Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1225/19.0T8FNC.L1-8
Relator: TERESA PRAZERES PAIS
Descritores: ESTABELECIMENTO COMERCIAL
QUEDA DE CLIENTE
RESPONSABILIDADE CIVIL
PRESCRIÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: - Não é pelo facto de a pessoa colectiva não ser responsabilizada penalmente, nem pelo facto de não se terem individualizado na acção as pessoas físicas sobre as quais deve recair a censura pela omissão causadora do acidente e dos danos (tal como descritos na petição), que deixa de se aplicar a previsão do n° 3 do artigo 498° do CCiv.
- É de cinco anos, por aplicação do n° 3 do artigo 498. do CC, o prazo de prescrição da acção de responsabilidade civil proposta contra uma pessoa colectiva para obter indemnização por ofensas corporais causadas por acidente, porque se trata de responsabilidade por factos ilícitos que se fossem imputados a pessoas físicas determinadas - como os agentes da pessoa colectiva que omitiram os deveres que sobre esta impendiam - podiam integrar o ilícito penal do artigo 148° do C. Penal, cujo procedimento criminal está sujeito a prescrição no prazo de cinco anos - artigo 118° n° 1, c) do CP.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

A [ Maria ….. ] , casada, portadora do Número de Identificação Fiscal 135 283 957, residente no Caminho Ernesto Alves Pinto Correia, Entrada n.°  , Casa n…, freguesia do Estreito de Câmara de Lobos, concelho de Câmara de Lobos, instaurou contra B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ] , com Número de Identificação de Pessoa Colectiva 000 000 000 e sede em …, Santo António, Funchal, a presente acção declarativa de condenação, alegando, em resumo:
-no dia 03 de Dezembro de 2014, por volta das 17:00 horas, a Autora, A, dirigiu-se ao supermercado "Pingo Doce" e quando estava dentro deste estabelecimento que é explorado pela sociedade B , sito no Centro Comercial Anadia, no Funchal, (Docs. n°s. 1 e 2), 2.° ao passar pelo corredor dos detergentes e produtos de limpeza, cujo piso se encontrava impregnado de detergente, escorregou e caiu ao chão, não conseguindo levantar-se do chão.
Praticou a R um ilícito criminal, ofensa corporal por negligência.
Da queda resultou, para a Autora, vários ferimentos com sequelas, bem como incómodos, dores, perdas de rendimento.
Conclui pedindo a condenação da R ao pagamento da quantia total de 23.685,13€ (vinte e três mil seiscentos e oitenta e cinco euros e treze cêntimos), (285,13€ + 18.000,00€ + 5.400,00€ = 23.685,13€), acrescida de juros contados desde a citação até efectivo e integral pagamento, sendo: - 285,13€ a titulo de danos patrimoniais; - 18.000,00€ a título de danos não patrimoniais, e - 5.400,00€ pela perda do trabalho desempenhado como costureira.
A R contestou invocando a prescrição, para além da impugnação factual. Requereu a intervenção principal da Companhia de Seguros Fidelidade, que também contestou.
Foi então, proferida esta decisão:
".... Em virtude do exposto, julgo procedente a exceção de prescrição invocada e absolvo os Réus (primitivo e a chamada) de todos os pedidos formulados, à luz do artigo 576.°, n.° 3, do CPC.
Valor da causa: 23.685, 13€.
As custas ficam a cargo da Autora (artigo 527.° do CPC)."
É esta decisão que a A impugna, formulando estas conclusões:
1- Com o devido respeito, não pode a Recorrente conformar-se com a sobredita sentença proferida em 30 de Março de 2020, de fls. 311 a 313 verso, pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo", que é nula quanto ao prazo de prescrição, que é de cinco anos e não de três anos, conforme o artigo 498° n°. 3 do C. C., 148° n°. 1 e 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal bem como do artigo 615° n°. 1 alíneas b), c), d) e e) do C.P.C.
2- Também é nula quanto ao reconhecimento do direito, efectuada pela Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], conforme os artigos 323° e 325° do C. C., bem como do artigo 615° n°. 1 alíneas b), c), d) e e) do C.P.C.
3- Sendo também nula pela não realização da audiência prévia, conforme os artigos 3°, 591°, 592° e 593° do C. P. C., e 195° n°. 1 do C. P.C., bem como do artigo 615° n°. 1 alíneas b), c), d) e e) do C.P.C.
4- A Autora, ora Recorrente deduziu a presente acção, pedindo a condenação da Ré "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]", e posteriormente sendo chamada a "Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.", ora Recorridas, no pagamento de uma indemnização em resultado do acidente que sofreu dentro do estabelecimento comercial, supermercado "Pingo Doce", no dia 3 de Dezembro de 2014.
