Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
210/15.6PESNT.L2-3
Relator: TERESA FÉRIA
Descritores: NOTIFICAÇÃO PESSOAL
NULIDADE
PRISÃO SUBSIDIÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/14/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1Como a conversão da pena de multa em prisão subsidiária configura uma alteração da natureza da pena, que, de não detentiva passa a pena detentiva, impõe-se que a sua notificação seja pessoal e não por via postal simples com prova depósito.

2A omissão desta notificação pessoal, por afetar de forma decisiva um direito fundamental - a liberdade ambulatória - configura a nulidade prevista no artigo 119º al. c) do CPP, por violação do artigo 61nº1 al. b) também do CPP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em Conferência na 3ªSecção do Tribunal da Relação de Lisboa.


I
Por Despacho proferido nestes Autos de processo abreviado, foi determinado a conversão da pena de 100 dias de multa aplicada ao Arguido PMS na pena subsidiária de 65 dias de prisão.

II
Inconformado com esta decisão, o Arguido veio interpor recurso.

Da respetiva Motivação retirou as seguintes “Conclusões”:
1. A lei - art. ° 49°, do Cód. Penal - não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo que, como é óbvio, abrange tanto os casos em que se instaurou a execução e através dela não se conseguiu obter o pagamento da multa como aqueles em que a impossibilidade de pagamento coercivo resulta "ab initio", ou seja, por não existirem bens que permitam pelo menos tentar obter o pagamento.
Se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa, não deve o condenado ver-lhe negada a suspensão da execução da prisão subsidiária, prevista no n.º3, do referido art.º 49°.
2. E, para o efeito, o que interessa é a situação que o arguido mantém na época em que se lhe impõe a prisão subsidiária, pois só a sua capacidade económica nesta altura releva para a suspensão da execução da prisão subsidiária.
3. Em audiência de julgamento ficou provada a sua fraca condição sócio económica. O seu rendimento é insuficiente para garantir as necessidades de habitação vivendo da ajuda de amigos e família.
Tal factualidade é reveladora de que o não cumprimento do pagamento da multa aplicada ao recorrente ocorreu por circunstâncias a que é alheio e, portanto, que o incumprimento não lhe é imputável.
Revelando, também, a necessidade de audição do Arguido, para se justificar perante o incumprimento ao Tribunal;
4. Não se encontra demonstrada a existência de diligências para a cobrança coerciva, designadamente a respectiva execução.
Pelo que, faltando tal requisito não podia ocorrer a conversão que foi declarada, violando-se o disposto no nº1 do art.49º do C.Penal.
5. As questões que se levantam são: Se a existência de execução para a cobrança coerciva da multa é condição sine qua non para a conversão em prisão subsidiária nºI do art° 49° do Cód. Penal;
Saber se no caso dos autos se devia ter recorrido ao instituto da suspensão da execução da pena subsidiária a que se reporta o nº3 do citado art° 49°.
6. É manifesto o vício da falta fundamentação, o Douto despacho padece de nulidade por falta de fundamentação, que aqui se arguí com as legais consequências.
7. O recorrente só pode ver-lhe negado qualquer meio substitutivo da pena de prisão alternativa se não for permitido concluir que a falta de pagamento da multa não lhe é imputável, ou seja, se os elementos constantes dos autos permitirem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa.
8. E, aqui chegados, não podemos concordar com o despacho recorrido, nem com a análise simplista da situação económica do recorrente, já que em momento algum é ponderado o poder beneficiar da suspensão, ou ser realizada a análise da insuficiência económica de que a referida suspensão depende.
9. Por tudo o que foi dito, temos de concluir que o arguido em julgamento conseguiu provar a sua debilidade económica e por via disso, é necessário, e desde já se requer, tal como requerido anteriormente pela Defensora Oficiosa do Arguido, o contacto directo com o mesmo e a sua audição, com o objectivo de se apurar as suas condições sociais, económicas e financeiras, e se o não pagamento da multa lhe é imputável.
10. É, essencialmente, pelas razões expostas, que se afira a débil condição económica do arguido e consequentemente, se ele pode beneficiar da suspensão da prisão subsidiária da multa pelo prazo de um ano.
11. Em face do exposto, deve o despacho recorrido ser substituí-do por outro que decreta a suspensão da prisão subsidiária da multa, pelo prazo de um ano.
Termos em que e nos demais de direito, deve ser dado provimento ao recurso, e em consequência ser revogado e substituido por outro que decrete a suspensão da prisão subsidiária da multa, pelo prazo de um ano.
Fazendo-se, assim, a habitual e necessária Justiça.

