Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
188/12.8TBCSC.L1-8
Relator: RUI DA PONTE GOMES
Descritores: PROVA
FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 05/03/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/ANULADA
Sumário: I. Para que se cumprisse o disposto nos artigos 653.º, n.º 2 e 712.º, n.º 2, do CPC anterior à reforma, quanto à fundamentação do julgamento da matéria de facto, tornava-se necessário não só a indicação dos meios concretos da prova, como a indicação, relativamente a cada facto, daqueles que contribuíram para a formação da convicção do julgador e, ainda, quais os motivos que relevaram para a formação de tal convicção.

II. Além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado) dos meios de concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova.

III. A fundamentação exerce, por um lado, uma função endoprocessual de impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica de decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente e, por outro lado, uma função extraprocessual "...que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a "transparência" do processo e da decisão…" (Acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Março de 1994).

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa
                                       (Conferência)


IRELATÓRIO:


    
JD intentou na Comarca de Lisboa Oeste (Cascais, Instância Central, 2ª Secção Cível, Juiz 4) ação declarativa, com forma de processo ordinário, contra GB pedindo que esta seja judicialmente condenada a pagar-lhe as quantias: - de 151 374,94 €, correspondente aos montantes que levantou de contas bancárias, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento, e perfazendo os vencidos até 6 de Janeiro de 2012 a quantia de 117 212,73 €; de 1 296,874,53 €, correspondente ao que recebeu pelo contrato celebrado, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento; de 53 457,17 €, correspondente à indemnização dos danos causados pela recusa de consentimento, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos até integral pagamento, e perfazendo os vencidos até 6 de Janeiro de 2012 a quantia de 29407,30 €.

Invocou, para tanto, em súmula, que foi casado com a Ré e que quando se separaram de facto, esta procedeu ao levantamento de quantias depositadas em instituições bancárias, que lhe pertenciam exclusivamente, por as haver herdado ou por corresponderem ao produto da venda de bens próprios, apesar de estarem em contas em que a mesma era contitular, fazendo-as suas contra a vontade. Outorgou com a Ré um documento contendo os princípios do acordo para o divórcio e a partilha de bens do casal, tendo-lhe entregado 250.000.000$00 em cumprimento do aí acordado. Bem como as declarações de venda, para dois veículos, que estavam em seu nome, e que a Ré vendeu por € 99.759,58, fazendo seu tal montante. Mas não procedendo ao depósito de parte daquele montante de 250.000.000$00 a favor dos filhos do casal, como acordado. Nem permitindo uma cessão de quotas aí acordada. Tendo ainda requerido inventário para partilha da totalidade dos bens comuns do extinto casal, mas não sendo aí admitido o relacionamento como dívidas da R. ao ora demandante das quantias em questão. Que a Ré fez suas. A Ré recusou o seu consentimento para o A. alterar o fim de um imóvel deste, tendo em vista a celebração de um contrato de arrendamento do mesmo, e assim levou-o a perder € 53.457,17. a título de rendas durante cinco anos.

Citada, a R. contestou.
            
Contrapôs a litispendência dos dois primeiros pedidos com relação a idênticos pedidos feitos pelo Autor no inventário proposto por si para separação das meações. Mais invocou o caso julgado relativamente à data em que se retroagiram os efeitos do divórcio, invocando ainda a prescrição dos juros peticionados para além dos cinco anos da alegada prática dos factos que lhes dão origem, e impugnando que os valores depositados nas contas bancárias tituladas por ambos fossem exclusivamente do A., antes se presumindo serem produto do trabalho do A., assim fazendo parte da comunhão. Defendeu a validade do acordo de partilha, daí retirando não estar obrigada a qualquer restituição e impugnando que lhe fosse imputável qualquer incumprimento do mesmo acordo. Quanto às consequências da recusa de consentimento, impugna, designadamente por desconhecimento, os factos alegados pelo A.

Em reconvenção alegou que o Autor fez levantamentos em benefício próprio de contas bancárias comuns do casal, sendo que metade desses valores, correspondente à quantia de 1 123 491,00 €, devendo ser restituída.

Com dispensa de audiência preliminar foi proferido o despacho saneador onde foi admitida liminarmente a reconvenção e fixado o valor da causa, mais ficando afirmada a validade e regularidade da instância, sendo julgada improcedente a exceção dilatória do caso julgado e prejudicado o conhecimento da exceção dilatória da litispendência, sendo relegado para final o conhecimento das exceções da prescrição e do abuso de direito.               
 
