Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
815/11.4TJLSB.L1-1
Relator: PEDRO BRIGHTON
Descritores: CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
ELEVADORES
PRESTAÇÕES PERIÓDICAS
PRESCRIÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
JUSTA CAUSA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 07/12/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: As prestações debitórias, quanto à maneira da sua realização temporal, podem classificar-se em “instantâneas” e “duradouras”.
II- São instantâneas as prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento ; são duradouras quando a prestação se protela no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação.
III- Dentro das obrigações duradouras, coloca a doutrina as “prestações de execução continuada” e as “prestações reiteradas, periódicas ou de trato sucessivo”. Nas primeiras, o cumprimento prolonga-se ininterruptamente. Nas segundas o cumprimento depende de actos que se verificam com determinados intervalos.
IV- O contrato de assistência técnica e de manutenção normal de elevadores instalados em prédio, é verdadeiro contrato de prestação de serviços, tratando-se de um contrato de execução continuada e a contrapartida (pagamentos semestrais à razão de certo valor por mês) constitui uma prestação duradoura, que se encontra intimamente ligada ao decurso do tempo e que se renova periodicamente. Cabem tais prestações na previsão do artº 310º al. g) do Código Civil, sendo de cinco anos o prazo de prescrição.
V- A par daquelas prestações podem existir outras, não periodicamente renováveis, tais como as decorrentes de reparações feitas nos elevadores, caindo estas na previsão do artº 317º al. b) do Código Civil (prescrição presuntiva de 2 anos).
VI- O direito de resolução é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento, razão porque precisa de se verificar um facto que crie este direito, isto é, um facto ou situação a que a lei liga, como consequência, a constituição, ou surgimento, desse direito potestativo.
VII- Não basta qualquer inadimplemento para fundar um direito de resolução, pelo que importa depois averiguar se o inadimplemento tem suficiente gravidade e importância para desencadear tal efeito.
( Da Responsabilidade do Relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA :

I – Relatório

1- A intentou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos, nos termos do Decreto-Lei nº 269/98, de 1 de Setembro, contra B (Condomínio do prédio ….) , com vista a obter deste o pagamento da quantia global de 14.264,84 €, acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento.
Para fundamentar a sua pretensão alega, em síntese, ter celebrado com o R., no exercício da sua actividade comercial, em 23/3/1999, um contrato de manutenção simples de três elevadores destinados a habitação e instalados na Rua …., nº 12, em Lisboa, com início em 1/10/1998 e duração de três anos, tácita e sucessivamente prorrogado por igual período, desde que não denunciado por qualquer dos contraentes, com noventa dias de antecedência do seu termo, através de carta registada com aviso de recepção, estando expressamente excluídas do contrato, designadamente, quaisquer reparações ou substituições de peças.
A A. procedeu a diversos trabalhos de reparação no elevador nº 3, no valor de 6.480 €, acrescido de IVA à taxa legal, tendo elaborado orçamento que foi adjudicado pelo R. à A., sendo aquela verba liquidada pelo R. da seguinte forma : 25% com a adjudicação e 75% através de 6 prestações mensais.
A A. emitiu diversas facturas, relativas aos serviços prestados ao R., no valor global de 10.829,07 €.
Acontece que o R. não liquidou as referidas facturas, tendo a A. cumprido atempadamente as suas obrigações contratuais.
Por razões de segurança, a A. desligou os três elevadores instalados no prédio do R., na sequência de uma infiltração ocorrida no dia 19/4/2007.
Por “fax” datado de 20/4/2007, o R. comunicou à A. que, a menos que um elevador fosse inspeccionado naquela data e colocado em funcionamento, o contrato seria denunciado pelo R., o que foi reforçado no próprio dia por novo “fax”, dando o contrato por resolvido a partir das 14 horas do dia 20/4/2007.
Em resposta, a A. informou o R. que não era possível colocar, de imediato, um dos elevadores em funcionamento, porquanto, na sequência da deslocação de um técnico ao local, se tinha verificado que os elevadores tinham diversos componentes em contacto com a água, tendo sido agendada para o dia 23/4/2007 uma nova avaliação ao estado dos elevadores, no sentido de avaliar as condições de segurança dos mesmos.
A A, informou ainda o R., na sequência da informação prestada por diversos condóminos, de que estariam a decorrer intervenções nos elevadores por pessoal estranho à A..
A A., em cumprimento da sua obrigação legal, informou a Câmara Municipal de Lisboa da ocorrência de uma inundação no prédio sito na Rua …., nº 12, em Lisboa, tendo a Câmara transmitido à A. que as instalações não poderiam ser colocadas em funcionamento sem inspecção prévia que verificasse as condições de segurança.
Em resposta à A. o R. rescindiu o contrato de manutenção, com efeitos a partir do dia 20/4/2007.
A A. havia-se obrigado, nos termos do contrato de prestação de serviços de manutenção dos autos, a enviar, uma vez por mês, um técnico especializado ao local das instalações, onde lhe deveria ser facultado livre acesso para inspeccionar e realizar os trabalhos necessários à segurança e continuidade do regular funcionamento dos elevadores.
A A. deslocou-se mensalmente, através dos seus técnicos, às instalações do R., tendo-o feito sempre com a mesma regularidade. Além disso, a A. estava contratualmente obrigada a atender, nos dias úteis, dentro das horas do período normal de trabalho, qualquer pedido de intervenção do R., motivado por paralisação ou funcionamento deficiente dos elevadores, nos termos da cláusula 1.3 do contrato, obrigação que a A. cumpriu.
As despesas com reparações e substituição de peças eram da responsabilidade do R., por não estarem incluídas no preço do contrato de manutenção, conforme cláusula 2.1 do contrato.
Cabia à A. avisar o R. de quaisquer reparações ou substituições necessárias à segurança e continuidade do regular funcionamento dos elevadores, e ao R. adjudicar e liquidar as mesmas.
Os elevadores são compostos por um conjunto de componentes e elementos mecânicos, eléctricos e electrónicos, cujo contacto com a água põe em causa o seu funcionamento, pelo que, em caso de inundação, impõe-se a imobilização dos elevadores, seguida de reparação e de inspecção pelas autoridades competentes.
A A. iniciou tal procedimento, apenas não tendo sido concluído porque o R. resolveu o contrato.
O R. manteve a sua decisão, impedindo a A. de prestar os serviços de manutenção e, consequentemente, deixado de ser responsável pelas instalações desde 20/4/2007.
2- O R. deduziu oposição, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Em sede de excepção, invocou a R., relativamente às facturas cujo pagamento é peticionado, a excepção de prescrição, ao abrigo do artigo 317º al. b) do Código Civil, alegando que, tendo o R. sido notificado em 4/4/2011, e datando as facturas de 2005 e 2006, já passaram mais de dois anos, desde o vencimento das prestações.
Ainda nesta sede, alegou o R. que a A., quando lhe comunicou por “fax”, em 20/4/2007, que existiam valores por liquidar, de imediato tratou de efectuar o pagamento dos montantes em falta, conforme comunicação enviada à A.
Logo, quando o A., posto o pagamento, lhe fez nova menção do mesmo valor em dívida (valor esse que já havia sido integralmente liquidado), o R. simplesmente assumiu como lapso da A..
Relativamente à resolução do contrato com justa causa, alega o R., no essencial, que a A. nada fez para reparar a situação resultante da infiltração ocorrida em 19/4/2007, para além de ter desligado todos os elevadores, limitando-se, depois, a enviar um “fax”, fazendo menção que se deslocaria ao local passado três dias para avaliar a situação existente.
Porém, nesse mesmo dia, em virtude da pronta resposta da nova empresa contratada para realizar o trabalho que a A. não quis fazer, a nova empresa retirou com bombas toda a água existente nos poços dos elevadores, tendo de seguida, os mesmos poços sido secos à mão. A referida empresa colocou termo-ventiladores e secadores industriais nos poços dos elevadores, por cima das cabines de forma a acelerar o processo de secagem, colocou uma equipa de homens a secar todos os componentes eléctricos, e desta forma, o condomínio teve, no sábado, os elevadores prontos a funcionar.
