foi rececionada no dia 20.12.2012.
33. A carta referida em 3 dirigida à 2ª A foi rececionada no dia 20.12.2012.
34. A carta referida em 5 dirigida à 2ª A foi rececionada no dia 20.12.2012.
35. A carta referida em 7 dirigida à 3ª A. foi rececionada no dia 17.12.2012.
36. A carta referida em 9 dirigida à 3ª A. foi rececionada no dia 17.12.2012.
37. A carta referida em 11 dirigida à 4ª A. foi rececionada no dia 17.12.2012.
38. A carta referida em 13 dirigida à 4ª A. foi rececionada no dia 17.12.2012.
39. A missiva referida em 1 dirigida à 1ª A. tem o seguinte teor “(…)No dia 31 de Dezembro de 2009 celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G.,, Participações, SGPS, S.A. e Sociedade Turística, Lda. - cfr. doc. 1 que se junta e se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. O objecto social da Eng. L.G., S.A., consiste na Construção civil e obras públicas, engenharia civil, instalações especiais, aluguer de equipamento de construção e demolição com operador, incluindo máquinas para construção e engenharia civil, comércio por grosso e a retalho de madeira, materiais de construção e equipamentos sanitários, actividades imobiliárias por conta própria, promoção imobiliária, compra e venda de bens imobiliários, arrendamento de bens imóveis, avaliações imobiliárias e administração de imóveis por conta de outrem. No dia 26 de Março de 2010, foi requerida a Insolvência da L.G., S.A. , pela credora J. P. , e pelos fundamentos que constam dessa petição inicial – cfr. Doc. 2 que se junta e se considera integralmente reproduzida para todos os legais efeitos. No dia 14 de Dezembro de 2010 foi proferida sentença de insolvência, já transitada em julgado – cfr. Doc. 3 que se junta e que se considera reproduzido para todos os devidos e legais efeitos. Sucede que à data da celebração do contrato de Cessão de Créditos, 31 de Dezembro de 2009, a sociedade L.G., S.A., já se encontrava em gravíssimas dificuldades financeiras, na prática, já insolvente, o que se veio a confirmar pouco tempo depois, e uma vez que nenhum facto, comercial ou economicamente relevante para sanar a situação financeira da empresa, ocorreu entre essa data e a data da sentença. Na verdade, à data da celebração desse contrato, já a sociedade L.G., S.A, estava a ser demandada em inúmeras acções judiciais, com vista ao cumprimento compulsivo de obrigações que não tinha cumprido voluntariamente. Para além das já referidas dívidas a terceiros, a esta data também, 31 de Dezembro de 2009, já a mesma sociedade exibia incumprimentos de valores elevados, relativamente à sua capacidade financeira, à Segurança Social, à Fazenda Nacional, e à banca, facto que era do conhecimento público e do giro comercial de todos os parceiros comerciais da insolvente. No caso concreto deste contrato, este conhecimento advém, directamente, do facto de as três intervenientes/outorgantes estarem, e serem, representadas pelos mesmos gerentes/administradores, José …. e Paula ….. Esta cedência de créditos foi efectuada em prejuízo de todos os credores da insolvente L.G., S.A., prejuízo esse que se presume, sem admissibilidade de prova em contrário, e foi ainda efectuada com o propósito de furtar a cobrança do dito a favor da massa insolvente, em favor de todos os credores reclamantes, tornando -se, pelo menos até à sua resolução, inexigível por qualquer dos credores da sociedade L.G., S.A. e agora pela massa insolvente, constituindo ainda, um acto absolutamente estranho ao objecto social da sociedade cedente, e efectuado contra os seus interesses sociais, uma vez que, nos termos e momento em que foi celebrado, constitui clara delapidação, a título gratuito, do activo/acervo patrimonial da insolvente. Este crédito detido pela sociedade L.G., S.A sobre a Sociedade Turística, Lda., no montante de € 535.116,07, caso continuasse na esfera patrimonial da insolvente era líquido, exigível e cobrável em benefício da massa insolvente, no âmbito da liquidação ou de plano de recuperação. Por estes factos, é notória a má-fé que presidiu à outorga do dito contrato de cessão de créditos que ora se resolve. O mesmo contrato, pelo exposto, integra e preenche os requisitos do art .º 120º, n.º 1º, 2º, 3º, 4º e 5º, e ainda do artigo 121º, n. º 1, alíneas b) , f ) e g) , e artigos 124º e 126º todos do CIRE. Assim no exercício das funções para as quais fui nomeada e com os fundamentos factuais e legais supra mencionados, serve a presente para notificar V. Exas., que o contrato de Cessão de Créditos celebrado entre a insolvente L.G., S.A, Participações, SGPS, SA e Sociedade Turística, Lda., no dia 4 de Janeiro de 2010, fica resolvido de forma imediata e incondicional, pelos motivos supra invocados, ao abrigo e em cumprimento do disposto nos artigos 120º, 121º e 126º do CIRE. ”