5- A ora Recorrente devido ao acidente sofreu lesões corporais das quais ainda padece actualmente, alegando na petição inicial nos artigos 1°, 2°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 19°, 20°, 21°, 22°, 23°, 24°, 25°, 26°, 27°, 28°, 29°, 30°, 31° e 32° que:
6- O Tribunal "a quo" entendeu que o prazo de prescrição em causa é de 3 anos e não de 5 anos, efectuando, salvo o devido respeito, uma leitura errada do previsto no artigo 498° n°.3 do Código Civil.
7- A verdade é que as normas referidas prevêem que a aplicação do prazo de prescrição mais longo do que o de 3 anos, fica subordinada apenas a uma condição, a que o facto ilícito constitua crime.
8- Cremos que não há dúvidas que os factos ilícitos descritos na petição inicial, e nas respostas às excepções, constituem crime de ofensa a integridade simples por negligência, nos termos do artigo 148° do Código Penal.
9- Também cremos que não há dúvidas que o prazo prescrição penal para apreciação deste facto é de 5 anos, nos termos do artigo 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal.
10- O entendimento da douta sentença recorrida do Tribunal "a quo" é de que por estar em causa a responsabilidade de uma pessoa natureza colectiva, Sociedade Anónima, e não podendo esta praticar o crime que a ora Recorrente lhe imputa, estamos perante de uma situação de inexistência de ilícito.
11- A ora Recorrente, A [ Maria ….. ], não se conforma com este entendimento e acredita que a jurisprudência já claramente o afastou, e pensávamos nós de forma definitiva.
12- Com este entendimento, pode ver-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/04/2005, do processo 0211/05, que de forma clara esclarece a questão, tratando-se de responsabilidade por factos ilícitos que fossem imputadas a pessoas físicas determinadas, como os agentes da pessoa colectiva que omitiram os deveres que sobre esta recaiam, podiam integrar o ilícito penal do artigo 148° n°. 1 do Código Penal, cujo procedimento criminal está sujeito a prescrição no prazo de 5 anos, de acordo com o artigo 118° n°. 1 alínea c) do mesmo Código.
13- Na realidade, é um único o requisito constante no artigo 498° n°. 3 do C.C., para que o facto ilícito constitua crime, sem se preocupar com o possível Autor ou pessoa responsabilizável, sem se preocupar com quaisquer condições de punibilidade, e ainda sem se preocupar com a instauração de qualquer processo crime.
14- A leitura que entendemos se tem de fazer do disposto no artigo 498° n°. 3 do C.C., quando está em causa, como é o presente caso, a responsabilidade civil das pessoas colectivas é a de que, o que releva e importa para efeitos de prescrição é o facto ilícito em si, a sua natureza criminal, e não a entidade que a pratica, assentando no pressuposto de que a pessoa colectiva, demandada está a sê-lo, enquanto entidade responsável pelos actos praticados pelos seus subordinados.
15- Atenta a simplicidade da redacção do n°. 3 do artigo 498° do C.C., não entendemos, como pode o Tribunal "a quo" defender outra interpretação.
16- A douta sentença recorrida viola as normas constantes dos artigos 498° n°. 1 e 3 do C.C., 148° n°. 1 do Código Penal, 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal, e artigo 615° n°. 1 alíneas b), c) d) e e) do C. P.C.
17- Contrariamente ao decidido na douta sentença recorrida, que entende que o prazo de prescrição do direito a indemnização por parte da Autora, ora Recorrente é de 3 anos, conforme o artigo 498° n°. 1 do Código Civil, a verdade é que, tal prazo é de 5 anos, conforme dispõe o n°. 3 do artigo 498° do Código Civil.
18- Conforme dispõe o n°. 3 do artigo 498° do C. Civil, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.
19- Conforme o artigo 118° n°. 1 alínea c) do Código Penal, é de cinco anos o prazo de prescrição, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano, mas inferior a cinco anos,
20- O prazo de prescrição no presente caso, constitui ilícito criminal, pois a Autora, ora Recorrente, foi vítima de um crime de ofensa à integridade física por negligência, conforme o artigo 148° do Código Penal, punido com uma pena de prisão até um ano, assim o prazo de prescrição deste ilícito penal é de cinco anos.