Procedeu-se a julgamento e, depois, foi proferida a douta sentença de 2 de Março de 2016 que julgou a ação parcialmente procedente e condenou a Ré a pagar ao Autor a quantia de 1 448 249,47 €, acrescida de juros de mora à taxa legal, vencidos e vincendos desde a citação até integral pagamento. No mais peticionado pelo Autor, foi a Ré absolvida do pedido. Outrossim, julgou-se a reconvenção improcedente por não provada e, em consequência, dele absolveu-se o Autor. Finalmente, mais se declarou a inexistência de litigância de má-fé por qualquer uma das partes.

Recorre GB (artigos 635º, nº4, 639º, nº1 e 663º, nº2, do C. P. Civil) ----- Questionando:

1– A peça contestória tem de ser analisada numa perspetiva integrada e, do teor dos artigos 47º e seguintes resulta insofismavelmente que a recorrente impugnou de forma clara, expressa, especificada e inequívoca a versão dos factos alegada pelo recorrido. Assim: os pontos 4, 12, 14 a 16 nunca deveriam ter sido admitidos por confissão.----- 2– Doutra banda, também, não deveriam ser dados como provados os factos 4, 7 e 11 a 16 da matéria dada como provada, visto que não foi produzida prova documental ou testemunhal sobre os mesmos.----- 3– Os quesitos 43 a 45, relativos ao pedido reconvencional deduzido pelo ora recorrente, deveriam ter sido dados com provados com fundamento na prova testemunhal e documental apresentada, que efetivamente não foi apreciada.----- 4– Existe uma clara oposição entre os factos dados como provados, nomeadamente os constantes nos pontos 17 e 18, e a decisão da absolvição do apelado, relativamente ao pedido reconvencional por si deduzido, oque gera a nulidade da douta sentença impugnada (art. 615º, nº, c) do C. P. Civil).-----5– Atenta a factualidade dada como provada, a decisão a proferir não podia ser outra que não a restituição da quantia de 90.760.000$00 (452 708,97 €) ao património comum do casal para efeitos de partilha, dando procedência (ainda que parcial) ao pedido reconvencional deduzido.

II–FUNDAMENTAÇÃO.

Os Factos.