40. A missiva referida em 1 dirigida à 2ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…)No dia 31 de Dezembro de 2009 celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
41.A missiva referida em 3 dirigida à 3ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…)No dia 4 de Janeiro de 2010 celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
42. A missiva referida em 5 dirigida à  3ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…)No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
43. A missiva referida em 5 dirigida à 2ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…)No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
44. A missiva referida em 7 dirigida à 3ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…)No dia 31 de Dezembro de 2009 celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
45. A missiva referida em 7 dirigida à 3ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Dezembro de 2009 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
46. A missiva referida em 9 dirigida à 4ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
47. A missiva referida em 9 dirigida à 3ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
48. A missiva referida em 11 dirigida à 4ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Dezembro de 2009 foi celebrado um contrato de cessão de créditos L.G., S.A , (…)
49. A missiva referida em 13 dirigida à 1ª A. tem o seguinte idêntico teor “(…) No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
50. A missiva referida em 13 dirigida à 4ª A.  tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
51. A missiva referida em 15 dirigida à 1ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Dezembro de 2009 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
52. A missiva referida em 15 dirigida à 3ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…)No dia 31 de Dezembro de 2009 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
53. Na missiva referida em 17 dirigida à “Electricidade, S.A.” tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
54.A missiva referida em 17 dirigida à 1ª A., tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Março de 2010 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
55. A missiva referida em 19 dirigida à “Construções, S.A.” tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Dezembro de 2009 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
56. A missiva referida em 19 dirigida à 1ª A. tem o seguinte e idêntico teor “(…) No dia 31 de Dezembro de 2009 foi celebrado um contrato de cessão de créditos entre L.G., S.A , (…)
57. No início do ano de 2009 o denominado “Grupo Cof.” e seus detentores de capital decidiram adquirir as participações sociais do denominado “Grupo Mota”.
58. Do qual faziam parte as sociedades aqui Autoras, a sociedade insolvente L.G., S.A. e outras sociedades.
59. Através, essencialmente, da compra das participações sociais da 1ª Autora.
60. A sociedade insolvente L.G., S.A., tinha sido e era a “mãe” das demais sociedades do denominado “Grupo Mota, nomeadamente para com a 3ª e 4ª A.A. e outras sociedades do grupo.
61.A insolvente L.G., S.A., decorrente da sua actividade principal – execução de empreitadas de obras públicas e particulares e a promoção imobiliária – era aquela que libertava fluxos financeiros.
62. Por esse motivo, era esta sociedade agora insolvente que por via de serviços prestados às outras referidas sociedades ou por empréstimos concedidos, tinha créditos em conta corrente naquelas sociedades.
63.No sector de actividade da sociedade insolvente L.G., S.A., execução de obras públicas e particulares e, a promoção imobiliária – adveio uma grave crise.
64. Factos ainda mais agravados com o fim do crédito bancário.
65. Por via dos factos supra expostos, em meados de 2009 a sociedade insolvente L.G., S.A., estava com dificuldades de tesouraria, pelo que não conseguia libertar fluxos financeiros suficientes para fazer face às suas obrigações, apesar da elevada capacidade de produção instalada e do seu substancial património.
66. Perante esses factos, os atuais detentores do capital social do denominado “Grupo Mota”, decidiram adotar medidas que viabilizassem o reforço da tesouraria da sociedade insolvente L.G., S.A., através da entrada de valores.
67. Com a finalidade de aquela solver as suas obrigações, de manter a sua actividade.
68. No cumprimento desse propósito e para efeitos de dar cumprimento às boas práticas contabilísticas e para a transparência fiscal, esses “apports” de dinheiro à tesouraria da sociedade insolvente eram e foram realizados pela 1ª A. como sociedade gestora de participações sociais e detentora do capital da sociedade insolvente.
