Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
570/11.8TYLSB-M.L1-1
Relator: TERESA HENRIQUES
Descritores: INSOLVÊNCIA
ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DE CRÉDITOS
PRAZO
PAGAMENTO
FUNDO DE ACIDENTES DE TRABALHO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/09/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1. A constituição do crédito do FAT sub-rogado nos direitos do beneficiário de prestações devidas no âmbito de acidente de trabalho constitui-se com o efectivo pagamento.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I
I.A
No presente apenso o apelante intentou, contra a massa insolvente de CASALTEX – SOCIEDADE DE CONSTRUÇÕES, LDA., contra a própria insolvente e seus credores, acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum, pedindo o reconhecimento de um crédito no valor de 15.203,19€.
Alegou, em síntese, que:
a) Por sentença proferida em 24 de fevereiro de 2010 no processo 222/03.2TTLRS do Juízo do Trabalho de Lisboa foi a CASALTEX  condenada no pagamento de prestações devidas a MR…o, viúva do trabalhador da insolvente falecido em acidente de trabalho, P..;

b) Em 15.05.2014 o Tribunal determinou que assegurasse o pagamento das prestações em substituição da entidade patronal entretanto  declarada insolvente ;
c) Em 13 de dezembro de 2019 foi notificado do referido em b)
d ) Na sequência do decidido pagou em 30.04.2020 a quantia de 10.178,45€ a título de pensões devidas de11.03.de 2003 ;
e) A provisão matemática relativa à sua responsabilidade futura ascende a 5.024,74€;
f) O seu crédito emerge de sub-rogação legal e constituiu-se em 30.04.2020, data do início do pagamento das pensões devidas à viúva ;
g) O crédito beneficia de  privilégio creditório.
Juntou 3 documentos:
-cópia da sentença referida em a);
-cópia de promoção relativamente à actualização da pensão da viúva e subsequente despacho actualizando as pensões de 2013 e 2104;
-cópia de documento interno emitido pelo FAT(listagem de pagamentos).
Legalmente citados para o efeito, massa insolvente, insolvente e credores, contestou a credora MC.. alegando, em síntese, o seguinte:
i) A acção é intempestiva por violação do prazo a que alude o artigo 146.o n.o 2 do CIRE porque  prazo de 3 meses a que alude o art.146º,n.º2, al.ªb) CIRE deve ser contado a partir do conhecimento da obrigação de pagamento da pensão que ocorreu em 2014.
ii) A entender-se que o momento da constituição da obrigação só ocorre com o pagamento, verifica-se uma situação de abuso de direito, na modalidade de suppressio;
iii) A documentação junta pelo FAT, sendo constituída por cópias simples, nada prova;
iv) Assim sendo, não existe prova do pagamento das quantias peticionadas;
v) O recorrente não pode reclamar na insolvência um valor que ainda não despendeu pelo que a  provisão matemática, sendo futura e incerta  não pode ser contemplada;
vi) O crédito do recorrente a existir, não beneficia do privilégio imobiliário especial privilegiado porquanto o falecido trabalhador não prestava a sua actividade em qualquer imóvel da insolvente.
O recorrente exerceu o contraditório alegando que:
h) Só em 13.12.2019 foi notificado pelo tribunal do despacho de 15.05.2014;
i) Após a notificação do despacho em 13 de dezembro de 2019, ainda requereu a dedução das quantias pagas pelo Centro Nacional de Pensões;
j) A sua pretensão foi indeferida por despacho datado de 10 de fevereiro de 2020 e notificado em 11 de fevereiro de 2020;
l) Em 18.03.2020 foi notificado do despacho datado de 17.03.2020 comunicando-lhe a resposta da mandatária da viúva quanto à ausência de pagamento;
m)Iniciou o procedimento conducente ao pagamento à beneficiária conforme a listagem junta com a petição, e comunicou o mesmo ao tribunal ;
n)O pagamento foi confirmado pela mandatária da beneficiária.
