Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3053/19.4YRLSB-1
Relator: FÁTIMA REIS SILVA
Descritores: UNIÃO ESTÁVEL
ESCRITURA PÚBLICA
BRASIL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 02/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: 1 – A expressão decisão sobre direitos privados, constante do nº1 do artigo 978.º do Código de Processo Civil, deve ser interpretada por forma a abranger decisões proferidas, seja por autoridades judiciais, seja por autoridades administrativas.
2 – A escritura pública declaratória de união estável, de acordo com o direito brasileiro, envolve o reconhecimento de uma entidade familiar, sendo constitutiva de parte relevante do respetivo regime e efeitos – caso seja estabelecido um regime diverso do da comunhão parcial de bens - e para todos os demais efeitos, nomeadamente previdenciais, sendo suscetível de ser levada a registo.
3 - Não pode ser encarada como simples meio de prova e, em processo especial de revisão de sentença estrangeira, não é sequer invocada como tal.
4 - Corresponde à prática de um ato administrativo em que a intervenção notarial assume a natureza de caucionamento do ato, permitindo que o mesmo desencadeie efeitos na ordem jurídica brasileira, tal como se tivesse sido objeto de declaração judicial em sentido estrito.
5 – É admissível a revisão e confirmação de escritura declaratória de união estável outorgada no Brasil.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam as Juízas da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

1. Relatório
C…., português, residente no Rio de Janeiro, Brasil, veio intentar contra G…, brasileira, consigo residente, a presente ação declarativa com processo especial, ao abrigo dos artigos 978.º a 985.º do Código de Processo Civil, pedindo a revisão e confirmação da decisão de autoridade administrativa brasileira que constitui e declara a união estável entre ambos.
A requerida interveio nos autos e apresentou resposta, confirmando manter uma união de facto estável com o requerente e confirmando a veracidade dos documentos.
O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do artigo 982.º do mesmo código, apresentou alegações, nas quais concluiu dever ser indeferido o pedido de revisão e confirmação da “escritura declaratória de união estável” formulado pelos requerentes, invocando os Acórdãos STJ de 21/03/2019 e de 09/05/2019 no sentido de que os atos em causa não se reconduzem a verdadeiras decisões, contendo um mero enunciado assertivo ou constatativo limitando-se o notário a atestar o que declaram os requerentes, sem acrescentar atividade decisória, ainda que meramente homologatória.
*
2. Saneamento
O tribunal é competente em razão da nacionalidade, matéria e da hierarquia.
Não há nulidades que invalidem todo o processado.
As partes dispõem de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas.
Não há outras nulidades, exceções ou questões prévias que cumpra conhecer e que impeçam o conhecimento de mérito.
*
3. Objeto da causa
A única questão a decidir consiste em verificar se estão demonstrados os requisitos legais de que depende a revisão e confirmação da decisão estrangeira apresentada.
*
4. Fundamentação
4.1. De facto:
Resultam da prova documental produzida, com relevância para a decisão da causa (artigos 607º, nº 4 do CPC e 371º do Código Civil), os seguintes factos:
1 – Em 7 de janeiro de 2013, na cidade e Estado de Rio de Janeiro, Brasil, no 15º Ofício de Notas, perante o respetivo escrevente, compareceram C…e G…, ambos de nacionalidade brasileira e residentes no Rio de Janeiro, tendo declarado: «(1º) – Que, pela presente escritura e na melhor forma de direito, reconhecem que mantêm uma união estável, contínua e publicamente, desde o dia 2 de fevereiro de 2010, (02.02.2010), até aos dias atuais, constituindo unidade familiar, nos precisos termos do artigo 1723 do Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002); (2º) – Que, conforme lhes faculta o artigo 1725 c/c artigo 5º, da Lei 9278/96, convencionam que o regime que regerá a referida união será o de comunhão parcial de bens; (3º) – Que os outorgantes reciprocamente, são dessa maneira e por suas vontades ora manifestadas, beneficiários de quaisquer seguros, planos de saúde, pecúlios ou pensões para os quais eles, outorgantes, contribuam, valendo esta declaração para todos os efeitos de inscrição nas instituições para as quais contribuem, seja ela pública ou privada, e ainda para todos os efeitos de direito; assumindo os outorgantes toda a responsabilidade pela veracidade das declarações aqui prestadas.(…)».