69. A 1ª Autora fez transferências de dinheiro para a sociedade insolvente L.G., S.A.
70. O contrato promessa de compra e venda de participações sociais foi celebrado em 23 de Julho de 2009, no qual a sociedade insolvente L.G., S.A., prometeu vender à 3ª A. a totalidade da participação social de 30% que detinha na sociedade TURISMO E ANIMAÇÃO, S.A., pessoa colectiva e número de matricula …., pelo preço de € 2.622.000,00 (dois milhões e seiscentos e vinte e dois euros).
71. Bem como o valor das prestações suplementares de cerca de € 4.200.000,00, mas ainda a fixar conforme estabelecido no devido contrato promessa.
72.Cujo pagamento do preço e respectivos prazos foram assumidos pela aqui 1ª A.
73. Para cumprimento da obrigação que assumiu no identificado contrato promessa e, essencialmente para pagamento do preço da participação social prometida vender de € 2.622.000,00, a aqui 1ª A. realizou à agora sociedade insolvente L.G., S.A., aqui massa insolvente e Ré, os pagamentos seguintes:
(…)
74. Em 30 de Novembro de 2009 a 1ª A. tinha liquidado/entregue, por transferências e outros pagamentos, à sociedade L.G., S.A., a quantia global de 3.205.188,72 euros.
75. No dia 1 de Março de 2010, Ré, 1ª A. e 2ª A celebraram o contrato definitivo de compra e venda da participação social da ora Ré na sociedade AST. à 2ª Autora, passando esta 2ª A. a ser a titular da participação de 30% do capital da aludida sociedade Ast. S.A..
76. Nesse contrato foi acordado pelas partes que o valor das prestações suplementares que a aqui Ré também vendeu à 2ª A. não era o mesmo que descreveram no Contrato Promessa supra identificado.
77. Sendo esse valor inferior, existiria um valor de Suprimentos da aqui Ré que também foi vendido à 2ª A. mas, mais uma vez, ainda sujeito a confirmação, como previram na alínea e) da Clausula 7ª do contrato.
78.O pagamento das prestações suplementares e dos Suprimentos objecto daquela venda, foi estabelecido na Cláusula 4ª.
79. Na Assembleia Geral de Acionistas da Ast., s.A., realizada em 31 de Maio de 2011, constataram que o Consórcio de empreiteiros de que a sociedade L.G., S.A., fazia parte com adjudicatários das empreitadas de construção do “SPA Hotel”, do “Hotel Príncipe” do “Shopping …” e do “Casino …” haviam faturado valores percentuais de trabalhos muito superiores ao volume e valor dos trabalhos realizados.
80. Pelo que, na Assembleia Geral a sociedade Ast., S.A., foi deliberado reafectar a totalidade dos valores constituídos pela aqui Ré a título de prestações suplementares/acessórias e de suplementos à cobertura do valor do diferencial constatado de facturação.
81. Nos contratos de venda de participações sociais, constava que o pagamento do preço dessa compra e venda à Ré era da responsabilidade da 1ª A.
82. A 1ª Autora transferiu, ainda, para as contas da Ré as seguintes quantias:
(…)
83. A 1ª A. transferiu ainda para as contas da Ré as seguintes quantias:
84. (…)
85. Até 31 de Março de 2010 a 1ª A. transferiu para contas da Ré a quantia global de 5.926.161,10 euros.
86. Os contratos de cessão de créditos foram celebrados a título oneroso e pelo valor nominal do crédito cedido e só não foram integralmente pago pela 1ª A. à Ré porquanto, adveio ao conhecimento daquela que tinha sido requerida a sua insolvência.
87. A decisão de insolvência proferida nos autos principais foi objecto de recurso para o Tribunal da Relação e para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo sido proferido despacho em 25.05.2012 no qual se procedeu à nomeação da Administradora da Insolvência.
88. A decisão que decretou a insolvência da sociedade “L.G.” transitou em julgado em 20.06.2012.
89. À data da celebração dos negócios referidos em 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19 a insolvente já se encontrava em dificuldades financeiras e incumprimentos vários para com os seus credores, bem como estava a ser demandada em inúmeras acções judiciais com vista ao cumprimento compulsivo de obrigações que tinha assumido com terceiros e para com a Segurança Social, Banca e Fazenda Nacional.
90. Os negócios referidos em 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19, caso não tivessem sido celebrados, mantinham esses activos na esfera patrimonial da insolvente.
91.A administradora da insolvência tomou conhecimento da celebração dos contratos de cessão de créditos referidos em 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19, pelo menos em Agosto de 2012.
92.Do Relatório Pericial de fls. 423 a 436, consta: “RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE (CIRE)
QUESITOS DA RÉ-MASSA INSOLVENTE (…)
QUESITOS da 1ª AUTORA (…)