Juntou os seguintes documentos, que não foram impugnados:
1. Cópia da notificação enviada ao recorrente pelo TT de Lisboa, datada de 25.11.2019, e da promoção do M.ºP.º ,datada de 05.05.2014,no âmbito do proc. n.º222/03.2 e referida na pi;
2. Ofício do FAT, datado de 29.11.2020 e recebido no  TT em 05.12.2019, informando que nunca foi notificado de qualquer decisão proferida no processo, desconhecendo o acidente de trabalho e toda a tramitação e declinado, temporariamente qualquer responsabilidade;
3. Cópia de notificação do TT(carta registada) de 13.12.2019 respondendo ao ofício em 2 , e com a remessa de cópia das seguintes peças processuais: cópia da promoção do M.P, datada de 10.12.2019, requerendo a notificação do FAT(dada a omissão de notificação) para, assumindo a  responsabilidade, proceder ao pagamento da pensão à viúva e juntar o comprovativo do pagamento ; cópia do despacho datado de 12.12.2019 deferindo a promoção; cópia da sentença referida supra, datada de 14.05.2010 e não 24.02.2010; cópia de comunicação entrada em tribunal em 27.03.2012 ,emitida pela  seguradora Liberty, referindo a actualização de pensões à viúva do sinistrado; cópia de promoção  do M.P.º datada de 05.05.2014, requerendo a assunção do pagamento das pensões pelo FAT; cópia de despacho decretando a actualização das pensões e ordenando a notificação do FAT.
4. Cópia de notificação à mandatária do recorrente da promoção do M.ºP.º , efectuada em 11.02.2020,em que foi requerido o  indeferimento da pretensão do FAT quanto à dedução das quantias paga pelo CNP e cópia do despacho, datado de 10.02.2020, deferindo a promoção.
5. Cópia da notificação ao recorrente do despacho, datado de 17.03.2020, ordenando-lhe que se pronunciasse sobre a comunicação da beneficiária informando da omissão de pagamento.
6. Cópia do ofício do FAT , datado de 07.05.2020 e recebido no tribunal em 18.05.2020 informando do pagamento à beneficiária, por transferência bancária, da quantia de   €10.022,57 a título de retroactivos de pensões devidas de 11.03.2003 até 30.04.2020,bem como do início do pagamento da pensão mensal de €51,96  a partir de Maio de 2020.
7. Cópia da declaração da mandatária da beneficiária quanto ao pagamento das quantias indicadas pela FAT.
8. Cópia de certidão emitida pela ASF (Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões Fundo de Acidentes de Trabalho)
Foi proferido despacho saneador-sentença que após o seguinte segmento « Conhecerá o tribunal a exceção de intempestividade no pressuposto da prova integral da factualidade alegada pelo autor nos termos sumariados no relatório da presente decisão e no contexto conhecido de que a acção deu entrada em juízo no dia 26.06.2020,conforme se retira da plataforma citius.»julgou de direito e decretou o seguinte :« Tudo visto e ponderado, julgo procedente a exceção invocada e indefiro por extemporaneidade o reconhecimento do crédito do Fundo de Acidentes de Trabalho no valor de 15.203,19€. Fixo à causa o valor 15.203,19€. Custas a cargo do ao 527.o n.o 1 e 2 do Código de Processo Civil, ex vi artigo 17.o do CIRE. Registe e notifique.»
I.B
O FAT recorre concluindo que:
1 – O FAT peticionou o reconhecimento de um crédito no valor de 15.203,19€ proveniente da assunção da responsabilidade pelo pagamento à beneficiária AR.., viúva do sinistrado P…s, das prestações emergentes do acidente de trabalho mortal por este sofrido, quando se encontrava ao serviço da ora insolvente.
2 - Por despacho proferido em 15-05-2014, notificado ao FAT apenas em 13-12-2019, no âmbito dos autos de acidente de trabalho, foi determinado que este Fundo assegurasse o pagamento das prestações em dívida à beneficiária.
