Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
664/13.5TTALM.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO
FALTAS INJUSTIFICADAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A DECISÃO
Sumário: I. Há lugar à aplicação da sanção de despedimento quando, face à conduta do trabalhador, não é exigível ao empregador que continue vinculado àquela relação laboral.
II. Incorre em faltas injustificadas o trabalhador que, depois de submetido a exame médico de verificação na segurança social que conclui que está apto para desempenhar a atividade, não requer reavaliação da situação de doença e continua a juntar atestados médicos e a faltar, vindo um segundo exame na segurança social, efetuado mais de um mês depois do primeiro (exame que teve lugar sem ser por iniciativa do trabalhador) a confirmar as conclusões do primeiro.
(Elaborado pelo Relator).
Decisão Texto Parcial:Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa
RELATÓRIO
Autora (A.): AA.
Ré (R.) e recorrente: BB, SA.
A R. motivou o despedimento alegando que foi aplicada à autora a sanção de despedimento em procedimento disciplinar que seguiu a tramitação determinada por lei, não padecendo de qualquer irregularidade; a autora era funcionária da ré e prestava o seu trabalho na loja (…); durante 2013 a trabalhadora teve 34 faltas injustificadas; o comportamento da A., pela sua gravidade e consequências torna praticamente impossível a relação de trabalho, porque lhe trouxe consequências graves ao nível da organização do trabalho. Termina peticionando que se considere justificada a sanção disciplinar de despedimento, nos termos do artigo 351.º, n.º 1 e 2, alíneas d) e g), do Código de Trabalho.
Respondeu a A. alegando que a ré teve conhecimento dos factos relativos às faltas da autora em Fevereiro de 2013, e a A. apresentou-se ao serviço em 18 de abril de 2013, pelo tendo apenas sido notificada da nota de culpa em 17-07-2013, tinha já caducado o seu poder disciplinar, pelo que padecem os autos disciplinares de nulidade; a A. estava em erro sobre factos essenciais, não tendo entendido o que lhe foi comunicado no dia em que foi submetida a exame médico de verificação, até porque continuava a ter as declarações de baixa que lhe eram entregues pelo seu médico assistente; a A. foi submetida a exame por comissão de reavaliação em 17 de Abril de 2013, tendo-se apresentado no dia imediatamente seguinte; auferia 622,59 euros, mensalmente.
Pede que seja declarada a ilicitude do despedimento e a indemnização de antiguidade (opção que fez já durante a pendência do processo), sendo a empregadora condenada a pagar-lhe as retribuições que deixou de auferir até ao trânsito em julgado da decisão, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação.
A R. respondeu à excepção alegada negando que o processo disciplinar seja nulo, já que considera que apenas no final do ano se inicia o decurso de tal prazo de caducidade do procedimento disciplinar quanto a faltas. Pediu a improcedência da excepção.
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Saneados os autos e efectuado o julgamento o Tribunal julgou a ação desta sorte:
a) (julgo) improcedente a excepção de nulidade do processo disciplinar por caducidade do poder disciplinar;
b) julgo ilícito o despedimento que a trabalhadora foi alvo, e, em consequência:
1) condeno a entidade empregadora no pagamento, à trabalhadora, de indemnização em substituição da sua reintegração, fixando-se em quinze dias/ano até à data de trânsito da decisão, pelo que se liquida a mesma até 31 de Março de 2014, em € 3.960,37 (três mil novecentos e sessenta euros e trinta e sete cêntimos).
2) condeno a entidade empregadora no pagamento, à trabalhadora, da quantia que se apurar em liquidação de sentença, relativa a retribuições, subsídio de férias e de Natal vencidos entre 29 de Agosto de 2013 e a data do trânsito em julgado da presente sentença, deduzidas das quantias pela trabalhadora auferidas a título de subsídio de desemprego, liquidando-se a tais quantias até 31 de Março de 2014 em € 5.087,65 (cinco mil e oitenta e sete euros e sessenta e cinco cêntimos). Sobre as quantias enunciadas são devidos juros de mora, desde a data do seu vencimento de cada um das prestações até efectivo e integral pagamento, à taxa anual de 4%.