Na segunda-feira seguinte, a Câmara Municipal de Lisboa, a pedido da nova empresa, deslocou-se ao prédio para realizar a vistoria, proceder à desselagem dos elevadores, ficando os elevadores totalmente operacionais.
Mais refere que não foi apenas este comportamento da A. que levou à resolução do contrato, mas sim, as queixas diárias apresentadas à A. : Desde logo, a existência de um elevador permanentemente imobilizado ; fora este, que é como se não existisse, diariamente um dos outros avariava, ficando o condomínio somente com um elevador a funcionar (é de relembrar que o prédio é constituído por 14 andares). Devido a esta avaria diária, os condóminos tinham um receio generalizado de andar de elevador, preferindo, muitas vezes, descer e subir as escadas ao invés do risco de ficarem retidos no elevador.
Assim, em Assembleia-geral de Condóminos, deliberou-se pela resolução do contrato com a A..
Em sede de impugnação, o R. negou os factos constantes da petição inicial.
Conclui o R. pedindo a procedência da excepção de prescrição, com a consequente absolvição do pedido relativamente às facturas em causa, e a absolvição do pedido quanto à resolução do contrato, devendo a mesma ser considerada como justa.
3- O A. respondeu, pugnando pela improcedência das excepções deduzidas.
4- Procedeu-se ao julgamento com observância do legal formalismo.
5- Foi, então, proferida Sentença a julgar a acção procedente, constando da parte decisória da mesma :
“Nos presentes autos de acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, em que é A. …., e R. CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA RUA …., atentos os factos provados e o direito expendido, julgo improcedentes, por não provadas a excepção peremptória de prescrição da dívida e a excepção de resolução do contrato com justa causa, alegadas pelo R., e procedente, por provada, a presente acção.
Em consequência, condeno o R. a pagar à A.:
a) a quantia de € 11.961,54 de capital em dívida;
b) a quantia de € 2.142,20, correspondente a juros de mora vencidos até à data da propositura da presente acção, relativamente às facturas identificadas nos autos;
c) o valor dos juros de mora vincendos sobre o valor global de € 11.961,54, à taxa legal anual de juros de 4%, desde 06/04/2011, até efectivo e integral pagamento.
Custas pelo R.
Registe e notifique”.
6- Desta decisão interpôs a R. recurso de apelação, para tanto apresentando a sua alegação com as seguintes conclusões :
“1- Recorrente e recorrido celebraram um contrato de prestação de serviços, em 1 de Outubro de 1998.
2- Na sequência da assistência técnica prestada (serviços de manutenção e de reparação) a recorrida veio a emitir diversas facturas, sendo o valor global das mesmas €14.264,84.
3- Porém, veio o recorrente, porque pagou, alegar que as mesmas já se encontram de todo liquidadas, excepcionado a factura emitida após a resolução do contrato, assumindo o pagamento e o decurso do prazo para invocar o instituto da prescrição presuntiva (tanto no referente à aplicação do art. 310 al. g) como a aplicação do art. 317 al. b) ambos do CC), no referente às facturas peticionadas que datam dos anos de 2005 e 2006.
4- Em depoimento de parte o Sr. Administrador do Condomínio, veio afirmar de forma peremptória e clara que efectuou o pagamento, conforme havia sido acordado anteriormente com o recorrido, o pagamento foi efectuado após ter sido realizada a Assembleia Extraordinária que data 17 de Maio de 2007.
5- Porém em Audiência de Julgamento, quando confrontado com a forma de pagamento, o mesmo insistiu que só poderá ter sido por cheque ou transferência bancária, mas como já passaram tantos anos não conseguiu precisar.
6- Vigorando a inversão do ónus da prova, a prova do pagamento jamais poderia ser peticionada ao recorrente, conforme foi...
(6)- Nunca existiu qualquer confissão da dívida, extra-judicial ou em Juízo, nem foram celebrados quaisquer actos incompatíveis com a prescrição presuntiva.
7- Assim, se conclui, que deveria ter a Dra. Juiz de Direito aplicar o instituto pretendido, a prescrição presuntiva da dívida, agindo em conformidade com os normativos legais.
8- Ao não aplicar tal instituto, elabora uma decisão insegura, sem consciência e contra legem.
9- No referente à denuncia do contrato com justa causa, tendo o contrato sido denunciado, por falta da prestação de auxílio por parte da recorrida, tendo esta violado os conceitos e princípios como a boa-fé, confiança, pontualidade dentro do contratado, existem razões suficientes e justas que levem ao terminus do contrato.
10- A situação (recusa de auxílio e consequentemente em efectuar uma prestação) foi de tal forma grave, que esta omissão, só por si, implica o fim do contrato e as consequentes relações entre as partes.
11- Para espanto do recorrente (sabendo o recorrido das razões para a denúncia do contrato e da existência de justa causa para o mesmo), vem ainda emitir uma factura.
12- Factura essa, que se estende para além da existência de contrato.
13- Atendendo ao tipo de contrato e a classificação das prestações efectuadas (prestações duradouras ou de execução continuada), a recorrida uma vez que já não vigora o contrato, não poderá emitir facturas, por trabalhos que efectivamente não presta.
(13)- Atenta a natureza do contrato e a razão que levou à denúncia do mesmo, vem o recorrido, considerar que existe justa causa para por fim à relação que existe entre as partes, não se considerando que tenha de pagar os valores até final do prazo do contrato, por uma prestação que não se concretizou.
14- Tendo sido totalmente “abandonada”, negligenciada, é normal, que a confiança, princípio basilar de um contrato tenha sido em todo afectada.
15- Ao decidir em contrário, violou a douta sentença, mais uma vez a Lei e os demais princípios enquadrantes dos contratos.
16- A douta sentença do Tribunal a quo, é em todo e de todo, imprecisa, viciada, revelando uma incorrecta aplicação do direito à matéria de facto.
Termos em que, Venerandos Juízes Desembargadores, deve a Douta sentença do Tribunal a quo ser revogada e substituída por outra que reconheça a existência da prescrição e no referente ao contrato, que a denúncia realizada no mesmo seja considerada justa, com as demais consequências legais, como é da mais inteira Justiça”.
7- A A. apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões :
“1) No caso dos Autos estamos na presença de dois tipos de prescrição.
2) Uma, a prevista no artº 310º do Cód. Civil, em que a lei se basta com o decurso do prazo de 5 anos para considerar extinta a obrigação que lhe é subjacente.
3) Outra, a prevista no artº 317º do mesmo diploma, em que a lei já não se basta apenas com o decurso do prazo, antes sendo necessária que o beneficiário do prazo, invoque o pagamento.
4) Quanto à prescrição de cinco anos, prevista no artº 310º do Cód. Civil, a mesma aplica-se às facturas cujo pagamento se reclama e que têm relação com o contrato de manutenção celebrado entre as partes.
5) Por fax datado de 20 de Abril de 2007, o Recorrente, junto da Recorrida, reconheceu dever o valor titulado pelas facturas juntas aos Autos.
6) Reconhecimento que interrompe que a contagem do prazo prescricional.
7) Pelo que, as facturas referentes à manutenção e assistência não se encontram prescritas.
8) Não estando prescritas, deveria o Recorrente ter provado tê-las pago, o que manifestamente não fez, antes pelo contrário, provou-se não o ter feito.
9) Quanto às restantes facturas cujo pagamento se reclama nos presentes Autos, cuja características são enquadráveis no artº 317º do Cód. Civil, restaria ao Recorrente alegar, de forma clara e inequívoca ter pago as mesmas, o que claramente não fez.
10) Aliás, a conduta processual do Recorrente ao praticar actos em juízos incompatíveis com a presunção de cumprimento, levou a que, muito bem, se tenha considerado a divida como confessada.
11) Quanto à alegada justa causa para a rescisão contratual, estriba o Recorrente a sua decisão de rescindir o contrato, na gravidade e urgência em resolver a situação (da inundação dos poços dos elevadores) e na alegada falta de cooperação da Recorrida.