2 – O requerente nasceu em 21/02/1979, tendo nacionalidade portuguesa.
3 A requerida nasceu em 12/10/1978, tendo nacionalidade brasileira.
*
4.2. De direito:  
O sistema português de revisão de sentenças estrangeiras inspira-se no denominado sistema de delibação, isto é, de revisão meramente formal, o que significa que o tribunal, em princípio, se limita a verificar se a sentença estrangeira satisfaz certos requisitos de forma, não conhecendo do fundo ou mérito da causa[1].
Os requisitos necessários à confirmação de sentença estrangeira estão previstos no artigo 980.º do Código de Processo Civil, no qual se dispõe, sob a epígrafe “Requisitos necessários para a confirmação”:
«Para que a sentença seja confirmada é necessário:
a) Que não haja dúvidas sobre a autenticidade do documento de que conste a sentença nem sobre a inteligência da decisão;
b) Que tenha transitado em julgado segundo a lei do país em que foi proferida;
c) Que provenha de tribunal estrangeiro cuja competência não tenha sido provocada em fraude à lei e não verse sobre matéria da exclusiva competência dos tribunais portugueses;
d) Que não possa invocar-se a exceção de litispendência ou de caso julgado com fundamento em causa afeta a tribunal português, exceto se foi o tribunal estrangeiro que preveniu a jurisdição;
e) Que o réu tenha sido regularmente citado para a ação, nos termos da lei do país do tribunal de origem, e que no processo hajam sido observados os princípios do contraditório e da igualdade das partes;
f) Que não contenha decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado Português.»
Apesar da não dedução de oposição, o tribunal não pode dispensar-se de conhecer oficiosamente das condições ou requisitos de confirmação (artº 984 do CPC).
O sistema português de reconhecimento da eficácia da sentença estrangeira combina o princípio da revisão formal e da revisão de mérito (artºs 980º e 984º do CPC). A revisão tem, em certa medida, o carácter de mérito quando o tribunal português verifica se a sentença não contém uma decisão cujo reconhecimento conduza a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional do Estado português (artº 980º, al. f) do CPC)[2].
No caso concreto, a primeira e prévia questão que se coloca é a de se o instrumento cuja revisão e pedida é suscetível de confirmação e revisão, cabendo na previsão do art. 978º do CPC, onde se estabelece que «Sem prejuízo do que se ache estabelecido em tratados, convenções, regulamentos da União Europeia e leis especiais, nenhuma decisão sobre direitos privados, proferida por tribunal estrangeiro, tem eficácia em Portugal, seja qual for a nacionalidade das partes, sem estar revista e confirmada.»
O termo decisão sobre direitos privados deve “interpretar-se em termos suficientemente amplos para abranger decisões proferidas, seja por autoridades judiciais, seja por autoridades administrativas.”[3]
Luís Lima Pinheiro indica neste sentido, citando abundante jurisprudência[4] que “Em princípio, só estão sujeitas a revisão as decisões proferidas por um órgão jurisdicional. Mas este regime de reconhecimento deve ser aplicado analogicamente às decisões de autoridades administrativas estrangeiras que, Portugal, são da competência dos tribunais. Isto verifica-se geralmente naquelas atividades que os tribunais portugueses desenvolvem no quadro de processos de jurisdição voluntária.” E ilustra com o exemplo do divórcio consensual concluindo que o regime de revisão e confirmação deve ser aplicado “quando a decisão da autoridade administrativa estrangeira tiver os mesmos efeitos uma decisão jurisdicional. Em última instância o que importa não é natureza do órgão que profere a decisão, mas os efeitos que ela produz segundo o Direito do Estado de origem.”[5]
É neste exato ponto que se trava a polémica jurisprudencial fielmente retratada no Ac. TRL de 21/1/2019[6], enumerando-se já três Acórdãos do STJ em sentido coincidente com o alegado pelo Digno Magistrado do Ministério Público nestes autos, ou seja, de que a escritura pública declaratória de união estável  prevista pelo direito brasileiro  não pode ser revista ou confirmada, nos termos do artigo 978º do CPC e um Acórdão em sentido contrário.[7]
Na jurisprudência dos tribunais de 2ª instância, sem prejuízo das decisões não publicadas, encontramos estas duas tendências claramente marcadas (todos os arestos disponíveis em www.dgsi.pt):
- no sentido negativo alinham-se os Acs. TRL de 24/10/2019[8], de 17/10/2019[9] e de 29/06/2019[10], TRE de 07/11/2019[11] e, embora debruçando-se sobre pedido diverso, o Ac. TRP de 18/12/2018[12];
- em sentido positivo, considerando admissível a revisão e confirmação os Acs. TRL de 17/12/2019[13], de 11/12/2019[14], 12/11/2019[15] e de 21711/2019 e 24/10/2019[16].