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Não se conformando veio a R. apelar, tendo apresentado motivação em que formulou as seguintes conclusões:
(…)
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Contra-alegou a A., pedindo a confirmação da sentença e formulando estas conclusões:
(…)
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O DM do MºPº teve vista, pronunciando-se pela improcedência do recurso.
A R. respondeu ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
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FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 635/4, 608/2 e 663, todos do Código de Processo Civil – se a decisão de facto merece censura e se perante a matéria de facto que for tida por assente existe justa causa para despedimento.
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Da matéria de facto
Factos dados por provados em 1ª instancia:
1 Por despacho datado de 29 de Maio de 2013, subscrito pela Direcção de Relações Laborais da Empregadora, foi determinada a instauração de procedimento disciplinar à trabalhadora Patrícia Reis Santos.
2 Por carta datada de 17 de Julho de 2013, registada com aviso de recepção, cujo teor consta a fls. 70-76, foi a Trabalhadora notificada da nota de culpa, da possibilidade de consulta dos autos de procedimento disciplinar, do prazo de que dispunha para responder à nota de culpa e da intenção da Empregadora aplicar, a final, a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, que ora se dá por reproduzido para todos os efeitos.
3 Em 27 de Agosto de 2013, em face da proposta de decisão proferida pela instrutora nomeada a Empregadora proferiu decisão final de despedimento com justa causa que comunicou à Trabalhadora por meio de carta registada com aviso de recepção datada de 29 de Agosto de 2013.
4 A Trabalhadora exercia as suas funções na loja (…).
5 A Trabalhadora entregou na loja um certificado de incapacidade temporária para o trabalho, inicial, datado de 05-02-2013, por doença profissional, para o período compreendido entre o dia 05-02-2013 e o dia 16-02-2013, sem que anteriormente houvesse qualquer informação da existência de tal doença.
6 Mais tarde, a Trabalhadora apresentou na loja um novo certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, inicial, datado de 18-02-2013, para o período compreendido entre o dia 17-02-2013 e o dia 28-02-2013.
7 A ré requereu a verificação da incapacidade da Trabalhadora junto dos serviços competentes da Segurança Social.
8 A Segurança Social convocou a Trabalhadora para um exame médico de verificação, para o dia 26 de Fevereiro de 2013, tendo deliberado que a Trabalhadora estava “apto para desempenhar a actividade”.
9 A Trabalhadora foi notificada desta decisão e foi dado conhecimento, também nesse mesmo dia, à entidade patronal.
10 A Trabalhadora nas 24 horas seguintes, não requereu a reapreciação do seu caso por uma Comissão de Reavaliação nem se apresentou ao trabalho no dia seguinte.
11 A Trabalhadora apresentou na loja, no dia 01-03-2013, um novo certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, com data de 28-02-2013, prorrogação, para o período compreendido do dia 01-03-2013 a 30-03-2013.
12 No dia 11 de Março de 2013, foi remetida uma carta registada à Trabalhadora, que a mesma não levantou nos Correios, na qual se referia que
“(…) Assunto: Prorrogação do certificado de incapacidade temporária para o trabalho.
Exma. Senhora,
Como tem conhecimento, no âmbito do pedido de fiscalização da incapacidade temporária para o trabalho requerido pela BB SA e que ocorreu no dia 26 de Fevereiro de 2013, foi considerada pela Comissão de Verificação das Incapacidades Temporárias que a observou, que não subsistia a incapacidade e como tal, estava apta a regressar ao serviço (conforme informação que nos foi prestada pela Segurança Social e que juntamos em anexo).