1.– A. e R. contraíram entre si casamento em 10/7/1980, sem convenção antenupcial. (certidão) - 2.– Durante tal casamento nasceram CD (em 24/10/1981) e RD em 5/4/1989), ambos filhos do A. e da R. (certidões) - 3.– A partir do Verão de 1996 o A. e a R., embora vivessem na mesma casa, dormiam em quartos separados, não se falavam, não tomavam as refeições juntos e tinham vidas pessoais e sociais autónomas. (acordo) - 4.– Em 18/10/1997 a R. procedeu ao levantamento da quantia de 40.089,19 francos suíços, 101.279,99 dólares americanos e 2.000.000 de pesetas espanholas (sendo o seu contravalor global em euros de € 131.423,02), que se encontrava depositada numa conta bancária domiciliada em Badajoz, da contitularidade do A. e da R. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 5.– Em 6/2/1998 a R. transferiu de uma conta bancária aberta no Banco Espírito Santo (agência do Estoril) e titulada pela sociedade “Construções e Urbanizações Doroana, Ld.ª” (de que era sócia com o A.) a quantia de 12.000.000$00, para uma conta pessoal de que era contitular com o A., no mesmo banco. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 6.– Ato contínuo transferiu essa quantia, à qual acrescentou a quantia de 4.000.000$00 (com o contravalor em euros de € 19.951,92), existente nessa segunda conta, para uma outra conta da qual apenas ela era a titular. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 7.– Todos os valores depositados em contas bancárias tituladas pelo A, na constância do matrimónio com a R., tiveram origem na venda de bens pertencentes ao A. ao tempo da celebração do casamento, ou de bens que lhe advieram, depois do casamento, por falecimento de seu pai, MD. –
8.– Desde o nascimento da filha Cristiana e até 3/1/2001 a R. nunca auferiu quaisquer rendimentos. (acordo)
- 9.– Ao tempo da celebração do casamento com o A. a R. não possuía bens.
- 10.– E não recebeu quaisquer bens por morte, gratuitamente ou por qualquer outro título. - 11. - Os valores em moeda estrangeira depositados na conta bancária de Badajoz tinham origem em depósitos efetuados numa conta bancária domiciliada em Vigo, titulada pelos pais do A., MD e MS. –
12.– Após o falecimento de MD, o A., acompanhado da R. e de sua mãe, MS, que era co-titular das referidas contas bancárias, deslocaram-se a Vigo a fim de levantarem a totalidade daquelas importâncias depositadas. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 13.– E, já em Portugal, os herdeiros de MD (o A., a mãe do mesmo e as suas duas irmãs) dividiram entre si os valores em moeda estrangeira levantados em Vigo. - 14.– Posteriormente o A., novamente acompanhado da R., deslocou-se a Badajoz onde depositou numa agência bancária as importâncias que lhe couberam por força da referida divisão e mencionadas em 4. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 15.– A R. efetuou tais levantamentos sem dar qualquer conhecimento ao A. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 16.– A R. não devolveu ou prestou contas ao A. das quantias levantadas em Espanha ou das transferidas da conta da agência do Estoril do Banco Espírito Santo. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 17.– Em 6/3/1998 o A. levantou a quantia de 90.760.000$00 da conta bancária nº 111 20-051.845-7, do Barclays Bank.
- 18.– A conta bancária referida em 17., bem como a conta bancária nº 0047421-001-11, do Banco Internacional de Crédito, eram da contitularidade do A. e da R. - 19.– Em 2/4/1998 o A. e a R. outorgaram um documento que denominaram “Princípios de Acordo a celebrar quanto ao Divórcio e Partilhas de Bens (…) ”, aí ficando estipulado, para além do mais, que: “1. Os cônjuges signatários do presente Acordo decidem por esta via por termo ao casamento através de divórcio por mutuo consentimento bem como resolver definitivamente todas as questões relativas ao Poder Paternal, Casa de Morada de Família, Alimentos e divisão de bens. (…) C- Da partilha dos bens 4.1.- O Cônjuge marido obriga-se (…) a comprar uma casa, de que ficará proprietário (…), a escolher pela cônjuge mulher, que terá sobre ela o usufruto vitalício (…). 4.3.- Do recheio da atual casa de morada de família a cônjuge mulher retirará os bens pessoais (…). 5. A casa do Alentejo, sita no Vimieiro, ficará a pertencer exclusivamente ao cônjuge mulher. 6. A casa do Algarve, sita em Vilamoura, ficará a pertencer em exclusivo ao cônjuge Marido, tendo no entanto a cônjuge mulher o direito exclusivo ao usufruto vitalício nas mesmas condições da nova casa de morada de família referida no ponto 4.7.- Os carros atualmente utilizados pela cônjuge mulher marca BMW 320 Cabrio e Mercedes 280 Sl passarão de imediato para a titularidade exclusiva da cônjuge mulher. 8. A Casa de habitação dos pais do cônjuge mulher sita no Murtal, fica pertença do cônjuge marido, com usufruto vitalício e sucessivo para os pais do cônjuge mulher. 9. As quotas da sociedade Construções e Urbanizações Doroana Lda., atualmente pertença do cônjuge mulher e dos filhos menores passarão, de imediato, na totalidade para o cônjuge marido e pai. 10. Relativamente a todas as eventuais participações societárias em que o cônjuge mulher tenha de intervir para a respectiva cedência, obriga-se desde já a fazê-lo de forma gratuita ou em alternativa a outorgar procuração com poderes especiais que tal permita. 11. – Quaisquer bens móveis ou imóveis não mencionados no presente acordo para cuja transferência seja necessária a intervenção do cônjuge mulher, esta obriga-se desde já a fazê-lo diretamente ou através de procurador especial, livre de exigências de qualquer natureza. 12. Os outorgantes comprometem-se de imediato a colaborar na extinção de todas e quaisquer contas bancárias comuns, revertendo o atual saldo das mesmas para o cônjuge marido. 