B-FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

i) DA REAPRECIAÇÃO DA PROVA E OS ESPECÍFICOS ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO IMPOSTOS AO RECORRENTE
O Código de Processo Civil, no seu artigo 662º, veio reforçar os poderes do Tribunal da Relação relativamente à modificabilidade da decisão de facto, os quais se mostram ampliados no seu nº 2.

Estatui agora o citado normativo que:

1. A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
2. A Relação deve ainda, mesmo oficiosamente:
a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo  todos  os  elementos  que,  nos   termos  do  número  anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados.

Sempre que haja sido gravada a prova produzida em audiência, o Tribunal da Relação dispõe dos elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os factos em causa.

Considerando que no caso vertente a prova produzida em audiência foi gravada, sempre poderá este Tribunal da Relação proceder à reapreciação da prova.

E será que o recorrente deu observância aos específicos ónus de impugnação legalmente exigidos?

É que, no que concerne ao ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, estabelece o artigo 640º, do Novo Código Processo Civil (preceito corresponde ao artigo 685º-B do anterior Código Processo Civil, com a inovação da alínea c) do nº. 1) que:

1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

A exigência legal implica, consequentemente, a indicação, pelo recorrente, de forma precisa, clara e determinada, dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal de 1ª instância. E, implica ainda a fundamentação dessa sua divergência com expressa referência às provas produzidas, i.e., indicando os pontos concretos de prova eventualmente desconsiderados, bem como a indicação dos pontos da gravação com referência ao que ficou expresso na acta da audiência de discussão e julgamento.

E, compreende-se esta rigorosa exigência legal visto que a intenção do legislador ao permitir um duplo grau de jurisdição em matéria de facto, não foi consagrar a simples repetição das audiências no Tribunal da Relação, mas detectar e corrigir concretos, apontados e fundamentados erros de julgamento.

De resto, e como se defende no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2008 (Pº 08A3489), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt., (…) o que o legislador quis foi proibir a impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância.

Com efeito, o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto deve procurar demonstrar o erro de julgamento dessa matéria, demonstração que implica a produção de razões ou fundamentos que, no seu ponto de vista, tornam patente um tal erro. Tem, por isso, o recorrente de explicar e desenvolver os fundamentos que mostram que a decisão de 1ª instância está incorrecta quanto ao julgamento da matéria de facto, explicação que deve consistir na apreciação dos meios de prova que justificam decisão diversa da impugnada, o que implica, necessariamente, a indicação do conteúdo dos meios de prova invocados, a sua relevância e valoração.

Este especial ónus de alegação a cargo do recorrente, deve ser cumprido  com   todo  o  rigor,  sendo  certo  que o ónus  de  indicar claramente os pontos determinados da matéria de facto que o recorrente reputa de mal julgados e de fundamentar a imputação do erro de julgamento da decisão de facto, constitui até uma simples decorrência dos princípios estruturantes da cooperação e lealdade e boa fé processuais, assegurando a própria seriedade do recurso.

A impugnação genérica da decisão da matéria de facto, mediante simples manifestação de discordância, foi rejeitada pelo legislador ao impor, a cargo do apelante, os concretos ónus previstos no citado artigo 685º-B do CPC, ou seja, a indicação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada que, em sua opinião, impunham decisão diversa da adoptada pela decisão recorrida.

Pretende a lei, ao impor ao recorrente os citados ónus, desmotivar impugnações temerárias e infundadas da decisão da matéria de facto, a sua não observância acarreta a rejeição do recurso – cfr. a este propósito, JOSÉ LEBRE DE FREITAS E ARMINDO RIBEIRO MENDES, Código de Processo Civil Anotado, vol. 3º, Coimbra Editora, 55 e FERNANDO AMÂNCIO FERREIRA, Manual dos Recursos em Processo Civil, 170.

No caso em apreço, a apelante aceita todo o elenco da matéria provada, pretendendo tão somente impugnar o que resulta do nº 1 dos Factos Não Provados, ou seja:
Os acordos referidos em 1, 3, 5, 7, 9, 11, 13, 15, 17 e 19 dos factos provados, foram prejudiciais à massa insolvente.

Fundamenta a apelante tal conclusão no relatório pericial junto aos autos, bem como os esclarecimentos que os mesmos prestaram.

Considerando, porém, que o supra referido no nº 1 do elenco de Factos Não Provados engloba matéria manifestamente conclusiva, teria a apelante que  especificar, de forma precisa, clara e determinada, qual a factualidade que deveria ter sido dado como provada e os consequentes e concretos meios probatórios, que a recorrente entende não terem sido devidamente considerados ou que foram erradamente considerados, através da exacta indicação das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, ou procedendo à transcrição dos excertos que considera relevantes para fundamentar a sua discordância da apreciação efectuada pelo tribunal de 1ª instância, por forma a ter em conta, no reexame das provas, tais factos que derivavam dos concretos meios probatórios, em detrimento dos demais meios probatórios e, portanto, da irrelevância da motivação da decisão de facto constante da sentença recorrida, para se poder concluir pela eventual verificação de erro de julgamento.

Na nossa ordem jurídica a perícia é um meio de prova que visa a percepção de factos ou a sua valoração de modo a constituir prova atendível.

Em termos valorativos, os exames periciais configuram elementos meramente informativos, de modo que, do ponto de vista da juridicidade, cabe sempre ao julgador a valoração definitiva dos factos pericialmente apreciados, conjuntamente com as demais provas.” – cf. Acs. R.L. de 11.03.2010 (Pº Pº 949/05.4TBOVR-A.L1-8) e de 16.02.2006 (Pº 279/2006-6)

Como é sabido, mostra-se consagrado no nº 5 do artigo 607º do CPC o princípio da prova livre, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide segundo a convicção prudente que tenha formado acerca de cada facto, salvo se a lei exigir, para a existência ou prova do facto jurídico, qualquer formalidade especial, pois neste caso esta não pode ser dispensada.