Acontece porém, que no dia 1 de Março de 2013 entregou na loja (…), uma prorrogação desse mesmo Certificado de Incapacidade Temporária, sem que para tal, tenha cumprido os requisitos previstos na Lei, ou seja, quando a deliberação da Comissão de Verificação das Incapacidades Temporárias divirja da declaração ou atestado apresentado pelo colaborador para prova da sua situação de doença, o colaborador, caso não aceite tal decisão, pode requerer aos serviços da segurança social, que o caso seja apreciado por uma Comissão de Reavaliação.
Ora, o BB, não teve conhecimento de nenhum pedido de reavaliação solicitado por V. Exa. dentro do prazo de 24 horas subsequentes ao conhecimento do resultado da Verificação da Incapacidade Temporária que a considerou apta a regressar ao serviço, pelo que, não iremos aceitar a prorrogação do Certificado de Incapacidade Temporária apresentado.
De acordo com o referido, vimos informá-la que as ausências desde o dia 1 Março de 2013 irão assim, ser consideradas faltas injustificadas com os efeitos inerentes. (…)”
13 Face à devolução da carta, a gerente da loja EM contactou telefonicamente a Trabalhadora, dando-lhe conhecimento do teor da carta.
14 Essa carta enviada por correio registado e por correio normal no dia 09-04-2013, tendo sido devolvida a que foi expedida por correio normal.
15 A Trabalhadora entregou um novo Certificado de Incapacidade Temporária para o Trabalho por estado de doença, datado de 26-03-2013, prorrogação, compreendia um período de incapacidade de 11-03-2013 a 09-04-2013.
16 Na altura em que a Trabalhadora foi à loja entregar a nova prorrogação da baixa, datada de 26-03-2013, a secretária da loja RS, voltou a informá-la de que como tinha sido considerada apta para o desempenho de actividade, a Companhia não aceitava a prorrogação da baixa.
17 A Trabalhadora apresentou um novo Certificado de incapacidade temporária para o trabalho por estado de doença, datado de 08-04-2013, prorrogação, e referente ao período de 10- 04-2013 a 09-05-2013.
18 A Trabalhadora apenas compareceu ao serviço no dia 18 de Abril de 2013
19 A autora auferia o vencimento mensal base de 617,10 euros.
20 A autora iniciou as suas funções na ré em 2 de Maio de 2001.
21 Na Segurança Social, a autora esteve com certificado de incapacidade temporária nos seguintes períodos:
a) inicial – de 5-2-2013 a 16-02-2013;
b) prorrogação – 17-02-2013 a 28-02-2013;
c) inicial – 27-02-2013 a 10-03-2013;
d) prorrogação – 11-03-2013 a 09-04-2013;
e) prorrogação – 10-04-2013 a 09-05-2013;
22 Em 02-04-2013 a autora foi convocada para uma comissão de reavaliação, determinada oficiosamente, que no dia 17-04-2013, concluiu que não subsistia a incapacidade temporária para o trabalho desde 26-02-2013.
23 Ao serem-lhe passados os certificados de incapacidade pelo médico a autora convenceu-se que não estava a faltar injustificadamente Vai assinalado em caixa o facto impugnado pela R...
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(...)
Assim, julgamos procedente o recurso da R. quanto à matéria de facto, e considera-se não provado a matéria do n.º 23, supra indicado em caixa de texto.
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De Direito.
A justa causa consubstancia uma conduta que torna a manutenção do contrato não tanto impossível mas inexigível, à luz de critérios de razoabilidade.
Pode distinguir-se no conceito de justa causa um elemento subjectivo, constituído por um comportamento culposo, por acção ou omissão do trabalhador, e um elemento objectivo, que se traduz no desvalor juslaboral desse comportamento e nas suas consequências negativas, cuja gravidade comprometa, de forma irremediável, a manutenção da relação de trabalho.