3 - O pagamento das prestações que não possam ser pagas pela entidade empregadora por motivo de incapacidade económica objetivamente caraterizada, designadamente, em processo de insolvência, é assumido pelo FAT, nos termos do disposto no artigo 39o da Lei n.o 100/97, de 13 de setembro, concretizado pelo Decreto-Lei n.o 142/99, de 30 de abril, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.o 185/2007, de 10 de maio.
4 - O FAT tem assegurada a sua sub-rogação nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e/ou beneficiários na medida dos pagamentos efetuados, bem como das respetivas provisões matemáticas, conforme dispõe o artigo 39o, n.o 4, da Lei no 98/2009, de 4 de setembro, e do artigo 5o-B do Decreto-Lei n.o 142/99, de 30 de abril, com a redação introduzida pelo Decreto-Lei n.o 185/2007, de 10 de maio.
5 - Foi no momento em que deu início ao pagamento das prestações devidas à beneficiária Arinda Fernandes Ribeiro (em 30-04-2020) que se constituiu efetivamente o direito do FAT.
6 - Os artigos 1o, alínea a) do Decreto-Lei n.o 142/99, de 30 de abril, e 5o-B do mesmo diploma, aditado pelo Decreto-Lei n.o 185/2007, de 10 de maio, regulam que o regime de sub-rogação previsto nos artigos 589o a 594o do Código Civil.
7 - Trata-se de uma sub-rogação legal por via da qual ocorre a transmissão do crédito através do facto jurídico pagamento (artigo 592o, n.o 1 do Código Civil) – sobre este entendimento vide Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa – 1a Secção de 03-12-2020, Proc. n.o 29624/13.4T2SNT- Q.L1.
8 - Só a partir do cumprimento/pagamento se constitui o crédito sub-rogado.
9 - Tendo o FAT dado início aos pagamentos em 30-04-2020 e tendo a ação sido proposta em 26- 06-2020, improcede a exceção de extemporaneidade do direito de ação, atendendo a que a ação foi proposta dentro do prazo estipulado na 2a parte da alínea b) do n.o 2 do artigo 146o do CIRE.
Nestes termos e nos melhores de Direito aplicáveis, deve ser concedido provimento ao presente recurso nos seguintes termos:
a) Revogando-se a sentença recorrida, julgando-se improcedente a exceção de extemporaneidade da ação e, consequentemente, reconhecendo-se ao Recorrente Fundo de Acidentes de Trabalho o crédito reclamado no valor de 15.203,19€.
Assim decidindo, farão V. Exas. JUSTIÇA.
Não há contra-alegações.
I.C
O objecto do recurso resume-se a saber se a acção foi intentada tempestivamente, sendo determinante a data de constituição do crédito do recorrente.
II
II.A
A matéria relevante resulta da ausência de impugnação da documentação junta com a resposta, e é a seguinte:
1. Por carta registada emitida pelo TT de Lisboa no âmbito do processo n.º 222/03, bem como certificação citius de 25.11.2019, foi o recorrente FAT notificado para informar e comprovar o pagamento da pensão a que se reportam os autos, devidamente actualizada relativamente aos anos de 2013 a 2019.
2. Por ofício datado de 29.11.2019 e recebido no TT em 05.12.2019, o FAT respondeu alegando que desconhecia o acidente de trabalho em causa, pois nunca tinha sido informado de qualquer decisão judicial a determinar a sua intervenção, pelo que declinava por enquanto qualquer responsabilidade.
3. Por carta registada, e com certificação citius de 13.12.2019, o TT remeteu ao recorrente as seguintes peças processuais do processo referido em 1: cópia da promoção do M.P, datada de 10.12.2019, requerendo a notificação do FAT(dada a omissão de notificação) para, assumindo a  responsabilidade, proceder ao pagamento da pensão à viúva e juntar o comprovativo do pagamento ; cópia do despacho datado de 12.12.2019 deferindo a promoção; cópia da sentença referida supra, datada de 14.05.2010 e não 24.02.2010; cópia de comunicação entrada em tribunal em 27.03.2012 ,emitida pela  seguradora Liberty, referindo a actualização de pensões à viúva do sinistrado; cópia de promoção  do M.P.º datada de 05.05.2014, requerendo a assunção do pagamento das pensões pelo FAT; cópia de despacho decretando a actualização das pensões e ordenando a notificação do FAT.