12) Isto após conceder, à Recorrida, um prazo de 40 minutos para dar inicio aos trabalhados necessários à resolução da inundação.
13) Não se vê como poderia a Recorrida fazê-lo, quando, nos termos contratualmente fixados, a remoção da água e a realização das obras necessárias para que, em segurança, a Recorrida pudesse colocar em funcionamento os elevadores, competia, pasme-se, ao próprio Recorrente.
14) A Recorrida, tendo cumprido rigorosamente com as suas obrigações contratuais, não incorreu em qualquer violação contratual que justifique a rescisão com justa causa.
15) Como tal, bem andou a douta Sentença ao não reconhecer justa causa para a rescisão contratual e, nessa medida, condenar a Recorrente no pagamento da quantia de € 1.132,47.
Nestes termos, nos mais de direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas. deve ser negado provimento ao Recurso e, nessa medida, mantida a douta Sentença recorrida nos seus exactos termos, assim se fazendo Justiça”.
* * *
II – Fundamentação
a) A matéria de facto provada é a seguinte :
1- A A. é uma sociedade comercial que se dedica, nomeadamente, ao fabrico, instalação, assistência e manutenção de elevadores.
2- No exercício da sua actividade, a A. celebrou com o R., em 23/3/1999, um “Contrato de Manutenção – Normal Elevadores”, relativo a três elevadores destinados a habitação e instalados na Rua …., nº 12, em Lisboa, nos termos e condições constantes do referido contrato, junto aos autos a fls. 19 e 20, e que aqui se dá por reproduzido.
3- O referido contrato, com início em 1/10/1998, tinha a duração de três anos, sendo tácita e sucessivamente prorrogado por igual período, desde que não denunciado por qualquer dos contraentes com 90 dias de antecedência do seu termo, através de carta registada com aviso de recepção, conforme Cláusula 4.1. do mesmo.
4- Nos termos da Cláusula 2.1. do referido contrato, no preço do mesmo não está incluído o custo de quaisquer reparações ou substituições de peças.
5- Na sequência de uma deslocação à instalação do R., a A. constatou a necessidade de proceder a diversos trabalhos de reparação no elevador nº 3 :
-substituição dos contactores por novos contactores e respectivos blocos auxiliares ;
-fornecimento e substituição de novas fotos interruptoras em substituição das que se encontram danificadas ;
-fornecimento e instalação de cabo de aço tipo normal, composição 6x19x1, enrolamento preformado, torção cruzado e direita, superfície negro, carga de rotura 1.670 Kg F, para limitador de velocidades ;
-fornecimento e instalação de nova roda tensora com contacto eléctrico regulamentar para o cabo limitador ;
-fornecimento e instalação de novo interruptor de STOP no poço do ascensor em substituição do danificado ;
-fornecimento e instalação de porta Th...krupp modelo Selcom de abertura lateral, porta revestida em aço inox ;
-fornecimento e instalação de sensores para controlo de carga no interior da cabine, com informações de carga completa, excesso de carga os sensores são instalados nos cabos de aço de suspensão ;
-fornecimento e instalação de nova botoneira de revisão em substituição da danificada ;
-fornecimento e pintura da cobertura da cabine em cor preta de forma a eliminar as zonas de corrosão ;
-reparação das fechaduras.
Estes trabalhos foram orçamentados em 6.480 €, acrescidos de IVA à taxa legal, conforme “Orçamento Nº 04Y1060009”, datado de 9/11/2004, junto a fls. 21 a 23 dos autos e que aqui se dá por reproduzido.
6- O referido orçamento foi adjudicado pelo R. à A., conforme carta datada de 18/4/2005, da qual consta :
“Serve o presente para adjudicar o Vosso orçamento nº 04Y1060009, no montante de Euros 6480,00 acrescido de IVA, com o pagamento faseado conforme acordado via telefone : 25% à partida – Euros 1928 e 6 cheques de Euros : 964,00.
Pelo que junto anexamos o nosso cheque nº ... S/ BCP no montante de Euros: 1928,00 para o orçamento em epígrafe”
7- Em conformidade com o dito orçamento proposto pela A. e aceite pelo R., foram os trabalhos realizados pela A..
8- A A. forneceu ao R. diversos serviços discriminados nas seguintes facturas :
a) Factura nº 5182030, de 1/7/2005, no valor de 2.118,54 €, de que foram amortizados 700 €, mantendo-se por pagar 1.418,54 €, correspondente a serviços de assistência e manutenção nos elevadores do R., no período de 1/7/2005 a 31/12/2005.
b) Factura nº 5204969, de 1/1/2006, no valor de 2.167,40 €, correspondente a serviços de assistência e manutenção nos elevadores do R., no período de 1/1/2006 a 30/6/2006.
c) Factura nº 602235, de 30/1/2006, no valor de 43,38 €, dos quais foram amortizados 32,05 €, mantendo-se por pagar 11,33 €, correspondente a serviços prestados em 9/1/2006, de substituição do botão do 12º piso, na botoneira de cabine do elevador nº 2.
d) Factura nº 602244, de 30/1/2006, no valor de 74,85 €, correspondente a serviços de marcação dos cabos de suspensão dos elevadores, prestados em 16/1/2006.
e) Factura nº 602354, de 23/2/2006, no valor de 980,10 €, correspondente à 5ª prestação devida pela execução dos trabalhos constantes do orçamento 04Y1060009.
f) Factura nº 602355, de 23/2/2006, no valor de 980,10 €, correspondente à 6ª prestação devida pela execução dos trabalhos constantes do orçamento 04Y1060009.
g) Factura nº 602743, de 27/4/2006, no valor de 114,34 €, correspondente a serviços de substituição da fechadura do r/c, prestados em 16/4/2006.
h) Factura nº 5229180, de 1/7/2006, no valor de 2.167,40 €, correspondente a serviços de assistência e manutenção nos elevadores do R., no período de 1/7/2006 a 31/12/2006.
i) Factura nº 603385, de 23/8/2006, no valor de 582,62 €, correspondente a serviços de reparação do motor de portas do ascensor nº 1, conforme proposta nº 6.2006.00915, prestados em 7/8/2006.
j) Factura nº 603976, de 27/12/2006, no valor de 48,10 €, correspondente a serviços de reparação do peso da porta do r/c do ascensor nº 2, conforme carta proposta nº 6.2006.01131, prestados em 13/12/2006.
k) Factura nº 603994, de 27/12/2006, no valor de 19,46 €, correspondente a serviços de duas lâmpadas fluorescentes e dois arrancadores, prestados em 16/1/2006.
l) Factura nº 5254869, de 1/1/2007, no valor de 2.264,83 €, correspondente a serviços de assistência e manutenção nos elevadores do R., no período de 1/7/2007 a 30/6/2007.
9- O pagamento das facturas era devido na data da sua emissão.
10- O R. não liquidou ao A. as referidas facturas.
11- Na sequência de uma infiltração ocorrida no dia 19/4/2007 no prédio do Condomínio R., a A. desligou, por razões de segurança, os três elevadores instalados no prédio.
12- Em 20/4/2007, pelas 11 horas e 19 minutos, o R. enviou à A. o “fax” junto aos autos a fls. 37 e que se dá por reproduzido, do qual consta, nomeadamente :
“(…) Estamos certos que é possível que pelo menos um elevador seja inspeccionado e colocado a funcionar hoje de forma a remediar a situação e até que seja reposta a normalidade.
Assim, e tendo em conta a gravidade e a urgência na resolução deste problema vem a Administração do condomínio exigir que seja desde já iniciado o processo com prazo até ao meio-dia de hoje, dia 20 de Abril de 2007.
Se a nossa exigência não for satisfeita, a administração denuncia desde este momento o contrato de manutenção dos elevadores com a Th... e recorrerá aos serviços doutra empresa”.
13- No dia 20/4/2007, pelas 12 horas e 16 minutos, a A. enviou ao R. o “fax” junto aos autos a fls. 39 a 42, também enviado na mesma data por carta registada com aviso de recepção, “C/C Todos os Condóminos”, do qual consta :
“Na sequência do vosso fax recepcionado na presente data, no qual nos exigem a ligação imediata de pelo menos um elevador caso contrário rescindem o contrato em vigor, informamos que não nos é possível satisfazer essa exigência.