No sentido de que a escritura pública de união estável não é suscetível de revisão e confirmação, alinham-se os argumentos de que:
- tal ato constitui apenas um meio de prova, sujeito a apreciação de quem haja que tomar uma decisão para a qual seja relevante, atento o disposto no art. 2º-A nº1 da Lei nº 7/2001, de 11 de maio, na redação aditada pelo art. 2º da Lei 23/2010, de 30 de agosto, acrescendo não fazer prova plena, por se basear apenas nas declarações dos interessados, o que afastaria a possibilidade de confirmação atento o disposto no nº2 do art. 978º do CPC;
- não se trata, ainda assim, de um ato contendo qualquer decisão ou declaração da autoridade administrativa que lavra a escritura, resultando que o ato composto pelas declarações dos outorgantes não é sancionado administrativamente pela ordem jurídica em que foi produzido.
Em sentido contrário são os seguintes os fundamentos relevados pela jurisprudência:
- a escritura pública declaratória de união estável tem, na ordem jurídica brasileira, os mesmos efeitos que a sentença que reconheça uma união estável homoafetiva para os efeitos do art. 1723º do Código Civil Brasileiro, pelo que não poderá deixar de se considerar como uma decisão sobre direitos privados claramente abrangida pelo nº1 do art. 978º do CPC;
- a união estável é uma situação de facto, mas a sua declaração relevante tem efeitos no regime de bens aplicável à união e na concessão de benefícios como planos de saúde e para efeitos de segurança social ou previdencial, é ainda suscetível de ser transformada em casamento sem outras formalidades que não pedido a juiz e assento no Registro Civil;
- trata-se de ato que pode ser sujeito a registo, com a inerente publicidade e invocação perante terceiros;
- a lei processual brasileira equipara a extinção consensual da união estável ao divórcio consensual, pelo que a jurisprudência forme quanto à possibilidade de revisão e confirmação das escrituras públicas de divórcio consensual deve ser alargada às escrituras públicas declaratórias de união estável.
Cumpre apreciar e tomar posição quanto à questão da admissibilidade da revisão e confirmação de escritura pública declaratória de união estável.
Regulam a matéria, no Código Civil Brasileiro, os artigos 1723º e ss.:
=================================================
TÍTULO III
DA UNIÃO ESTÁVEL
Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1 o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521 ; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2 o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.
Art. 1.724. As relações pessoais entre os companheiros obedecerão aos deveres de lealdade, respeito e assistência, e de guarda, sustento e educação dos filhos.
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens.
Art. 1.726. A união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil.
Art. 1.727. As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.
=================================================
O legislador brasileiro, claramente, elegeu a situação de facto que é consubstanciada pela união estável de duas pessoas num modelo familiar, ou, nas palavras da lei uma entidade familiar, que, entretanto, foi já, pese embora o texto da lei, declarada aplicável às uniões de facto homoafetivas por decisão histórica do Supremo Tribunal Federal Brasileiro de Maio de 2011 (pendendo projeto de alteração do artigo 1723º do Código Civil que harmonize o texto com a decisão referida)[17].
Um dos fundamentos invocados para a não concessão da revisão e confirmação é a da subsunção ao disposto no nº2 do art. 978º do CPC onde se estabelece «Não é necessária a revisão quando a decisão seja invocada em processo pendente nos tribunais portugueses, como simples meio de prova sujeito à apreciação de quem haja de julgar a causa.»