21- Ora, na realidade, o previsto no n°. 3 do artigo 498° do C. Civil, pode ser aplicado mesmo quando a pessoa colectiva em causa, neste caso, o B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], não possa ser responsabilizada penalmente e quando na acção proposta não foram individualizadas as pessoas físicas sobre as quais deve recair a censura pela omissão causadora do acidente e dos danos,
22- Neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 27804/15.7T8PRT.P1 de 09-11-2017, www.dgsi.pt., transcrito nas alegações. No mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n°. 1508/16.1T8CHV.G1 de 27-04-2017, in www.dgsi.pt., transcrito nas alegações.
23- Na verdade o artigo 498° n°. 3 do Código Civil, é entendido, quando está em causa a responsabilidade civil de pessoas colectivas, neste caso da Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ] é a de que, o que releva para efeitos de prescrição, é o facto ilícito em si, a sua natureza criminal, e não a entidade que a pratica, pois a pessoa colectiva demandada está a sê-lo, enquanto a entidade responsável pelos actos praticados pelos seus subordinados, ou funcionários.
24- Acresce que, a Autora ora Recorrente invocou e alegou na petição inicial de fls. 2 a 13 verso e nas respostas às excepções de fls. 99 a 112 e de fls. 198 a 204 dos autos, factos que imputam a Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ] a responsabilidade a esta, pois num estabelecimento, como o supermercado "Pingo Doce", circulam centenas de pessoas por dia, pelo que, incumbe ao dono do estabelecimento, ora Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], assegurar o seu funcionamento sem perigo para os utentes,
25- Cabia a ora Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], assegurar o funcionamento do estabelecimento comercial em condições de segurança, para que os visitantes, trabalhadores e clientes o pudessem percorrer sem risco de acidente,
26- Para isso, bastava que a ora Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], mantivesse o piso limpo e seco,
27- Estando o piso do corredor dos detergentes sujo e escorregadio, cabia a ora Recorrida B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ], actuar de modo a evitar que o piso se mantivesse nesse estado, tornando-o não escorregadio.
28- O que a Autora, ora Recorrente, invocou e alegou na petição inicial de fls. 2 a 13 verso, nos artigos 1° ao 49° e 51° ao 83°, e nas respostas às excepções de fls. 99 a 112 dos autos, dos artigos 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, 19°, e 20°, (resposta às excepções invocadas pela B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]) e de fls. 198 a 204 dos autos, dos artigos 6°, 7°, 8°, 9°, 10°, 11°, 12°, 13°, 14°, 15°, 16°, 17°, 18°, e 19°, (resposta às excepções invocadas pela "Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.").
29- Neste sentido vide o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/04/2005, processo 0211/05, in www.dgsi.pt., transcrito nas alegações. Seguindo o mesmo entendimento, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14.01.2004 (P. 01035/03); de 19.11.2003 (P. 01602/03); de 16.01.2003 (P. 046481); de 12.04.2000 (P. 044060) e de 26.06.86 (P. 020386) - todos eles mencionados no acórdão de 19.04.2005.Ainda no mesmo sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n°. 1079/ 08.2TVPRT.P1 de 07-07-2016, transcrito nas alegações.
30- A presente acção deu entrada em juízo em 1/3/2019, conforme fls. 1 a 30 dos autos,
31- Assim a obrigação de indemnizar não prescreveu em 03 de Dezembro de 2017, pois o prazo de prescrição não é de três anos, mas sim de cinco anos.
32- Assim, a presente acção deu entrada em 01 de Março de 2019, sendo a Ré citada em 14 de Março de 2019,
33- Assim, o prazo de prescrição de cinco anos, terminava em 3 de Dezembro de 2019, tendo a acção dado entrada em juízo em 1 de Março de 2019,
34- Em 9 de Dezembro de 2014, a Ré, ora Recorrida "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]" reconheceu o direito da Recorrente A [ Maria ….. ], disponibilizando-se a indemnizar a Autora, ora Recorrente, conforme documento n°. 1 de fls. 113 e 114 dos autos.
35- Ainda em 28 de Julho de 2015, a Ré, ora Recorrida "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]", reconheceu o direito da Autora, ora Recorrente, A [ Maria ….. ], comprometendo-se a pagar a quantia de 285,13€, conforme documento n°. 1 de fls. 114 dos autos.
36- Em Agosto ou Setembro de 2015, a Ré ora Recorrida, "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]" reconheceu mais uma vez o direito de indemnizar a Autora ora Recorrente A [ Maria ….. ], pois tendo sido a Autora chamada pelo SESARAM- Serviço de Saúde da RAM, E.P.E., para pagar as custas hospitalares que ultrapassaram os 2.000,00€, a mesma respondeu que a responsável era a Ré, ora Recorrida, "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]"
37- Na sequência, a Ré, ora Recorrida "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]" pagou todas as quantias devidas ao SESARAM no âmbito deste processo, referente ao processo n°. 0024889, com o n°. de Cartão de Saúde 796400386, referente a utente, Autora, ora Recorrente, A [ Maria ….. ],
38- O artigo 325° do Código Civil, consagra que a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido.