Presentemente os elevadores encontram-se com diversos componentes em contacto com a água em virtude da infiltração ocorrida, de acordo com a análise feita pelo supervisor técnico da zona Sr. R.C. que já hoje esteve no local a avaliar a situação.
No entanto, de acordo com o compromisso inicial na próxima 2ª feira será feita uma nova visita à instalação para verificar o estado dos elevadores e caso estejam reunidas as condições mínimas de segurança colocará algum dos equipamentos em funcionamento.
Compreendemos os transtornos que esta situação está a causar aos condóminos, no entanto trata-se de zelar pela sua segurança e neste momento colocar os elevadores em funcionamento seria uma total irresponsabilidade.
Aproveitamos também para informar V. Exas que, na presente data, se encontra em débito a quantia de 10.829,05 €”.
14- Em 20/4/2007, pelas 13 horas e 5 minutos, o R. enviou à A. o “fax” junto aos autos a fls. 39 e que se dá por reproduzido, do qual consta :
“Agradeço a resposta por escrito ao fax enviado esta manhã.
A partir das 14 h do dia de hoje considerem o contrato de manutenção dos elevadores do prédio sito na Rua … nº 12 rescindido unilateralmente com fundamento na incapacidade de V. Exas de resolverem o problema em tempo útil, privando um prédio de 12 andares dos seus elevadores”.
15- No dia 20/4/2007, pelas 16 horas e 23 minutos, a A. enviou à Câmara Municipal de Lisboa, Direcção Municipal de Projectos e Obras, o “fax” junto aos autos a fls. 46 e 47 e que aqui se dá por reproduzido, solicitando a intervenção urgente por parte da CML para a selagem dos elevadores, de forma a evitar acidentes.
16- No dia 20/4/2007, pelas 16 horas e 35 minutos, a A. enviou ao R. o “fax” junto aos autos a fls. 43 e 44 e que aqui se dá por reproduzido, do qual consta :
Somos a informar de que fomos informados por diversos condóminos de edifício de que se encontra a decorrer intervenções nos ascensores instalados na morada supra, por pessoal estranho à T….
Informamos mais uma vez que os ascensores foram gravemente afectados, não devendo nem podendo os mesmos serem ligados pois ainda se encontram com bastante água no interior da instalação.
Sendo a T… totalmente alheia à colocação dos ascensores em funcionamento, já demos conhecimento às entidades competentes, para que tomem as diligências necessárias à imobilização oficial dos mesmos.
Visto V.Exas estarem também a proceder à rescisão do contrato sem justa causa deverá o valor do contrato ser liquidado até ao fim, tal como todo o valor em dívida, ascendendo a um total de 11.961,48 €, IVA incluído este valor deverá ser liquidado o mais tardar até ao dia 23 de Abril de 2007, caso não se verifique tal liquidação o processo será encaminhado para o nosso departamento de contencioso”.
17- Por fax de 20/4/2007 junto aos autos a fls. 48 e que aqui se dá por reproduzido, a Direcção Municipal de Projectos e Obras da Câmara Municipal de Lisboa comunicou à A. que iria proceder à “Selagem de Ascensor – HOJE pelas 18H30 horas”. Do mesmo fax consta ainda : “(…) Assim, deverão V. Exas requerer a inspecção dos ascensores após conclusão dos trabalhos de reparação”.
18- No dia 20/4/2007, pelas 17 horas e 2 minutos, o R. enviou à A. o “fax” junto aos autos a fls. 49 e que aqui se dá por reproduzido, do qual consta, designadamente :
“(…)
Concluímos assim que estamos perante uma situação em que a falta de recursos humanos por parte da Th..., impede a solução em tempo útil, facto que é para o condomínio inconcebível, e coloca em causa o próprio contrato de manutenção.
Em relação à dívida do condomínio para com V. Exas, a Administração recentemente eleita irá convocar uma reunião para o próximo mês, e dará prioridade ao pagamento da mesma.
Serve ainda o presente fax para denunciar o contrato nº 1553, rescindindo-o com efeito a partir do dia de hoje, dia 20/04/2007, com o fundamento que referi em epígrafe. Ficando assim sem efeito a vossa intervenção na próxima segunda-feira. Mais informamos que as intervenções que decorrem nos elevadores são da responsabilidade de uma empresa devidamente certificada.
19- No âmbito do contrato de prestação de serviços de manutenção nos elevadores do R., a A. deslocou-se mensalmente, através dos seus técnicos, às instalações do R..
20- No âmbito do mesmo contrato, a A., respondeu aos pedidos de intervenção feitos pelo R., motivados por paralisação ou funcionamento deficiente dos elevadores.
21- O valor da prestação mensal por elevador, à data da rescisão, era de 125,83 €.
22- Com data de 23/4/2009, a A. dirigiu ao R. uma carta junta aos autos a fls. 52 e 53 e que aqui se dá por reproduzida, na qual consta :
“(...)
Vimos pela presente, relativamente ao assunto em epígrafe, relembrar V. Exa que se encontra em falta o pagamento de 11.952,13 €, conforme extracto em anexo.
Nestes termos, ficaremos a aguardar até ao próximo dia 5 de Maio de 2009, pela efectivação do pagamento do valor em dívida, data a partir da qual, caso o aludido pagamento não venha a ser efectuado, iremos proceder ao envio deste processo para o nosso mandatário constituído, a fim de que o mesmo recorra às competentes vias judiciais”.
23- Com data de 30/4/2009, a A, enviou ao R. a carta junta aos autos a fls. 50 e 51 e que aqui se dá por reproduzida, da qual consta, designadamente :
“(…) a entidade que não cumpriu com o estabelecido contratualmente, foi o condomínio que tem uma dívida já vencida de 10.829,07 €, IVA incluído, e mais o valor correspondente até final do contrato que é de 1.132,41 €, IVA incluído.
Pelo descrito anteriormente e visto terem ultrapassado o prazo para a liquidação da dívida, somos a confirmar o envio do processo para o nosso departamento de contencioso.
Sem outro assunto de momento, ficamos ao vosso inteiro dispor para a prestação de mais esclarecimentos que julguem necessários, através do telefone 218491136.
24- Aquando da ocorrência da inundação nas instalações do R. em 19/4/2007, o técnico da A. deslocou-se por duas vezes às instalações do R. para verificação dos elevadores, tendo constatado que os mesmos apresentavam humidade.
25- A A. apresentou ao R., em 2005, o Orçamento nº 05Y1060186, referente a trabalhos de reparação a efectuar nos elevadores nºs. 1 e 2, junto aos autos a fls. 99 e 100 e que aqui se dá por inteiramente reproduzido.
26- O Orçamento nº 05Y1060186 não foi adjudicado pelo R. à A..
b) Como resulta do disposto nos artºs. 684º nº 3 e 685º-A nº 1 do Código de Processo Civil, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as conclusões da alegação da recorrente servem para colocar as questões que devem ser conhecidas no recurso e assim delimitam o seu âmbito.
Perante as conclusões da alegação do recorrente as questões em recurso são :
-Saber se, relativamente aos créditos reclamados, se verifica a prescrição, seja a presuntiva, seja a “verdadeira”.
-Saber se ocorreu, por parte da recorrente, a denúncia do contrato com justa causa.
c) Vejamos, então, se os créditos peticionados se encontram prescritos.
O contrato de que derivam as prestações em causa é de qualificar como de “prestação de serviços”.
A lei define-o, no artº 1154º do Código Civil, como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.
Nos termos acordados, a apelada, que se dedica ao fabrico, instalação, assistência e manutenção de elevadores, obrigou-se para com a apelante a prestar-lhe assistência técnica e manutenção de três elevadores. Estamos, pois, perante um verdadeiro contrato de prestação de serviços, tal como a lei o define.