João Leal Amado, in Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, Wolters Kluwer e Coimbra Editora, página 383, refere que “a justa causa de despedimento assume, portanto, um carácter de infração disciplinar, de incumprimento contratual particularmente grave, de tal modo grave que determine uma perturbação relacional insuperável, isto é, insuscetível de ser sanada com recurso a medidas disciplinares não extintivas (… A justa causa) traduz-se, afinal, num comportamento censurável do trabalhador, numa qualquer ação ou omissão que lhe seja imputável a título de culpa (não se exige o dolo, ainda que, parece, a negligência deva ser grosseira) e que viole deveres de natureza laboral, quando esse comportamento seja de tal modo grave, em si mesmo e nos seus efeitos, que torne a situação insustentável, sendo inexigível ao empregador (a um empregador normal, razoável) que lhe responda de modo menos drástico”.
Para que exista justa causa importa que se verifique:
a) - um comportamento culposo do trabalhador;
b) - a impossibilidade da manutenção da relação laboral entre o trabalhador e o empregador;
c) - nexo de causalidade entre aquele comportamento e essa impossibilidade.
Neste sentido escreve Rosário Palma Ramalho, in Tratado de Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, 4.ª Edição - Revista e Atualizada ao Código do Trabalho de 2009, com as alterações introduzidas em 2011 e 2012 -, Dezembro de 2012, páginas 817 e ss., que para que surja uma situação de justa causa para este efeito, é necessário que estejam preenchidos os requisitos do art.º 351.º, n.º 1 do CT (…) de verificarão cumulativa:
- Um comportamento ilícito, grave, em si mesmo ou pelas suas consequências, e culposo do trabalhador (é o elemento subjetivo da justa causa);
- A impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral (é o ele­mento objetivo da justa causa);
- A verificação de um nexo de causalidade entre os dois elementos anteriores, no sen­tido em que a impossibilidade de subsistência do contrato tem que decor­rer, efetivamente, do comportamento do trabalhador (…)
Assim, relativamente ao elemento subjetivo da justa causa é exigido que o comportamento do trabalhador seja ilícito, grave e culposo. (…)
i) A exigência da ilicitude do comportamento do trabalhador não resulta expressamente do art.º 351.º, n.º 1, mas constitui um pressuposto geral do con­ceito de justa causa para despedimento, uma vez que, se a atuação do trabalhador for lícita, ele não incorre em infração que possa justificar o despedimento. Contudo, a ilicitude deve ser apreciada do ponto de vista dos deveres laborais afetados pelo comportamento do trabalhador (…)
ii) O comportamento do trabalhador deve ser culposo, podendo corresponder a uma situação de dolo ou de mera negligência. Nos termos gerais, será de qualifi­car como culposa a atuação do trabalhador que contrarie a dili-gência normalmente devida, segundo o critério do bom pai de família, mas o grau de diligência exigido ao trabalhador depende também, natural­mente, do seu perfil laboral específico (assim, consoante seja um traba­lhador indiferenciado ou especia-lizado, um trabalhador de base ou um técnico superior, o grau de diligência varia). Relevam e devem ainda ser valoradas, no contexto da apreciação da infração do trabalhador, as cir­cunstâncias atenuantes e as causas de exculpação que, eventualmente, caibam ao caso.
iii) O comportamento do trabalhador deve ser grave, podendo a gravidade ser repor­tada ao comportamento em si mesmo ou as consequências que dele decorram para o vínculo laboral (…) A exigência da gravidade do comportamento decorre ainda do princípio geral da proporcionalidade das sanções disciplinares, enunciado no art.º 330.º, n.º 1 do CT e oportunamente apresentado: sendo o despedimento a sanção disciplinar mais forte, ela terá que corresponder a uma infração grave; se o comportamento do trabalhador, apesar de ilícito e culposo, não revestir particular gravidade, a sanção a aplicar deverá ser uma sanção conservatória do vínculo laboral.