III
Na sua resposta, o Digno Magistrado do Ministério Público articulou as seguintes Conclusões:
I. Perante as conclusões do recurso que delimitam o objecto do mesmo, as questões a decidir consistem em saber se a decisão recorrida enferma de nulidade por falta de fundamentação, se estão reunidos os pressupostos necessários à conversão da pena de multa em prisão subsidiária e se “se devia ter recorrido ao instituto da suspensão da execução da pena subsidiária”.
II. O despacho recorrido contém a indicação dos fundamentos de facto (“o incumprimento do arguido PMS Santos do pagamento da pena de multa que lhe foi aplicada” e “o arguido foi notificado para proceder ao pagamento da multa aplicada, sob pena da mesma ser convertida em pena de prisão, nada tendo dito”) e de direito (“nos termos expostos e de acordo com o art. 49º n.º 1 do Código Penal”) em que se baseou a decisão tomada pelo tribunal a quo de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
III. Ainda que seguindo uma via minimalista ou sucinta e, sendo certo que alguns aspectos poderiam ter sido melhor desenvolvidos, a decisão recorrida é perceptível quanto aos motivos de facto e de direito que a suportam e a sua fundamentação não é inexistente ou sequer deficiente.
IV. O arguido não efectuou o pagamento da pena de multa em que foi condenado, não requereu a sua substituição por dias de trabalho, não lhe são conhecidos quaisquer bens susceptíveis de penhora e, previamente à conversão da multa em prisão subsidiária, o tribunal procedeu à audição do arguido.
V. Incumbia ao arguido, ora recorrente, requerer a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária e comprovar a sua situação (de incapacidade) económica ou requerer a produção de prova que não estivesse na sua disponibilidade – (“se o condenado provar”) – e não o fez.
VI. O contraditório foi respeitado e, se o recorrente nada disse (limitando-se a sua defensora a requerer a sua audição presencial), não cabia ao tribunal enveredar pela pretendida suspensão da execução da prisão subsidiária.
VII. Exige-se, para essa finalidade, que o arguido tenha iniciativa, designadamente devido ao seu dever de colaboração processual, sem prejuízo de diligências do tribunal, desde que requeridas ou justificadas, no sentido de provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável.
VIII. Ademais, os factos dados como provados na sentença condenatória, com base nas declarações do próprio arguido, revelam que o mesmo auferia cerca de € 505 mensais o que, aliado aos cerca de treze meses decorridos desde a notificação para pagamento da multa até à prolacção do despacho recorrido, demonstra alguma dificuldade no pagamento da pena mas não de uma impossibilidade.
IX. Pelo exposto, o despacho recorrido não merece qualquer censura, quer quanto à decisão quer quanto aos respectivos fundamentos, de facto e de direito, e não padece de qualquer vício.
Deverá, pois, manter-se a douta decisão.
Vossas Excelências contudo, farão como fôr de JUSTIÇA.

IV
O recurso foi admitido com subida imediata, nos próprios Autos e com efeito suspensivo.

V
Neste Tribunal, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o disposto no art.417º nº2 do CPP.

VI
Colhidos os Vistos e realizada a Conferência, cumpre apreciar e decidir:

É do seguinte teor o Despacho recorrido:
Perante o incumprimento do arguido PMS do pagamento da pena de multa que lhe foi aplicada, por sentença transitada em julgado, o Ministério Público promoveu que a mesma fosse convertida em prisão subsidiária, ao abrigo do disposto no art. 490 do Código Penal.
O arguido foi notificado para proceder ao pagamento da multa aplicada, sob pena na mesma ser convertida em pena de prisão, nada tendo dito.

Cumpre apreciar e decidir.

Determina o art. 490 n.0 1 do Código Penal que “se a multa, que não tenha sido substituída por trabalho, não for paga voluntariamente ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária, pelo tempo correspondente reduzido a dois terços, ainda que o crime não fosse punível com prisão (...)”.

Assim, tendo o arguido sido condenado em 100 dias de multa, deverá cumprir 66 dias de prisão subsidiária. Havendo ainda que descontar um dia de detenção sofrido – art.0 80.0 do CP.
Nos termos expostos e de acordo com o art. 49º n.º 1 do Código Penal, determino a conversão da pena de 100 dias de multa na pena subsidiária  de 65 dias de prisão.

O recurso é restrito às questões de Direito suscitadas pelo recorrente, a saber:
a)- Nulidade do Despacho recorrido por falta de fundamentação;
b)- Inexistência dos pressupostos que determinam da conversão em prisão subsidiária da pena de multa aplicada;
c)- Suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.