O prazo acordado de vigência do referido contrato, foi de 1/10/1998 a 1/10/2001, renovável automaticamente por iguais períodos, devendo a apelante durante esse período proceder periodicamente à manutenção e lubrificação dos elevadores, realizando os trabalhos necessários ao seu funcionamento.
Mais acordaram que o preço a suportar pelo cliente (apelante) seria de 42.978$00 (moeda corrente à data da celebração do contrato) mensais, a efectuar semestralmente, podendo esse valor ser actualizado anualmente. No preço do contrato não foi incluído o custo de quaisquer reparações ou substituições de peças.
As obrigações que do contrato derivam para os seus outorgantes, denominam-se de “prestação”, consistindo esta, em geral, na acção ou actividade que cada um dos obrigados deverá desenvolver, para se liberar, perante o credor. O devedor cumpre a obrigação (artº 762º do Código Civil) quando realiza a prestação a que está obrigado.
Quanto à maneira da sua realização temporal, as prestações debitórias, podem classificar-se em “instantâneas” e “duradouras”.
“Dizem-se instantâneas as prestações em que o comportamento exigível do devedor se esgota num só momento (quae unico actu perficiuntur)” (cf. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5ª ed., pg. 85). Nas relações “duradouras”, a prestação protela-se no tempo, tendo a duração temporal da relação creditória uma influência decisiva na conformação global da prestação. Dentro das obrigações duradouras, coloca o doutrina as “prestações de execução continuada” e as “prestações reiteradas, periódicas ou de trato sucessivo”. Nas primeiras, o cumprimento prolonga-se ininterruptamente, como ocorre com o locador, fornecedor de água, luz e gás. Nas segundas o cumprimento depende de actos que “se verificam com determinados intervalos” (cf. Menezes Cordeiro in “Direito das Obrigações”, Vol. I, pg. 357). É disso exemplo a obrigação do locatário.
Como ensina Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 5ª ed., pg. 88), “não se confundem com as obrigações duradouras, as obrigações fraccionadas ou repartidas. Dizem-se fraccionadas ou repartidas, as obrigações cujo cumprimento se protela no tempo, através de sucessivas prestações instantâneas, mas em que o objecto da prestação está previamente fixado, sem dependência da duração da relação contratual (como no caso do pagamento de preço a prestações). (…) Nas obrigações duradouras, a prestação devida depende do factor tempo (...) nas prestações fraccionadas, o tempo não influi na determinação do seu objecto, apenas se relacionando com o modo de execução”.
A qualificação referida, tem assinalável importância. Assim, no que respeita por exemplo aos efeitos da resolução do contrato, quando este é de “execução continuada ou periódica”, a resolução não abrange, em princípio, as prestações já efectuadas, operando somente quanto às futuras, contrariamente ao que acontece com as “prestações fraccionadas” (ver “Direito das Obrigações”, Mário Júlio Almeida Costa, pg. 466 e “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, Antunes Varela, pgs. 88 e 89). Isto acontece “porque as prestações continuadas ou periódicas se encontram idealmente ligadas ou adstritas às diversas fracções de tempo em que é possível dividir a sua duração, gozando assim as prestações já efectuadas e as que devem ser realizadas no futuro de certa independência entre si” (cf. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, pg. 88).
A diferença também ressalta no caso de incumprimento de uma das prestações, pois que sendo estas fraccionadas, isso pode implicar o vencimento imediato das restantes, o que não acontece nas prestações duradouras ou periódicas.
Tendo-se presentes os princípios enunciados e as cláusulas constantes do contrato em causa, haverá que concluir que o mesmo é de execução continuada. Com efeito, a apelada obrigou-se durante o período inicialmente previsto, renovável automaticamente, a proceder periodicamente à manutenção e lubrificação dos elevadores, realizando os trabalhos necessários ao seu funcionamento. A apelante, por seu turno, obrigou-se (entre outras coisas) a fazer pagamentos semestrais.
Trata-se, pois, de uma prestação duradoura, que se encontra intimamente ligada ao decurso do tempo e que se renova periodicamente.
d) E no que toca ao prazo de prescrição de tais prestações ?
O decurso de um dado período de tempo, conjugado com outros elementos, pode dar lugar à aquisição ou à extinção de uma determinada situação subjectiva.
Na segunda hipótese estamos na presença da prescrição extintiva ou da caducidade. Para o caso em apreço não releva esta última figura, pelo que há apenas que analisar a prescrição.
O Código Civil não dá uma definição de prescrição. No entanto, estipula o artº 298º nº 1 do Código Civil que estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição. E acrescenta o artº 304º nº 1 do Código Civil, que, completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo ao exercício do direito prescrito.
“Podem, portanto, convocar-se, três ideias essenciais : a) uma ideia de paralisação dos direitos de outrem ; b) pelo não exercício por este do direito de que é titular ; c) pelo decurso de um certo lapso de tempo” (cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 15/12/2011, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
O fundamento da prescrição continua objecto de controvérsia mas, para a maioria dos autores, aquele fundamento é feito radicar na exigência de certeza das relações jurídicas e na necessidade de paralisar o exercício de direitos após um período, maior ou menor de inércia do seu titular, adequado a justificar que na comunidade se forme a convicção da sua inexistência.
O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido. Se, porém, o beneficiário da prescrição só estiver obrigado a cumprir decorrido certo tempo sobre a interpelação, só findo esse tempo se inicia o prazo da prescrição (artº 306º nº 1 do Código Civil).
A prescrição pressupõe, pois, a inércia do titular do direito. Não existe, por conseguinte, inércia, enquanto não for juridicamente possível exercer esse direito.
O prazo ordinário da prescrição, que vale para qualquer situação para a qual a lei não preveja prazo diferente, é de vinte anos (artº 309º do Código Civil).
O Código Civil prevê prazos mais curtos, designadamente de cinco anos, para o exercício de certos direitos, por exemplo em relação às prestações periodicamente renováveis (ver artº 310º al. g) do Código Civil).
Se a inércia é o pressuposto da prescrição, esta não opera quando sobrevenha uma causa que, tornando impossível, ou extremamente difícil o exercício do direito justifique a inércia, e quando a inércia cesse enquanto o direito é exercido ou reconhecido pela contraparte. Estamos, então, em presença dos institutos da suspensão ou interrupção da prescrição (artºs. 318º e ss e 323º e ss do Código Civil). A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, sendo equiparado à citação ou notificação qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra o direito pode ser exercido.
Cabem, pois, as prestações em causa (as respeitantes ao contrato de prestação de serviços e que constam das facturas nºs. 5182030, 5204969, 5229180 e 5254869) na previsão do artº 310º al. g) do Código Civil (“prestações periodicamente renováveis”), pelo que o prazo de prescrição (extintiva) é de cinco anos.
e) Ocorre que, a par dessas prestações, há no caso presente outras, que não se podem qualificar como de “periodicamente renováveis”.
São elas as relativas a reparações feitas nos elevadores, para além da assistência periódica, e que deveriam ser objecto de pagamento autónomo.
Com efeito, como refere Vaz Serra (in “Objecto da Obrigação, A prestação, Suas Espécies, Separata do B.M.J. nº 84, nota 65), constitui “exemplo de obrigação reiterada, mas não periódica, a de fazer reparações em certo móvel ou imóvel, à medida que se tornem precisas”.
Com estas têm a ver as facturas nºs. 602235, 602244, 602354, 602355, 602743, 603385, 603976 e 603994.
Tais prestações são susceptíveis de cair na previsão do artº 317º al. b) do Código Civil, que fixa uma prescrição presuntiva de dois anos.
Com efeito, trata-se de fornecimentos de mercadorias, feitos por quem exerce a indústria (aqui entendida em termos amplos), a quem não é comerciante nem tendo como destino o exercício industrial do devedor.
As prescrições presuntivas fundam-se na presunção do cumprimento (artº 312º do Código Civil). Trata-se de presunção ilidível, ainda que em termos apertados. Assim, nos termos do disposto no artº 313º do Código Civil, a presunção só pode ser ilidida por confissão do devedor originário ou daquele a quem a dívida tiver sido transmitida por sucessão. A confissão extrajudicial só releva quando for realizada por escrito. Considera-se confessada a dívida (cf. artº 314º do Código Civil), se o devedor se recusar a depor ou a prestar juramento no tribunal, ou a praticar em juízo actos incompatíveis com a presunção de cumprimento.