(...) Para além destes elementos subjetivos, só se configura uma situação de justa causa de despedimento se do comportamento do trabalhador decorrer a impossibilidade prática e imediata de subsistência do vínculo laboral - é o denominado requisito objetivo da justa causa. Fica assim claro que o comportamento do tra­balhador, ainda que constitutivo de infração disciplinar, não é, por si só, justa causa para despedimento; para que esta surja, é necessário que concorram os dois outros elementos integrativos.
Naturalmente, porém, a impossibilidade a que alude o art.º 351, n.º 1 Artigo 351.º (Noção de justa causa de despedimento): 1 – Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Por outro lado, 3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes., do Código do Trabalho, densificando o disposto no art.º 53 da Constituição Art.º 53.º (Segurança no emprego): É garantida aos trabalhadores a segurança no emprego, sendo proibidos os despedimentos sem justa causa ou por motivos políticos ou ideológicos (sublinhado nosso)., não é física ou legal Os casos de impossibilidade física são causa de caducidade do contrato e não fundamento de revogação – art.º 343/2., constituindo antes uma inexigibilidade: verifica-se quando nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamento, quando seja irremediável a rotura, o que ocorre quando não se possa impor a um “bonus pater famílias”, um “empregador normal”, a manutenção do contrato. Dito de outro modo, quando o interesse do trabalhador na estabilidade laboral, protegido constitucional-mente pelo referido art.º 53, deva, ante uma sã valoração, ceder o passo, mercê da sua própria conduta incorrecta, ao interesse do empregador na extinção daquele vinculo (que também não é alheio a valorações constitucionais, nomeadamente em sede de liberdade de empresa); quando, em suma, o comportamento do prestador da actividade faz com que a pretensão da manutenção daquela situação laboral redunde numa insuportável e injusta imposição ao empregador, ferindo exagerada e violentamente a sensibilidade e a liberdade psicológica de uma pessoa normal, colocada na posição do empregador. “A gravidade do comportamento (do trabalhador) deve entender-se como um conceito objectivo-normativo e não subjetivo-normativo, isto é, a resposta à questão de saber se um determinado comportamento é ou não grave em si e nas suas consequências não pode obter-se através do recurso a critérios de valoração subjetiva mas a critérios de razoabilidade (ingrediente objetivo), tendo em conta a natureza da relação de trabalho, as circunstâncias do caso e os interesses da empresa”. (…) “Uma vez mais, não é pelo critério do empregador, com a sua particular sensibilidade ou a sua ordem de valores próprios, que se deve pautar o aplicador do direito na apreciação deste elemento, mas pelo critério do empregador razoável (Jorge Leite, cfr. “Coletânea de Leis do Trabalho”, pág. 250).
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Previstas no art.º 248 do Código do Trabalho na versão ora vigente (2009/12) Na versão de 2003 o art.º 396º dispunha semelhantemente, sob a epígrafe, “Justa causa de despedimento”, que “1 — O comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho constitui justa causa de despedimento. 2 — Para apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes. 3 — Constituem, nomeadamente, justa causa de despedimento os seguintes comportamentos do trabalhador: (...) g) Faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou, independentemente de qualquer prejuízo ou risco, quando o número de faltas injustificadas atingir, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas”., as faltas consubstanciam a ausência da presença física do trabalhador, por motivos determinantes ligados à sua pessoa, ao local do trabalho, no período em que devia desempenhar a actividade a que está adstrito (art.º 248/1, Código do Trabalho). Traduzem, pois, violação do dever de assiduidade que lhe é imputável.
Daqui resulta que nem toda a ausência constitui falta. Por exemplo, o trabalhador impedido de entrar nas instalações da empresa pelo piquete de greve não falta, já que o motivo determinante da ausência não está ligado à sua pessoa (assim como, v.g., suspenso durante o processo disciplinar).
Por outro lado, as faltas podem ser justificadas ou injustificadas, consoante previstas no n.º 2 ou 3 do art.º 249, cabendo notar que as al. i) e j) contêm cláusulas extremamente abertas, capazes de abranger uma enorme multiplicidade de situações.