4. Em 11.02.2020 (citius) o FAT foi notificado do despacho datado de 10.02.2020 que, concordando com a promoção do M.ºP.º , indeferiu seu pedido de dedução às  pensões emergentes de acidente de trabalho das pensões pagas pelo Centro Nacional de Pensões.
5. Em 18.03.2020 o FAT foi notificado(citius) da informação prestada pela beneficiária (viúva do falecido trabalhador) declarando que não tinha recebido qualquer quantia do processo de insolvência.
6. Por ofício datado de 07.05.2020 e recebido no TT em 18.05.2020 o FAT informou aquela entidade que tinha procedido ao pagamento da quantia de €10.022,57 referente a retroactivos  de pensões devidas desde 11.03.2003 até 30.04.2020.
7. Informou ainda que, a partir de Maio de 2020, iria proceder ao pagamento mensal da quantia de €51,96 correspondente a uma pensão anual e vitalícia de 727,38.
8. A beneficiária(mandatária) confirmou o recebimento do valor das pensões como indicado pelo FAT.
9. A presente acção foi intentada em 26.06.2020.
II.B
Antes de se entrar na apreciação do recurso cumpre referir o seguinte.
A sentença, deve conter factos (cfr.art.607º,n.º3 e 4 CPC), sob pena de nulidade[cfr.art.615º,n.1, al.ªb),CPC]
Como se constata da leitura de sentença impugnada a primeira instância não elencou qualquer matéria de facto, limitando-se a declarar que apreciava a exceção invocada «no pressuposto da prova integral da factualidade alegada pelo autor nos termos sumariados no relatório da presente decisão e no contexto conhecido de que a acção deu entrada em juízo no dia 26.06.2020, conforme se retira da plataforma citius.»
Como resulta do preâmbulo da sentença impugnada a primeira instância decidiu com base em pressupostos de facto e não em factos, o que acarreta a nulidade daquela peça processual, nulidade  que não se decreta por não ter sido suscitada sendo que a mesma não impede o conhecimento do objecto da apelação (cfr.art.665º,n.º1,CPC)
Aprecia-se então a questão da tempestividade da propositura da acção.
Entendeu a primeira instância que o crédito reclamado pelo recorrente FAT se constituiu em 13.12.2019, data da notificação da decisão judicial que liquidou os montantes a pagar à beneficiária, pois o pagamento configura apenas o vencimento da obrigação.
E como tal concluiu pela intempestividade da propositura.
Ora está em causa a sub-rogação legal (porque opera por determinação da lei independentemente   da declaração do credor ou devedor) do FAT à beneficiária nos termos das disposições conjugadas dos art.5º-B do DL n.º142/99,30.04(Criou o FAT)[1]  e  art.592º,n.º1, CCiv[2].
E aqui cabe referir que é que inequívoco que o crédito do terceiro só se constitui com o pagamento. A doutrina é pacífica [3]
Assim sendo, o crédito do FAT só se constituiu com o pagamento efectuado à  beneficiária, a viúva do falecido sinistrado.