No entanto, de forma meridiana, o pedido formulado nos autos é o de revisão e confirmação da escritura pública declaratória de união estável e não o do seu uso como meio de prova em qualquer tribunal ou perante qualquer autoridade portuguesa.
O requerente nos presentes autos fez constar do requerimento inicial a finalidade deste seu pedido afirmando, no nº4 do mesmo, que tendo a nacionalidade portuguesa «tem a intenção de que sua companheira adquira a nacionalidade portuguesa, direito esse assegurado pelo artigo 39 nº3 da lei 37/81, de 3 de outubro (lei da nacionalidade).»
E efetivamente, a lei portuguesa confere ao unido de facto a português o direito de, em determinadas circunstâncias, adquirir a nacionalidade portuguesa[18], envolvendo a necessidade de uma ação judicial de reconhecimento da situação de união de facto.
Mas na verdade, não é este o pedido dirigido a este Tribunal da Relação. No caso o requerente até informou o seu propósito. Mas não tinha que o fazer e, consequentemente, não tem o tribunal que indagar, para o efeito que é chamado, se é verdadeiro, se serve o propósito, ou que eficácia a sua revisão lhe conferirá para esse estrito propósito.
Subscrevemos integralmente a fundamentação do Ac. TRL de 17/12/2019, já citado quando afirma, de forma cristalina:
«De notar que, como se compreende, não compete ao juiz da causa averiguar o destino que os requerentes projetem para a decisão revidenda; a sua intervenção e competência prende-se exclusivamente com a verificação judicial dos condicionalismos legais necessários e suficientes para conceder – ou negar – a revisão e confirmação.»
Parece-nos mesmo que conceber esta escritura pública como um mero meio de prova se funda na projeção da sua apreciação para um outro momento e processo que não o de revisão de decisão estrangeira, antes para o momento do reconhecimento da situação para efeito de aquisição de nacionalidade, que subjaz, de forma expressa ou subliminar ao raciocínio de aplicação do disposto no nº2 do artigo 978º do CPC.
A união estável surge, como já referimos, face ao seu recorte pelo direito brasileiro, como uma entidade familiar que, relativamente à qual e escritura pública declaratória é constitutiva de parte relevante do respetivo regime e efeitos – caso seja estabelecido um regime diverso do da comunhão parcial de bens  - e para todos os demais efeitos, no concreto e como referido no instrumento notarial «quaisquer seguros, planos de saúde, pecúlios ou pensões para os quais eles, outorgantes, contribuam.» Não pode ser encarada como simples meio de prova (e não está a ser invocada como tal), não se podendo esquecer que a mesma é suscetível de ser levada a registo, o que, por si, seria já suscetível de justificar a revisão e confirmação[19].
Lima Pinheiro refere, a propósito “Em minha opinião, os atos constitutivos de autoridades administrativas ou religiosas “estrangeiras” que formem caso julgado segundo o Direito do Estado de origem são suscetíveis de revisão, desde que sejam eficazes (ou potencialmente eficazes) segundo o Direito competente. O regime dos arts. 978.º e segs. CPC também deve ser aplicado analogicamente aos atos constitutivos de autoridades administrativas ou religiosas “estrangeiras” que não formem caso julgado, mas devam valer como título de registo ou que, eventualmente, careçam de ser executados.”[20] [21] Note-se, porém, que nesta sede não cuidamos igualmente, da verificação dos requisitos de inscrição em registo.
Ou seja, e concluindo, considerando as caraterísticas do instituto face à lei brasileira, a respetiva eficácia e consequências, necessárias e eventuais, para os unidos, temos que concluir, com o Ac. TRL de 17/12/2019 que “…é por demais evidente que esta escritura pública declaratória de união estável corresponde indiscutivelmente à prática de um ato administrativo, presidido por oficial dotado de fé pública, onde se procede efetivamente ao caucionamento do reconhecimento de direitos privados conferidos aos conviventes.” Ou, e nas também melhores palavras do Ac. TRL de 11/12/2019: “…a intervenção notarial assume a natureza de caucionamento do ato em causa, na sequência de delegação administrativa sui generis por parte do Estado Brasileiro. A intervenção notarial permite que o ato despolete efeitos na ordem jurídica brasileira, tal como se tivesse sido objeto de declaração judicial em sentido estrito, estando mesmo a atividade notarial sujeita à fiscalização do poder judicial.”