a)
Alega o recorrente ser nulo o Despacho recorrido, por carecer de fundamentação.
Como se sabe, a fundamentação das decisões judiciais é uma exigência da Lei Fundamental - art.205º nº1 - que decorre dos imperativos constitucionais atinentes às garantias do processo criminal, consignadas no artigo 32º da C.R.P..
A publicitação da justificação de uma decisão judicial tem, assim, como fundamento ético-jurídico o conhecimento de que a mesma assenta em determinados factos e critérios legais, cuja invocação e demonstração deve ser feita, e não parte de qualquer discricionariedade ou arbitrariedade.
E, com exceção dos casos em que outros requisitos legais sejam impostos, como sucede com a Sentença - cfr.art.374º nº3 do CPP - , tal dever é cumprido com a explicitação dos motivos de facto e de direito em que assenta uma decisão.
Tal é o caso dos Autos, indicando o Despacho recorrido, ainda que de modo muito sucinto, as razões pelas quais determina a conversão da pena de multa por prisão subsidiária.
Pelo que se conclui, o Despacho recorrido não sofrer de falta de fundamentação.
Sem embargo, não poderá deixar de se referir que, na eventualidade de se verificar uma tal omissão, esta não configuraria uma nulidade, atento o princípio da tipicidade inscrito no artigo 118º do CPP, mas apenas e tão só uma mera irregularidade, sujeita à respetiva disciplina - cfr. art. 123º CPP - , cujo conhecimento, por este Tribunal da Relação, só poderia ter lugar caso existisse anteriormente uma decisão judicial que sobre ela versasse.

b)
O recorrente insurge-se, ainda, contra a conversão da pena de multa em pena de prisão subsidiária por, no seu entender, não se verificarem os respetivos pressupostos legais. E, sem prejuízo, do alegado, requer a suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.
Da consulta dos Autos resulta que em virtude de o recorrente não ter pago voluntariamente a multa em que tinha sido condenado, foi ponderada a possibilidade de se proceder a uma execução para cobrança coerciva, a qual foi afastada por se ter apurado inexistirem bens que a pudessem suportar.
E, em consequência, foi determinada a notificação do Arguido para pagamento da multa sob pena da sua conversão em prisão subsidiária.
Esta notificação foi levada a cabo por via postal simples com prova depósito para a morada indicada pelo Arguido aquando da prestação do TIR. Porém, não obstante todas as outras notificações efetuadas para esse mesmo endereço terem sido frutíferas, foi devolvido o aviso, correspondente à notificação ora em causa, com a menção de ser desconhecido o endereço aí aposto.
Como a notificação em apreço se reporta a uma alteração da natureza da pena que foi aplicada ao Arguido, que, de não detentiva passa a pena detentiva, impunha-se que se procedesse a uma notificação pessoal da mesma e não apenas a uma notificação por via postal simples com prova depósito.
Assim, quer pelo meio empregue, quer por estar demonstrado nos Autos que da mesma o Arguido não teve conhecimento, não se pode concluir, como faz o Despacho recorrido, que o Arguido “nada disse” sobre a possibilidade de conversão da pena de multa em prisão subsidiária.
Antes, se tem que concluir que o Arguido não foi notificado pessoalmente da decisão em causa e, como tal não teve conhecimento da possibilidade de alteração da pena de multa, que lhe foi primitivamente aplicada, por uma pena privativa da liberdade.
Ora, uma tal omissão sobre uma decisão que afeta de forma decisiva um direito fundamental - a liberdade ambulatória - configura a nulidade prevista no artigo 119º al. c) do CPP, por violação do artigo 61nº1 al. b) também do CPP.
Este entendimento é, aliás, aquele que é uniformemente aceite pela Jurisprudência. Por todos, veja-se o Acórdão do T.R.C. de 25.06.2014: “1. O despacho que, ao abrigo do art. 49º do Código Penal, converte a pena de multa não paga em prisão subsidiária configura uma alteração superveniente do conteúdo decisório da sentença de condenação, que tem como efeito a privação da liberdade do arguido condenado; 2. Estando em causa a liberdade, antes de ser proferida decisão que a retire, nomeadamente por via da substituição de pena não detentiva por pena detentiva, deve o visado ser informado para se poder pronunciar sobre essa possibilidade, querendo; 3. Aquela notificação tem que ser pessoal e configura uma formalidade essencial, cuja violação gera nulidade, do art. 119º, al. c), do C.P.P., por violação do art. 61º, nº 1, al. b).” (1)
Nesta conformidade, revoga-se o Despacho recorrido, determinando-se que seja substituído por outro que, previamente à decisão de aplicação da pena de prisão subsidiária, proceda à notificação pessoal do Arguido do referido Despacho.
Consequentemente, não se conhece da possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão subsidiária.

VII
Termos em que se acorda em, concedendo parcial provimento ao recurso, declarar inexistir a invocada nulidade de falta de fundamentação do Despacho recorrido e revogar o Despacho recorrido, ordenando-se que seja substituído por outro que, previamente à decisão de aplicação da pena de prisão subsidiária, proceda à notificação pessoal do Arguido do referido Despacho.
Custas pelo recorrente (decaimento parcial), fixando-se a taxa de justiça no mínimo legal.


Feito em Lisboa, neste Tribunal da Relação aos 14 de fevereiro de 2018


(Maria Teresa Féria de Almeida) (Relatora)
(Vasco Pinhão Freitas) (Adjunto)