De harmonia com esse princípio, ao qual se contrapõe o princípio da prova legal, as provas são apreciadas livremente, sem nenhuma escala de hierarquização, de acordo com a convicção que geram no julgador acerca da existência de cada facto, só cedendo às situações de prova legal que se verifiquem, designadamente, tendo em consideração o disposto nos artigos 350º, nº 1, 358º, 371º e 376º todos do Código Civil, nos casos  de  prova  por  confissão,  por  documentos  autênticos,  por  certos documentos particulares quanto à materialidade das suas declarações e por presunções legais.

Acresce que, como tem sido entendimento jurisprudencial, tal como a prova testemunhal, a força probatória da perícia é apreciada livremente pelo Tribunal, nos termos do artigo 389º do Codigo Civil – v. Acs. STJ de 21.11.2006 (Pº 06A3489) e de 22-09-2009 (Pº 161/05.2TBVLG.S1) e da R.L. de 16.2.2006 (Pº 279/2006-6) e de 11-03-2010 (Pº 949/05.4TBOVR-A.L1-8).

Ora, não estando em causa uma prova tarifada, há que entender que, nos casos de provas contraditórias, deverá atender-se à convicção criada no espírito do juiz, desde que na sua formação hajam sido observadas as regras de prudência na apreciação dessas provas, e que as mesmas hajam sido valoradas de acordo com critérios de razoabilidade.

No caso vertente, a prova produzida assentou nos depoimentos das testemunhas ouvidas, na prova pericial e na prova documental.

E, resulta da fundamentação da matéria de facto em apreço vertida na sentença recorrida, que o Tribunal a quo efectuou uma ponderação de todas as provas produzidas: a prova pericial; os depoimentos prestados pelas testemunhas ouvidas aos factos que deu como provados, em confronto com toda a documentação junta aos autos, procedendo, como cumpre, a uma análise crítica dessas provas, dando, por certo, em caso de qualquer eventual ou aparente contradição entre a prova documental e prova pericial e testemunhal, maior relevância a esta última, dado que as testemunhas sempre poderiam ter sido confrontadas com o teor dos documentos, analisados esses documentos e melhor os explicitando, justificando ou contrariando as considerações aduzidas pelos peritos, tanto mais que detinham todas as testemunhas ouvidas, qualificações académicas relevantes para a análise da situação em causa e eram manifestamente conhecedoras das matérias em apreciação nos autos, sendo certo que tão pouco a apelante colocou em causa as suas declarações, as quais foram extractadas com pormenor na decisão de facto inserta na sentença recorrida.

De resto, tão pouco se mostra devidamente fundamentada a conclusão constante do relatório pericial - relatório que, anomalamente, se encontra inserido nos Factos Provados – de que as cedências de créditos não são benéficas. É que, tudo dependerá, certamente, da situação económica-financeira da (s) empresa (s) cessionária (s), situação que se desconhece e que não foi alvo de qualquer peritagem.

De salientar, por outro lado, que ficou dado como provado designadamente, no nº 85 dos Factos Provados – e que não foi impugnado - que os contratos de cessão de crédito aqui em causa foram celebrados a título oneroso e pelo valor nominal do crédito cedido e só não foram integralmente pagos pela 1ª A. à Ré porquanto, adveio ao conhecimento daquela que tinha sido requerida a sua insolvência.

Na verdade, de todos os elementos de prova, designadamente, da prova pericial aludida pela apelante, não resulta demonstrada a verificação de erro na apreciação do seu valor probatório já que, para que tal sucedesse, necessário seria que o mencionado meio de prova se mostrasse inequívoco no sentido pretendido pela recorrente, o que não sucede.

Mantém-se, portanto, a matéria dada como não provada tal como foi decidido na 1ª instância, improcedendo, por conseguinte, tudo o que, em adverso, consta da alegação de recurso da réu/apelante.

ii) DA VERIFICAÇÃO DE ERRO DE JULGAMENTO NA SUBSUNÇÃO JURÍDICA ADUZIDA, TENDO EM CONSIDERAÇÃO OS FACTOS APURADOS

Como é sabido pelo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor susceptíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios, consagrando o artigo 601º do Código Civil, o princípio geral do património como principal garantia da satisfação dos créditos de que o seu titular seja devedor, e através do qual deverão os seus credores serem pagos.

Consagra-se igualmente no nº 1 do artigo 46º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) que a massa insolvente destina-se à satisfação dos credores da insolvência, depois de pagas as suas próprias dívidas e, salvo disposição em contrário, abrange todo o património do devedor à data de declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

Sendo o património do devedor garantia geral das suas obrigações, tem particular relevância a manutenção do seu estado, quer durante o processo de insolvência, quer no momento que antecede o início de todo o processo pois poderá ocorrer empobrecimento doloso ou fortuito.