39- Assim, ocorreu uma causa de interrupção da prescrição que foi o reconhecimento do direito pela Ré, ora Recorrida "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]" perante a Autora, ora Recorrente, A [ Maria ….. ],
40- Não há assim, prescrição pois o prazo de prescrição é de 5 anos e não de 3 anos, para além de que ocorreu o reconhecimento do direito pela Ré, ora Recorrida "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]" perante a Autora, ora Recorrente A [ Maria ….. ].
41- A Ora Recorrente A [ Maria ….. ], intentou acção no Julgado de Paz contra "Jerónimo Martins SGPS, S.A" e contra "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A", em 4 de Dezembro de 2015, conforme consta dos autos a fls. 116 verso a 122 verso dos autos.
42- A ora Recorrente A [ Maria ….. ], intentou a acção contra "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A" e contra "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A", em 28 de Junho de 2016, conforme consta dos autos a fls. 137 verso a 145 dos autos.
43- O facto de a ora Recorrente ter proposto duas acções uma delas, contra a "Jerónimo Martins, SGPS, S.A." no Julgado de Paz no Funchal, bem como contra a "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A.", e a outra contra "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A." bem como contra a "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A." no Tribunal da Comarca da Madeira, Instância Local - Secção Cível, apenas aconteceu porque a Autora, ora Recorrente foi induzida em erro pelas comunicações que lhe foram feitas por parte da ora Ré "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]", efectuadas pela "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A.", e pela "Jerónimo Martins, SGPS, S.A.", conforme documento que se junta, conforme documento n°. 1 de fls. 113 a 114 dos autos
44- A ora Recorrida "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]", atuou de má fé, fugindo as suas responsabilidades, pois todas as anteriores Rés alegaram não serem parte ilegítima, sabendo muito bem quem era a parte legítima, pertencendo todas ao mesmo grupo "Jerónimo Martins S.G.P.S., S.A.", conforme documento n°. 4 da contestação, de fls. 74 verso ao 86 dos autos.
45- Assim, quando a Autora ora Recorrente propôs a acção contra a "Jerónimo Martins SGPS, S.A." e contra "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A.", em 4 de Dezembro de 2015, e a ora Recorrente A [ Maria ….. ], intentou a acção contra "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A" e contra "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A", em 28 de Junho de 2016, conforme consta dos autos a fls. 116 verso a 122 dos autos.
46- Ou seja, a primeira acção foi intentada no Julgado de Paz contra "Jerónimo Martins SGPS, S.A" e SABSEG - Mediação de Seguros, S.A", ambas as acções foram intentadas contra "Jerónimo Martins SGPS, S.A" e "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A", em 4 de Dezembro de 2015, conforme consta dos autos a fls. 116 verso a 122 dos autos.
47- Na segunda acção intentada pela ora Recorrente A [ Maria ….. ], foram demandadas "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A" e "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A", em 28 de Junho de 2016, conforme consta dos autos a fls. 137 verso a 145 dos autos.
48- Assim, quer a "Jerónimo Martins SGPS, S.A", quer a "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A", fazem parte da "Jerónimo Martins SGPS, S.A", tomador do seguro da Fidelidade, apólice 32/8405281, documento n°. 4 de fls. 74 a 86 dos autos,
49- Pelo que a data de entrada das acções em 4 de Dezembro de 2015 e em 28 de Junho de 2016, sendo todas as Rés sido citadas, conforme documentos n°. 3 e 7 junto aos autos de fls. 209 a 215 e de fls. 230 a 238 dos autos,
50- Salvo melhor entendimento, todas as Rés naquelas acções souberam da intenção da Autora, ora Recorrente de exercer o direito de indemnização, pelo que tiveram conhecimento directa ou indiretamente da intenção da Autora, ora Recorrente, pois, a empresa "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A", pertence ao grupo "Jerónimo Martins SGPS, S.A",
51- Acresce que, a "SABSEG - Mediação de Seguros, S.A.", é a mediadora de todas as empresas pertencentes ao grupo "Jerónimo Martins SGPS, S.A".