Outro dos argumentos a favor da revisão e confirmação da escritura pública declaratória de união estável à luz da lei brasileira pode ser extraído do Regulamento (UE) 2016/1104 do conselho de 24 de junho de 2016, que implementa a cooperação reforçada no domínio da competência, da lei aplicável, do reconhecimento e da execução de decisões em matéria de efeitos patrimoniais das parcerias registadas e que, não sendo aplicável às escrituras públicas de direito brasileiro significa ainda assim a vigência na nossa ordem jurídica de um conceito (similar) de parceria registada e respetivos efeitos patrimoniais e, para o efeito, de forma relevante, o conceito de decisão como sendo não apenas de um órgão jurisdicional em sentido estrito – ver art. 3º do Regulamento[22].
Finalmente, da análise da documentação junta aos autos, que serviu de suporte à factualidade considerada provada, não resultam dúvidas acerca da sua autenticidade e inteligibilidade; verificam-se os requisitos das alíneas b) a e) do artigo 980.º[23]; e similitude, que não identidade, entre a união estável brasileira, a união de facto portuguesa e a parceria registada comunitária permitem afirmar que é indiscutivelmente compatível com os princípios de ordem pública internacional do Estado português.
Conclui-se, assim, nada obstar à revisão e confirmação.
A decisão a rever versa sobre o estado das pessoas, em sentido lato. O valor processual da causa deve, por isso, determinar-se de harmonia com o carácter do objeto da decisão cuja confirmação se pede: € 30 000,01 (artºs 296º nºs 1 e 2 e 303º, in fine, do CPC, e 44º nº 1 da Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto).
A base tributável para efeitos de taxa de justiça é igual ao valor processual da causa e, dada a natureza especial do processo, não compreendido na Tabela II, corresponde-lhe a taxa de justiça constante da Tabela I-A (artºs 6 nº 1, 7º nº 1 e 11º do Regulamento das Custas Processuais).
O Requerente é responsável pelo pagamento das custas, ao abrigo dos artigos 535.º, n.ºs 1 e 2 e 607.º, n.º 6, do Código de Processo Civil.
*
5. Decisão
Pelo exposto, acordam as juízas desta Relação em julgar procedente a presente ação, confirmando-se a escritura pública declaratória de união estável entre C….e G…, lavrada no dia 7 de janeiro de 2013, a qual passará a ter eficácia na ordem jurídica portuguesa.
Fixo à causa o valor processual de € 30.000,01.
Custas pelo requerente.
Registe, notifique e comunique ao Registo Civil.
*
Lisboa,
Fátima Reis Silva
Vera Antunes
Amélia Sofia Rebelo
_______________________________________________________
[1] Cfr. acórdão do STJ de 12.7.2011, proferido no processo n.º 987/10.5YRLSB.S1, disponível in www.dgsi.pt.
[2] António Marques dos Santos, Revisão e Confirmação de Sentenças Estrangeiras no Novo Código de Processo Civil de 1997 (Alterações ao Regime Anterior), Aspectos do Novo Processo Civil, Lisboa, 1997, págs. 108 e 109; Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, págs. 142 e 143.
[3] Cfr. Ac. STJ de 28/02/2019, citando o Ac. STJ de 25/06/2013, ambos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] In Direito Internacional Privado, Vol. III, Tomo II, Reconhecimento de decisões estrangeiras, AAFDL Editora, 2019, 3ª edição refundida, pg. 201.
[5] Autor e local citados na nota anterior.
[6] Relator Pedro Martins, disponível in www.dgsi.pt.
[7] Em sentido negativo os Acs. STJ de 28/02/2019, 21/03/209 e de 09/05/2019 e em sentido positivo o Ac. STJ de 29/01/2019, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[8] Relator António Moreira.
[9] Relatora Teresa Prazeres Pais.
[10] Relator Sousa Pinto.
[11] Relatora Ana Margarida Leite.
[12] Relatora Ana Paula Amorim.
[13] Relator Luís Espírito Santo.