Esses actos incompatíveis com a presunção de cumprimento, praticados em juízo, podem traduzir-se em omissões, em silêncio. Por exemplo, na não impugnação de factos, sendo aplicável a consequência da admissão por acordo prevista no artº 490º do Código de Processo Civil ; mas também podem revelar-se por acção, no sentido de consistirem em declarações das quais se possam deduzir o reconhecimento tácito do não pagamento (neste sentido cf. Acórdão do S.T.J. de 22/1/2009, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
f) Mas, atendendo à natureza da pessoa que constitui o recorrente (um Condomínio), poderá ele beneficiar de tal prazo de dois anos ?
O objectivo da lei ao estabelecer as prescrições presuntivas é tão só o de estabelecer um necessário equilíbrio na repartição do ónus de prova, não tendo em vista alcançar um qualquer propósito discricionário de fazer pender o fiel da balança para um dos lados da relação jurídica controvertida, mas antes, determinar que aquilo que seja regra na vida real seja também tido por regra (e não excepção) no âmbito da realização do direito, assim obstando a que a aplicação da regra geral sobre o ónus da prova (artº 342º nºs. 1 e 2 do Código Civil) fizesse impender sobre o devedor o ónus de provar o cumprimento de obrigação que as regras da normalidade do comércio jurídico têm por efectuado (e de acordo com as quais se reconhece ser difícil ao devedor a sua demonstração, quer porque não é normal a exigência e emissão de recibo de quitação, quer porque não é normal que, emitido um tal recibo, ele seja conservado durante muito tempo) – neste sentido cf. Acórdão da Relação do Porto de 23/2/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt.
A razão de ser das prescrições presuntivas encontra-se, assim, na protecção do devedor contra o risco de satisfazer duas vezes dívidas de que não é usual exigir recibo ou guardá-lo durante muito tempo.
Tutelam-se, assim, os interesses do consumidor comum, relativamente àquelas obrigações nascidas de relações da vida quotidiana de cujo pagamento (que costuma ocorrer sem demora) não é usual guardar ou sequer exigir quitação.
O sujeito beneficiário da presunção de cumprimento é o consumidor comum que, em regra, não possui contabilidade organizada e não tem a preocupação de solicitar e/ou guardar, por muito tempo, o recibo comprovativo do pagamento
Este fundamento das prescrições presuntivas permite compreender e justificar os estritos limites em que a lei faculta ao credor contrariá-las (artº 313º do Código Civil), porque visam conferir protecção ao devedor que, pagando, não guardou quitação ou desta nem sequer se muniu, não poderia admitir-se que o credor contrariasse a presunção com quaisquer meios de prova, exigindo-se por isso que tal prova do não cumprimento provenha do devedor.
Ora, o apelante é um condomínio, dotado de personalidade judiciária relativamente às acções que se inserem no âmbito dos poderes do administrador (artº 6º al. e) do Código de Processo Civil).
A propriedade horizontal traduz-se, de acordo com o disposto nos artºs. 1420º e 1421º do Código Civil, na coexistência dum direito real de propriedade singular, que tem por objecto fracção autónoma de edifício, com um direito de compropriedade que tem por objecto as partes comuns mencionadas no artº 1421º do Código Civil.
O condomínio “é a figura definidora da situação em que uma coisa materialmente indivisa ou com estrutura unitária pertence a vários titulares, mas tendo cada um deles direitos privativos ou exclusivos de natureza dominial – daí a expressão condomínio – sobre fracções determinadas” (cf. Pires de Lima e Antunes Varela in “Código Civil Anotado, Vol. III, 2ª edição revista e actualizada, pg. 398).
A administração das partes comuns do edifício (e os elevadores presumem-se comuns de acordo com o artº 1421º nº 2 do Código Civil) compete à assembleia de condóminos e a um administrador (artº 1430º nº 1 do Código Civil).
Não podendo confundir-se o condomínio com o administrador (são entidades distintas), importa realçar que o administrador é um órgão administrativo daquele, cumprindo-lhe, além do mais, nos termos do artº 1436º als. d), j) e m) do Código Civil, efectuar as despesas comuns (pagar os débitos relativos às coisas comuns), prestar contas à assembleia de condóminos e guardar e manter todos os documentos que digam respeito ao condomínio.
Deste modo, a entidade que é titular passiva da obrigação judicialmente exigida nos presentes autos (o Condomínio recorrente e não cada um dos condóminos), tem o dever de exigir e guardar os documentos pertinentes aos pagamentos das suas dívidas.
É certo que, tratando-se de uma despesa comum (relativa à conservação e manutenção duma parte comum), ela será suportada por todos os condóminos, na proporção das suas quotas (cf. artº 1424º do Código Civil). Porém, o credor não pode exigir o pagamento de cada um dos condóminos (ou sequer da pessoa do administrador), já que responsável e titular passivo da relação jurídica é a entidade jurídica que o Condomínio constitui.
Resultando das normas que regulam o Condomínio a obrigatoriedade de conservação e guarda dos documentos que, com facilidade, o habilitam a comprovar o eventual pagamento dos serviços que lhe foram prestados, repugna ao direito e ao sentido de justiça enquadrar juridicamente no âmbito do regime da prescrição presuntiva estabelecida no artº 317º al. b) do Código Civil os créditos de que tal entidade seja titular passiva relativamente a serviços que lhe sejam prestados por terceiros fornecedores (comerciantes ou pessoas e entidades que exerçam profissionalmente uma indústria).
Considerando o pensamento normativo subjacente ao estabelecimento das prescrições presuntivas, deve ter-se por arredada a aplicação dos normativos que as prevêem nas situações em que não estão presentes os fundamentos daquelas, seja porque não é usual pagamento imediato (ou em prazo curto), seja porque não é usual o pagamento sem quitação e é regra a conservação e guarda do recibo comprovativo do pagamento (quando, pelas mais variadas razões, o devedor ao cumprir tem o cuidado de se munir, conservando-o, o recibo de quitação).
Justifica-se, assim, que se considere não ser aplicável o regime da prescrição presuntiva quando esteja subjacente ao crédito judicialmente exigido uma obrigação relativamente à qual é usual, contra o pagamento, emitir-se documento de quitação e bem assim quando é expectável (quer porque é usual e regra, quer porque é dever legal) que o devedor proceda à guarda e conservação de tal recibo de quitação, designadamente em casos em que o devedor tem a preocupação de exigir o recibo comprovativo do pagamento, conservando-o no seu arquivo contabilístico, mais ou menos organizado (cf. Acórdão da Relação do Porto de 23/2/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
A inaplicabilidade do regime da prescrição presuntiva em tais casos assenta na consideração de que nenhuma tutela especial demanda o devedor, pois não corre o risco de ter de cumprir duas vezes (por estar impedido de comprovar, com o documento de quitação, a satisfação da obrigação), pois nestes casos o devedor não tem qualquer dificuldade de prova do pagamento (o documento de quitação é exigido, é emitido e é conservado em arquivo contabilístico).
Atentos estes considerandos não nos resta senão concluir que estando o administrador do Condomínio (aqui recorrente) habilitado a comprovar, com facilidade, os pagamentos dos serviços que lhe hajam sido prestados (exibindo os recibos de quitação ou documentos comprovativos do pagamento), não se justifica que beneficie da protecção que através da prescrição presuntiva a lei confere ao consumidor comum relativamente àquelas obrigações geradas de relações da vida quotidiana e de cujo pagamento não é usual guardar ou sequer exigir quitação (neste sentido, cf. Acórdãos da Relação do Porto de 11/10/2011 e de 23/2/2012, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt).