52- Conforme o artigo 323° n°. 1 do C.C., a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
53- Assim, estas sociedades e a mediadora de seguros, bem como a seguradora tiveram conhecimento directa ou indirectamente de que a Autora, ora Recorrente tinha intenção de exercer o direito a ser indemnizada pelos danos patrimoniais e não patrimoniais que lhe foram causados, o que também aconteceu com a ora Recorrida "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]",
54- Acresce que, nas contestações, as então Rés, arguiram a ilegitimidade, sem nunca indicarem qual a seguradora responsável, apesar de o "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A", pertencer ao mesmo grupo "Jerónimo Martins SGPS, S.A." sendo este o tomador do seguro, no qual está incluído o "Pingo Doce - Distribuição Alimentar, S.A.", conforme documento n°. 4 da contestação, de fls. 74 a 86 dos autos e conforme documento n°. 8 junto aos autos de fls. 238 verso a 254 dos autos.
55- A douta sentença recorrida é nula, violando os artigos 323°, 325°, 326° do C. C., e o artigo 615° n°. 1 alíneas b), c), d) e e) do C.P.C.

56- E por último, estamos perante uma sentença, mais concretamente, saneador-sentença, onde foi preterida a realização da audiência prévia.
57- O artigo 593° n°. 1 do C.P.C., prevê a dispensa da realização de audiência da prévia, quando esta se destina apenas aos fins indicados, nas alíneas d), e) e f) do n°. 1 do artigo 591° do C.P.C., omitindo dessa remissão os casos em que o Juiz tenciona conhecer imediatamente de todo ou parte do mérito da causa.
58- Assim a conjugação dos artigos 591° n°. 1 alínea b) do C.P.C., este a contrário, resulta a obrigatoriedade legal da audiência prévia, quando o Juiz se propõe conhecer do mérito na fase do saneador, exceptuada, a adequação formal ou o prévio acordo das partes, para tal notificadas.
59- Acresce ainda que, ao abrigo do princípio do contraditório independentemente de o Meretissimo Juiz considerar irrelevante a audição das partes, quando persistam no processo questões sobre as quais não se pronunciaram, por exemplo, a possibilidade de decisão de mérito sem produção de prova, deve ser sempre realizada a audiência prévia.
60- Ora, a Meritíssima Juiz de Direito, não convocou a audiência prévia, quando a mesma não podia ser dispensada, pois conforme os artigos 591° n°. 1 alínea b) e 593° n°. 1 do C.P.C., é obrigatória a convocação, realização da audiência prévia, quando o Juiz se propõe a conhecer do mérito na fase do saneador.
61- A omissão de audiência prévia quando a mesma não podia ser dispensada determina a nulidade da decisão de mérito, nulidade esta que desde já se invoca, tendo sido violado o artigo 195° n°. 1 do C.P.C., bem como do artigo 615° n°. 1 alínea d) do C.P.C.
62- A Meritíssima Juiz de Direito, não convocou a realização de audiência prévia, nem pediu as partes para se pronunciarem pela sua dispensa. Apenas, após os articulados, petição inicial de fls. 1 a 30 dos autos, contestação da Ré "B [ …… Distribuição de Produtos Alimentares, S.A ]" de fls. 35 a 40 dos autos, contestação da seguradora "Fidelidade - Companhia de Seguros, S.A.", chamada, de fls. 167 a 176 dos autos, resposta as excepções invocadas pelas Rés de fls. 99 a 112 verso e de fls. 197 a 205 dos autos, decidiu proferir saneador-sentença de fls. 311 a 313 verso dos autos, sem realizar a audiência prévia.
63- Assim, o artigo 593° do C.P.C. que prevê a dispensa de audiência prévia, prevê essa dispensa apenas em determinados casos, que indica remetendo para o artigo 591° do mesmo Código, enunciando os diversos atos a realizar na audiência prévia, omitindo essa remissão,concretamente, o caso, em que o Juiz tenciona conhecer imediatamente de todo ou parte do mérito da causa.
64- Da conjugação dos artigos 591° n°. 1 alínea b) e 593° n°. 1 do C.P.C., este último a contrário, resulta claramente que a dispensa de audiência prévia não pode ocorrer quando o Juiz se propunha conhecer do mérito na fase do saneador.
65- Acresce que, o princípio do contraditório previsto no artigo 3° do C.P.C., e que enforma todo o processo civil, foi violado o que acarreta nulidade. ao não ser realizada a audiência prévia.
66- Assim, apesar das partes poderem estarem impedidas de trazer novos fatos para os autos, podendo até já ter abordado todas as questões a apreciar, podem quando esteja em causa uma decisão imediata, querer aprofundar algumas questões ou ainda mais importante podem querer infirmar a conclusão a que o Juiz chegou de que lhe era possível decidir.
67- A verdade é que, o Meritíssimo Juiz do Tribunal "a quo" ao proferir o saneador-sentença sem a realização de audiência prévia, traduz-se na omissão de um ato que a Lei impõe, com influência na decisão da causa, conforme o previsto no artigo 195° n°. 1 do C.P.C.