[14] Relator Luís Filipe Pereira de Sousa.
[15] Relatora Ana Azeredo Coelho.
[16] Ambos relatados por Pedro Martins.
[17] Vide https://www.huffpostbrasil.com/entry/uniao-homoafetiva-familia_br_5d7fb253e4b00d69059c66e1. Em consequência desta decisão o reconhecimento da união estável homoafetiva passa pela necessidade de um ato jurisdicional, já que a lei continua a não prever escritura pública senão para uniões estáveis entre homem e mulher, sendo esta a forma de equiparação até revisão da lei. Materialmente nada justifica o diferente tratamento entre uma união estável homoafetiva, cujo reconhecimento se consubstancia por sentença e cuja revisão não se mostra questionável, e uma união estável entre pessoas de sexo diferente, declarada por escritura pública.
[18] Nos termos do disposto no nº3 do art. 3º da lei 37/81 de 03/10, na sua redação atual: «O estrangeiro que, à data da declaração, viva em união de facto há mais de três anos com nacional português pode adquirir a nacionalidade portuguesa, após ação de reconhecimento dessa situação a interpor no tribunal cível.»
[19] Desenvolvidamente sobre este ponto ver o Ac. TRL de 11/12/2019.
[20] Local citado, pg. 203.
[21] É certo que este autor (Lima Pinheiro) refere, logo em sequência, entender que o regime não é aplicável aos atos públicos declarativos, exemplificando com os divórcios privados formalizados em atos declarativos como escrituras públicas. Mas acaba por concluir que, quando sujeitos a registo, devem ser objeto de revisão e confirmação, “…respeitados os limites colocados pela reserva de ordem pública e pela Constituição.” - local e autor citados, pg. 205
[22] «Artigo 3.º
Definições
1. Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:
a) «Parceria registada», o regime de vida em comum entre duas pessoas que é previsto por lei, cujo registo é obrigatório ao abrigo dessa lei e que satisfaz as formalidades legais exigidas por essa lei para o seu estabelecimento;
b) «Efeitos patrimoniais de uma parceria registada», o conjunto de normas relativas às relações patrimoniais dos parceiros, entre parceiros e nas suas relações com terceiros, em resultado da relação jurídica criada pelo registo da parceria ou da sua dissolução;
c) «Convenção de parceria», qualquer acordo entre parceiros ou futuros parceiros pelo qual estabelecem os efeitos patrimoniais da sua parceria registada;
d) «Ato autêntico», um documento em matéria de efeitos patrimoniais da parceria registada que tenha sido formalmente redigido ou registado como ato autêntico num Estado-Membro e cuja autenticidade:
i) esteja associada à assinatura e ao conteúdo do ato autêntico, e
ii) tenha sido estabelecida por uma autoridade pública ou qualquer outra autoridade habilitada para o efeito pelo Estado-Membro de origem;
e) «Decisão», qualquer decisão em matéria de efeitos patrimoniais da parceria registada proferida por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, independentemente da designação que lhe for dada, incluindo uma decisão sobre a fixação pelo secretário do órgão jurisdicional do montante das custas do processo;
f) (…);
g) (…);
h) (…);
2. Para efeitos do presente regulamento, a noção de «órgão jurisdicional» inclui os tribunais e todas as outras autoridades e profissionais do direito competentes em matéria de efeitos patrimoniais das parcerias registadas que exerçam funções jurisdicionais ou ajam no exercício de uma delegação de poderes conferida por um tribunal ou sob o seu controlo, desde que essas outras autoridades e profissionais do direito ofereçam garantias no que respeita à sua imparcialidade e ao direito de todas as partes a serem ouvidas, e desde que as suas decisões nos termos da lei do Estado-Membro onde estão estabelecidos:
a) Possam ser objeto de recurso perante um tribunal ou de controlo por este; e
b) Tenham força e efeitos equivalentes aos de uma decisão de um tribunal na mesma matéria.
(…)»
[23] Não tendo sido suscitada nem resultando do exame da causa a respetiva falta, é de presumir a sua verificação - Cfr. Alberto dos Reis, Processos Especiais, vol. II, Coimbra Editora, Coimbra, 1982, pág. 163.