Deste modo, e no que diz respeito às facturas nºs. 602235, 602244, 602354, 602355, 602743, 603385, 603976 e 603994 (relativas a reparações feitas nos elevadores, para além da assistência periódica, e que deveriam ser objecto de pagamento autónomo), não se enquadrando as mesmas numa situação de prescrição presuntiva, e não se integrando as mesmas em nenhuma das alíneas do artº 310º do Código Civil, o prazo, subsidiariamente, aplicável é de 20 anos, para efeito de prescrição (artº 309º do Código Civil).
g) Assentes que estão os diferentes prazos prescricionais das facturas em causa, vejamos se já decorreram os mesmos.
Quanto às facturas nºs. 602235, 602244, 602354, 602355, 602743, 603385, 603976 e 603994 (relativas a reparações feitas nos elevadores, para além da assistência periódica, e que deveriam ser objecto de pagamento autónomo), é fácil de concluir que, tendo as mesmas sido emitidas em 2006 e tendo a acção entrado em juízo em 30/3/2011, ainda não decorreu o prazo prescricional de 20 anos.
No que diz respeito às facturas nºs. 5182030, emitida em 1/7/2005, 5204969, emitida em 1/1/2006, 5229180, emitida em 1/7/2006, e 5254869, emitida em 1/1/2007 (as respeitantes às prestações do contrato de prestação de serviços), sujeitas ao prazo prescricional de cinco anos, há que concluir que o problema da prescrição, atenta a data da propositura da acção (30/3/2011), apenas se coloca em relação às duas primeiras.
Tendo em consideração que as mesmas eram devidas desde a data da sua emissão e não se mostram pagas (ver factos provados sob os nºs. 9 e 10), o respectivo prazo prescricional, caso não houvesse qualquer suspensão ou interrupção, teria ocorrido em 1/7/2010 e 1/1/2011, isto é, antes da instauração da acção.
Mas o certo é que, tratando-se de uma situação de prescrição extintiva, não pode ela deixar de estar submetida às regras da suspensão e interrupção indicadas nos artºs. 318º e seguintes do Código Civil, nomeadamente e para o que ao caso releva, às normas dos arts. 323º nºs. 1 e 4 e 325º do Código Civil.
Estabelece o primeiro que “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente” (nº 1) e que “é equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido” (nº 4).
Prescreve o segundo que “a prescrição é ainda interrompida pelo reconhecimento do direito, efectuado perante o respectivo titular por aquele contra quem o direito pode ser exercido” (nº 1), sendo certo que “o reconhecimento tácito só é relevante quando resulte de factos que inequivocamente o exprimam” (nº 2).
De acordo com tais preceitos, é necessário, para que a prescrição se tenha por interrompida, que o credor manifeste judicialmente ao devedor a intenção de exigir a satisfação do seu crédito e que este, por esse meio, tenha conhecimento daquele exercício ou daquela intenção.
Perante os factos assentes parece-nos claro que não pode sustentar-se ter ocorrido a interrupção da prescrição por força do artº 323º do Código Civil, pois não houve da parte da recorrida qualquer acto judicial (que não fosse a instauração desta acção) em que ele haja manifestado a intenção de exercer o direito de exigir do apelante o pagamento das facturas.
Não obstante, entendemos que a prescrição se interrompeu pelo reconhecimento da dívida por banda do recorrente, nos termos do artº 325º do Código Civil.
Como refere Vaz Serra (in B.M.J. nº 106, pg. 917), a propósito do reconhecimento, “trata-se de simples acto jurídico, consistente numa mera declaração de ciência (conhecimento do direito do titular) e não é de exigir que o seu autor a faça com a intenção de interromper a prescrição pois, se reconhece o direito da parte contrária, (…) é legítimo entender que deseja cumprir a obrigação”.
Por isso, cremos poder concluir que o reconhecimento do direito, para efeito de interrupção da prescrição, se traduz na confissão ou declaração da sua existência, desde que praticado pelo devedor perante o titular do crédito (cf. Acórdão do S.T.J. de 18/11/2004, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
E, para haver reconhecimento com eficácia de interrupção da prescrição, é necessário que haja, ao menos, através de factos, afirmações pessoais, comportamentos ou atitudes, o propósito de reconhecer o direito da parte contrária. (cf. Acórdãos do S.T.J. de 16/4/1991 e de 11/11/1997, ambos consultados na “internet” em www.dgsi.pt).
No caso “sub judice” entendemos que a prescrição se interrompeu porquanto, atentos os documentos que se devem considerar como processualmente adquiridos, o apelante reconheceu o direito da parte contrária. Primeiro, através do “fax” datado de 20/4/2007 (ver fls. 49) no qual afirma que “em relação à dívida do condomínio para com V. Exas., a administração recentemente eleita irá convocar uma reunião para o próximo mês, e dará prioridade ao pagamento da mesma. Em segundo lugar, por via da acta da Assembleia-geral do Condomínio, ocorrida em 17/5/2007 (junta a fls. 110 a 114 pelo próprio recorrente), na qual se diz expressamente que “a Administração informou a Assembleia que existe uma dívida de 10.800,00 € com a Th... (…)”.
Significa isto que tendo existido reconhecimento da dívida por parte da apelante, o prazo prescricional das facturas nºs. 5182030 (emitida em 1/7/2005) e 5204969 (emitida em 1/1/2006) interrompeu-se em 2007, voltando a correr de novo desde esta altura (artº 326º nº 1 do Código Civil). Deste modo, aquando da propositura da acção em 2011 ainda não haviam decorrido cinco anos, pelo que não se verifica a alegada prescrição.
h) Resumindo : Não ocorreu prescrição em qualquer uma das facturas dadas à acção, pelo que nesta parte, ainda que com fundamentação diversa da exposta na Sentença, improcede o recurso.
i) Há, agora, que saber se a resolução do contrato levada a cabo pelo recorrente foi ou não justificada.
O recorrente entende que o foi e, nessa medida, deve ser absolvido do pedido referente às prestações em falta até ao termo do prazo do contrato (1.132,47 €).
Ora, o direito de resolução, previsto nos artºs. 432º a 436º do Código Civil, é um direito potestativo extintivo dependente de um fundamento.
O que significa que precisa de se verificar um facto que crie este direito, ou melhor, um facto ou situação a que a lei liga como consequência a constituição (o surgimento) desse direito potestativo.
Primeiro ponto a averiguar, portanto, é se existe ou não um inadimplemento por parte da recorrida. Este juízo de inadimplemento é, como sabemos, orientado e informado pelo critério de conformidade ou desconformidade entre a execução e o conteúdo do contrato. Qualquer desvio entre a execução do contrato e o programa negocial constitui um inadimplemento.
Como, porém, não basta qualquer inadimplemento para fundar um direito de resolução, importa depois averiguar se o inadimplemento tem suficiente gravidade (importância) para desencadear tal efeito. Ora, dado que a importância ou grau de gravidade do inadimplemento capaz de fundar um direito de resolução varia conforme tal incumprimento seja ou não culposo, importa nesta fase proceder à necessária averiguação e formular em consequência um juízo de responsabilidade (neste sentido, cf. Acórdão da Relação de Lisboa de 8/5/2012, consultado na “internet” em www.dgsi.pt).
Pelo que respeita à gravidade do incumprimento em si mesmo, devemos, antes de mais, ter presente que ele tanto pode ser total como parcial e, em qualquer destas modalidades, tanto pode revestir a forma de um incumprimento definitivo como a de um incumprimento temporário. Por outro lado, o incumprimento tanto pode referir-se à obrigação principal como a prestações acessórias ou à violação de deveres laterais de conduta.
A gravidade do inadimplemento, sobretudo nas relações contratuais duradoiras, pode aumentar também com a repetição do mesmo tipo de inadimplemento ou da mesma falta contratual.
Por último importa referir que, naqueles casos em que o inadimplemento tem um valor sintomático, não será tanto a gravidade do incumprimento em si mesmo que terá relevância, mas o seu significado no que respeita à confiança que poderá merecer ao credor o futuro cumprimento exacto por parte do devedor (cf. Baptista Machado in “Obra Dispersa”, Vol. I, “Scientia Ivridica”, Braga, 1991, pgs. 130 a 132).