13. Como contrapartida ao presente acordo, o cônjuge marido compromete-se a entregar à mulher a quantia de 500.000.000$00 (…) nas seguintes condições: a- Com a assinatura e reconhecimento notarial do presente Acordo, a realizar no máximo até ao dia três de Abril de 1998, o outorgante marido entregará à mulher um cheque nominal visado de 250.000.000$00 (…), sendo simultaneamente celebrado a cessão da quota de que a mulher é titular na sociedade em causa. (…) c- O valor remanescente de 250.000.000$00 (…) será entregue pelo cônjuge marido no dia da segunda conferencia da ação de divórcio ao mandatário da cônjuge mulher, comprometendo-se este a entregá-lo à Cônjuge mulher apenas na data do transito em julgado da ação de divórcio. d- A cônjuge mulher declara por este meio que irá depositar parte das importâncias ora recebidas a favor dos seus dois filhos menores (…)”. (acordo e documento)– 20. – Simultaneamente à outorga desse documento, e como seu aditamento, a R. subscreveu um documento com o título “Declaração”, onde consta que “nesta data é entregue aos Sr. Dr. (…), na qualidade de mandatário do Sr. Eng. JD, o cheque (…) no valor de Esc. 250.000.000$00 (…) emitido por D. GBD, como garantia do bom cumprimento do acordo entre estes celebrado em 25 de Março de 1998, tendo por objeto o seu divórcio por mútuo consentimento, a regulação do poder paternal dos filhos menores, o destino da casa de morada de família e a partilha de bens, incluindo nesta a cedência das quotas dos filhos menores a pessoa a indicar pelo cônjuge marido. Este cheque é a contrapartida de um outro de igual montante, entregue nesta data a D. GBD, em cumprimento das cláusulas do mencionado acordo por parte do marido e na data da cessão da quota de que a mesma é titular na sociedade CONSTRUÇÕES E URBANIZAÇÕES DOROANA, LDA (…)”. (acordo e documento) - 21. – A R. emitiu e entregou ao mandatário do A. identificado nesse documento um cheque no montante de 250.000.000$00. (acordo) - 22. – Na mesma data o A. entregou à R. a quantia de 250.000.000$00. (acordo) - 23. – O A. entregou à R. as declarações de venda dos veículos BMW 320 Cabrio e Mercedes 280 SL, devidamente preenchidas e assinadas, tendo a R. procedido à respectiva venda. (acordo) - 24. – Pela venda referida em 23. a R. recebeu a quantia de € 99.759,58. (confissão decorrente do alegado no art.º 39º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 25. – A R. não efetuou qualquer depósito a favor dos seus filhos menores. - 26. – Na manhã seguinte a ter recebido os cheques relativos ao montante mencionado em 22. a R. depositou esse valor numa conta da agência da Praça de Alvalade do BCP titulada por uma empresa offshore de que era titular, entretanto constituída por um seu causídico. - 27. – Tal causídico da R. utilizou o montante referido em 22. na sua quase totalidade, transferindo-o por sucessivas tranches para contas de empresas offshore das quais era ele o titular ou o representante, bem como para contas de credores seus. (acordo) - 28. – Em consequência a R. apresentou queixa-crime contra o referido causídico pelo crime de burla qualificada, tendo o processo respectivo corrido os seus termos sob o nº 1470/99.3JDLSB, na extinta 3ª Vara Criminal de Lisboa, aí sendo o mesmo advogado condenado na pena de 5 anos e 2 meses de prisão efetiva, confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 6/12/2011, entretanto transitado em julgado. (certidão) - 29. – Apesar de se sentir enganada pelo seu causídico, a R. não lhe retirou a confiança, mantendo ainda essa pessoa por vários meses a patrocinar os seus assuntos. - 30. – Algum tempo após os factos referidos em 28. a R. intentou uma ação judicial contra o “Banco Comercial Português”, que correu termos nas extintas Varas Cíveis de Lisboa, e na qual veio a ter ganho de causa, tendo a referida instituição bancária sido condenada a entregar à R. as quantias e respectivos juros, movimentadas pelo causídico, recuperando assim a R. todo o dinheiro que o A. lhe havia entregue. (acordo) - 31. – As partes deram entrada em juízo da ação de divórcio por mútuo consentimento, com o nº 90/98, do 1º Juízo de Família e Menores do extinto Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais. (certidão) - 32. – O pedido de divórcio formulado no processo referido em 31. foi dado sem efeito por despacho de 4/11/1999, por haver decorrido um ano desde a data da realização da primeira conferência sem que os requerentes tenham junto os documentos necessários à realização da segunda conferência. (certidão) - 33. – Em 18/5/2000 o A. propôs ação de divórcio litigioso contra a R., que correu os seus termos sob o nº 264/2000 do 2º Juízo de Família e Menores do extinto Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais, sendo que a sentença que decretou o divórcio, com a consequente dissolução do casamento, transitou em julgado em 19/2/2001. (certidão) - 34. – Em 29/4/2002 a R. requereu inventário para partilha da totalidade dos bens comuns do dissolvido casal, processo que correu os seus termos sob o nº 264-A/2000 do 2º Juízo de Família e Menores do extinto Tribunal de Família e Menores e de Comarca de Cascais. (certidão) - 35. – No inventário referido em 34. o A., na sua qualidade de cabeça de casal, apresentou relação de bens onde incluiu a totalidade dos bens e valores que foram objeto do acordo referido em 19. (certidão) - 36. – No inventário referido em 34. foi proferido despacho onde foi decidido remeter as partes para os meios comuns, relativamente à verba 2 (crédito do A. sobre a R. no montante de € 1.246.994,75), à verba 3 (crédito do A. sobre a R. no montante de € 224.708,45) e à verba 4 (crédito do A. sobre a R. no montante de € 99.759,58) do passivo relacionado pelo A. (certidão) - 37. – No mapa de partilha do inventário referido em 34 ficou a constar que o valor total dos bens a partilhar ascendeu a € 1.319.762,70, sendo a meação de cada um dos ex-cônjuges no montante de € 659.881,35. (certidão) - 38. – Pela apresentação nº 33, de 24/4/1998, mostra-se inscrita a favor de MS a transmissão, por cessão da R., da quota de 10.000.000$00 da sociedade “Construções e Urbanizações Doroana, Ld.ª”, inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais com a matrícula nº 1489. (certidão) - 39. – Pela apresentação nº 05, de 22/9/1999, mostra-se inscrita a favor do A. a transmissão, por cessão de MS, da quota de 10.000.000$00 da sociedade “Construções e Urbanizações Doroana, Ld.ª” inscrita na Conservatória do Registo Comercial de Cascais com a matrícula nº 1489. (certidão) - 40. – A partir de 3/1/2001 a R. trabalhou como promotora de vendas na área da cosmética seletiva, auferindo mensalmente cerca de € 700,00. - 41. – A R. não diligenciou nem permitiu que as quotas da sociedade “Construções e Urbanizações Doroana, Ld.ª” na titularidade dos filhos do casal passassem, na totalidade, para a titularidade do A.