68- Conforme o artigo 615° n°. 1 alínea d) do C.P.C., é nula a sentença quando "O Juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento."
69- Prevê ainda o artigo 592° do C.P.C., a não realização da audiência prévia, nas acções não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568° e quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.Neste sentido vide o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 2470/09.2TBMAI-A.P1 de 12/09/ 2019, in www.dgsi.pt, referido nas alegações.
70- O douto despacho saneador-sentença, não teve em conta o previsto no artigo 592° do C.P.C., não se verificando nenhuma das alíneas previstas neste artigo, sendo de realçar que alínea b) do n°. 1, as excepções dilatórias, deixam de fora do seu âmbito de aplicação as excepções peremptórias que são decisões sobre o mérito da causa.
71- Na senda do mesmo Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo 2470/09.2TBMAI-A.P1 de 12/ 09/2019, o facto de antes do conhecimento da excepção peremptória da prescrição, ter sido dispensada a audiência prévia, quando a lei impunha a sua realização, constitui nulidade processual, nos termos do artigo 195° do C.P.C.
A R e a interveniente contra-alegam pugnando pela improcedência do recurso.
Atendendo a que o âmbito do objecto do recurso é definido pelas conclusões do recorrente ( art°663 n°2 ,608 n°2.635 n°4 e 639n°1 e 2 do Código de Processo Civil[1]),sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso,,exceptuadas aquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importa analisar :
-- nulidade da decisão nos termos do art° 615 n°1 al b),c) d) e)
-- conhecimento da excepção peremptória, prescrição
No que respeita à nulidade à luz do art° 615 CPC
Existem nulidades típicas previstas nos art.°s 186°, 187°, 191°, 193° e 194° e outras irregularidades que se constatem na tramitação processual e que constituam nulidade por a lei assim o determinar, ou quando o vício possa influir no exame ou decisão da causa[2]
Por sua vez, as decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.° do CPC.
A apelante entende que existe uma nulidade por violação do preceituado no art.° 195 n°1, bem como do art.° 615 n°1 al d), porquanto a Sr.a Juíza não convocou a realização da audiência prévia, nem pediu às partes para se pronunciarem pela sua dispensa.
Na sequência da distinção entre os vícios que atingem as decisões judiciais e as demais nulidades o que aqui está em causa não é uma nulidade que afecte a decisão em si ,mas uma alegada nulidade processual por se traduzir num desvio ao formalismo processual com influência no exame e decisão da causa nos termos do art° 195 n°1.
Dispõe o art° 591° do CPC epigrafado de "Audiência prévia":
1 - Concluídas as diligências resultantes do preceituado no n.° 2 do artigo anterior, se a elas houver lugar, é convocada audiência prévia, a realizar num dos 30 dias subsequentes, destinada a algum ou alguns dos fins seguintes:
a) Realizar tentativa de conciliação, nos termos do artigo 594.°;
b) Facultar às partes a discussão de facto e de direito, nos casos em que ao juiz cumpra apreciar exceções dilatórias ou quando tencione conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa;
c) Discutir as posições das partes, com vista à delimitação dos termos do litígio, e suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição da matéria de facto que ainda subsistam ou se tornem patentes na sequência do debate;
d) Proferir despacho saneador, nos termos do n.° 1 do artigo 595.°;
e) Determinar, após debate, a adequação formal, a simplificação ou a agilização processual, nos termos previstos no n.° 1 do artigo 6.° e no artigo 547.°;
f) Proferir, após debate, o despacho previsto no n.° 1 do artigo 596.° e decidir as reclamações deduzidas pelas partes;
g) Programar, após audição dos mandatários, os atos a realizar na audiência final, estabelecer o número de sessões e a sua provável duração e designar as respetivas datas.
(...)
Por sua vez dispõe o art° 592° do CPC epigrafado de "Não realização da audiência prévia":
1 - A audiência prévia não se realiza:
a) Nas ações não contestadas que tenham prosseguido em obediência ao disposto nas alíneas b) a d) do artigo 568.°;
b) Quando, havendo o processo de findar no despacho saneador pela procedência de exceção dilatória, esta já tenha sido debatida nos articulados.
(...)
Relativamente à "Dispensa da audiência prévia" dispõe o art° 593° do CPC ao consignar:
1 - Nas ações que hajam de prosseguir, o juiz pode dispensar a realização da audiência prévia quando esta se destine apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.° 1 do artigo 591.°.
(...)