A importância da obrigação violada ou, na perspectiva inversa, a gravidade do inadimplemento, aferem-se em função do interesse do credor. Interesse que, não obstante reportado a um quadro contratual concreto, deve ser apreciado objectivamente, “com base em elementos susceptíveis de serem valorados por qualquer outra pessoa (designadamente pelo próprio devedor ou pelo juiz), e não segundo o juízo valorativo arbitrário do próprio credor” (cf. Baptista Machado in obra citada, pgs. 134 a 137).
Nos contratos de execução continuada ou periódica, que “criam uma relação contratual mais complexa”, cada prestação ou cada inadimplemento não devem “ser tomados e valorados isoladamente, mas, antes, com referência à relação contratual complexiva. Assim, em regra, não bastará o inadimplemento de uma só prestação para fazer desaparecer o interesse do credor na subsistência da relação e para legitimar a resolução. O credor terá normalmente interesse nas prestações subsequentes. Mas um inadimplemento, ainda que de menor importância, já poderá legitimar a resolução se, pela sua natureza e pelas circunstâncias de que se rodeou (…) for de molde a fazer desaparecer a confiança do credor no exacto e fiel cumprimento das prestações subsequentes, ou das obrigações contratuais em geral, para o futuro” (cf. Baptista Machado in obra citada, pgs. 138 a 139).
Nos “contratos de execução continuada celebrados intuitu personae ou que pressupõem uma relação de confiança e colaboração estreita, ou pressupõem certas qualidades de honorabilidade, lealdade, confidencialidade, etc., (…) fundamentais para a consecução da finalidade contratual”, “todo o comportamento que afecte gravemente essa relação põe em perigo o próprio fim do contrato, abala o fundamento deste, e pode justificar, por isso, a resolução” (cf. Baptista Machado in obra citada, pgs. 140 a 142).
Enquanto fundamento de resolução, a justa causa (“conceito indeterminado cuja aplicação exige necessariamente uma apreciação valorativa do caso concreto”) será “qualquer circunstância, facto ou situação em face da qual, e segundo a boa fé, não seja exigível a uma das partes a continuação da relação contratual ; todo o facto capaz de fazer perigar o fim do contrato ou de dificultar a obtenção desse fim, qualquer conduta que possa fazer desaparecer pressupostos, pessoais ou reais, designadamente qualquer conduta contrária ao dever de correcção e lealdade” (cf. Baptista Machado in obra citada, pg. 143).
Perante o referido enquadramento teórico, vejamos o que resultou provado nos autos, sendo certo que só desses factos podemos socorrer-nos.
A apelada vinculou-se perante o apelante a fazer trabalhos de manutenção dos três elevadores instalados no edifício deste.
O recorrente afirma que a recorrida foi negligente na resolução da situação em que os elevadores ficaram na sequência de uma inundação ocorrida no dia 19/4/2007, alegando que a apelada nada fez para reparar tal situação. O apelante qualifica a atitude da apelada de “nefasta e negligente para com os condóminos”, salientando a existência de queixas diárias devido a sucessivas avarias dos elevadores (comunicadas à recorrida), o que fez com que os condóminos tivessem receio de andar de elevador.
Ora, da matéria de facto dada como provada não se vislumbram quaisquer “queixas diárias”, nem as avarias sucessivas que possam ter lançado o medo nos condóminos. O que se provou foi, quanto à assistência “normal”, que a apelada, no âmbito do contrato de prestação de serviços de manutenção dos elevadores, de deslocava mensalmente, através dos seus técnicos, às instalações do recorrente. Mais se apurou que a recorrida respondeu aos pedidos de intervenção feitos pelo recorrente, motivados por paralisação ou funcionamento deficiente dos elevadores (ver factos provados sob os nºs. 18. e 19.).
Ou seja, tendo a assistência aos elevadores como escopo essencial a segurança e o funcionamento dos mesmos, a verdade é que a matéria de facto não evidencia qualquer situação em que o comportamento da recorrida tenha, de algum modo, posto em causa ou feito perigar o seguro funcionamento dos elevadores.
Resta, assim, verificar se a questão relacionada com a inundação e subsequente paragem dos elevadores é suficiente para justificar a resolução contratual.
Desde já há que salientar que, de acordo com a Cláusula 3.3. do contrato celebrado entre as partes, a recorrida “não responderá por qualquer perda, dano, prejuízo ou demora devido a (…) inundação (…)”.
No entanto, a verdade é que no dia 19/4/2007 ocorreu uma inundação nas instalações do recorrente. Nesse mesmo dia, o técnico da recorrida deslocou-se por duas vezes às referidas instalações para verificação dos elevadores, tendo constatado que os mesmos apresentavam humidade. Deste modo, e por razões de segurança, a recorrida desligou os três elevadores instalados no prédio.
No dia seguinte (20/4/2007), pelas 11 horas e 19 minutos, o recorrente enviou à recorrente um “fax” em que afirma pretender que, nesse mesmo dia, pelo menos um elevador fique em condições de funcionar e que vem “a Administração do condomínio exigir que seja desde já iniciado o processo com prazo até ao meio-dia de hoje, dia 20 de Abril de 2007”. E indicava a apelante a cominação de que, “se a nossa exigência não for satisfeita, a administração denuncia desde este momento o contrato de manutenção dos elevadores com a Th... e recorrerá aos serviços doutra empresa”.
Ou seja, a recorrente dava à recorrida (que no próprio dia da inundação até se tinha deslocado ao local) o prazo de 41 (quarenta e um) minutos para solucionar a questão da inundação (!!!).
Ainda nesse mesmo dia (20/4/2007), pelas 12 horas e 16 minutos, a recorrida enviou à recorrente um “fax” no qual informava ser impossível resolver de imediato o problema, dando as necessárias explicações técnicas para tal (“os elevadores encontram-se com diversos componentes em contacto com a água em virtude da infiltração ocorrida, de acordo com a análise feita pelo supervisor técnico da zona Sr. R.C. que já hoje esteve no local a avaliar a situação”).
Menos de uma hora depois (pelas 13 horas e 5 minutos), o apelante enviou à apelada novo “fax” onde dizia que “a partir das 14 h do dia de hoje considerem o contrato de manutenção dos elevadores do prédio sito na Rua … nº 12 rescindido unilateralmente com fundamento na incapacidade de V. Exas de resolverem o problema em tempo útil, privando um prédio de 12 andares dos seus elevadores”.
Mais tarde (ainda no mesmo dia), o recorrente veio informar a recorrida que havia contratado com outra empresa para proceder às reparações nos elevadores.
Destes factos temos de concluir que, mesmo a entender-se que a apelada se desviou do acordado no contrato e que tal desvio foi culposo por força do disposto no artº 799º do Código Civil, estamos perante uma situação pontual (em que aquela até fez um esforço no sentido de atender às pretensões da apelante), não resultando provados factos que permitam atribuir ao hipotético inadimplemento um especial significado no contexto da relação contratual.
Em conclusão, não cremos que o eventual inadimplemento ocorrido (e que entendemos não ter existido) possa, objectivamente, ser considerado grave ou traduzir uma situação considerada grave. Deste modo, não se vê que esteja comprometida, objectivamente, a confiança do apelante no cumprimento do contrato por banda da apelada, nem cremos que se justifique, à luz da boa fé, a quebra unilateral do contrato por parte do apelante.
Não assistindo, consequentemente, o direito a resolver o contrato, o recorrente fê-lo cessar em momento anterior ao convencionado, pelo que incorreu na previsão da Cláusula 4.2 do contrato celebrado com a recorrida, havendo que a indemnizar no montante facturado e peticionado.
j) Em face do que acima fica exposto, teremos de concluir que importará confirmar a Sentença sob recurso.
k) Sumariando :
(…)
* * *
III – Decisão
Pelo exposto acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa em julgar a apelação improcedente e confirmar a decisão recorrida, embora com diferente fundamentação.
Custas : Pelo recorrente (artigo 446º do Código do Processo Civil).
Processado em computador e revisto pelo relator

Lisboa, 12 de Julho de 2012

Pedro Brighton
Teresa Sousa Henriques
Isabel Fonseca