Não se provou:
 
O processo referido em 31 foi declarado extinto porque a R. não compareceu à segunda conferência, agendada para 29/6/1998; Desde o casamento com o A. e até ao nascimento da filha Cristiana a R. não auferiu quaisquer rendimentos; Os levantamentos de contas bancárias feitos pela R. destinaram-se a fazer face às despesas do lar; O A. contribuía para uma conta solidária do BES com a importância de aproximadamente 700.000$00, para que fossem pagas as despesas do agregado familiar; Durante um período de vários anos a R. assumiu todos os encargos com roupa, saúde, educação, alimentação e lazer dos filhos do casal; Desde o ano de 1998 as despesas com a manutenção dos imóveis sitos em Vilamoura e no Vimieiro sempre foram totalmente suportadas pela R.; No momento da separação de facto as partes dividiram entre si as viaturas que utilizavam, tendo duas das mesmas sido atribuídas à R. e as restantes ao Autor, e tendo a R., para o efeito, de assinar a documentação necessária para a transmissão de propriedade; A quantia referida em 17. foi utilizada exclusivamente pelo Autor; O A., para utilização própria, fez ainda levantamentos da conta bancária nº 0047421-001-11 e da conta bancária offshore a ela associada (conta nº 8002117-001-33) ambas do Banco Internacional de Crédito, no montante de 359.719.452$00; Na referida conta do Banco Internacional de Crédito o A. havia efetuado uma aplicação de 60.000.000$00, numa conta offshore, aberta nas Ilhas Caimão, para onde colocou parte dos fundos existentes na conta comum, tendo sido tal aplicação remunerada em 831.781 $00 em juros, de 3 meses; O pagamento da quantia definida no acordo mencionado em 19. representou uma contraprestação pela saída da R. enquanto sócia da sociedade “Construções e Urbanizações Doroana, Ld.ª”.

Quanto à 1ª Conclusão:

Diz a apelante GB que a peça contestória tem de ser analisada numa perspetiva integrada e, do teor dos artigos 47º e seguintes resulta insofismavelmente que a recorrente impugnou de forma clara, expressa, especificada e inequívoca a versão dos factos alegada pelo recorrido. Assim: os pontos 4, 12, 14 a 16 nunca deveriam ter sido admitidos por confissão.