Da conjugação do disposto nestes três aludidos artigos parece resultar claro que pretendendo o Juiz conhecer imediatamente do mérito da causa haverá lugar a realização de audiência prévia, não sendo possível, em princípio, sem mais (designadamente sem ser precedida de prévia consulta das partes), decidir pela sua dispensa.
Conforme decorre expressamente do disposto no art° 593° n.° 1 do CPC, apenas é autorizado ao juiz a dispensar a audiência prévia nas ações que hajam de prosseguir, ficando assim, fora da aplicação desta norma habilitadora, à partida , os casos em que o processo finde de imediato, com o conhecimento do mérito da causa, sendo, por isso a audiência prévia de realização necessária.
Por isso, não se verificando nenhuma das situações previstas no art° 592° do CPC que conduzem à não realização da audiência prévia, e se a ação não houver de prosseguir, nomeadamente por se ir conhecer no despacho saneador do mérito da ação, deve ser convocada tal audiência a fim de facultar às partes a discussão de facto e de direito, assegurando-se por essa via o respeito pelo princípio do contraditório, evitando-se decisões-surpresa (art° 3°, n° 3 do CPC)
No entanto, não podemos esquecer que a realização da audiência prévia "...faz parte da infraestrutura do processo comum de declaração, integrando a sua realização o modelo a seguir (preferencialmente) em cada processo individual. O juiz pode (e deve) afastar-se deste modelo, mas apenas quando tenha motivo (especial e concreto) bastante para tanto - tendo sempre as partes a última palavra (art.° 593°, n° 3). O legislador não quer que o juiz realize a audiência prévia, como um fim em si mesmo. Quer, sim, que realize a melhor gestão do processo, de modo a que, com base numa adequada preparação da instrução, se venha a obter uma decisão que possa constituir uma justa composição do litígio."[3].
É o que sucede, quando se evidencie que as questões a discutir já se encontram suficientemente debatidas, permitindo-se a possibilidade do juiz fazer uso do mecanismo de gestão processual ao abrigo do disposto nos arts. 6° e 547° do CPC e, nessa medida, dispensar a sua realização desde que previamente tenha consultado as partes para esse fim de modo a garantir "não apenas o contraditório sobre a gestão do processo, como também a derradeira oportunidade para as partes discutirem o mérito da causa".[4]
Ora, consultados os autos não podemos deixar de concluir que a excepção peremptória da prescrição foi debatida, várias vezes, em resposta às contestações e mesmo por cumprimento de decisão judicial (cf. despacho de 9/12/2019), em momento processual anterior à decisão impugnada.
Daí que a realização da audiência prévia não atinja os seus objectivos ,já que o principio do contraditório está salvaguardado. As posições das partes são claras e sustentadas em argumentos / razões jurídicas amplamente debatidas.
Termos em que, atento o exposto, a não realização da audiência prévia não constitui a nulidade prevista no art° 195.
Improcedem as conclusões
Quanto ao conhecimento do mérito da causa
De acordo com o n°1 do artigo 498° do Código Civil, o direito de indemnização derivado da responsabilidade civil extracontratual prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, mas se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável (n°3).
Segundo o autor/recorrente, deve ser aplicável ao caso o prazo de prescrição mais alargado de 5 anos, porque o facto ilícito imputado á ré sociedade , integra a prática de um crime de ofensa à integridade física por negligência previsto e punível pelo art° 148 do Código Penal cujo prazo de prescrição é de 5 anos ( art° 118 n°1 al c) CP)
Ora os factos alegados no referido articulado, a provarem-se, são susceptíveis de integrar o crime de "Ofensa à integridade física por negligência "[5].
Neste ponto, temos como certo que foram alegados factos suficientes para a integração do alegado ilícito praticado no tipo legal de crime invocado.
Porém, também temos de concordar com o tribunal recorrido, segundo o qual, à ré sociedade , enquanto pessoa colectiva, não pode ser imputada a prática daquele tipo legal de crime, - crime de ofensas corporais -, pois de acordo com o art.° 11°, n° 1 do Cód. Penal a regra é a de que apenas as pessoas singulares são susceptíveis de serem penalmente responsáveis, o que vale dizer que, apenas estas, em princípio, podem cometer crimes, sendo a própria lei a estabelecer as situações ou tipos de crime em que a responsabilidade penal pode ser assacada a pessoas colectivas - as elencadas no n° 2 do art.° 11° do Cód. Penal (nelas não se incluindo o tipo legal de crime previsto no art.° 148°.).
Daí que a interpretação do disposto no art.°498 n° 3 CC tenha que ser feita em conformidade com a resposta a dar a esta questão:
— o que releva para efeitos de prescrição é o facto ilícito em si, a sua natureza criminal, ou a entidade que o pratica?