Prevê-se, por isso, no regime do CIRE alguns institutos tendentes à manutenção, ainda que forçada, do património do devedor, por iniciativa dos credores ou do próprio Administrador de Insolvência.

Uma das figuras jurídicas de conservação da garantia patrimonial, no processo de insolvência, consiste precisamente no instituto da resolução de negócios em  benefício  da  massa  insolvente, previsto nos artigos 120º e sgtes. do CIRE, que permite a “destruição de actos prejudiciais a esse património” para que os bens se mantenham na titularidade do insolvente e para reintegrar aqueles que nela se manteriam não fossem determinados actos praticados ou omitidos pelo insolvente – cfr. MARIA DO ROSÁRIO EPIFÂNIO, Manual de Direito da Insolvência, 6ª ed. 210-211.

A finalidade prosseguida é, consequentemente, que estes bens sejam apreendidos para a massa insolvente.

Como sublinha FERNANDO DE GRAVATO MORAIS,  A motivação da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, Revista de Direito e de Estudos Sociais, Ano LV – Jan-Dez. ano de 2014, Nº 14, 163, na resolução em benefício da massa insolvente trata-se de, em razão dos interesses supremos da generalidade dos credores da insolvência, sacrificar outros interesses havidos como menores (os dos que contratam com o devedor insolvente em eventualmente, os que negoceiam com aqueles, portanto, todos os terceiro em relação ao devedor insolvente) em função do empobrecimento patrimonial daqueles credores, por via da prática de actos num determinado período temporal, designado como suspeito, que precede a situação de insolvência.

Mostram-se previstas no CIRE duas modalidades fundamentais: a resolução condicional, ou seja um regime resolutivo geral (artigo 120º do CIRE) e a resolução incondicional (artigo 120º do CIRE).

No âmbito da primeira das referidas modalidades, estabelece o nº 1 do artigo 120º do CIRE, que podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.

Como prejudiciais à massa, considera-se no nº 2 do citado normativo, os actos que diminuam, frustrem, dificultem, ponham em perigo ou retardem a satisfação dos credores da insolvência.

E, decorre do nº 3 do preceito que se presumem prejudiciais à massa, sem admissão de prova em contrário, os actos de qualquer dos tipos referidos no artigo 121º, ainda que praticados fora dos prazos aí contemplados.

Nesta modalidade de resolução de negócios em benefício da massa insolvente, é ainda necessária a existência de má-fé do terceiro, a qual se presume quanto a actos (praticados ou omitidos) que tenham ocorrido dentro dos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência e em que tenha participado ou de que tenha aproveitado pessoa especialmente relacionada com o insolvente, ainda que a relação especial não existisse a essa data.

A má-fé, entendida como pressuposto para fazer funcionar esta modalidade, consiste, de harmonia com o nº 5 do citado artigo 120º do CIRE, no conhecimento, à data do acto, de qualquer das seguintes circunstâncias:
a) De que o devedor se encontrava em situação de insolvência;
b) Do carácter prejudicial do acto e de que o devedor se encontrava à data em situação de insolvência, ou até em situação de insolvência iminente;
c) Do início do processo de insolvência – art. 120º, n.º 5 CIRE.

Na modalidade de resolução incondicional, consagrada no artigo 121º CIRE, a resolução realiza-se independentemente da verificação dos pressupostos previstos no artigo 120º CIRE, mas em relação a certas categorias de actos, sendo, portanto, necessário o preenchimento da diferentes alíneas do nº 1 do artigo 121º do CIRE para que se possa operar uma resolução incondicional, tendo o preceito um carácter taxativo – v. neste sentido FERNANDO GRAVATO MORAIS, A Resolução em Benefício da Massa Insolvente, Almedina, 2008, 80, LUÍS MANUEL TELES DE MENEZES LEITÃO, Direito da Insolvência, 4ª ed., Almedina, 2012, 220. 

E, considerando que a enumeração dos actos sujeitos à resolução incondicional é taxativa, qualquer acto que não esteja previsto nas diferentes alíneas do nº 1 do citado normativo, só poderá ser resolvido em benefício da massa insolvente se se verificarem os pressupostos enumerados no artigo 120º do CIRE.

Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 120º, nº 4 e 121º, nº 1 do CIRE pode concluir-se que na resolução incondicional, ao contrário da condicional, se dispensa o requisito da má-fé. É que na resolução incondicional, há uma presunção iuris et de iure da prejudicialidade do acto, pelo que nem se requer qualquer consciência dos intervenientes, nem tão pouco conhecimento ou intenção no tocante ao negócio a resolver.

A resolução em benefício da massa é efectuada pelo administrador da insolvência, por carta registada com aviso de recepção, nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência, como decorre do nº 1 do artigo 123º do CIRE.

A comunicação de resolução do acto deve ser acompanhada dos respectivos fundamentos e tem como destinatário o terceiro adquirente.

