Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2656/10.7TBVFX.L1-6
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROPRIEDADE HORIZONTAL
TERRAÇO DE COBERTURA
PARTE COMUM
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/26/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCENTE
Sumário: - A propriedade de um imóvel, independentemente das modalidades de que se pode revestir o domínio, abrange o espaço aéreo correspondente à superfície do prédio, bem como essa superfície e o subsolo respectivo.
- O princípio geral em matéria de propriedade horizontal é o de que só podem ser objecto deste modo de domínio as fracções de que um edifício se compõe, as quais podem, se em condições de constituírem unidades independentes entre si, pertencer a donos diferentes, ocorrendo compropriedade sobre as partes comuns do edifício.
- O terraço que cobre duas garagens, pertencentes a fracções diferentes, situado ao nível do primeiro andar e contíguo a uma das fracções autónomas, apesar de não estar ao nível do telhado do edifício e não servir de cobertura integral do mesmo – cobre apenas essas garagens, situadas no piso inferior – assume uma afectação funcional vocacionada, para além do mais, à protecção de ambas as garagens contra os elementos naturais, devendo ser qualificado como terraço de cobertura, em vez de terraço intermédio, mesmo à luz da redacção originária do preceito do art.º 1421.º do CCiv..
- O uso individual de parte comum, na falta de acordo dos condóminos, só é admissível se, para além do mais, não importar a privação do uso pelos demais condóminos.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

                                                 *
I – Relatório:

A... e J..., com os sinais dos autos,
intentaram acção declarativa de condenação, sob indicação da forma de processo ordinário, contra
J... e mulher, H..., também com os sinais dos autos,
peticionando a condenação dos RR. a:
a) Reconhecerem que o terraço que ocupam é comum às duas fracções infra identificadas, conforme o respectivo título constitutivo de propriedade horizontal;
b) Desocuparem esse terraço de coisas que nele se encontrem;
c) Demolirem o pombal no prazo de vinte dias;
d) Retirarem o portão de acesso ao terraço de cobertura das garagens, de modo a possibilitar aos AA. o acesso ao mesmo;
e) Absterem-se de usar o terraço para fim diferente do que consta no título de constituição da propriedade horizontal.
Alegaram, para tanto, que:
- são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão e garagem, do prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, sito na Quinta da Marquesa, Estrada da Sub-Serra, n.º 5, em Alhandra;
- os RR. são proprietários da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao 1.º andar e garagem, do mesmo prédio urbano;
- são comuns todas as partes não individualizadas, designadamente o terraço de cobertura das garagens, terraço este onde os RR., sem consentimento dos AA., construíram um pombal, dando ao local um destino diverso do que consta no título de constituição da propriedade horizontal;
- os RR. ocupam também o terraço com uma churrasqueira, mesas e cadeiras, tendo até vedado o acesso ao mesmo, mediante a colocação de portão fechado à chave, com que impedem os AA. de acederem ao terraço.
Contestaram e reconvieram os RR.:
- impugnando, em contestação, que o terraço de cobertura da sua garagem seja parte comum do edifício;
- alegando que o pombal existe no mesmo local há mais de 50 anos, tendo sido construído por anterior proprietário, com ocupação apenas do terraço de cobertura da sua garagem;
- bem como que os demandados instalaram, na sua propriedade exclusiva, o portão para maior segurança das suas pessoas e bens;
- e que, caso os AA. pretendam utilizar o terraço de cobertura da sua garagem, terão que construir o respectivo acesso, e não através da fracção dos RR.;
- assim concluindo pela improcedência da acção;
- e peticionando, em reconvenção contra os AA., a condenação destes a demolirem a rede de vedação e o portão que construíram a meio do logradouro do prédio, por tal inovação prejudicar a utilização pelos Reconvintes da parte do logradouro comum.
Replicaram os AA., concluindo pela inadmissibilidade da reconvenção ou, assim não se entendendo, pela sua improcedência e, bem assim, pela procedência da acção.
Na audiência preliminar, corrigido o valor da causa e, consequentemente, a distribuição, passaram os autos a ser tramitados como acção de processo sumário, decidindo-se ainda pela inadmissibilidade do pedido reconvencional e operando-se o demais saneamento e a condensação do processo, com elaboração de factos assentes e base instrutória, sem reclamações.
Falecido o A. J..., foi habilitada como sua herdeira a A. A...
Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença – datada de 04/04/2014 – que conheceu em matéria de facto e de direito, julgando a acção parcialmente procedente e, assim, condenando os RR. a reconhecerem que o terraço de cobertura das garagens é parte comum do prédio e a retirarem o portão de acesso ao terraço de cobertura das garagens, de modo a possibilitar aos AA. o acesso ao mesmo, absolvendo-os do demais peticionado.

Inconformados, recorrem os RR., apresentando as seguintes
Conclusões:
«1ª O registo do depoimento de parte da A. bem como o das testemunhas sob a forma gravada apresenta grandes deficiências por excesso de ruídos, tornando extensas passagens totalmente inaudíveis ou imperceptíveis.
2ª A arguição da nulidade dos meios de prova só agora pode ser deduzida, por estar condicionada ao prazo de interposição de recurso sobre a matéria de facto, que envolva a apreciação da reapreciação da prova gravada.
3ª Face à conservação dos meios processuais imperfeitos, torna-se necessária a repetição do julgamento.
4ª O Tribunal “a quo” não apreciou devidamente as provas testemunhal e documental produzidas em audiência de julgamento, verificando-se assim, erro na apreciação da prova.
5ª Impõe-se, assim, a reapreciação dos meios concretos da prova.
6ª Com vista à cabal qualificação quanto à questão de saber se o terraço de cobertura quer da garagem dos AA., quer da garagem dos RR., ser ou não parte comum do edifício.
7ª E ainda, apurar se as escadas de acesso à fracção dos RR. sita no 1º andar, estão oneradas com servidão de passagem para acesso ao terraço de cobertura da garagem dos AA. com vista a permitir a estes o livre acesso ao terraço destes.
8ª Devem, pois, ver reapreciados os concretos meios probatórios produzidos (testemunhais e documentais) e, consequentemente, revogar-se a sentença na parte recorrida, e substituir-se por outra que decida que os RR. não estão obrigados a reconhecer que os terraços de cobertura das garagens dos AA. e dos RR. não são partes comuns do edifício.
E consequentemente,
9ª Os RR. não estão obrigados a dar passagem aos AA. pelas suas escadas e pelo seu terraço da sua garagem para que estes acedam ao terraço da sua garagem.
10ª E ainda, que os RR. não sejam obrigados a retirar o portão de acesso aos terraços de cobertura das garagens.
11ª O Tribunal “a quo” violou o previsto nos nºs 4 e 5 do art. 607º do C.P.C.
12ª Deve, pois, dar-se provimento ao Recurso absolvendo-se os RR. da totalidade dos pedidos formulados pelos AA. na sua p. i.».

***

A A. contra-alegou, concluindo pela extemporaneidade da invocação de deficiência na gravação da prova, pela rejeição da impugnação da decisão de facto por inobservância dos ónus legais a cargo da parte impugnante e pelo bem fundado da decisão recorrida, com a consequente improcedência do recurso.

***

O Tribunal a quo indeferiu, por extemporaneidade, a arguição de nulidade por deficiência da gravação da audiência, perante o que os Recorrentes nada vieram dizer.
O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde resultam mantidos o regime e efeito recursório fixados.

II – Âmbito do Recurso:
Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil actualmente em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 ([1]) –, constata-se que o thema decidendum consiste em saber ([2]):
1. - Se é tempestiva e, caso o seja, se deve proceder a invocação de deficiência da gravação da prova, com a decorrente repetição do julgamento;
2. - Se ocorre adequada impugnação da decisão de facto e, caso ocorra, se existe erro de julgamento, obrigando à alteração da decisão de facto;
3. - Se os terraços de cobertura das garagens não são partes comuns, não havendo obrigação de dar passagem através das escadas e terraço dos RR./Apelantes, nem de retirada do portão destes.

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III – Fundamentação:
            A) Matéria de facto:

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:
«1. Mostra-se registada a favor da Autora, através da Ap. 4849 de 2010/03/18, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “A”, correspondente ao rés-do-chão, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Quinta da Marquesa, Estrada da Sub-Serra n.º 5, em Alhandra.
2. Mostra-se registada a favor dos Réus, através da Ap. 3 de 2008/09/25, a aquisição da fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente ao 1.º andar, destinado a habitação, do prédio urbano sito na Quinta da Marquesa, Estrada da Sub-Serra n.º 5, em Alhandra.
3. Do título constitutivo da propriedade horizontal do prédio identificado em 1 e 2, outorgado por escritura pública de 17.02.1994, consta:
Fracção A
Formada pelo rés-do-chão, composta de cinco assoalhadas, cozinha, casa de banho, vestíbulo, despensa e garagem a tardoz com acesso pela Estrada de Sub-Serra (…), correspondente a cinquenta por cento do valor total do prédio;
Fracção B
Formada pelo primeira andar, com cinco assoalhadas, cozinha, casa de banho, vestíbulo, despensa e garagem a tardoz com acesso pela Rua das Linhas de Torres (…), correspondente a cinquenta por cento do valor total do prédio;
(…)
Que as fracções antes identificadas e relacionadas (…) são unidades independentes, distintas e isoladas entre si, são todas destinadas a habitação e com saída própria para a via pública.
E que são comuns todas as partes do prédio não individualizadas (…)”.
4. Os réus residem na fracção B e têm acesso à mesma através de uma escada exterior, com entrada pela Rua das Linhas de Torres.
5. Por cima das garagens existe um terraço, situado ao nível do 1.º andar e contíguo à porta de entrada para a fracção B.
6. A escada exterior existente na Rua das Linhas de Torres serve de acesso à fracção B e ao terraço de cobertura das garagens.
7. Os réus utilizam um pombal que foi construído no terraço de cobertura das garagens.
8. O pombal foi construído há, pelo menos, cerca de 50 anos.
9. O pombal foi construído sem o consentimento dos Autores.
10. O pombal ocupa parte da área do terraço correspondente à cobertura da garagem pertencente à fracção B.
11. A estrutura do pombal é metálica e com cobertura plástica.
12. Em meados do ano de 2009, os réus colocaram um portão com fechadura no cimo das escadas que dão acesso à sua fracção e ao terraço.
13. Para além do pombal, os réus colocaram no terraço uma churrasqueira, mesas e cadeiras.
14. O portão mencionado em 11 foi colocado sem o consentimento dos autores.
15. Os réus recusam-se a dar à Autora uma chave do portão mencionado em 12, impedindo-a de aceder ao terraço de cobertura das garagens.
16. Não há outro acesso ao terraço de cobertura das garagens.
17. A parte do terraço de cobertura correspondente à cobertura da garagem da fracção A encontra-se livre de objectos.
18. O Réu dedica-se à prática de columbofilia há vários anos».
E foi considerado como não provado:
«a. O pombal foi construído pelo anterior proprietário do imóvel, de quem os Autores e Réus são herdeiros.
b. A parte do terraço de cobertura correspondente à cobertura da garagem da fracção A é utilizada exclusivamente pelos Autores».