A este propósito transcreve-se o seguinte segmento do Ac. desta 1ª Secção de 03.12.2020, que se acompanha de perto « Os créditos reclamados (...)provêm de prestações infortunísticas decorrentes de um acidente de trabalho do trabalhador R.. quando se encontrava ao serviço, sob as ordens e autoridade da ora insolvente, a qual não tinha transferido a sua responsabilidade civil emergente de acidentes de trabalho para uma seguradora.O quadro legislativo à data do acidente (02-04-2009) no que respeita à matéria dos acidentes de trabalho era constituído pelo disposto nos artigos 283.o e 284.o Código do Trabalho aprovado pela Lei n.o 7/2009, de 12/02 (CT 2009), pela Lei n.o 100/97, de 13/09 (Regime dos Acidente de Trabalho e Doenças Profissionais – LAT), Decreto-Lei n.o 143/99, de 30/04 (que regulamentou a LAT e que passamos a designar por designar por RLAT) e Decreto-Lei n.o 142/99, de 30/04 (Criou o Fundo de Acidentes de Trabalho), com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.o 185/2007, de 10-05 (este diploma aplica-se após 01-01-2008).Resulta deste quadro legal que o empregador é obrigado a transferir a responsabilidade pela reparação decorrente de acidentes de trabalho para entidades seguradoras (artigo 37.o, n.o 1, da LAT) estabelecendo-se, contudo, uma garantia de pagamento das prestações que forem devidas e que não possam se pagas pela entidade responsável, nomeadamente por motivo de insuficiência económica, pelo FAT, constituindo-se este credor da respetiva massa insolvente (artigos 283.o, n.o s 5 e 6, do CT 2009, artigo 39.o, n.o 1 e 4, da LAT, artigo 47.o do RLAT, artigo 121.o, n.o 3, 122.o, n.o 2, do CPC, artigo 1.o, alínea a) e 5.o-D, do Decreto-Lei n.o 142/99, de 30-04).Esta garantia resulta, desde logo, da previsão constitucional conferida aos trabalhadores sinistrados (direito à «assistência e justa reparação» - artigo 59.o, n.o 1, alínea f), e 63.o, n.o 3, da CRP), mas também da natureza dos créditos provenientes do direito à reparação (inalienáveis, impenhoráveis, irrenunciáveis, gozando se privilégios creditórios previstos na lei – artigo 35.o da LAT), que não são atribuídos aos sinistrados na vertente de rendimentos do trabalho, mas antes correspondem a indemnizações (em sentido lato do termo) que visam compensar a incapacidade de ganho dos mesmos na sequência de limitações físicas e psicológicas decorrentes dos sinistros de que foram vítima, e, nessa perspectiva, adquirem uma natureza eminentemente social, reparadora, protecionista e alimentar. Em consonância, estipula o artigo 1.o, alínea a) do Decreto-Lei n.o 142/99, que compete ao FAT «Garantir o pagamento das prestações que forem devidas por acidentes de trabalho sempre que, por motivo de incapacidade económica objectivamente caracterizada em processo judicial de falência ou processo equivalente, ou processo de recuperação de empresa, ou por motivo de ausência, desaparecimento ou impossibilidade de identificação, não possam ser pagas pela entidade responsável».E o artigo 5.o-B, do mesmo diploma, aditado pelo Decreto-Lei n.o 185/2007, sob a epífrage «Sub-rogação e privilégios creditórios», prescreve o seguinte:
«1 - O FAT fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e ou beneficiários, na medida dos pagamentos efectuados, bem como das respectivas provisões matemáticas, acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub-rogação.
2 - Os créditos abrangidos pelo presente decreto-lei gozam das garantias consignadas nos artigos 377.o e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.o 99/2003, de 27 de Agosto[8].
3 - A provisão matemática referida no n.o 1 é calculada de acordo com as bases técnicas e respectivas tabelas práticas de cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho, em vigor à data da constituição do crédito.»

Decorre, assim, destes preceitos que, por força da lei, o FAT garante o pagamento das prestações infortunísticas ficando sub-rogado nos direitos da entidade responsável. A legislação infortunística supra referida nada mais regula sobre o regime da sub-rogação, pelo que o mesmo se há-de colher dos artigos 589.o a 594.o do CC.Trata-se de uma sub-rogação legal por via da qual ocorre a transmissão do crédito através do facto jurídico pagamento (artigo 592.o, n.o 1, do CC)
Como refere GALVÃO TELLES, a fonte da transmissão por via sub-rogatória, é o cumprimento por terceiro, donde a sub-rogação supõe o pagamento, pelo que, antes dele, não há sub-rogação, ou seja, o terceiro que paga pelo devedor só se sub-roga nos direitos do credor com o pagamento, enquanto o não fizer não é sub-rogado e, consequentemente, não pode exercer os direitos do credor.Assim, se o crédito por sub-rogação pressupõe o pagamento e só nasce com o pagamento, só com a partir do cumprimento/pagamento se constituiu o crédito sub-rogado, aquele cujo reconhecimento é pedido no âmbito da ação de verificação ulterior de créditos prevista no artigo 146.o do CIRE.Este é momento previsto na lei para a sub-rogação produzir os aludidos efeitos transmissivos, ficando apenas a partir desse momento o terceiro investido na posição jurídica até aí pertencente ao credor pago.
[4]»
Ora de acordo com a matéria que este Tribunal elencou, conclui-se que o pagamento da quantia de €10.022,57 ocorreu em 30 de Abril de 2020(retroactivos de 11.03.2020 até 30.04.2020), uma vez que na informação do FAT o pagamento da prestação mensal iniciar-se-ia em Maio de 2020.
O crédito do FAT constitui-se, pois, com o aludido pagamento em 30.04.2020.
E só a partir desta data começou a correr o prazo de 3 meses( cfr.art.146º,n.º2, al.ªb)CIRE) para a propositura da presente açção, circunstância que não integra de todo qualquer   abuso de direito(cfr.art.334ºCCiv) na modalidade de supressio, ou outra, pois o recorrente, contrariamente ao sustentado pela recorrida na sua contestação, só tomou conhecimento do acidente e da sua responsabilidade enquanto FAT aquando da notificação que lhe foi efectuada pelo do TT em13.12.2019 ,não tendo contribuído com a sua conduta para qualquer expectativa de por parte da contestante..
Considerando que a acção foi intentada em 26.06.2020, a sua tempestividade é evidente.
A sentença carece assim de ser revogada.
E aqui cumpre referir o seguinte.
A recorrida, na sua contestação, para além da intempestividade (que não se verifica), e do abuso de direito (que também não se verifica) suscitou ainda as seguintes questões:
i) Inviabilidade da pretensão do FAT quanto ao reconhecimento do crédito relativa à provisão matemática, por ser um valor que ainda não despendeu e que não sabe se irá despender;
ii) Benefício do crédito porquanto o trabalhador exercia as suas funções na Quinta da Amoreia, propriedade  da Casa Reynolds e não em qualquer imóvel da insolvente.
O despacho saneador-sentença   ao julgar a acção intempestiva não apreciou estas questões nem o invocado e, já declarado, inexistente  abuso de direito.
Nos termos do art.655º, n.º2 e 3«Se o tribunal tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários. 3.O relator, antes de ser proferida decisão, ouve cada uma das partes, pelo prazo de dez dias
No caso concreto embora a sentença seja nula, como se expôs supra, não se decretou a sua nulidade porquanto tal não foi requerido.
Mas tal não obsta a que esta Relação aprecie as questões que a primeira instância não apreciou por ter julgado procedente a excepção de intempestividade, devendo em princípio ouvir as partes.
Este preceito constitui uma emanação do princípio do contraditório, a sua inobservância pode constituir nulidade por prolação de decisão surpresa (cfr. art. 3º,n.º3, e 195º,n.º2, CPC).
E destacou-se o vocábulo pode porque é o próprio art. 3º,n.º3, que introduz uma excepção à obrigatoriedade de audição das partes a « manifesta desnecessidade».
Considerando- se manifestamente desnecessária a audição das partes não se verifica qualquer nulidade.[5]
Ora as questões em análise são de direito, foram suscitadas na contestação e o autor respondeu.
O contraditório está assegurado.
Assim sendo nada obsta ao seu conhecimento.
Inviabilidade do reconhecimento do crédito do recorrente respeitante à provisão matemática
 A provisão matemática está contemplada no art.5º-B do FAT que estipula o seguinte«1 - O FAT fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e ou beneficiários, na medida dos pagamentos efectuados, bem como das respectivas provisões matemáticas, acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub-rogação.
2 - Os créditos abrangidos pelo presente decreto-lei gozam das garantias consignadas nos artigos 377.o e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.o 99/2003, de 27 de Agosto[8].
3 - A provisão matemática referida no n.o 1 é calculada de acordo com as bases técnicas e respectivas tabelas práticas de cálculo do capital de remição das pensões de acidentes de trabalho, em vigor à data da constituição do crédito.»

A credora contestante não impugna a aplicação das bases de cálculo da provisão, estabelecidas no Anexo da Portaria n.º11/2000, de 13.01,  limitando-se a tecer considerações sobre a própria provisão.
Assim sendo, e sem necessidade de mais considerandos, improcede a sua objecção.
Benefício do crédito porquanto o trabalhador exercia as suas funções na Quinta da Amoreia, propriedade  da Casa Reynolds e não em qualquer imóvel da insolvente
O FAT pretende a classificação do crédito como privilegiado, mas sem especificar se mobiliário se imobiliário,  limitando-se a invocar os artigos 39º,n.º4, da LAT(Regime Jurídico dos  Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais) em vigor à data do sinistro que motivou a sua responsabilidade (Lei n.º100/97,13.09)e do FAT,DL n.º142/99, de 30.04.
A credora contestante sustenta que o crédito não deve beneficiar do benefício do privilégio creditório imobiliário especial.
Estipula o art.5º-B, n.º2, do FAT que  os créditos abrangidos por este normativo gozam das garantias consignadas nos art. 377.º e seguintes do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.
O art.377º, n.º1, do CT então em vigor(art.333º,n.º1, do  actual CT aprovado pela Lei n.º7/2009 de 12.02) estipulava o seguinte «1 - Os créditos emergentes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, pertencentes ao trabalhador, gozam dos seguintes privilégios creditórios: a) Privilégio mobiliário geral; b) Privilégio imobiliário especial sobre os bens imóveis do empregador nos quais o trabalhador preste a sua actividade.
Como se constata da leitura da petição o recorrente limitou-se invocar de forma genérica o preceito legal relativo às garantias de crédito o trabalhador, não especificando se o crédito devia beneficiar de privilégio mobiliário ou imobiliário.
Como já se disse não foi invocado qualquer facto alusivo ao local do sinistro, nem em que local mesmo prestava a sua actividade. Esta alegação incumbia ao FAT (cfr.art.342º,n.º 1,CCiv).
Assim sendo, o crédito goza apenas de privilégio mobiliário geral o que não determina qualquer improcedência da pretensão do FAT que só reclamou o benefício do privilégio legal.
Em síntese diz-se o seguinte:
1. A constituição do crédito do FAT sub-rogado nos direitos do beneficiário de prestações devidas no âmbito de acidente de trabalho constitui-se com o efectivo pagamento.

III
Considerando o que se acaba de expor julga-se procedente a apelação e revogando-se a sentença impugnada reconhece-se o crédito do Apelante FAT no valor de €15.203,19, que beneficia de privilégio mobiliário.
Sem custas.

Lisboa, 09-11-2021
Teresa  Sousa Henriques
Isabel Maria Brás Fonseca
Fátima Reis Silva
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[1] «1 - O FAT fica sub-rogado nos direitos e privilégios creditórios dos sinistrados e ou beneficiários, na medida dos pagamentos efectuados, bem como das respectivas provisões matemáticas, acrescidos dos juros de mora que se venham a vencer, para ele revertendo os valores obtidos por via da sub- rogação.2.3.»
[2] « 1.Fora dos caso previstos nos artigos anteriores ou noutras disposições da lei, o terceiro que cumpre a obrigação só fica sub-rogado nos direitos do credor quando tiver garantido o cumprimento, ou quando, por outra causa, estiver directamente o interessado na satisfação do crédito. 2...»
[3] Antunes Varela, Das Obrigações em geral II vol., Almedina, 1980, 311, Pires de lima e Antunes Barela, CCiv, anot. IVol.,Coimbra,1982, 577.
[4] Negrito acrescentado.
[5] Ac.STJ de 531/11.7TVLSB.L1.S1(Bettencourt de Faria) in www.dgsi.pt