Entendemos que a leitura que se tem de fazer do disposto no art.° 498° n° 3 do CC ,quando esteja em causa a responsabilidade civil das pessoas colectivas, é a de que o que releva para efeitos de prescrição é o facto ilícito em si, a sua natureza criminal, e não a entidade que o pratica.
Com efeito, a R sociedade está a ser demandada enquanto responsável pelos actos praticados pelos seus empregados. Aliás, aquela não poderia ter qualquer actividade sem a actuação destes últimos.
Segundo a alegação os empregados violaram um dever objectivo de cuidado, já que, contrariamente ao esperado, o piso apresentava-se escorregadio. O que os tornaria individualmente, caso fosse esse o caso, criminalmente sancionados.
Certo que a culpa individual não se transfere para a pessoa coletiva.
Porém, as pessoas físicas actuaram na esfera de gestão que à pessoa colectiva incumbe. O que nos permite concluir que a gestão não providenciou para que essa violação do dever de cuidado não acontecesse, permitindo, de facto, que a mesma acontecesse.
E, como tais omissões, reportadas à pessoa colectiva pública são, pelo mecanismo jurídico da personalidade colectiva[6], as imputáveis às pessoas físicas que actuaram na esfera de gestão que à pessoa colectiva incumbe, então é de justiça que se considere existir a culpa do ente público que serve de fundamento à responsabilidade civil.
Concluímos, pois, que relevante é a especial qualidade do ilícito, o seu desvalor jurídico que permite o alongamento do prazo.
Assim, a alegada atitude da R sociedade, por via da actuação dos seus empregados, sustenta esse desvalor jurídico e permite que o prazo de prescrição a considerar seja o de 5 anos.
Termos em que, tendo os factos alegados ocorrido a 3/12/2014 e a acção dado entrada em juízo a 1/3/2019, entendemos que não há lugar à prescrição do direito de indemnização.
Face ao acima exposto, estão prejudicadas as demais conclusões.
Síntese:
--não é pelo facto de a pessoa colectiva não ser responsabilizada penalmente, nem pelo facto de não se terem individualizado na acção as pessoas físicas sobre as quais deve recair a censura pela omissão causadora do acidente e dos danos (tal como descritos na petição), que deixa de se aplicar a previsão do n° 3 do artigo 498° do CCiv.
É de cinco anos, por aplicação do n° 3 do artigo 498. do CC, o prazo de prescrição da acção de responsabilidade civil proposta contra uma pessoa colectiva para obter indemnização por ofensas corporais causadas por acidente, porque se trata de responsabilidade por factos ilícitos que se fossem imputados a pessoas físicas determinadas - como os agentes da pessoa colectiva que omitiram os deveres que sobre esta impendiam - podiam integrar o ilícito penal do artigo 148° do C. Penal, cujo procedimento criminal está sujeito a prescrição no prazo de cinco anos - artigo 118° n° 1, c) do CP.
Pelo exposto, acordam em revogar a decisão impugnada a fim de que os autos prossigam a posterior tramitação.
Custas pelo apelado

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020
Teresa Prazeres Pais
Rui Torres Vouga .
Isoleta de Almeida e Costa
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[1] Diploma a que se referem as demais normas elencadas sem necessidade de o identificar
o
Ou seja,quando se repercutem na sua instrução, discussão ou julgamento ou, em processo executivo, na realização da penhora, venda ou pagamento
[3] Cf. Paulo Ramos Faria / Ana Luísa Loureiro, Primeiras Notas ao Novo CPC, 2- ed., 2014, pgs. 526-527.
[4] Cf obra citada ,pag 494
[5] Artigo 148.°
Ofensa à integridade física por negligência
1 - Quem, por negligência, ofender o corpo ou a saúde de outra pessoa, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.
2 - No caso previsto no número anterior, o tribunal pode dispensar de pena quando:
a) O agente for médico no exercício da sua profissão e do acto médico não resultar doença ou incapacidade para o trabalho por mais de 8 dias; ou
b) Da ofensa não resultar doença ou incapacidade para o trabalho por mais de 3 dias.
3 - Se do facto resultar ofensa à integridade física grave, o agente é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
4 - O procedimento criminal depende de queixa.
[6] A sociedade passa a ser um centro de imputação de efeitos jurídicos ou autónomo sujeito de direitos e obrigações" -Cf SOVERAL MARTINS, «Da personalidade e capacidade jurídicas das sociedades comerciais» in Estudos de Direito das Sociedades, coord. de COUTINHO DE ABREU, Coimbra, 1998, p. 69.