Relativamente ao conteúdo da declaração resolutiva necessário se torna que os fundamentos que lhe deram origem sejam expostos pelo Administrador da Insolvência com clareza, indicando os concretos factos que justificam a medida. É que só dessa forma estará o impugnante em condições de impugnar a resolução.

Quanto ao conteúdo da declaração resolutiva, distingue FERNANDO DE GRAVATO MORAIS, A motivação da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, 168-173, três graus de especificação da factualidade e da fundamentação. Uma tese minimalista, uma tese maximalista e uma tese de motivação mediana ou suficiente.

As teses, minimalista e maximalista, são de rejeitar. A primeira, visto a declaração resolutiva ser a base da impugnação e uma declaração deste tipo não permitiria ao impugnante elaborar uma resposta adequada e fundada; a tese maximalista seria excessiva, posto que não compete ao administrador da insolvência indagar todo o circunstancialismo que envolveu o acto, e a tal a lei não o impõe.

A tese de motivação suficiente defendida por FERNANDO DE GRAVATO MORAIS tem tido o apoio, maioritário, da jurisprudência – v. a título exemplificativo, Acs. STJ de 20.03.2014 (Pº 251/09.2TYVNG-R.P1.S1), de 29.04.2014 (Pº 251/09.2TYVNG-R.P1.S1) e de 25.02.2014 (Pº 251/09.2TYVNG-H.P1.S1); Acs. R.P. de 07.10.2013 (Pº 251/09.2TYVNG-I.P1) e de 11.03.2013 (Pº 2756/09.6TBOAZ-D.P1), de 18.02.2013 (Pº 462/10.8TBVFR-J.P1) e de 14.05.2012 (Pº 3099/10.8TBVFR-D.P1); Ac.R.C. de 04.06.2013 (Pº 354/12.6TBFND.K.C1) e de 18.12.2013 (Pº 1943/09.1T2AVR-L.C.

Por outro lado, a resolução, conforme decorre do artigo 125º do CIRE, pode ser impugnada no prazo de três meses, devendo a acção ser proposta contra a massa insolvente e correr como dependência do processo de insolvência.

Como se explicitou no Ac. STJ de 25.02.2014 (Pº 251/09.2TYVNG-H.P1.S1), É de mera apreciação negativa a acção de impugnação da resolução a favor da massa, pois trata-se de uma providência judicial destinada a pôr termo a uma incerteza objectiva susceptível de colocar em crise o valor de uma determinada relação jurídica concreta e precisa, paralela à das acções de impugnação de escritura de justificação notarial e com a qual não se pretende, não se visa e não se pode concluir, por uma qualquer condenação, pretendendo-se antes a declaração de que a resolução do contrato promessa feita a favor da massa insolvente não produziu qualquer eficácia.

Igualmente na defesa de que a impugnação da resolução se reconduz a uma acção de mera apreciação negativa, se decidiu no Ac. STJ de 29.04.2014 (Pº 251/09.2TYVNG-R.P1.S1).

Preceitua o artigo 10º, nº 3, alínea a) do Código de Processo Civil que as acções de simples apreciação têm por fim «(…) obter unicamente a declaração da existência ou inexistência de um direito ou de um facto;».

Trata-se, portanto, de uma providência judicial destinada a pôr termo a uma incerteza objectiva susceptível de colocar em crise o valor de uma determinada relação jurídica

Este tipo de acções, caracteriza-se, em termos de ónus da prova, à sujeição ao regime constante do artigo 343º, nº 1 do Código Civil, competindo a quem ocupa a posição de réu, a prova dos factos constitutivos do direito que se arroga.

A improcedência de uma acção de simples apreciação negativa, não conduz à absolvição do demandado do pedido, implicando antes o reconhecimento da existência do direito deste, que assim fica definitivamente estabelecido em face da parte contrária.

Por outro lado, a sua procedência não envolve uma qualquer condenação da parte contra quem é proposta, mas a declaração de que a revogação do acto em causa, efectuada através de carta remetida pelo A.I., não produziu quaisquer efeitos.

Após o cotejo do regime jurídico relativo à declaração de resolução em benefício da massa insolvente e da respectiva acção de impugnação dessa declaração, vejamos o que sucedeu no caso em apreciação.

Nas cartas de resolução remetidas aos autores, invocou a Administradora da Insolvência o disposto nos artigos 120º, nºs 1 a 5 e 121º, nº 1, alíneas b), f) e g) do CIRE, o que significa que estaria em causa uma resolução incondicional. Limita-se, porém, a carta resolutiva, a citar as disposições legais que a A.I. entende serem aplicáveis, mas nem sequer se indica, em concreto, qual a causa concreta da operada resolução.