Convoquemos antes de mais os pontos 4, 12, 14 a 16. Noticiam eles: - “...4. - Em 18/10/1997 a R. procedeu ao levantamento da quantia de 40.089,19 francos suíços, 101.279,99 dólares americanos e 2.000.000 de pesetas espanholas (sendo o seu contravalor global em euros de € 131.423,02), que se encontrava depositada numa conta bancária domiciliada em Badajoz, da contitularidade do A. e da R. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961)...”; “...12. - Após o falecimento de MD, o A., acompanhado da R. e de sua mãe, MS, que era co-titular das referidas contas bancárias, deslocaram-se a Vigo a fim de levantarem a totalidade daquelas importâncias depositadas. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961)...”; “...14. - Posteriormente o A., novamente acompanhado da R., deslocou-se a Badajoz onde depositou numa agência bancária as importâncias que lhe couberam por força da referida divisão e mencionadas em 4. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 15. - A R. efetuou tais levantamentos sem dar qualquer conhecimento ao A. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961) - 16. - A R. não devolveu ou prestou contas ao A. das quantias levantadas em Espanha ou das transferidas da conta da agência do Estoril do Banco Espírito Santo. (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961)...”.

Refere o Exmo. Senhor Juiz a quo para fundamentar o assentimento de tais factos, que eles resultaram de “... (confissão decorrente do alegado no art.º 47º da contestação – art.º 490º, nº 3, do Código de Processo Civil de 1961)...”.

O que diz então em tal alegação contestatória?

– “...47º...Desconhece a Ré os movimentos e levantamento nas contas bancárias pelo que se impugna, desde já, os factos articulados nos artºs 6º a 21º da Petição Inicial, bem como a documentação junta...”.

Salvo o devido respeito, dizer-se que se “...Desconhece...” e “...se impugna...”, de modo algum pode ser entendido com confissão. Certamente por lapso foi antevisto de modo diferente, porque se o fosse com o significado correto, seria materialidade controvertida, com absoluta necessidade de ser levada a julgamento. É este o ponto, e com esta perspetiva que atenderemos, porque procedente, a questão em apreciação.

Quanto à 2ª e 3ª Questões:

Diz ainda a recorrente que, por outro lado, também, não deveriam ser dados como provados os factos 4, 7 e 11 a 16 da matéria dada como provada, visto que não foi produzida prova documental ou testemunhal sobre os mesmos.

Mais:

Os quesitos 43 a 45, relativos ao pedido reconvencional deduzido pelo ora recorrente, deveriam ter sido dados com provados com fundamento na prova testemunhal e documental apresentada, que efetivamente não foi apreciada.

Diremos:

Percorrendo a douta fundamentação do Tribunal a quo no concernente ao suporte conviccional (fls. 657/652) de cada tópico de facto, deparamos que ela está estruturada, não com cada facto, de per se, mas com os depoimentos testemunhais e a documentação junta aos autos.

Salvo o muito e devido respeito, não concordamos com esta orientação.

O nº 2 do artigo 653º, do C. P. Civil, na redação anterior ao Decreto-Lei 39/95, de 15 de Fevereiro, dispunha que "...o acórdão declarará quais (os factos) o tribunal julga ou não provados e, quanto àqueles, especificará os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador;". Por outro lado.

Dispunha-se no nº2 do artigo 712º do C. P. Civil que "… Se alguma das respostas aos quesitos não contiver, como fundamentação, a menção pelo menos dos meios concretos de prova em que se haja fundado a convicção dos julgadores e a resposta for essencial para a decisão da causa, a Relação pode (...) mandar que o coletivo fundamente a resposta..."

Para que se cumprisse o disposto naqueles preceitos quanto à fundamentação do julgamento da matéria de facto, tornava-se necessário não só a indicação dos meios concretos da prova, como a indicação, relativamente a cada facto, daqueles que contribuíram para a formação da convicção do julgador e, ainda, quais os motivos que relevaram para a formação de tal convicção.

Foi esta a orientação seguida pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11 de Março de 1983, em cujo sumário se lê: "…Da conjugação dos artigos 653º, nº2 e 3, e 712º, nº3, do Código de Processo Civil, conclui-se que a fundamentação das respostas aos quesitos provados deve fazer-se por indicação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do juiz. O que compreende não só os meios concretos de prova, mas também as razões ou motivos por que eles relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador. Não satisfaz esta exigência a mera referência genérica aos meios de prova produzidos, sem referência concreta a cada um deles, de forma a garantir a identificação deles com a fonte de cada resposta…".

Por seu turno, Antunes Varela (Manual de Processo Civil, 2ª edição, pp. 653) ensinava que "…A motivação das respostas positivas aos quesitos exige, como suporte mínimo, a concretização do meio probatório gerador da convicção do julgador (o depoimento do autor ou do réu, o laudo de um dos peritos, o depoimento de certa testemunha, o trecho de determinada carta, etc.), como se depreende do disposto no nº3 do artigo 712º, que admite o retorno do processo, da Relação ao tribunal de 1ª estância, e a repetição eventual de certas diligências instrutórias, a fim de se identificarem os meios concretos de prova decisivos para a convicção dos julgadores…”.

Além do mínimo traduzido na menção especificada (relativamente a cada facto provado) dos meios de concretos de prova geradores da convicção do julgador, deve este ainda, para plena consecução do fim almejado pela lei, referir as razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova.

Resulta, assim, quer da orientação do citado acórdão desse Supremo Tribunal, quer dos ensinamentos antes transcritos, que deve constar da motivação do julgamento da matéria de facto, quais os meios concretos de prova que, relativamente a cada facto provado, contribuíram para a formação da convicção do julgador, bem como as "…razões da credibilidade ou da força decisiva reconhecida a esses meios de prova…".

E mesmo para quem, porventura, defenda uma interpretação menos rigorosa das disposições legais citadas e na redação considerada, não deixará de exigir-se que a consignação dos concretos meios de prova que formaram a convicção do julgador se reportem a cada facto ou, no mínimo, a cada grupo de factos interdependentes, sobre que depuseram e mostraram ter conhecimento e a explicitação dos motivos da relevância da prova documental e pericial.

É que a fundamentação exerce, por um lado, uma função endoprocessual de impor ao juiz um momento de verificação e controlo crítico da lógica de decisão, permitir às partes o recurso da decisão com perfeito conhecimento da situação e ainda colocar o tribunal de recurso em posição de exprimir, em termos mais seguros, um juízo concordante ou divergente e, por outro lado, uma função extraprocessual "...que procura, acima de tudo, tornar possível o controlo externo e geral sobre a fundamentação factual, lógica e jurídica da decisão – que procura, dir-se-á por outras palavras, garantir a "transparência" do processo e da decisão…" (Acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Março de 1994).

Toda a doutrina acabada de expor, em nosso entendimento, têm ainda pleno cabimento na normatividade atual.

Ora:
 
Vistos os autos de recurso, mormente os tópicos de facto questionados, ficamos absolutamente impedidos de conhecer o iter cognitivo do Emº. Julgador de 1ª instância que levou a dar como provado um determinado quesito e não outro. Se bem atentarmos, toda a fundamentação foi construída de um modo genérico, o que no fundo consubstancia tudo e nada.

Em suma: – Não conseguimos, por muito que nos esforcemos, com a fundamentação trazida, debater e conhecer ponto por ponto, aqueles pormenores que são trazidos pelas conclusões de recurso.

Não aceitamos os factos fixados (art. 662º do C. P. Civil).

O Direito.

Quanto à 4ª e 5ª Conclusões:

A procedência das razões invocadas na conclusão antecedente ----- que implicam um novo e fundamentador conhecimento do segmento de facto ----- prejudica o conhecimento e decisão das conclusões que neste tópico cumpre conhecer (art. 660º, nº2, do C. P. Civil), pelo que passaremos, de imediato, à decisão deste recurso.

III–CONCLUSÃO.

Em Consequência – Decidimos:

Julgar procedente a apelação de GB, anular a douta sentença de 2 de Março de 2016, e determinar ----- isto e apenas isto, nada mais: ----- 1)– que os pontos 4, 12, 14 a 16 do segmento de facto da douta sentença referida, por que controvertidos, sejam levados a audiência julgamento; 2)– que os factos 4, 7 e 11 a 16 da matéria dada como provada, bem como a matéria dos quesitos 43 a 45, relativos ao pedido reconvencional, constante dos factos não provados, seja fundamentado, ponto por ponto, facto a facto, de per se, e não utilizando a metodologia com referência às testemunhas.

Condenar em custas a parte vencida a final.



Lisboa, 03-05-2018



Rui da Ponte Gomes 
Luis Correia de Mendonça 
Maria Amélia Ameixoeira