Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
4498/17.0T9LSB.L1-9
Relator: CLÁUDIO DE JESUS XIMENES
Descritores: INSTRUÇÃO
CRIME DE OFENSA A PESSOA COLECTIVA
CRIME DE DIFAMAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I- Uma pessoa colectiva não pode, simultaneamente, e pelos mesmos factos, ser ofendida do crime de difamação e do crime de ofensa a pessoa colectiva;
II- Para estarem preenchidos os elementos objectivos do tipo do crime de ofensa a pessoa colectiva (artº 187º do C.P.), organismo ou serviço não basta afirmar ou propalar factos inverídicos.São necessários mais dois requisitos: que o agente esteja de má-fé na convicção que forma acerca da sua veracidade (ou melhor: que o agente, no caso concreto, não tenha razões sérias para aceitar esses factos como verdadeiros) e que os factos sejam idóneos a ferir a credibilidade, o prestígio ou a confiança que o ente visado deve merecer.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acórdão da 9ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I.O Partido……. recorre da decisão do
Juiz de Instrução Criminal que, perante o requerimento de abertura de instrução requerida contra a acusação particular que ele deduziu contra AA…, declarou nula essa acusação e determinou o arquivamento dos autos.
Pretende que o despacho recorrido seja revogado e substituído por
outro que mande proceder à instrução requerida pelos crimes de "difamação com publicidade e calúnia e ofensa a pessoa colectiva em autoria material, com dolo directo e em concurso efectivo, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 30° n° 1, 180° n° 1, 183° n° 1 al. a) e 187° C.Penal".
Termina a motivação do recurso com as seguintes conclusões:
1) O assistente, ora recorrente, deduziu acusação particular contra o arguido, ora recorrido, acusação particular essa a fls., na qual o recorrido se encontra acusado pela prática, em concurso efectivo e em autoria material e com dolo directo, de um crime de difamação com publicidade e calúnia, e um crime de ofensa a pessoa colectiva, crimes esses p. e p. nos arts. 30° n° 1, 180° n° 1, 183° n° 1 al. a) e 187° C.Penal.
2) O arguido, ora recorrido, requereu a abertura de instrução e, no seu requerimento de abertura de instrução alegou previamente pretensas e supostas nulidades da acusação particular que contra si foi deduzida relativamente aos crimes pela prática dos quais se encontra acusado.
3) Assim, relativamente ao crime de difamação, p. e p. no art, 180° n° 1 C.Penal alega o recorrido que o mesmo não se aplica a pessoas colectivas, e de que, relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. no art. 187° n° 1 do mesmo diploma legal, a acusação é nula por falta de um elemento do tipo do crime de ofensa a pessoa colectiva (a ausência de alegação e prova de que o ora recorrido não tinha fundamento para, em boa fé, reputar os factos relatados como verdadeiros).
4) Pese embora a questão seja controvertida na jurisprudência no que ao crime de difamação diz respeito (as pessoas colectivas serem ou não sujeitas passivas desse crime), sendo expectável que, mais cedo ou mais tarde o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça venha a ter que fixar jurisprudência sobre o tema, o Tribunal a quo, ao acolher a tese do recorrido e, consequentemente, declarar nula a acusação deduzida contra o recorrido, proferiu uma decisão que, em si mesmo, é um gravíssimo atentado à Lei, ao Direito e à Justiça.
5) O crime de difamação é um crime contra a honra, sendo intenção do legislador conferir uma tutela ampla e adequada ao bem jurídico honra e consideração pessoal, entendido complexamente em todas as suas refracções, entendendo-se por honra, segundo a lição do Prof. Beleza dos Santos, in Revista de Legislação e Jurisprudência, n° 92, p. 64, como "(...) aquele mínimo de condições, especialmente de natureza moral, que são razoavelmente consideradas essenciais para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si, pelo que é e pelo que vale."
6) No direito à honra encontra-se incluído o direito ao bom-nome e à reputação, que são pressupostos indispensáveis para o desenvolvimento de toda e qualquer pessoa, seja ela pessoa singular, seja ela pessoa física, em comunidade, sendo o respectivo conteúdo baseado numa pretensão de reconhecimento da sua dignidade e tem como correlativo uma conduta negativa dos outros.
7) Como dentro do direito à honra encontra-se igualmente incluída a consideração, que é o património de bom-nome, de crédito, de confiança que cada um pode ter adquirido ao longo da sua vida, sendo, nestes moldes, o aspecto exterior da sua honra, já que provém do juízo em que cada um de nós é tido pelos outros. É pois, o merecimento que a pessoa tem no meio social, a reputação, a boa fama, a estima, a dignidade objectiva, ou seja, a forma como cada sociedade vê cada pessoa.
8) A questão que se coloca é a de saber se as pessoas colectivas podem ser sujeitas passivas do crime de difamação, isto é, se podem ser ofendidas de um crime de difamação, e, conforme se escreveu na conclusão 4a, a questão é controvertida na jurisprudência, sendo de resto expectável que a muito curto prazo o Pleno das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça venha ter que proferir acórdão de fixação de jurisprudência sobre este assunto.
9) Contrariamente à decisão proferida pelo Tribunal a quo, que entendeu que as pessoas colectivas não podem ser sujeitas passivas nos crimes de difamação, tendo secundado a sua posição no Acórdão da Relação de Évora datado de 26/10/04, consultável em https://block.pt/caselaw/PT/TRE/180782/, e, com base em tal aresto ter declarado a nulidade da acusação no que ao crime de difamação diz respeito, o recorrente tem opinião totalmente contrária, juridicamente sustentável, e efectivamente as pessoas colectivas podem ser sujeitas passivas do crime de difamação.
10) Veja-se para o efeito para o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 12/01/00, in C.J., XXV, Tomo I, p. 44, segundo o qual "I — As pessoas colectivas podem ser sujeitos passivos de crimes contra a honra.", sendo que crimes contra a honra são os crimes de difamação e os crimes de injúria, p. e p. nos arts. 180° e 181° C.Penal, respectivamente, residindo a diferença entre ambos na presença (na injúria) ou não presença (na difamação) do ofendido aquando da prática dos factos. Neste std., Miguez Garcia e Castela Rio, in Código Penal — Parte Geral e Parte Especial Com Notas e Comentários, Livraria Almedina, Coimbra, 2014, p. 763.
11) E como argumento de reforço de que efectivamente as pessoas colectivas podem ser sujeitas passivas dos crimes de difamação, isto é, podem elas próprias serem vítimas dos crimes de difamação radica no disposto no art. 26° n° 1 C.R.P., segundo o qual a todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom-nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
12) Sendo de resto o direito ao bom-nome e à reputação extensível às pessoas colectivas, nos termos do disposto no art. 12° n° 2 C.R.P., conforme bem salientam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, 4' Ed., Reimpressão, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 471.
13) É pois manifestamente inequívoco e manifestamente notório que o recorrido formula juízos ofensivos da honra e consideração do recorrente, e as expressões empregues pelo recorrido contra o recorrente e os juízos de valor contra este formulados por aquele e constantes da acusação particular atingem gravemente o recorrente na sua honra, no seu bom nome, na sua imagem, na sua rectidão, na sua reputação, na sua seriedade e na sua credibilidade, e porque as pessoas colectivas podem ser sujeitos passivos de crimes contra a honra, inexiste a nulidade da acusação particular no que ao crime de difamação diz respeito.
14) Por conseguinte terá que se proceder-se à instrução requerida pelo recorrido quanto ao crime de difamação, sob pena de o art. 180° n° 1 C.Penal ser declarado inconstitucional por violação do disposto no art. 26° n° 1 C.R.P., ex vi art. 12° n° 2 do mesmo diploma legal.
15) Relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. no art. 187° C.Penal, como bem referem Miguez Garcia e Castela Rio, in op. cit., p. 773, "O objectivo deste artigo é diferente. É criminalizar acções (os rumores) não atentatórios da honra, mas sim do crédito, do prestígio ou da confiança de uma determinada pessoa colectiva, valores que não se incluem, em bom rigor, no bem jurídico protegido pela difamação ou pela injúria."
16) Neste sentido veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/11/14, Proc°. n° 5803/11.9 TDPRT.P1, consultável na internei em www.dgsi.pt, onde se escreveu que "Enquanto que no crime de difamação ou de injúria se tutela a honra e a consideração que a cada pessoa deve ser tributada, no crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. no art. 187°, protege-se o bom-nome de um organismo ou serviço que exerça autoridade pública, ou ainda pessoa colectiva, instituição ou corporação."
17) Elemento objectivo do crime de ofensa a pessoa colectiva é, como bem referem Miguez Garcia e Castela Rio, in op. cit., p. 774 a difusão de factos inverídicos, bastando pensar "(...) em quem propala uma meia verdade, a qual, não sendo uma falsidade, ainda assim, em certas circunstâncias, já pode ser percebida ou valorada como afirmação de coisa inverídica."
18) Sustenta o Tribunal a quo para decretar a nulidade da acusação particular deduzida pelo recorrente contra o recorrido no que ao crime de ofensa a pessoa colectiva diz respeito no facto de na acusação não resulta a alegação, por parte do recorrente, de que o recorrido, sem ter fundamento sério para, em boa-fé os reputar por verdadeiros, afirmou ou propalou factos inverídicos.
19) É óbvio, é manifesto e é notório, e só um cego é que não vê, que o recorrido, ao escrever o que escreveu sobre o recorrente mais não fez do que divulgar factos inverídicos, pois só alguém movido da mais profunda má fé ou incutido na mais tremenda ignorância é que pode dizer que o recorrente é ignorante e que o seu Presidente é racista. E o recorrido sabe muito bem que nem o recorrente é ignorante nem o seu Presidente é racista. Mesmo assim não se coibiu de o propalar para quem leu a sua prosa.
20) A questão que se coloca é a de saber se numa acusação pela prática de um crime de ofensa a pessoa colectiva na mesma deve constar a alegação que o arguido sem ter fundamento sério para, em boa fé os reputar por verdadeiros, afirmou ou propalou factos inverídicos.
21) Ressalvando o devido respeito por opinião contrária, entendemos que numa acusação pela prática de crime de ofensa a pessoa colectiva não é necessária a alegação que o arguido sem ter fundamento sério para, em boa fé os reputar por verdadeiros, afirmou ou propalou factos inverídicos.
22) Atenda-se ao decidido pelo Tribunal da Relação de Coimbra no seu Acórdão de 12/05/00, Proc°. n° 88/08.6 TATBU.C1, consultável na internet em www.dgsi.pt, "A prática do crime p. e p. pelo art. 187° do CP exige, para além do mais, a prova de que os factos propalados sejam inverídicos." Ora tal prova terá necessária e forçosamente que ser feita em sede de audiência de julgamento, como é óbvio.
23) Além de que conforme decidiu o Tribunal da Relação do Porto no seu Acórdão de 19/04/17, Proc°. n° 932/14.9 PIPRT.P1, consultável na internet em www.dgsi.pt, "II — Para preenchimento do elemento subjectivo basta que o agente tenha conhecimento da inveracidade de tais factos e mesmo assim os apregoe ou divulgue, querendo propalar essa notícia. III —Tal tipo legal não exige um elemento subjectivo (animus) específico de lesão do bom-nome bastando a vontade de difundir o facto inverídico."
24) A situação descrita no douto aresto citado na precedente conclusão verifica-se no âmbito dos presentes autos, porquanto o recorrido sabe muito bem que nem o recorrente é ignorante, nem o seu Presidente é racista, e, mesmo assim, não de coibiu de apregoar/propalar para um vasto universo de pessoas que o recorrente era ignorante e o seu Presidente era racista, com o firme e deliberado propósito de atentar contra a credibilidade, o prestígio, a confiança e o bom-nome do recorrente, situação que de, de resto, e infelizmente, é uma pratica reiterada por alguns profissionais da comunicação social em Portugal.
25) O Acórdão citado na conclusão 23a decidiu ainda que "IV — A susceptibilidade de ofender a credibilidade, prestígio ou confiança da pessoa colectiva afere-se de modo objectivo, bastando que o cidadão comum valorize desse modo tais factos e estes sejam dotados dessa capacidade para afectar ou denegrir a imagem externa que o cidadão tem da pessoa colectiva."
26) Não resulta pois perante a jurisprudência citada nas antecedentes conclusões que seja necessário constar da acusação particular a alegação, por parte do recorrente, de que o recorrido, sem ter fundamento sério para, em boa fé os reputar por verdadeiros, afirmou ou propalou factos inverídicos, sob pena de o art. 187° n° 1 ser declarado inconstitucional por violação do disposto no art. 26° n° 1 C.R.P., ex vi art. 12° n° 2 do mesmo preceito legal.
27) Porque as expressões empregues pelo recorrido contra o recorrente e os juízos de valor contra este formulados por aquele e constantes da acusação particular atingem gravemente o recorrente na sua credibilidade, no seu prestígio, na sua confiança e no seu bom-nome, porque não é necessário constar da acusação particular a alegação, por parte do recorrente, de que o recorrido, sem ter fundamento sério para, em boa fé os reputar por verdadeiros, afirmou ou propalou factos inverídicos.
28) E porque, segundo o ensinamento dos Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira in op. cit., Vol. I, p. 471, as pessoas colectivas também gozam do direito à honra, bom-nome e reputação, inexiste a nulidade da acusação particular no que ao crime ofensa a pessoa colectiva diz respeito, devendo proceder-se à instrução requerida pelo recorrido quanto a tal crime, sob pena de o art. 187° n° 1 C.Penal ser declarado inconstitucional por violação do disposto no art. 26° n° 1 C.R.P., ex vi art. 12° n° 2 do mesmo diploma legal.
29) Em cumprimento do disposto no art. 412° n° 2 al. a) C.P.Penal as normas jurídicas violadas são os arts. 26° n° 1 e 12° n° 2 C.R.P. e os arts. 180° n° 1 e 187° n° 1 C.Penal.
O Ministério Público e o arguido defendem a improcedência do recurso.
II. De acordo com as conclusões da motivação do recurso temos
que decidir aqui se os factos imputados ao arguido na acusação particular integram os crimes de "difamação com publicidade e calúnia e ofensa a pessoa colectiva em autoria material, com dolo directo e em concurso efectivo, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 30° n° 1, 180° n° 1, 183° n° 1 al. a) e 187° C.Penal".
O recorrente alega que os factos imputados ao arguido na acusação
integram os crimes de "difamação com publicidade e calúnia e ofensa a pessoa colectiva em autoria material, com dolo directo e em concurso efectivo, nos termos das disposições conjugadas nos arts. 30° n° 1, 180° n° 1, 183° n° 1 al. a) e 187° C.Penal", e, portanto, o
despacho recorrido deve ser revogado e substituído por outro que mande proceder à instrução requerida.
Contudo, não tem razão.
Está escrito no artigo 180.° do CP:
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa-fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.° 2 do artigo 31.°, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.° 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
Está escrito no artigo 187.° do CP:
1 - Quem, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - É correspondentemente aplicável o disposto:
a) No artigo 183.°; e
b) Nos n. °s 1 e 2 do artigo 186.°
É certo que até a entrada em vigor, em 15.09.2007, do artigo 187.° do Código Penal na redacção de dada pela Lei 59/2007, de 4 de Setembro, não havia dúvida de que as condutas ofensivas da credibilidade, prestígio ou confiança das pessoas colectivas cabiam na previsão do crime de difamação e injúria; o STJ firmou no assento de 24.02.1960 que as pessoas colectivas podem ser sujeito passivo nos crimes de difamação e de injúria.
Dizem Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques:
No domínio da versão de 1982 deste Código [Penal] discutia-se se as pessoas colectivas podiam ou não ser ofendidas em crimes contra a honra. Por nossa banda entendíamos que não, e isso com base em duas ordens de razões:
- exclusividade restrita às pessoas singulares dos requisitos de honra e consideração, adequando-se às pessoas colectivas outras realidades, como, por exemplo o crédito, e prestígio e a confiança;
- eliminação do texto inicial do Código do artigo que especificamente previa essa incriminação (art. 183.°), o que só pode ser interpretado como intuito declarado de afastamento do crime.
Subscrevíamos assim o entendimento de NELSON HUNGRIA (Comentário ao Código Penal Brasileiro, VI, 44 a 46) quando afirmava:
"Inaceitável é a tese de que também a pessoa jurídica pode, sob o ponto de vista jurídico-penal, ser ofendida na sua honra (...)
Ora, a pessoa jurídica é uma pura ficção, estranha ao direito penal. Não tem honra senão por metáfora (...)
O direito privado, ao fingir a pessoa jurídica distinta das pessoas físicas, que a compõe, fê-lo tão somente para fins patrimoniais ou económicos (...).
As ofensas dirigidas a um ente colectivo são, na realidade, dirigidas às pessoas físicas que o compõe, dirigem ou administram".
Havia contudo, jurisprudência muito significativa que defendia a possibilidade de as pessoas colectivas serem atingidas por este delito (...)
Hoje o problema coloca-se de outro jeito.
Com efeito, o que está aqui em causa, é uma específica incriminação em que a conduta é tarifada (afirmação ou produção de factos inverídicos), os ofendidos circunscritos (pessoa colectiva, instituição, corporação, organismo ou serviço que exerça autoridade pública), sendo o bem jurídico protegido o direito ao bom nome público (credibilidade, prestígio e confiança).
E nada mais do que isso...
Saber se, para além disso, é possível conceber uma outra incriminação, fora do contexto do artigo, em que sejam postas em causa o bom nome de uma qualquer possoa colectiva mas a honra e consideração que lhe são devidas, já é outra questão.
E a ela responde v.g. FARIA E COSTA no sentido de que qualquer pessoa colectiva possa vir a «ser vítima de um específico crime contra a honra» ao abrigo de outras disposições legais em que o bem jurídico protegido passa a ser, não o bom nome, mas a honra e consideração (cfr. Comentário Conimbricense do Código Penal, I, 675 a 678)1.
Nas palavras de Renato Militão "não vislumbramos qualquer conduta ofensiva da credibilidade, prestígio ou confiança, ou seja, se se quiser, do bom nome de uma entidade colectiva subsumível ao tipo objectivo do crime de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva que não fosse susceptível de representar o crime de difamação ou o crime de injúria"; "a incriminação estabelecida no artigo 187.°, n.° 1, do CP apenas se justifica por se mostrar necessário, tendo em conta quer a essência das entidades coletivas, quer a proteção ancorada aos direitos fundamentais da comunicação, limitar a tipificação das ofensas à honra objetiva ou exterior dessas entidades face à tipificação das ofensas à honra em sentido amplo dos indivíduos. Limitação essa que foi efetivamente concretizada na citada norma", "[o] que, pese embora seja de aplaudir, não deve deixar de ser encarado como um passo com vista à descriminalização das ofensas à honra objetiva ou exterior das entidades coletivas, porquanto, pelo que já dissemos, é neste sentido que apontam quer a CRP, quer os principais diplomas de direito internacional que vinculam o Estado português". Com a entrada em vigor do artigo 187.°, n.° 1, "as entidades colectivas não podem ser sujeitos passivos dos crimes de difamação e injúria", "não há hoje espaço para a orientação vertida no assento do STJ de 24/02/1960"2. Pois, "por princípio, as entidades coletivas privadas são suscetíveis de possuir honra objetiva ou exterior, ou ao menos alguns segmentos desta. Efetivamente, essas entidades podem merecer e ser portadoras, pelo menos, de bom nome e de crédito. No entanto, tal não sucede no que respeita à honra subjetiva ou interior. Atenta a sua natureza, tratando-se de entes abstratos, as entidades coletivas não possuem esta dimensão da honra, a qual, como dissemos já, é inerente ao indivíduo e exclusiva deste. Por conseguinte, no que concerne à proteção da honra subjetiva ou interior, o direito fundamental à honra é inseparável da personalidade singular. Relativamente às entidades coletivas, tal direito apenas tutela a dimensão relacional da honra, ou seja, a honra objetiva ou exterior". É que "de acordo com o art. 12°, n° 2, da CRP, também as pessoas colectivas, lato sensu, quer portuguesas, quer estrangeiras, gozam dos direitos e estão sujeitas aos deveres consignados na Constituição, desde que compatíveis com a natureza das mesmas. Reportando-se este segmento final quer à essência do direito fundamental concreto, quer à essência da entidade coletiva em causa. Ou seja, uma entidade coletiva goza de determinado direito fundamental se e na medida em que a essência da primeira for compatível com a do segundo e vice-versa" 3.
'MANUEL SIMAS SANTOS e MANUEL LEAL-HENRIQUES, Código Penal Anotado, vol. 11, Rei dos Livros (anotações ao artigo 187.°)
2 RENATO LOPES MILITÃO, Sobre a tutela da honra das entidades colectivas, JULGAR on line, março 2006 / 29
3 RENATO LOPES MILITÃO, ibid.
Assim, é a partir da previsão do artigo 187.°, n.° 1, do CP que temos que ajuizar se a acusação contém a narração dos factos indiciados que permitem que o arguido venha a ser condenado numa pena ou sujeito a uma medida segurança no julgamento, como impõe o artigo 283.°, n.° 3, alínea b), do CPP.
A decisão recorrida é a seguinte:
I. NULIDADE DA ACUSAÇÃO PARTICULAR:
m assistente Partido …… deduziu a acusação particular que consta a fls. 192 a 194, na qual imputa ao arguido a prática de:
- Um crime de difamação com publicidade e calúnia (art° 180, n°1, 183, n°1, al. a) do CP);
- Um crime de ofensa a pessoa colectiva (art° 187 do CP).
m arguido requereu a abertura de instrução e suscitou a nulidade da acusação particular por 2 motivos: 1. Tratando-se o P….de uma pessoa colectiva o mesmo não pode ser ofendido de um crime de difamação; 2. Falta dos elementos objectivos do tipo de crime de ofensa de pessoa colectiva.
m M° P° e o assistente pronunciaram-se sobre as nulidades invocadas, nos termos que constam de fls. 316 e 333-337, que aqui se dão por reproduzidas.
Importa decidir se o arguido tem ou não razão quanto às questões prévias que suscitou.
Primeira questão: Uma pessoa colectiva (partido político) pode ser vítima do crime de difamação e de ofensa a pessoa colectiva?
Não olvidamos que os crimes previstos no art° 180 e 187 têm diferentes objectos. No primeiro protege-se a honra, o bom nome e no segundo a credibilidade, o prestígio e a confiança.
Para melhor compreender esta questão, vou socorrer-me do Acórdão do TRE de 26/10/2004, consultado em https://blook.pt/caselaw/PT/TRE/180782/, que a propósito desta questão refere o seguinte:
"(...) BB) O crime de difamação tutela o bem jurídico — pessoalíssimo e imaterial ­honra, assente na imputação indirecta de factos e juízos desonrosos (artigo 180. do CP),constituindo verdadeiro e real crime de difamação a difamação levada a cabo através de escrito (artigo 182. do CP);
CC) A difamação consiste na imputação a alguém, levada a terceiros e na ausência do visado, de facto ou conduta que encerre em si uma reprovação ético-social, sendo ofensivos da honra e consideração do visado, enquanto pretensão de respeito que decorre da dignidade da pessoa humana e pretensão ao reconhecimento da dignidade moral da pessoa por parte dos outros;
DD) Desde há muito que a jurisprudência e a doutrina, embora com divergências, vêm entendendo que as pessoas jurídicas merecem a tutela do direito penal, neste particular, já que muito embora não sejam dotadas do valor honra, em sentido estrito, possuem outros valores afins susceptíveis de violação;
EE) Cremos, no entanto, que com a revisão do Código Penal de 1995, operada pelo Decreto-Lei n. 48/95, de 15 de Março, o legislador criou uma particular incriminação, que visa proteger as pessoas colectivas, introduzindo um novo tipo legal de crime, o do artigo 187;
FF) A nova norma incriminadora, com um âmbito de incriminação diferente dos específicos crimes contra a honra, suscita, porém, a questão de saber se as normas dos artigos 180. e 181. continuam a ser aplicáveis às pessoas colectivas;
GG) É pois, em nosso entendimento, inquestionável que o legislador quis afastar a incriminação por esses tipos, face à reforma que encetou;
HH) Apesar das posições doutrinárias pugnadas pelos ilustres Professores Figueiredo Dias, Faria e Costa, somos levados a concluir que carecem de razão;
II) Os Exmos Srs. Juízes Conselheiros, Leal-Henriques e Simas Santos, in Código Penal Anotado, II Volume, Rei dos Livros, 2.º edição, págs. 350-351, opinando que, na versão primitiva do Código, as pessoas colectivas não podiam ser ofendidas em crimes contra a honra, por a honra e consideração serem requisitos exclusivos das pessoas singulares, adequando-se às pessoas colectivas outras realidades como o crédito e a confiança, entendem que o legislador ultrapassou a questão de uma forma algo subtil;
JJ) Em vez de falar em honra e consideração - que são noções que se não se enquadram à realidade "pessoa colectiva" - lançou mão dos conceitos de credibilidade, prestígio e confiança, que são exactamente os valores que no seu âmbito poderão em rigor ser tutelados pelo Direito;
KK) No mesmo sentido, pronuncia-se Sousa Brito, aquando da revisão do Código Penal - é possível encontrar no âmbito da protecção da norma uma dupla faceta: a já assinalada, mas também algo de muito semelhante à honra quando está em causa uma ofensa a uma corporação ou organismo (Actas da Revisão do Código Penal cit., pág. 504);
LL) Aceitando-se (ensinamento igualmente sustentado António Jorge Fernandes de Oliveira Mendes, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal Livraria Almedina Coimbra, 1996, págs 111 e ss), ao menos como hipótese de raciocínio, que as pessoas jurídicas, para além dos valores relativos à credibilidade, prestígio e confiança, únicos tutelados pelo artigo 187, são dotadas de outros valores que se podem e devem equiparar para efeitos jurídico-penais à honra (em sentido amplo), os quais só através do crime de difamação podem encontrar protecção, Importa definir rigorosamente Os bens jurídicos tutelados nos tipos em causa, na perspectiva de ofensa a pessoa colectiva;
MM) Se é a dimensão objectiva - a valoração que a comunidade faz da actuação ­que constitui a pedra angular para uma correcta e ajustada compreensão do bem jurídico contido no artigo 187.° (Faria Costa, ob. cit., p. 678), que se prende, como referimos, com a ideia de bom nome, o âmbito de protecção do artigo 180. tem que obrigatoriamente de ser outro;
NN) Resta-nos, pois, uma dimensão e compreensão normativa da honra, para efeitos da incriminação pelo artigo 180º quando a ofendida é uma pessoa colectiva; 00) Se, numa concepção normativa, a honra é um momento da personalidade do indivíduo, um bem que respeita a todo o homem por força da sua qualidade de pessoa e que radica na sua inviolável dignidade, esta essencial dimensão pessoal (pessoa individualmente considerada) adequa-se mal à realidade pessoa colectiva;
PP) Em nosso entendimento, na medida em que se vincula de forma imediata à dignidade da pessoa, o direito à honra aparece como um direito da personalidade de carácter pessoalíssimo;
QQ) Confrontamo-nos, por isso, com sérias dúvidas sobre se as pessoas Colectivas podem ser sujeito passivo do crime de difamação, após a Introdução no Código Penal do tipo do artigo 187., e inclinamo-nos para urna resposta negativa na consideração de que a tutela penal do bom nome ou reputação das pessoas colectivas é esgotantemente realizada pelo artigo 187° (Neste sentido José Henriques e Situas Santos, ob. e loc. Cit.);
RR) É neste sentido que a jurisprudência mais recente se têm pronunciado - atente-se nos arrestos anteriormente citados, onde se destaca o proferido já no decurso deste ano de 2004, pelo Venerando Tribunal da Relação do Porto - lapidarmente ai se deixou sumariado que as pessoas colectivas não podem ser sujeito passivo do crime de difamação. (...)".
Tudo o que se encontra escrito no aresto acima transcrito tem total aplicação à presente situação, o que nos leva a concluir que uma pessoa colectiva não pode, simultaneamente, e pelos mesmos factos, ser ofendida do crime de difamação e do crime de ofensa a pessoa colectiva. Tem assim razão o arguido, sendo nesta parte nula a acusação, porquanto, no caso concreto, o P…. não pode ser ofendido no crime de difamação.
A segunda questão suscitada pelo arguido é que, relativamente ao crime de ofensa a pessoa colectiva, a acusação particular não alega os factos que integram os elementos objectivos do tipo de crime, não alegando, designadamente, que o arguido não tinha fundamento para, em boa-fé, reputar por verdadeiros os factos relatados.
Determina o art° 187, n°1 do CP que "(...) Quem, sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até seis meses ou com pena de multa até 240 dias. (...)"
O tipo objectivo do ilícito previsto no art. 187° do CP exige o preenchimento dos seguintes pressupostos:
a) sem ter fundamento para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos;
b) que esses facto inverídicos (que foram afirmados ou propalados pelo sujeito activo sem ter fundamento, para, em boa fé, os reputar verdadeiros) são capazes (aptos) de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos ao sujeito passivo.
Após ler a acusação particular afigura-se que da mesma não resulta a alegação de que o arguido, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmou ou propalou factos inverídicos.
Não se trata apenas de uma questão de prova, conforme o assistente invoca na resposta à nulidade, mas sim de um elemento objectivo do tipo.
A acusação contém, sob pena de nulidade, a narração ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhe deve ser aplicada (art° 283, n°3, al. b) do CPP).
No caso concreto, pelas razões supra referidas, e porque se trata de um elemento do tipo, a acusação teria que alegar que o arguido, sem ter fundamento para, em boa-fé, os reputar verdadeiros, afirmou ou propalou factos inverídicos, o que não aconteceu.
Estando a acusação ferida de nulidade, importa determinar quais as consequências da mesma.
No nosso entender, a nulidade da acusação (particular ou pública) acarreta o arquivamento do processo, por não ser já possível a repetição dos atos praticados.
Efetivamente, e fazendo apelo à estrutura acusatória do nosso processo penal, constitucionalmente imposta (art° 32°, n°5 da CRP), o Tribunal, na sua natural postura de isenção, objetividade e imparcialidades, cujos poderes de cognição estão rigorosamente limitados ao objeto do processo, previamente definido pelo conteúdo da acusação, não pode nem deve dirigir recomendações ou convites para aperfeiçoamento, quer estas sejam dirigidas ao M°P°, quer ao assistente.
Importa assim decretar a nulidade da acusação particular e, consequentemente determinar o arquivamento dos autos.
Pelo exposto:
a) Declaro nula acusação particular deduzida pelo assistente e, consequentemente, pelas razões expostas, determino o arquivamento dos autos.
b) Fica prejudicada a abertura de instrução requerida pelo arguido.
Na acusação particular deduzida contra AA…diz o recorrente:
Resulta dos autos que o assistente é um partido político português que se encontra devidamente legalizado junto do Tribunal Constitucional, e não obstante o assistente ser um partido político devidamente legalizado, o mesmo, de há muitos anos a esta parte, tem sido vítima de uma censura mediática pela grande maioria da comunicação social portuguesa, sobretudo pela comunicação social de âmbito nacional.
Com efeito, pese embora o assistente divulgue a todos os órgãos de comunicação social nacional, local e regional as iniciativas e eventos que vai levar a cabo, de modo a que as mesmas mereçam a respectiva cobertura por parte dos jornalistas com vista a proceder-se à respectiva difusão nos respectivos meios de comunicação social, de modo a garantir aos portugueses o direito à informação, direito esse com consagração constitucional, o certo é que, deliberada e propositadamente, a grandessíssima maioria da comunicação social de âmbito nacional, pese embora esteja presente em alguns eventos e iniciativas levadas a cabo pelo assistente (noutras nem sequer chega a comparecer), opta por não divulgar esses mesmos eventos e iniciativas.
Indiciam os autos que no exercício da sua actividade político-partidária, ao assistente, no passado dia (….)/16 levou a cabo um evento/iniciativa na cidade de Lisboa, evento/iniciativa esse que se encontrava devidamente autorizado pelo respectivo Município, e que passou pela realização de um protesto organizado pelo assistente contra uma manifestação pela legalização de imigrantes em Portugal. Tal evento/iniciativa levada a cabo pelo assistente foi, desta vez, objecto de alguma cobertura jornalística. E o jornal BB.., na edição do passado dia (…)/16, dedicou a sua primeira página ao evento levado a cabo pelo assistente dois dias antes (a (…)/16), tendo sido feita urna reportagem nas páginas 2 e 3 sobre esse mesmo evento, conforme consta da publicação que se encontra a fls.
O facto de o jornal BB…, na sua edição de (…)16 ter noticiado com honras de primeira página o evento levado a cabo pelo assistente no passado dia (….)/16 levou a que o arguido, em data não concretamente apurada, mas próxima da edição em apreço do jornal BB…, tivesse na página pessoal da sua colega de profissão CC.. na rede social Facebook tecido comentários, formulado juízos e feito afirmações gravemente ofensivas da honra, bom-nome, consideração crédito e reputação do assistente.
Com efeito, escreve o arguido, na página pessoal da sua colega de profissão CC… na rede social Facebook, cujo print screen se encontra a fls., referindo-se ao assistente que "(...) a realidade de um partido que representa quantos votos? Púnhamos as coisas assim: alguma vez o FF.. ou outro partido pequeno teve este espaço? A realidade de escrever aquela manchete sem lembrar que o Islão já cá está desde o Século VII? A realidade de dar voz a um megafone ignorante?".
Respondendo a um comentário de GG.., escreve o arguido na página pessoal da sua colega de profissão CC.. na rede social Facebook, cujo print screen se encontra a fls., e referindo-se ao assistente que "FF.., a capa é o espaço editorial por excelência de um jornal: ninguém fala em esconder a realidade ou sequer ignorar, fala-se em tratar o tema com conta, peso e medida, o que não acontece claramente neste vermelhão que atinge a capa do EE... E não é 'polémico" dirigente. É racista. Os adjectivos factuais devem usar-se.".
Tais factos encontram-se escritos pelo arguido nas fls. 11 e 13 do print screen da página pessoal da sua colega de profissão CC.. na rede social Facebook, página essa que é pública, a fls. E pese embora os dizeres/expressões "FF.., a capa é o espaço editorial por excelência de um jornal: ninguém fala em esconder a realidade ou sequer ignorar, fala-se em tratar o tema com conta, peso e medida, o que não acontece claramente neste vermelhão que atinge a capa do EE... E não é "polémico" dirigente. É racista. Os adjectivos factuais devem usar-se" se refiram ao Presidente do assistente, JJ.., os mesmos atingem directamente o assistente, porquanto o Presidente do assistente falou em nome do assistente, sendo que nos termos do art. 13° n° 6 dos Estatutos do assistente, o Presidente da Comissão Política Nacional tem como principal função assegurar a representação pública do assistente. Além de que do conteúdo da primeira página da edição do jornal EE, de (…)16, onde se lê "JJ, líder do Partido ao EE… Não queremos cá o islão" se depreende que o Presidente do assistente proferiu tais afirmações em nome do assistente.
Tais afirmações feitas pelo arguido na página pessoal da sua colega de profissão CC.. na rede social Facebook, relativamente ao assistente, e susceptíveis de serem lidas por um extenso universo de utilizadores dessa rede social, porque manifestamente falsas, atingem gravemente o assistente na sua honra, na sua consideração, na sua imagem, no seu bom-nome, na sua reputação, na sua seriedade e na sua credibilidade.
Diz o art. 180° n° 1 C.Penal que quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
Por seu turno, determina o art. 183° n° 1 al. a) C.Penal que, se nos casos previstos nos artigos 180°, 181° e 182° a ofensa for praticada através de meios ou em circunstâncias que facilitem a sua divulgação, as penas da difamação ou da injúria são elevadas de um terço nos seus limites mínimo e máximo.
E, nos termos do art. 187° n° 1 C.Penal quem, sem ter fundamento sério para, em boa fé, os reputar verdadeiros, afirmar ou propalar factos inverídicos, capazes de ofender a credibilidade, o prestígio ou a confiança que sejam devidos a organismo ou serviço que exerçam autoridade pública, pessoa colectiva, instituição ou corporação, é punido com pena de prisão até 6 meses, ou pena de multa até 240 dias.
Pelo exposto, cometeu o arguido em concurso efectivo e em autoria material e com dolo directo, um crime de difamação com publicidade e calúnia, e um crime de ofensa a pessoa colectiva, p. e p. nos arts. 30° n° 1, 180° n° 1, 183° n° 1 al. a) e 187° C.Penal, sendo este Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa competente em razão do território para a direcção do inquérito que ora se inicia -art. 19° n° 1 C.P.Penal.
Como dizem Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques para haver o crime de ofensa a pessoa colectiva, organismo ou serviço não basta afirmar ou propalar factos inverídicos.
"São necessários mais dois requisitos:
- que o agente esteja de má fé na convicção que forma acerca da sua veracidade (ou melhor: que o agente, no caso concreto, não tenha razões sérias para aceitar esses factos como verdadeiros);
- que os factos sejam idóneos a ferir a credibilidade, o prestígio ou a confiança que o ente visado deve merecer."4
Os factos imputados na acusação particular não integram nem o crime de difamação nem o de ofensa a organismo, serviço ou pessoa colectiva, previstos, respectivamente, nos artigos 180.° e 187.° do CP.
Portanto, o Tribunal recorrido decidiu correctamente ao declarar nula essa acusação e determinar o arquivamento dos autos.
III. Por decair totalmente no recurso, o recorrente (assistente) deve suportar as custas do processo, com a taxa de justiça fixada em 6 UCs, tendo em conta a complexidade do caso e os limites fixados na tabela III, nos termos dos artigos 8.°, n.° 9, do Regulamento das Custas Processuais e 515.°, n.° 1, alínea b), do CPP.
IV. Pelo exposto, deliberamos, por unanimidade,
a) Julgar improcedente o recurso interposto pelo P……………..; e
b) Condenar o recorrente nas custas, fixando a taxa de justiça em 6 UCs.
Lisboa, 14 de Março de 2019

Relator — Cláudio de Jesus Ximenes
Adjunto — Manuel Almeida Cabral