Com efeito, estabelece-se no nº 1 do aludido preceito que: São resolúveis em benefício da massa insolvente os actos seguidamente indicados, sem dependência de quaisquer outros requisitos: (…)
b) Actos celebrados pelo devedor a título gratuito dentro dos dois anos anteriores à data do início do processo de insolvência, incluindo o repúdio de herança ou legado, com excepção dos donativos conformes aos usos sociais;(…)
f) Pagamento ou outros actos de extinção de obrigações cujo vencimento fosse posterior à data do início do processo de insolvência, ocorridos nos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência, ou depois desta mas anteriormente ao vencimento;
g) Pagamento ou outra forma de extinção de obrigações efectuados dentro dos seis meses anteriores à data do início do processo de insolvência em termos não usuais no comércio jurídico e que o credor não pudesse exigir;
(…)

Ora, como bem se salienta na sentença recorrida, a situação em apreço não se enquadra na alínea b), posto que os actos dados como provados, não foram celebrados a título gratuito. Caso se pretendesse que a resolução operasse por via da alínea f), a carta resolutiva omitiu a data de vencimento da obrigação. Tratando-se  da resolução por virtude da alínea g) haveria que esclarecer a razão pela qual o acto praticado se enquadrava numa forma de extinção da obrigação não usual no comércio jurídico, bem como o motivo pelo qual o credor não a poderia exigir.
 
As cartas de resolução não contêm, por conseguinte, a indicação dos factos concretos e essenciais que revelem as genéricas razões invocadas para a destruição dos negócios em causa, por forma a permitir aos autores, enquanto destinatários das cartas, uma efectiva e fundada impugnação.

Acresce que a prejudicialidade do acto necessita de ser demonstrada, nos termos do nº 1 do apontado artigo 120º do CIRE e do artigo 342º, nº1 do Código Civil, cabendo à Administradora da Insolvência alegar e provar a bondade do direito potestativo por si exercitado extrajudicialmente, impendendo sobre as impugnantes da resolução o correspondente ónus de contraprova, conforme decorre do artigo 346º do C.C.

Com efeito, a acção de impugnação da resolução não se destina a atacar os aspectos puramente formais da carta resolutiva enviada pela Administradora da insolvência, mas também os aspectos substanciais contidos na mesma. Visa, em suma, a demonstração da inexistência dos pressupostos de resolução operada pela A.I.

No caso vertente, ficou demonstrado que os contratos de cessão de créditos aqui em apreciação foram celebrados, em 31.12.2009 e em 31.03.2010, a título oneroso e pelo valor nominal do crédito cedido, e que a sociedade insolvente, em meados de 2009, se encontrava com dificuldades de tesouraria, tendo sido decidida a adopção de medidas que viabilizassem o reforço da respectiva tesouraria.

Por outro lado, provado também ficou que foram efectuadas transferências da 1ª autora para a sociedade insolvente e que apenas não foi  pago o valor integral do  crédito cedido por  virtude  de  ter  sido requerida a insolvência da sociedade cedente – v. Nºs 65 a 74, 81 a 85 da Fundamentação de Facto.

E, se é certo que ficou apurado que, caso não tivessem sido celebradas as cessões de crédito aqui em causa, esses activos permaneciam na esfera patrimonial da insolvente - v. Nº 89 da Fundamentação de Facto – a verdade é que apenas se verificou a substituição de um activo por outro, nada se tendo provado sobre a situação económico-financeira das cessionárias, por forma a concluir que o risco de incobrabilidade havia aumentado, ou seja, que as cessões de crédito se traduziram em efectivo prejuízo.

Não alegou a ré – e por conseguinte não fez prova, como lhe incumbia – a concreta factualidade da qual se pudesse concluir que os contratos de cessão de créditos se traduziram num prejuízo para a massa insolvente.

É que, como salienta MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, Caderno de Direito Privado, nº 50 – Abril/Junho 2015, para se analisar se um acto é prejudicial à massa insolvente há que realizar um juízo hipotético, dado que importa comparar a situação patrimonial (real) que se verifica após a prática do acto, com a situação (hipotética) que se verificaria se o acto não tivesse sido praticado.

E o acto só será resolúvel quando a situação real for mais desfavorável à massa do que a situação hipotética.

Ora, nada se provou a esse respeito, nem tão pouco ficou provado que os negócios aqui em apreciação tiveram como objectivo furtar aos credores da insolvente a possibilidade de satisfazerem os seus créditos.

E, assim sendo, a apelação não poderá deixar de improceder, razão pela qual se confirma a sentença recorrida.

A apelante será responsável pelas custas respectivas nos termos do artigo 527º, nºs 1 e 2 do do Código de Processo Civil, sem prejuízo do apoio judiciário que lhe foi concedido.


IV. DECISÃO

Pelo exposto, acordam os Juízes desta ...ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o recurso, mantendo-se a decisão recorrida.
Condena-se a apelante no pagamento das custas respectivas.


Lisboa, 07 de Julho de 2016


Ondina Carmo Alves – Relatora
Lúcia Sousa            
Magda Geraldes