Só relevam disciplinarmente as injustificadas Atente-se porém que faltas justificáveis podem vir a ser afinal injustificadas, se o trabalhador não cumprir o seu dever de comunicação atempadamente (art.º 253/5)..
Mas mais, a mera verificação objectiva do número de faltas injustificadas não é suficiente para justificar o despedimento, exigindo-se que o mesmo seja culposo e, pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a manutenção da relação de trabalho - neste sentido, cf., entre outros, Ac. R.L. de 21/05/2008, www.dgsi.pt.
Estribou-se a sentença recorrida nesta ordem de razões:

“A trabalhadora entregou na loja os seguintes certificados de incapacidade temporária para o trabalho:
a) inicial, datado de 05-02-2013, por doença profissional, para o período compreendido entre o dia 05-02-2013 e o dia 16-02-2013.
b) inicial, por estado de doença, datado de 18-02-2013, para o período compreendido entre o dia 17-02-2013 e o dia 28-02-2013.
c) prorrogação, por estado de doença, com data de 28-02-2013, para o período compreendido do dia 01-03-2013 a 30-03-2013.
d) prorrogação, por estado de doença, datado de 26-03-2013, compreendia um período de incapacidade de 11-03-2013 a 09-04-2013.
e) prorrogação, por estado de doença, datado de 08-04-2013, e referente ao período de 10-04-2013 a 09-05-2013.
Esteve com certificado de incapacidade temporária nos seguintes períodos:
f) inicial – de 5-2-2013 a 16-02-2013;
g) prorrogação – 17-02-2013 a 28-02-2013;
h) inicial – 27-02-2013 a 10-03-2013;
i) prorrogação – 11-03-2013 a 09-04-2013;
j) prorrogação – 10-04-2013 a 09-05-2013.
A autora foi sujeita a duas verificações de doença, uma em 26.2.13 e outra em 17.4.13, e ambas a consideraram apta para o trabalho, sem que a A. tenha pedido a reavaliação.
À A. foi dada a informação pela ré que consideraria tais faltas como não justificadas, o que foi feito quer por escrito quer verbalmente.
(…) A trabalhadora apresentou o documento justificativo para tais faltas. A A. tinha estado de baixa médica antes de 26.2.2013, e a ré aceitou tais justificações. Como consta da carta que foi remetida à A. entende que a não comparência após 26 de Fevereiro – data em que a comissão de verificação entendeu que a mesma se mostrava apta – é injustificada, até porque o certificado que consta nos seus ficheiros se refere a prorrogações.
O que se apura é que a A., embora tivesse um novo certificado por doença natural, inicial (e não prorrogação) com início em 27-02 não a terá apresentado à ré, pelo que os certificados de doença - prorrogação, datado de 26-03-2013, e prorrogação datado de 08-04-2013 se referem a um certificado inicial que a ré nunca recebeu, mas que existia e que foi comunicado à Segurança Social.
A A. não compareceu ao serviço entre 26.2 e 18.4.2013, e não remeteu à ré um dos certificados de doença no período entre 27-02-2013 e 10-03-2013.
(…) No ano de 2013 a trabalhadora teve 34 faltas.
Ao não apresentar o certificado inicial de 27-02-2013 teremos de considerar como injustificadas as faltas desde tal data, já que não apresentou os documentos comprovativos no prazo legal, e os subsequentes certificados de prorrogação dependem da existência e apresentação deste primitivo.
(…) Provado que está que a trabalhadora deu mais de 10 faltas injustificadas não se torna necessário a entidade empregadora provar o prejuízo ou o risco.