***

B) Da (in)tempestividade da invocação de deficiência da gravação
Invocaram os RR./Apelantes, para além do mais, estar a gravação das provas produzidas em audiência de julgamento (depoimento de parte da A. e depoimentos testemunhais) deficiente, por excesso de ruídos, motivando que sejam inaudíveis ou imperceptíveis extensas passagens da gravação.
Daí a sua conclusão pela nulidade dos meios de prova e consequente necessidade de repetição do julgamento.
A contraparte pugna pela intempestividade de tal arguição, no que foi secundada pelo Tribunal recorrido, que a indeferiu por a reputar extemporânea.
Para assim decidir, fundou-se no disposto no art.º 155.º do NCPCiv. – aplicável à fase do julgamento ex vi art.º 5.º, n.º 1, da Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, segundo o qual, sendo a audiência final sempre gravada (n.º 1), em sistema sonoro (n.º 2), com a gravação a dever ser disponibilizada às partes (n.º 3), a falta ou deficiência da gravação deve ser invocada, no prazo de 10 dias a contar do momento em que a gravação é disponibilizada (n.º 4).
Ora, é certo, como refere aquele Tribunal, que a gravação da audiência (ocorrida em 21/01/2014) só foi disponibilizada aos RR./Apelantes em 14/05/2014 (cfr. termo de entrega de fls. 177 dos autos em suporte de papel).
Por isso, é também claro que o prazo de dez dias aludido terminava a 26/05/2014 (24 e 25/05, respectivamente, sábado e domingo), podendo o acto ainda ser praticado/admitido, com multa legal, até ao terceiro dia útil seguinte, isto é, 29/05/2014.
Porém, e como também logo esclarece o Tribunal recorrido, o acto apenas foi praticado no dia seguinte, 30/05/2014 (cfr. fls. 186 dos autos em suporte de papel), já que a arguição apenas foi realizada na peça recursória dos Apelantes.
Assim, é de concluir pela extemporaneidade da arguição, que só poderia ser formulada, nos moldes legais – preceito legal imperativo e, como tal, preclusivo –, nos dez dias seguintes ao momento em que a gravação foi disponibilizada.
Aliás, pode entender-se mesmo que, por se tratar de nulidade processual, “terá de ser arguida autonomamente, sendo submetida a posterior decisão do juiz a quo, não sendo admitida a sua inserção imediata nas alegações de recurso” ([3]).
Nada, pois, a censurar à decisão da 1.ª instância no sentido da extemporaneidade da arguição, decisão essa – aquela que rejeitou a arguição por intempestividade – contra a qual os Apelantes nada disseram.
Assim, para além da dita extemporaneidade, nem sequer a arguição poderia ser deduzida na peça recursória, sendo ainda que seria quanto à decisão que a 1.ª instância fizesse recair sobre a arguição de nulidade que a parte se poderia insurgir.
Mas uma outra razão sempre levaria à improcedência da arguição de nulidade por deficiência da gravação das provas.
É que, ainda que nulidade houvesse e tivesse sido adequada e tempestivamente arguida, ela só seria relevante se fosse necessário reapreciar a prova gravada, para o que teria de ocorrer adequada impugnação da decisão de facto.
O que, como se verá seguidamente, não ocorre.
Termos em que improcedem as conclusões dos Apelantes no sentido da existência da dita nulidade processual e da necessidade de repetição do julgamento.

C) Da (in)adequada impugnação da decisão de facto:
Pugnam os Apelantes pela existência de “erro na apreciação da prova”, já que se “não apreciou devidamente as provas testemunhal e documental produzidas”, impondo-se “a reapreciação dos meios concretos de prova” (conclusões 4.ª, 5.ª e 8.ª).
A contraparte, como dito, conclui pela rejeição da impugnação da decisão de facto por inobservância dos ónus legais a cargo dos impugnantes.

Vejamos:
É incontornável que se esperava que os Apelantes, se pretendiam impugnar a decisão de facto, esclarecessem/concretizassem, não só quais os factos concretos que, na sua óptica, o julgador julgou erradamente, como ainda quais as provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adoptada em sede de decisão de facto, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto.
Claro é também que, neste âmbito, não poderia a parte recorrente demitir-se de, com referência a cada um dos factos que impugnasse, expressar qual a concreta resposta que deveria ser dada (em vez da que foi proferida).
Com efeito, ao impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente, sob pena de rejeição, deve indicar sempre, para além dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respectivas conclusões, os concretos meios probatórios que, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, impunham decisão diversa da adoptada quanto aos factos impugnados, indicando com exactidão, se for o caso, as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição ([4]).
Tal como não pode deixar de especificar, em concreto, qual a decisão que, relativamente a cada um dos factos impugnados, deve ser proferida pelo Tribunal de recurso (cfr. art.º 640.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv.).
É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.
Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objecto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.
Como ensina Abrantes Geraldes ([5]), “A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões”. E acrescenta que se, “para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos” ([6]).
Especificamente em matéria de impugnação da decisão de facto, à luz do art.º 640.º do NCPCiv., refere o mesmo Autor:
“… podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora passa a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:
a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;
b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos;
c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos;
d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto” ([7]).
Para depois concluir que a rejeição do recurso – total ou parcial – quanto à decisão de facto “… deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (…);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda;
e) Falta de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação;
f) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos que traduzam algum dos elementos referidos.
Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([8]).
Assim sendo, constituindo as conclusões o mecanismo de delimitação do âmbito do recurso, delas deve constar o respectivo objecto, também em matéria de impugnação da decisão de facto, seja quanto ao âmbito fáctico da impugnação recursória (concretos pontos de facto impugnados, por incorrectamente julgados), seja quanto ao seu âmbito probatório (concretos meios de prova que, fundamentadamente, obrigam a decisão diversa da recorrida), seja, por fim, quanto ao concreto objectivo recursório visado (decisão a dever ser proferida quanto a cada questão de facto impugnada).
Efectivamente, sem a indicação nas conclusões de recurso dos concretos pontos de facto impugnados ou dos concretos meios de prova em que se sustente, fundadamente, o recorrente, por definir fica o dito âmbito/objecto recursório, em termos fácticos ou em termos probatórios, donde que possa dizer-se, em tais casos, que as conclusões são deficientes, designadamente por incompletude/insuficiência, ou obscuras, por não aludirem, mostrando-o, ao caminho seguido pelo impugnante e que evidencia o erro do Tribunal recorrido, demonstrando que a decisão terá de ser no sentido pretendido pelo recorrente.
Ante este quadro referencial, parece notório, salvo o devido respeito, que os Apelantes não observaram os ónus, a seu cargo, estabelecidos pelo art.º 640.º do NCPCiv. – conjugado com o art.º 639.º do mesmo Cód. –, não delimitando, nas suas conclusões de recurso (nem na antecedente alegação), o âmbito fáctico e probatório da impugnação da matéria de facto, pois que ali omitiram a necessária alusão aos concretos pontos de facto impugnados ([9]), tal como aos concretos meios de prova – sabido que foi produzida diversa prova testemunhal, para além de documental e por depoimento de parte (cfr. fundamentação da decisão de facto constante da sentença, a fls. 165 e segs. dos autos em suporte de papel) – em que se baseassem, de forma sustentada, quanto a cada facto ([10]), o que determina a improcedência da sua pretensão de impugnação da decisão de facto ([11]).
Com efeito, nem nas conclusões dos Recorrentes, nem na antecedente alegação, eles indicam quaisquer factos que tivessem sido erradamente julgados, limitando-se a aludir a questões de direito, como a de “saber se o terraço de cobertura quer da garagem dos AA., quer da garagem dos RR., ser ou não parte comum do edifício” (conclusão 6.ª), ou “se as escadas de acesso à fracção dos RR. (…) estão oneradas com servidão de passagem para acesso ao terraço de cobertura da garagem dos AA.” (conclusão 7.ª).
Falta, pois, claramente, o objecto fáctico da impugnação.
E, do mesmo modo, não indicam específicos meios de prova que obrigassem a diversa convicção quanto a cada um dos factos que deviam ter identificado – mas não identificaram/concretizaram – em termos de impugnação, tal como não apresentam, em lado algum, a enunciação do resultado pretendido com a impugnação, isto é, a formulação do juízo probatório pretendido, as concretas respostas fácticas que almejassem e o modo como se formaria a convicção para chegar a esse resultado, não bastando, obviamente, afirmar pretender “ver reapreciados os concretos meios probatórios produzidos (testemunhais e documentais)”.
Donde que seja forçosa a rejeição total da invocada impugnação da decisão de facto, pois que inobservados se mostram os ónus legais a que alude o art.º 640.º, n.ºs 1, al.ªs a) a c), e 2, al.ª a), do NCPCiv. (cfr., do mesmo modo, o anterior art.º 685.º-B do Cód. revogado), permanecendo inalterado o quadro fáctico fixado pela 1.ª instância ([12]).

D) Do erro em matéria de direito:
1. - Se o terraço de cobertura das garagens não é parte comum
Pretendem os Apelantes – tal como já haviam defendido em sede de contestação – que os discutidos terraços de cobertura das garagens não são partes comuns do edifício em que são condóminos com a A./Apelada, defendendo ser, ao invés, pertença exclusiva deles o terraço de cobertura da garagem da sua fracção autónoma, logo, em detrimento daquela.

Na sentença em crise foi entendido:
«No caso vertente (…), o terraço terá sempre de ser considerado como parte comum.
Isto porque, apesar dos factos provados apontarem no sentido de haver um uso exclusivo pelos Réus, o título constitutivo da propriedade horizontal não só não atribuiu o uso exclusivo dos terraços a qualquer condómino, como expressamente prevê que “são comuns todas as partes do prédio não individualizadas”. Por outras palavras, aquando da constituição da propriedade horizontal, os proprietários expressamente determinaram que as partes do prédio não individualizadas, nas quais se incluiu o terraço, seriam comuns, afastando desse modo a possibilidade de, com fundamento no uso exclusivo, ser ilidida a presunção de comunhão decorrente das normas legais.».
Compulsada a alegação recursória dos Apelantes – já que as conclusões não são claras quanto ao desenvolvimento do raciocínio jurídico substantivo daqueles –, parece poder depreender-se que os mesmos assentam a sua construção jurídica na circunstância de estarmos perante duas diferentes garagens (“autónomas e independentes”), uma pertença dos Apelantes e outra da Apelada – assim integrantes das respectivas fracções autómonas –, daí partindo para a conclusão de que cada uma dessas garagens tem “o seu próprio terraço de cobertura”, pelo que, se as garagens não são partes comuns, “os respectivos terraços de cobertura também não são comuns” (cfr. fls. 182 dos autos em suporte de papel).
Ora, dir-se-á que ao tempo da constituição da propriedade horizontal – mediante escritura de 17/02/1994 – estava realmente em vigor a redacção originária do art.º 1421.º do CCiv., que dispunha, quanto ao que importa, serem comuns “O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento” (al.ª b) desse preceito).
É também certo que posteriormente entrou em vigor nova redacção dessa al.ª b) – dada pelo DLei n.º 267/94, de 25-10 –, com o seguinte teor: “O telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso de qualquer fracção”.
É pacífico que a enumeração das partes comuns do edifício a que alude o dito n.º 1 do art.º 1421.º do CCiv. – a originária ou a actual – é imperativa, reportando-se a elementos do imóvel que são necessariamente comuns a todos os condóminos ([13]).
Já a do n.º 2 do mesmo art.º 1421.º não é imperativa, estabelecendo uma presunção ilidível de compropriedade (de que se trata de partes comuns do edifício), dispondo que se presumem comuns, para além de outras, “Em geral, as coisas que não sejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos” ([14]).
Os Apelantes não invocam no recurso nenhuma norma de direito substantivo em que fundamentem a sua pretensão de propriedade exclusiva sobre o terraço de cobertura da sua dita garagem (e deviam fazê-lo), antes concluindo, como visto, que o mesmo é parte integrante da sua fracção por ser a cobertura da garagem da sua fracção.
Já em sede de articulado de contestação invocaram o disposto na al.ª c) do n.º 1 do art.º 1421.º do CCiv., para significar que a escada de acesso à sua fracção e à cobertura da sua garagem não é parte comum do edifício, apenas servindo a sua fracção autónoma, já que a contraparte tem acesso à respectiva fracção por outro local, e, bem assim, o preceito da al.ª e) do n.º 2 do mesmo dispositivo legal, considerando que o terraço de cobertura da sua garagem está afecto ao seu exclusivo uso, pertencendo em exclusivo à sua fracção.  
Cabe, assim determinadas as perspectivas em confronto, desde logo verificar quais os limites materiais da propriedade – ou compropriedade (cfr. art.º 1403.º do CCiv.) ou propriedade horizontal (art.ºs 1414.º e seg., ambos do CCiv.) – de um imóvel, limites esses como tal definidos no art.º 1344.º, n.º 1, do CCiv..
Resulta deste preceito legal que a propriedade de um imóvel, independentemente das modalidades que pode revestir o domínio, “abrange o espaço aéreo correspondente à superfície, bem como o subsolo, com tudo o que neles se contém e não esteja desintegrado do domínio por lei ou negócio jurídico”.
Quer dizer, um imóvel não se esgota no espaço físico correspondente à respectiva superfície, embora, desde logo, compreenda esse espaço, sendo esse mesmo o plano a que vulgarmente logo se atende.
Mas, a mais da superfície, um prédio/imóvel é também integrado pelo espaço aéreo correspondente a essa superfície e, do mesmo modo, pelo respectivo subsolo, sendo a este conjunto ou tríplice dimensão (superfície, espaço aéreo e subsolo) que sempre terá de atender-se para delimitação material da realidade dominial predial, seja, como dito, em termos de propriedade, de compropriedade ou de propriedade horizontal.
Aliás, no mesmo sentido aponta o art.º 1414.º do CCiv., que estabelece o princípio geral em matéria de propriedade horizontal, ao aludir às “fracções de que um edifício se compõe”, as quais podem, se em condições de constituírem unidades independentes entre si, pertencer a donos diferentes em regime de propriedade horizontal.
Quer dizer, só pode haver, quanto a um certo imóvel/edifício, propriedade horizontal no que respeita às fracções de que o mesmo se compõe – aquelas que o integram, que dele fazem parte integrante, por estarem contidas no seu espaço físico/material, seja o aéreo, seja a superfície ou seja o subsolo respectivo.
Essas fracções – autónomas –, com tudo o que as integre, são objecto de propriedade individual, donde que cada condómino seja proprietário exclusivo da sua fracção, com o que dela constitua parte integrante.
Já quanto às partes comuns, cada condómino não tem mais do que um direito de compropriedade: os vários condóminos são simultaneamente titulares do direito de propriedade (direitos qualitativamente iguais sobre o bem comum) sobre a mesma coisa (art.ºs 1420.º, n.º 1, e 1403.º, ambos do CCiv.).
Cabia, pois, aos Apelantes demonstrar que o terraço de cobertura da sua garagem – tal como o respectivo espaço aéreo – constitui parte integrante da sua fracção autónoma ou que, ao menos, está afecto, apesar de parte comum, ao seu exclusivo uso.
Ora, o simples facto de o terraço de cobertura discutido constituir a cobertura das duas garagens – como provado no ponto 5.- da parte fáctica da sentença, é um (só) terraço que cobre (“por cima”) as duas garagens, uma ao lado da outra – não faz dele, obviamente, pertença de qualquer das fracções autónomas, enquanto parte integrante de alguma delas.
Tal função de cobertura comum a ambas as garagens logo parece inculcar, ao invés, a ideia de que o discutido terraço de cobertura deva ser considerado parte comum do edifício, independentemente do uso que lhe venha sendo dado em concreto.
Não se mostrando que seja (ou possa ser) objecto de propriedade individual/exclusiva, de modo a integrar a fracção de qualquer dos condóminos, antes assegurando a cobertura de duas garagens, cada uma destas integrando uma fracção autónoma.
Com efeito, um terraço “consiste, usualmente, numa cobertura plana de um edifício, num balcão amplo e descoberto” – cfr. Ac. STJ, de 15/05/2012, Proc. 218/2001.C3.S1 (Hélder Roque), disponível em www.dgsi.pt.
E, como também explanado neste aresto do STJ, com virtualidade de aplicação ao caso dos presentes autos:
“Trata-se, assim, de um terraço e não de uma varanda, de um terraço de cobertura e não de um terraço intermédio, (…) não obstante não servir de cobertura integral, mas, apenas, parcial ao andar situado no piso inferior, nem se situar ao nível do telhado do edifício, não sustentando a totalidade da cobertura do respectivo espaço físico, mas, funcionalmente, afecto, além de outras, a servir a mesma finalidade de protecção contra os elementos líquidos da atmosfera.
Com efeito, os terraços de cobertura, tanto podem ser do último pavimento, como de pavimentos intermédios, porquanto onde a lei não distingue, também, o intérprete não deve distinguir, salvo se houver razões para se concluir que outro foi o espírito da lei, a vontade do legislador, o que se não verifica, no caso concreto”.
E continua o mesmo Ac. que se vem citando:
«Entre as partes comuns, de natureza obrigatória, destaca-se “o telhado ou os terraços de cobertura, ainda que destinados ao uso do último pavimento;”, atento o estipulado pelo artigo 1421º, nº 1, a), do CC, na sua versão inicial, vigente à data da constituição do condomínio, por ser o regime, legalmente, aplicável.
Na verdade, o terraço, na propriedade horizontal, mesmo quando destinado ao uso do último morador, é propriedade dos condóminos, sendo que o direito de construir sobre ele cabe à comunidade, e não apenas ao proprietário do último andar, tratando-se de uma parte, forçosamente, comum, pela função capital de cobertura ou proteção do imóvel que, no interesse coletivo, exerce em relação a toda a construção.
Contudo, o espaço físico do terraço em análise não consubstancia uma parte física do edifício que, pela sua natureza, careça de ficar afecto a todos os condóminos, de modo necessário, atendendo à pluralidade de funções a que se destina, ou seja, de preservação das consequências dos elementos da natureza, mas, também, de recreio ou lazer daqueles, seus potencias utilizadores.
Mas, o uso das coisas comuns, na falta de acordo dos condóminos, quando sejam susceptíveis de actos de utilização individual, só é lícito, a qualquer deles, contanto que as não empregue para fim diferente daquele a que se destinam e não prive os outros consortes do uso a que, igualmente, têm direito.
Por outro lado, não se encontrando especificadas como privativas, no título constitutivo da propriedade horizontal, todas as coisas que não estejam afectas ao uso exclusivo de um deles, devem ainda as mesmas ser consideradas, presumivelmente, como partes comuns e, portanto, compropriedade de todos os condóminos, com possibilidade de afastamento dessa presunção, nos termos do estipulado pelo artigo 1421º, nº 2, e), do CC.».
Aderindo a esta orientação do STJ ([15]) e transpondo-a para o caso dos autos, claro se torna que o dito terraço de cobertura comum às duas garagens, cada uma destas integrante de uma fracção autónoma do condomínio, tal como todo o espaço aéreo acima desse terraço, constituem parte comum do edifício, em vez de área objecto de propriedade exclusiva de algum dos condóminos ([16]).
Bem se compreendendo que não pudesse algum dos condóminos construir em altura sobre esse terraço – sem o acordo do outro –, mesmo que as normas urbanísticas permitissem tal construção.
É certo que cada uma das garagens – o respectivo espaço interior – pertence em exclusivo a um dos condóminos, por integrante da respectiva fracção, como consta do título constitutivo da propriedade horizontal, mas tal não se estende à cobertura comum das garagens, o dito terraço único de cobertura, não podendo concluir-se que o espaça aéreo exterior/superior a cada uma das fracções seja propriedade exclusiva/individual de qualquer dos condóminos.
E, se não se mostra que o discutido terraço, ou parte dele, integre alguma das fracções autónomas do condomínio, também não se apura que seja/esteja, no todo ou em parte, afecto ao uso exclusivo de qualquer dos condóminos.
Como também referido no aresto citado do STJ (de 15/05/2012):
«… deixam de ser comuns aquelas coisas que estejam afectadas ao uso exclusivo de um dos condóminos, bastando, para o efeito, a fim de afastar a presunção de comunhão, uma afectação material, uma destinação objectiva, mas já existente à data da criação do condomínio, embora não se exija que ela conste do respectivo título constitutivo da propriedade horizontal.
Esta destinação objectiva verificar-se-ia, por exemplo, na hipótese de uma parte do edifício que deixaria de ser comum para passar ao uso exclusivo do condómino, em virtude de só poder ter acesso ou comunicação, através de uma fração autónoma desse condómino, isto é, à qual só fosse possível aceder, mediante a fração adjacente, devendo entender-se, então, que esse espaço pertence à mesma fração, ainda que a respetiva afetação não conste do título constitutivo da propriedade horizontal, não sendo uma parte comum».
Ora, no caso não estamos perante parte do edifício a que só se tenha acesso através do interior de uma das fracções autónomas do condomínio.
Desde logo, vem provado que a escada de acesso à fracção dos Apelantes dá também acesso, do mesmo modo, ao dito terraço (cfr. facto 6.- da parte fáctica da sentença). Coisa diversa seria – reitera-se – se essa escada apenas desse acesso àquela fracção e só através da fracção se pudesse aceder ao terraço, o que deixaria impedido o acesso da contraparte.
Por outro lado, nada consta do título constitutivo da propriedade horizontal no sentido da pretendida afectação ao uso exclusivo dos Recorrentes através da sua fracção.
Aliás, o que se retira desse título, como provado vem, é que são comuns todas as partes do prédio não individualizadas, sendo que o mencionado terraço não consta ali individualizado, para o que não basta a individualização de cada uma das garagens abaixo do mesmo e pelo mesmo protegidas.
Nem do dito título consta menção a qualquer afectação do terraço de cobertura ao uso exclusivo de qualquer dos condóminos.
Assim sendo, não logram, nem nesta fase recursória, os RR./Apelantes demonstrar que tal terraço não seja parte comum, nem sequer que esteja o mesmo destinado ao seu uso exclusivo, muito menos no que concerne a todo o espaço aéreo superior a esse terraço.
Donde a improcedência das suas conclusões no sentido que se tratar de parte integrante da sua fracção ou de afectação ao seu uso exclusivo.

2. - Se inexiste obrigação de dar passagem através das escadas e terraço e de retirada do portão colocado
A este propósito, mormente quanto à colocação unilateral pelos RR./Apelantes de um portão com fechadura no cimo das escadas que dão acesso à sua fracção e, igualmente, ao terraço discutido, acrescida da recusa de facultar à contraparte chave do portão, assim a impedindo de aceder ao terraço, matéria que vem provada nos autos, expendeu o Tribunal recorrido:
«Atento o supra referido e não estando expressamente referidas no título constitutivo, as escadas de acesso ao 1.º andar constituem parte comum do prédio. Os Réus efectuaram, assim, uma obra nas partes comuns.
(…)
Sucede que, conforme supra referido, quanto às partes comuns, os condóminos estão sujeitos às limitações impostas aos comproprietários. Ora, sem prejuízo das situações de obras urgentes, nos termos dos art. 985.º e 1407.º, n.º 1 do Código Civil, qualquer um dos comproprietários tem o direito de se opor às obras que outro pretenda realizar, cabendo à maioria (a qual tem de representar, pelo menos metade do valor do prédio) decidir sobre o mérito da oposição. Na verdade, o art. 1425.º vem impor uma maioria qualificada para as obras de inovação nas partes comuns, estando as restantes sujeitas à aprovação da maioria dos condóminos, titulares de metade do prédio.
No caso vertente, atenta a permilagem de cada uma das fracções (50 % do valor do prédio), os Réus não podiam ter colocado o portão sem o consentimento da Autora e muito menos poderiam fazê-lo de modo a impedir o acesso desta ao terraço.
Procede, assim, também o pedido de condenação dos Réus a retirarem o portão de acesso ao terraço de cobertura das garagens, de modo a possibilitar à Autora o acesso ao mesmo».
Concorda-se com esta abordagem da situação dos autos.
Com efeito, concluindo-se que o terraço em discussão é parte comum do edifício e passível de utilização pelos condóminos, o mesmo deve, como tal, poder ser acedido por todos eles.
Ora, o acesso ao terraço faz-se pelas escadas que também conferem acesso à fracção dos RR./Apelantes.
Por isso, atendendo até a esta dupla função, as ditas escadas também são parte comum do edifício, como tal não afectadas à utilização exclusiva de qualquer dos condóminos.
Assim só pode concluir-se, salvo o devido respeito, que, tendo ambos os condóminos direito a aceder e utilizar as partes comuns ([17]), não poderia ter-se por justificado o entrave ao acesso ao terraço, resultante da colocação do portão, que impede a passagem para ali da A./Apelada.
Donde a improcedência das conclusões dos Apelantes no sentido de poderem impedir a passagem da contraparte através das escadas e terraço, o que determina que tenham de retirar o obstáculo colocado, o dito portão, como decidido pelo Tribunal a quo.
Em suma, a apelação improcede, devendo manter-se a decisão em crise.

***

IV – Sumariando (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
1. - A propriedade de um imóvel, independentemente das modalidades de que se pode revestir o domínio, abrange o espaço aéreo correspondente à superfície do prédio, bem como essa superfície e o subsolo respectivo.
2. - O princípio geral em matéria de propriedade horizontal é o de que só podem ser objecto deste modo de domínio as fracções de que um edifício se compõe, as quais podem, se em condições de constituírem unidades independentes entre si, pertencer a donos diferentes, ocorrendo compropriedade sobre as partes comuns do edifício.
3. - O terraço que cobre duas garagens, pertencentes a fracções diferentes, situado ao nível do primeiro andar e contíguo a uma das fracções autónomas, apesar de não estar ao nível do telhado do edifício e não servir de cobertura integral do mesmo – cobre apenas essas garagens, situadas no piso inferior –, assume uma afectação funcional vocacionada, para além do mais, à protecção de ambas as garagens contra os elementos naturais, devendo ser qualificado como terraço de cobertura, em vez de terraço intermédio, mesmo à luz da redacção originária do preceito do art.º 1421.º do CCiv..
4. - O uso individual de parte comum, na falta de acordo dos condóminos, só é admissível se, para além do mais, não importar a privação do uso pelos demais condóminos.

***

V – Decisão:

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas da apelação pelos Apelantes.

Escrito e revisto pelo relator.
Elaborado em computador.

Lisboa, 26/03/2015

José Vítor dos Santos Amaral (Relator)
Regina Almeida (1.ª Adjunta)                                     
Maria Manuela Gomes (2.ª Adjunta)

([1]) Processo instaurado após 01/01/2008, mas antes de 01/09/2013 e decisão recorrida posterior a esta data (cfr. sentença de fls. 161-173 dos autos em suporte de papel, bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, este por argumento de maioria de razão, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16, Autor que refere que, tratando-se de decisões proferidas a partir de 01/09/2013, portanto, após a entrada em vigor do NCPCiv., em processos instaurados anteriormente, mas não anteriores a 01/01/2008, se segue integralmente, em matéria recursória, o regime do NCPCiv.).
([2]) Caso nenhuma das questões enunciadas resulte prejudicada pela decisão dada a outra(s).
([3]) Assim, Abrantes Geraldes, op. cit., p. 130.
([4]) Cfr. art.º 640.º do NCPCiv. (do mesmo modo que o anterior art.º 685.º-B do CPCiv. revogado), bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, pág. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, págs. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, pág. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([5]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 115. 
  ([6]) Op. cit., p. 118, com itálico aditado. 
  ([7]) Op. cit., ps. 126 e seg., com negrito aditado. 
  ([8]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg..
  ([9]) Fosse por referência ao que constava da base instrutória (concretos pontos de facto ali questionados) ou – mais pertinentemente (cfr. ponto IV da sentença referente a “Questão prévia”) – ao factualismo vertido na parte fáctica da sentença (o julgado provado e/ou o considerado não provado), que ali consta devidamente identificado, sujeito a específica numeração (ou a indicação por al.ªs).
  ([10]) Como vem entendendo a jurisprudência dominante do STJ, “no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações” – cfr. Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 1858/06.5TBMFR.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado, bem como demais jurisprudência ali citada. No mesmo sentido, à luz do NCPCiv., cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 127 e seg..
  ([11]) Cfr. sobre o tema Armindo Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, ps. 95 e 103.
  ([12]) De notar ainda que os Apelantes invocaram – na alegação recursória – terem requerido inspecção judicial ao local, diligência probatória essa que lhes foi indeferida, continuando eles a perspectivá-la como essencial para a descoberta da verdade e boa decisão da causa. Porém, se nada pedem nesta matéria, é também patente que nada verteram nas conclusões da apelação a este propósito, o que, consabido serem essas conclusões que delimitam o âmbito e definem o objecto do recurso, logo inviabiliza o conhecimento de tal questão por esta Relação.
([13]) Cfr., por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. III, 2.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1987, p. 419. 
  ([14]) Vide Pires de Lima e Antunes Varela, ob. e loc. cits..
  ([15]) Cfr. também o Ac. STJ, de 16/10/2003, Proc. 03B2567 (Cons. Luís Fonseca), em www.dgsi.pt.
  ([16]) Ainda neste sentido, considerando que um terraço de cobertura de andar inferior, embora afecto ao uso exclusivo de um dos condóminos, é parte comum, cfr. o Ac. Rel. Lisboa, de 23/03/1982, Col. Jur., 1982, 2.º - 173, citado por Abílio Neto, em Código Civil Anotado 6.ª ed., Livraria Petrony, Lisboa, 1987, p. 850.
([17]) Tratando-se de partes comuns, logo, objecto de um direito de compropriedade a favor de todos os condóminos, não faz sentido aludir a um qualquer direito de servidão de passagem, mencionado pelos Recorrentes nas suas conclusões.