No entanto, teremos de apurar se o comportamento da autora é, ou não, culposo e grave, impossibilitando a manutenção da relação laboral que decorre desde 2001. (…) Ao serem-lhe passados os certificados de incapacidade pelo médico, convenceu-se que não estava a faltar injustificadamente. Estamos perante uma trabalhadora que é operadora de supermercado, a situação da diferença entre certificados de incapacidade, inicial ou prorrogação, não é matéria de fácil apreensão. Não é compreensível para alguém de fracos recursos que se o médico lhe emite o certificado de incapacidade, depois de ter sido sujeita a verificação da incapacidade, o mesmo não seja válido, até porque o é para a Segurança Social. Especialmente quando após tal certificado lhe são emitidos novos certificados, reconhecendo a existência de uma qualquer doença. Haverá assim um convencimento de que estava legitimada a sua não comparência, que juridicamente apenas não o está porque a autora não apresentou um certificado à ré – o de 27-02 a 10-03.
Apura-se, assim, que a A. não actuou com culpa, e muito menos com culpa grave, entendida a gravidade no sentido de impossibilidade de subsistência da relação laboral, pelo que embora se considere que a autora deu faltas injustificadas no período em questão, não poderá tal comportamento constituir fundamento para a aplicação da sanção de despedimento”.
Dispensando-nos de tecer considerações quanto à existência de mais de 10 faltas injustificadas, que a sentença recorrida admite, cumpre meramente saber se a conduta da A. é ou não culposa, e por essa via suscetível de suportar um juízo de censura disciplinar.
Afigura-se-nos que sim.
A A. faltou desde que foi sujeita a exame médico de verificação sem qualquer fundamento plausível: não requereu reavaliação como podia e devia, se se considerava prejudicada, facto que não podia ignorar porquanto lhe foi dado conhecimento pela segurança social; ignorou a correspondência da R. e persistiu nessa conduta mesmo quando as funcionárias lhe deram conhecimento que nessa situação as faltas seriam consideradas injustificadas.
É uma conduta que revela desinteresse pelo vinculo laboral e pelos interesses da R.. O que se extrai dos factos é que a A. resolveu, simplesmente, “meter baixa”.
Note-se que não resulta de lado algum que a A. padeça de moléstia psiquiátrica suscetível de a impedir de agir, e nomeadamente de requerer a reavaliação ou de receber as comunicações do R. e a elas reagir.
Importa ter presente que empregador e trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos respectivos direitos e no cumprimento dos seus deveres (art.º 126/1).
Como diz o Prof. Bernardo Xavier (cf. Manual de Direito do Trabalho, Verbo, 2011, pag. 442) “no plano do relacionamento contratual trabalhadores / empregadores e dos direitos e deveres respectivos, sobressai a existência de um vinculo de colaboração na execução do contrato, na obtenção da maior produtividade, bem como na promoção profissional e humana do trabalhador”.
E é todo esse vínculo de colaboração que é posto em causa quando o trabalhador falta reiteradamente e ignora as regras que regem a justificação das faltas.
Veja-se, ainda, que, submetida a uma segunda avaliação em Abril de 2013 – mas não pedida por si, como seria de esperar – esta concluiu que “não subsistia a incapacidade temporária para o trabalho desde 26.2.2103”.
É claro, portanto, que a A. faltou bem mais de 10 dias seguidos ao trabalho, injustificadamente, demonstrando-se afinal que não havia fundamento para a sua baixa.
E fê-lo culposamente.
A R. fez o que lhe competia na dúvida quanto à conduta da A., requerendo a intervenção da entidade competente para verificar se a sua situação era efetivamente de incapacidade ou de doença para o trabalho.
A A. é que não agiu corretamente, apesar de ter a informação suficiente para isso.
Preenche-se, pois, a previsão do art.º 351/1 e 2/g do Código do Trabalho.
Procede, em suma, o recurso: o despedimento é lícito por fundado em justa causa.
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DECISÃO
Pelo exposto, o Tribunal julga procedente o recurso, revoga a sentença por ser lícito o despedimento, assim absolvendo do pedido a R. Pingo Doce
Custas da ação e do recurso pela A., sem prejuízo do apoio judiciário que demonstre possuir
Lisboa, 11 de fevereiro de 2015
Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Decisão Texto Integral: