Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
3070/12.5TBBRR.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: ALIMENTOS A EX-CONJUGE
ÓNUS DA PROVA
CONTA BANCÁRIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 10/12/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I.Aquele que pede alimentos de outrem, tem o ónus de provar a sua necessidade deles e a possibilidade de o demandado os prestar (arts. 2004 e 342/1 do CC). Se se opõe, sem qualquer justificação, a que o tribunal investigue a sua conta bancária, tal pode ser levando em conta pelo tribunal para se convencer de que o demandante tem património susceptível de lhe proporcionar o suficiente para as suas necessidades ou, pelo menos, para impedir a prova de que ele viva apenas de uma pensão de velhice (art. 417, n.ºs 1 e 2, do CPC).
II.O direito a alimentos entre ex-cônjuges (art. 2016 do CC) não é o genérico direito a alimentos, mas um direito especial, com natureza reabilitadora, excepcional, subsidiária e tendencialmente temporário.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:     Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:


Relatório:


N, com domicilio na Praceta x, nº. x, 1º. Dtº, em VA, intentou em 15/10/2012, a presente acção contra o seu marido J, pedindo que o tribunal decrete, sem consentimento do réu, o divórcio entre ambos, fixe a seu favor uma pensão de alimentos a pagar pelo réu, no montante mensal de 400€, 14 vezes ao ano, e lhe atribua [o uso d]a casa de morada de família (de que é proprietária de metade e nua proprietária de outra metade, sendo o réu usufrutuário desta metade).

Alegou para o efeito, em síntese, na parte que importa, que contraíram casamento a 10/10/2001; não existem filhos desse casamento; desde 2009 deixaram de fazer vida em comum e o réu vive com uma companheira de facto; desde Janeiro de 2012 o réu deixou de contribuir com qualquer valor para as despesas da autora, que vive da pensão de reforma no valor de 300€ e a expensas de uma amiga em França.

Realizada tentativa de conciliação, as partes não chegaram a acordo quanto a eventual prestação de alimentos, nem quanto à atribuição do uso da casa de morada de família, notificando-se o réu para, querendo, contestar a acção.

O réu contestou, impugnando os factos vertidos pela autora e alegando, em síntese, na parte que importa, que foi a autora quem abandonou o lar conjugal; deixaram de fazer vida em comum desde 2008; para além da pensão que aufere em Portugal, a autora aufere uma pensão em França; concluiu pela improcedência do pedido de alimentos e pelo decretamento do divórcio.

Os autos prosseguiram para julgamento, e no início do mesmo foi obtido acordo por parte da autora e do réu quanto à casa de morada de família, cujo uso ficou atribuído àquela, e à inexistência de bens comuns do casal, prosseguindo os autos quanto ao pedido de alimentos, convolando-se os autos em divórcio por mútuo consentimento, nos termos do disposto no artigo 931, nºs. 3 e 4 do CPC.

Foi feito julgamento, restrito à questão do direito a alimentos, e depois foi proferida sentença, que, na parte que importa, decretou o divórcio entre a autora e o réu, atribuiu o uso da casa de morada de família, sita na Praceta x, nº. x, 1º. Dtº, em VA, à autora até à partilha, e condenou o réu a prestar alimentos à autora, através de transferência bancária para a conta da mesma, na quantia mensal referente à diferença entre a pensão de velhice auferida, actualmente de 305,96€, e o valor em vigor a título de IAS, actualmente de 421,32€, ou seja, 115,36€, com efeitos a partir da data da sentença.

A 07/03/2017, o réu recorre da sentença – para que seja revogada, na parte que se refere ao pedido de alimentos, e substituída por outra que o absolva do pedido -, arguindo em conjunto a existência de vícios da sentença e impugnando a decisão da matéria de facto e discutindo a matéria de direito noutra parte.
A autora contra-alegou, levantando a questão prévia da intempestividade do recurso e defendendo a improcedência do mesmo.
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Questões que importa decidir: da intempestividade do recurso, das nulidades da sentença, da impugnação da decisão da matéria de facto e da improcedência do pedido de alimentos.
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Da questão prévia – da intempestividade
A autora não tem, manifestamente, razão.
Tendo a sentença sido enviada através de carta elaborada a 23/01/2017, ou seja, tendo sido notificada a 26/01/2017 (art. 248 do CPC), e incluindo o recurso impugnação da decisão da matéria de facto, sendo pois o prazo para alegações de 30 + 10 dias (art. 638/1 e 7 do CPC), é evidente que a 07/03/2017, quando ele foi interposto, ainda o prazo não tinha decorrido (iniciando-se a 27/01/2017, só terminava a 07/03/2017).
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Das nulidades da sentença
Considerando que as conclusões do recurso foram elaboradas em flagrante violação da exigência de síntese constante do art. 639/1 do CPC, este tribunal de recurso resume agora a argumentação do réu, nesta parte, ao seguinte:
Depois de uma extensão transcrição de requerimentos, despachos, notificações, respostas e informações, o réu diz que o tribunal não deu seguimento adequado ao deferimento do seu pedido de que as autoridades francesas viessem informar se pagavam à autora alguma pensão ou reforma; pelo que não poderia ter dado como não provada a afirmação de que a autora aufere uma pensão de reforma ou qualquer outro rendimento em França; por outro lado, o tribunal não poderia ter dado como provado o que consta do ponto 5, mas antes aquilo que resulta da prova testemunhal que a ré invoca; o começo indeterminado do ponto 3 dos factos provados devia ter sido concretizado com base em prova testemunhal que o réu identifica e o resto devia ser considerado não provado por falta de prova.
Mais à frente, na parte do recurso sobre matéria de direito, o réu invoca ainda a omissão da sentença sobre o pedido que o réu fez de informação sobre, grosso modo, valores mobiliários da autora.

Decidindo:
Tudo isto não tem nada a ver com vícios da sentença que dessem causa a nulidades da mesma mas sim, por um lado, com nulidades processuais (art. 195/1 do CPC) e, por outro lado, com a impugnação da decisão da matéria de facto (arts. 640 e 662 do CPC).
Ou seja, se a secção de processos, depois de o tribunal ter deferido um pedido de informações feito pelo réu, não fez o pedido de informações em termos correctos, e se o tribunal proferiu sentença sem que as informações em causa tivessem sido obtidas e também sem dar sequência ao pedido feito pelo réu de informação sobre valores mobiliários da autora, verificar-se-iam nulidades processuais (art. 195/1 do CPC) e não nulidades da sentença (previstas no art. 615 do CPC).             
Nulidades processuais que, a terem-se verificado, o réu teria de ter arguido oportunamente, ou seja, por força do art. 199/1 do CPC, pelo menos até ao momento em que foi dada a palavra ao seu advogado para alegações finais, pois que a partir daí não podia deixar de saber que aquelas informações não tinham sido obtidas (pois que foi notificado de todas as que foram juntas ao processo) e apesar disso o tribunal tinha encerrado a produção de prova (art. 604/3-e do CPC, sem prejuízo do disposto no art. 607/1, parte final, do CPC, mas esta já seria uma eventualidade com que o advogado do réu não podia contar para o efeito).
Quanto à impugnação da decisão da matéria de facto ela será apreciada à frente.
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No tribunal recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
1A autora e o réu celebraram casamento civil, no regime imperativo da separação de bens, em 10/10/2001 [deu-se o documento como integralmente reproduzido, dele resultando ainda que à data do casamento a autora tinha 49 anos e o réu 64 anos].
2Em data concreta não determinada mas que se situou em 2008, a autora e o réu deixaram de fazer vida em comum.
3Desde data que não se logrou determinar, o réu deixou de contribuir com qualquer valor para as despesas da autora, que vive a expensas de uma amiga a residir em França, que lhe dá alojamento e alimentação quando a autora se desloca a esse país e de 305,96€ a título de pensão de velhice, paga pelo CNP. => Por força do que se decidirá abaixo, este ponto passa a ter a seguinte redacção: Desde Janeiro de 2012, o réu deixou de contribuir com qualquer valor para as despesas da autora; a autora, quando se desloca a França, vive a expensas de uma amiga que aí reside, que lhe dá alojamento e alimentação; a autora recebe 305,96€ mensais a título de pensão de velhice paga pelo CNP.
4O réu é reformado do exército português, auferindo 1200€ líquidos mensais, a título de pensão de reforma paga pela caixa geral de aposentações.
5O réu vive actualmente com uma ex-companheira, mãe dos seus filhos, contribuindo mensalmente com 500€ para o sustento da casa, suportando ainda, o montante mensal médio de 110€ em medicamentos e 180€ em deslocações a C para ser observado no Hospital M, cujas consultas e taxas moderadoras não são pagas por serem comparticipadas pelo seu sistema de saúde. A parte inicial deste ponto passa a ter a seguinte redacção, por força da decisão proferida mais abaixo: O réu vive actualmente na casa de um seu filho, onde também vive uma ex-companheira, mãe daquele, contribuindo… [o resto mantém-se].
6A autora suporta despesas em alimentação em montante não concretamente apurado, e, em montantes mensais médios, 7,47€ de gás, 14,65€ de luz, 6,47€ de água, 37,16€ de comunicações e TV, 10,73€ de medicamentos, e 10€ de despesas de condomínio.
7Por sentença confirmada por acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02/11/2016, o réu foi condenado a pagar à autora 5100€, a título de indemnização por factos subsumíveis à prática de um crime de violência doméstica (artigo 152/1-a do Código Penal) e de um crime de dano (art. 212 do CP).
8A autora tem actualmente 64 anos [o actualmente, aqui, refere-se inequivocamente à data da sentença…].
9Tem problemas de saúde ao nível da coluna, tendo sido operada à mesma por duas vezes, não conseguindo trabalhar.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto.

I
Já decorre do que se disse acima que o réu considera que o tribunal não devia ter dado como não provado a afirmação feita por si de que: “a autora aufere uma pensão de reforma ou qualquer outro rendimento em França.”
O tribunal fundamentou assim a sua convicção quanto a esta matéria:
Deram-se como não provados aquelas afirmação de facto feitas pelo réu uma vez que incumbia ao mesmo fazer prova da sua ocorrência, não o tendo feito, não logrou o tribunal firmar convicção sobre a ocorrência de tais factos, razão pela qual deu os mesmos como não provados. Diga-se ainda que, mais uma vez, a Segurança Social, em resposta à solicitação efectuada pelo tribunal, veio responder a fl. 256, que a autora não recebe pensão estrangeira, mas tão-só a do regime geral no montante de 305,96€. Também as testemunhas arroladas pela autora, supra referidas, responderam com convicção ao tribunal que a mesma apenas subsiste da sua pensão de reforma auferida em Portugal.
O réu, como se viu acima, defende que as informações obtidas não dizem isso, ou porque não foi isso que lhes foi perguntado, ou porque nos pedidos de informação não iam os elementos suficientes para a resposta correcta.

Decidindo:
Sendo certo que os ofícios feitos pelo tribunal, aliás na sequência de requerimentos do réu, foram, na maior parte, imprecisos e deficientes, e que as variadíssimas respostas do ISS, eram lacónicas e vagas (e inaceitáveis, constando quase sempre de e-mails com duas ou três linhas de texto sem qualquer precisão), a verdade é que o conjunto delas e principalmente a última (de fl. 256), identificada especificamente pela fundamentação da decisão recorrida, é clara no sentido da inexistência daquela pensão francesa (e já então o ISS estava de posse do n.º de identificação daquilo que o réu pensava ser da segurança social francesa, o único que ele forneceu, conforme fls. 210 a 217, 235, 244 e 245, sendo que a resposta de fl. 256 é dada pelo núcleo de processamento de prestações com acordos internacionais de França e outros). Pensão francesa que, aliás, nos requerimentos feitos pelo réu, nunca esteve sequer suficientemente indiciada existir, sendo uma especulação do réu. Pelo que se considera que, realmente, não se fez prova da existência da mesma.
De qualquer modo, como se disse acima, se o réu entendia que as informações obtidas não respondiam ao solicitado por ele (de modo a provar uma afirmação de facto que ele tinha feito e que lhe incumbia provar), devia ter insistido, antes da produção de prova terminar, com o tribunal recorrido, reclamando contra a nulidade processual que se estava a cometer, e, caso a arguição fosse indeferida por despacho, devia então ter recorrido de tal decisão. O que ele não pode fazer é deixar passar a questão e só agora, no recurso da sentença, a vir levantar.

II
Como também já se viu acima, o réu entende ainda que em vez do que consta do ponto 5 dos factos provados, devia constar que:
O réu vive actualmente na casa do seu filho, onde também vive a ex-companheira, mãe dos seus filhos, A, contribuindo mensalmente com 600€ para o sustento da casa, suportando ainda, o montante mensal médio de 110€ em medicamentos e 180€ em deslocações a C para ser observado no Hospital M, cujas consultas e taxas moderadoras não são pagas por serem comparticipadas pelo seu sistema de saúde.
A razão de ser – segundo ele - dos 600€ estriba-se nas declarações da testemunha A, que afirmou peremptoriamente, conforme ficheiro: 20161109155321_881897_2871168.wma, do minuto 03:05 ao 03:37, cuja audição requer:
Test. ele põe, portanto, 600€ todos os meses na minha conta
Adv: Na conta de quem?
Test: Na minha. (…)
Test: É o meu trabalho (…).

E acrescenta:
Decorre das declarações da testemunha que é funcionária do réu e que este transfere, para fazer face a todas as despesas de casa, alimentação e pagar o trabalho da testemunha, todos os meses a quantia de 600€ para a conta bancária desta testemunha.
A outra alteração decorre implicitamente desta argumentação: a ex-companheira seria agora uma funcionária do réu.

A fundamentação contrária da decisão recorrida é a seguinte:
Deu-se como provado o facto referido em 5, atento o teor do depoimento prestado em audiência pela ex-companheira do réu, A e filho do mesmo, JL, os quais responderam com isenção e convicção que o réu entrega mensalmente para todas as despesas da casa onde reside com a sua ex-companheira e mãe dos seus filhos, a quantia de 500€, e ainda suporta as mencionadas quantias médias mensais em medicamentação e deslocações ao Hospital M de C, no qual não paga taxas moderadoras e consultas por serem comparticipadas pelo seu sistema de saúde.
A autora defende a decisão recorrida dizendo que o réu não refere que a sua outra testemunha – o filho JL – afirmou que o réu entregava 500€. A autora não se digna localizar a passagem em que esta testemunha terá dito isso, falta de localização que implica violação do disposto no art. 640/2-b do CPC, o que levaria à desconsideração de tal depoimento, mas entretanto já tiveram que ser ouvidas as cinco testemunhas inquiridas pelo que a falta acaba por não ter relevo.

Decidindo:
Quanto aos 500€ ou 600€.
A ex-companheira fala em 600€, mas o filho fala em 500€. E quando o filho fala em 500€, o réu, que estava a assistir ao julgamento sentado ao lado do seu mandatário, ficou zangado com o filho e diz, exaltado, que este se enganou, tendo sido mandado retirar da sala pela Srª Juíza. Tudo como se pode ouvir na gravação do depoimento.
Por outro lado, o réu está a viver na casa do filho, filho também da sua ex-companheira, sendo que esta também lá vive. O réu diz que esta é agora sua funcionária e esta assume-me como tal, e diz que o réu lhe entrega 600€ para as despesas da casa, alimentação e trabalho dela para ele.
A versão de que o réu vai, naturalmente por favor, para casa que é do filho e onde está a mãe do filho, sua ex-companheira, e a transforma em sua empregada (funcionários são os empregados da função pública…), passando a dar-lhe 600€, incluindo para pagamento do trabalho desta para ele, não convence.
É antes muito provável que a ex-companheira esteja a prestar um depoimento favorável aos interesses do réu, de modo a evitar que este seja obrigado a pagar uma pensão à sua ex-mulher.
Assim, prefere-se o valor de 500€, que é o denominador comum dos dois depoimentos.
Quanto ao resto da alteração pretendida:
Tendo o réu cerca de 75 anos quando foi viver para casa do seu filho, onde também vivia a sua ex-companheira, mãe deste filho, que estava casada com outrem – como ela conta – embora sem viver com esse outrem, e não havendo prova de que esta tenha passado a ser companheira do réu, por ninguém o ter dito, negando a ex-companheira que tivesse reatado o relacionamento, ter-se-á que alterar a redacção do ponto no sentido, nesta parte, do pretendido pelo réu.
Assim, o início do ponto 5 passa a ter a seguinte redacção :
O réu vive actualmente na casa de um seu filho, onde também vive uma ex-companheira, mãe daquele, contribuindo... O resto mantém-se.

III
Naquilo que parece o fim da impugnação da decisão da matéria de facto, o réu diz ainda o seguinte, agora em relação ao ponto 3:
“Deveria ter sido dado como provado que “desde Janeiro de 2012 o réu deixou de contribuir com qualquer valor para as despesas da autora”.
Por que é a autora que o afirma no seu art. 12 da PI.
Ou seja, o réu, apesar de se encontrar em fase de separação/divórcio contribui para as despesas desde 2008.
Por consideração ao facto 2 dado como provado.
De resto as testemunhas da autora, não vêem a conta, não conhecem o saldo bancário. O que sabem é o que a autora lhes diz, como bem se pode ouvir, nomeadamente ao minuto 6:53 do ficheiro: 20161109152419_881897_2871168.wma, do minuto 03:05 ao 03:37, cuja audição requer.
As testemunhas não têm um discurso que se possa afirmar que hoje em dia seja a amiga a ajudar a autora.
Poderá pagar viagens, e ajudar quando a autora está em França. E se a ajuda, a autora não carece de pensão de alimentos.” [sic].

A fundamentação do decidido foi esta:
Deram-se como provados os factos referidos em 3 e 6, atento o teor do depoimento prestado em audiência pelas testemunhas arroladas pela autora, AF, OB e PP, todas amigas da mesma há já vários anos, mas que depuseram em tribunal com convicção, isenção e imparcialidade, uma vez que, acompanham o dia-a-dia da autora e explicitaram ao tribunal que o réu deixou de contribuir com qualquer ajuda monetária à autora, a qual apenas conta com a sua pensão de velhice para sobreviver, suportando todas as despesas entre as quais o condomínio no montante de 10€.
Deu-se como não provado que os factos ocorridos em 3 remontem a Janeiro de 2012, alegado pela autora, uma vez que incumbia à mesma fazer prova da sua ocorrência, não o tendo feito, não logrou o tribunal firmar convicção sobre a ocorrência de tal, razão pela qual deu os mesmos como não provados.
A autora defende o decidido e diz que não omitiu o que quer que fosse.

Decidindo:
Quanto ao começo do ponto 3 dos factos provados o réu tem razão. A própria autora diz, na petição inicial, que o réu só deixou de contribuir para as despesas da autora em Janeiro 2012. Nessa parte daquilo que a autora diz, trata-se de uma confissão de um facto (eventualmente desfavorável) e a confissão não é inadmissível pois que, o que aqui se discute já não é o divórcio, mas os alimentos.
Aquilo que o réu diz a seguir põe em causa o resto do ponto 3 dos factos provados.
Ou seja, nem (i) deveria ficar provado que a autora vive a expensas de uma amiga a residir em França, que lhe dá alojamento e alimentação quando a autora se desloca a esse país, nem (ii) que a autora vive de 305,96€ a título de pensão de velhice, paga pelo CNP.
Quanto a (i) o réu nem sequer diz porque é que tal matéria não está provada e mais à frente, como se verá, o réu até se tenta aproveitar desta matéria que aqui quer que se dê como não provada; no entanto, a decisão recorrida, na redacção que deu ao ponto, vai para além do que a prova invocada (as três testemunhas da autora) permite, prova que foi ouvida para a outra parte. Aliás, tal ter-se-á devido apenas uma questão de redacção: ou seja, quis-se dizer que a autora vive a expensas da amiga a residir em França quando se desloca a França, não que viva sempre a expensas da amiga. Nenhuma daquelas três testemunhas tentou sequer sugerir isso. Esta parte do ponto será alterada/precisada neste sentido.
Quanto a (ii), isto é, quanto ao facto de a autora viver de uma pensão de reforma de 305,96€, a redacção do ponto sugere que a autora só vive com essa reforma e disso realmente não há prova suficiente.
Veja-se: a autora dizia (na “resposta à contestação”) que tinha pago metade do valor na compra da fracção – a casa onde vive – e mais tarde liquidou o valor ao réu quando este lhe vendeu a sua parte (fls. 89 a 91 da versão do processo electrónico existente neste TRL). Isto só por si indicia que a autora tem outros meios que não só a pensão de reforma.
Por outro lado, o réu veio requerer que “o Banco de Portugal seja oficiado com vista a informar quais as contas bancárias de que a autora é titular ou co-titular e respectivas entidades bancárias, e se inste as mesmas a informar dos saldos, incluindo PPR, produtos financeiros/imobiliários e seus derivados e os movimentos dos últimos 6 meses. Assim como informem as transacções a crédito oriundas de França.”
A isto seguiu-se este despacho: “[…] notifique-se a mesma [autora] para vir aos autos se pronunciar quanto ao pedido de informação requerido pelo [réu] no que concerne às suas contas bancárias, considerando que em causa está matéria relacionada com o sigilo bancário.”
A autora opôs-se a isso, dizendo que “no que respeita ao requerido pelo réu, relativo à conta bancária da autora, esta embora não tenha dinheiro na conta bancária onde recebe a pensão de reforma, não dá o seu assentimento para que a mesma seja objecto de ser junta aos autos” (sic, fl. 227 do processo electrónico).
A isto não se seguiu nenhum despacho.
A recusa da ré em permitir que o tribunal averiguasse a existência de património mobiliário da autora, deve ser naturalmente (e legalmente: art. 417/2 do CPC) levado em conta na convicção do tribunal quanto ao facto de a autora viver ou não só da reforma, independentemente de o tribunal dever ou não ter dado seguimento à questão, fazendo um pedido de levantamento de sigilo bancário (art. 417/4 do CPC). Quem faz um pedido de alimentos contra outra pessoa – para mais com base num direito excepcional como se verá à frente - é, supostamente, porque precisa deles e por isso tem de demonstrar essa necessidade (arts. 2016, 2004 e 342/1 do CC). Por isso, tem pelo menos o ónus de deixar que sejam vistas as suas contas bancárias ou que sejam averiguados outros valores do mesmo tipo junto de outras entidades. Não o permitindo, a falta de prova de que viva apenas da pensão tem de correr por sua conta.
Assim, a redacção do ponto de facto deve ser alterada de modo a não sugerir que está provado que a autora só viva da pensão (ou só da ajuda da amiga, ou só de ambas) porque claramente não está.
Ou seja, a convicção é clara de que a autora tem outros bens mobiliários e só por não querer que se soubesse da existência desses valores é que se opôs a que o tribunal averiguasse da existência desses valores. O que é suficiente para impedir a prova de que a autora só vive da pensão que invoca.
Pelo que o ponto 3 passa a ter a seguinte redacção:
3Desde Janeiro de 2012, o réu deixou de contribuir com qualquer valor para as despesas da autora; a autora, quando se desloca a França, vive a expensas de uma amiga que aí reside, que lhe dá alojamento e alimentação; a autora recebe 305,96€ mensais a título de pensão de velhice paga pelo CNP.

IV
Por último (agora sim), o réu ainda invoca a manifesta contradição entre factos provados e erro na apreciação da prova, quantos aos factos n.ºs 3 e 6, dizendo, depois de transcrever os pontos em causa, que:
Ficou provado que a autora nem sequer reside habitualmente em Portugal, uma vez que passou a viver em França a expensas de uma amiga desde que o réu deixou de contribuir para o sustento da autora. Ou seja, sem atendermos à alimentação (cujo valor não se apurou quanto é que a autora gasta mensalmente) a autora, que nem reside habitualmente em Portugal (o que explica consumos mínimos ao nível da electricidade, água e gás), gasta só com “comunicações e TV, no montante mensal de 37,16€, ou seja, só com “comunicações e TV” a autora gasta mais de 12% do rendimento mensal que aufere (305,96€)! Porventura alguém acredita que uma pessoa que só auferisse 305,96€ mensais fosse despender 37,16€ por mês em “comunicações e TV numa casa “fechada”? Obviamente que a resposta é negativa e o que admira é como é que o tribunal a quo considerou estes factos provados sem os considerar ao menos estranhos e até contraditórios e que obviamente revelam é que a autora, se pode despender mensalmente o valor de 37,16€ só com “comunicações e TV”, numa casa que não habita regularmente, é porque não tem carências ou necessidade de alimentos, e obviamente porque não aufere tão só 306,96€/mês.

Decidindo:
É óbvio que o réu não tem razão e que, por isso, precisa de distorcer aquilo que foi dado como provado. Como já resulta do que se disse acima, não está provado que a autora resida habitualmente em França. Tanto basta para concluir que toda esta argumentação não tem sentido. Mas, para além disso, não se vê nada de extraordinário e que esteja contra a lógica das coisas, em que alguém gaste 37,16€ mensais num pacote de comunicações e TV, mesmo com uma pensão de valor tão baixo. As necessidades de comunicação e de entretenimento também fazem parte das necessidades normais de uma vida em sociedade, por mais pobre que seja o nível de vida de uma pessoa, e podem justificar que ela faça o sacrifício de outras coisas para satisfazer aquelas necessidades. Era o réu que teria de argumentar muito mais para tentar demonstrar o contrário.
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Do recurso sobre matéria de direito
Sobre esta matéria, começa o réu por dizer que:
Quanto à necessidade da autora e impossibilidade de prover à sua subsistência, não ficou demonstrado que a autora aufira tão só 305,96€ mensais de pensão de velhice paga pelo CNP (cf. facto n.º 3).
E depois de dizer, ou repetir, o que foi sendo transcrito acima, continua a dizer:
Como é óbvio, o ónus da prova incumbe à autora quanto à necessidade de alimentos, e não se compreende como pode o tribunal a quo ter considerado como provado esta carência com fundamentos fácticos tão escassos e contraditórios, implausíveis do ponto de vista das regras de experiência da vida, a que acresce o facto de não se ter apurado o real património da autora por falta de colaboração da mesma. Deveria concluir-se antes pela inexistência de necessidade de alimentos e, consequentemente, deveria o réu ter sido absolvido.
A sentença fundamentou a condenação do réu na prestação alimentar, numa primeira fase, na consideração da necessidade de alimentos da autora e na impossibilidade desta de prover à sua subsistência, dizendo o seguinte (em síntese feita por este acórdão):
O direito a alimentos (art. 2003/1 do CC, ou seja, tudo o que é indispensável ao sustento, habitação e vestuário) em causa nestes autos não é o direito correspectivo ao amplo dever de assistência durante o casamento (incluindo o período da separação de facto), previsto nos arts. 2015 e 1675 do CC, mas sim o direito previsto no art. 2016 do CC, subsequente ao divórcio.
A versão actual do CC, dada pela Lei 61/2008, reafirmou o princípio de autonomia, uma vez que, cada um dos ex-cônjuges deverá, em princípio, prover à sua subsistência (art. 2016/1 do CC, o que já decorria do art. 2004/2 do CC). E só se a um deles tal não for de todo possível, terá então o direito a receber alimentos do outro cônjuge, em montante que lhe permita garantir vida digna, e sempre de acordo com as reais possibilidades económicas do ex-cônjuge obrigado a prestá-los. Este direito, assentando num dever assistencial que perdura para além do casamento, passou a ter carácter subsidiário.
Assim, só a partir da prova da impossibilidade do ex-cônjuge demandante não ter possibilidades de prover à sua subsistência, prova cujo ónus lhe cabe, é que se avança para a verificação dos demais requisitos, isto é, para a ponderação das necessidades de quem os pretende e a possibilidade daquele que os presta (acs. do TRC de 17/04/2012 [será o ac. do proc. 320/10.6TBTMR.C1], do TRL de 19/12/2013 [será o ac. do proc. 27156/10.1T2SNT.L1-1] e ac. do TRP de 15/04/2013 [será o ac. do proc. 7367/06.5TBVNG-A.P1].
No caso dos autos, está provado que a autora vive da quantia mensal de 305,96€ e suporta despesas mensais quantificadas no valor de 86,48€, a que acrescem despesas com alimentação que não se lograram quantificar mas que não poderão ser inferiores a 250€ por mês (= 8,33€ x 30 dias), no montante total de 336,48€. Por outro lado, encontra-se igualmente provado nos autos que, a autora tem já 64 anos de idade, tem problemas de saúde ao nível da coluna, tendo sido operada à mesma por duas vezes, não conseguindo trabalhar. Assim é possível concluir pela necessidade de alimentos por parte daquela e impossibilidade de prover à sua subsistência.
A autora defendeu a sentença, com a mesma fundamentação.

Decidindo:
A alteração da decisão da matéria de facto veio tirar a base de facto da fundamentação de direito da sentença recorrida, com a qual, de resto, se concorda (com um desenvolvimento à frente); apenas não se colocaria a necessidade de alimentos e a impossibilidade de prover à subsistência como dois pressupostos do direito a alimentos, porque são um só, sendo a necessidade de alimentos uma consequência da impossibilidade de prover à sua subsistência. Os dois pressupostos do direito a alimentos são só dois, a necessidade do demandante e a possibilidade do demandado (neste sentido, também, os acs. do STJ que se citarão abaixo) e não três.
Sendo à autora que incumbia provar que só vivia de uma pensão de velhice de 305,96€, não tendo outras fontes de rendimento, a verdade é que ela não o conseguiu fazer, pois que não está provado, pela positiva, que é o que interessa (por isso é que se diz que o ónus da prova é dela e tal decorre dos arts. 2004 e 342/1 do CC), que ela só tem aquela pensão e que não tem outros bens susceptíveis de lhe proporcionarem rendimentos (se necessário com a sua venda; sem que, no entanto, se esteja a defender aqui que tal poderia implicar, também, no caso, a necessidade da venda da casa onde habita, tanto mais que a sentença pôs o direito de uso da autora na dependência da partilha embora o regime de bens seja o da separação…, e porque, de qualquer modo, se a autora vendesse a casa teria que arranjar outro lugar para viver, em princípio com as inerentes despesas a mais).
Assim sendo, não há razão para condenar o réu a pagar a diferença entre as despesas provadas e os rendimentos provados (= 30,49€ mensais) pois que a autora não provou não ter outra fonte de rendimentos suficientes para cobrir essa pequena diferença.
Nem, muito menos, haveria razões para condenar o réu pela diferença entre os rendimentos provados e o IAS, por que não se provaram outras despesas para além do valor de 336,48€. Se só se provaram estas despesas, o tribunal não pode ir mais além, sem suporte nos factos, presumindo, sem fundamentação, que aquilo que a autora necessita é o valor do IAS. Tanto mais que se sabe que a autora não tem uma das despesas mais significativas que qualquer pessoa normalmente tem, ou seja, com a sua habitação, pois que, como decore da própria decisão recorrida, foi atribuído à autora o uso da casa de morada de família sem fixação de qualquer contrapartida.
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O que antecede, só por si, fundamenta a procedência do recurso, mas importa ainda dizer (é o desenvolvimento anunciado acima) que o direito a alimentos dos ex-cônjuges não pode ser visto como o genérico direito a alimentos, pois que tem características muito particulares: para além de subsidiário, como referido pela sentença, é também um direito excepcional e tendencialmente transitório, para além de ter um carácter reabilitador (Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, Algumas reflexões sobre a obrigação de compensação e a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, Estudos em homenagem a Heinrich Ewald Hörster, Almedina, Dez 2012, e Reflexões sobre a obrigação de alimentos entre ex-cônjuges, em Textos de direito da família para Francisco Pereira Coelho, Imprensa da Universidade de Coimbra, Fev2016, págs. 573 a 623, consultado on-line; e Jorge Duarte Pinheiro, O direito da família contemporâneo, 2016, 5ª edição, Almedina, págs. 531 a 533, com referências a Maria João Tomé).
Parafraseando Maria João Romão Carreiro Vaz Tomé, o direito a alimentos pós-divórcio visa apenas permitir a transição para a independência económica do ex-cônjuge que se encontra em situação de necessidade, como decorre do princípio da auto-suficiência consagrado no art. 2016/1 do CC. Este direito tem pois um carácter temporário. O alimentante não será responsável pelo futuro do alimentando. Aquilo que se visa com a adopção “do sistema de divórcio pura constatação da ruptura do casamento e o princípio do clean break ou da concentração dos efeitos do divórcio […] dificilmente teria lugar se um dos ex-cônjuges ficasse indefinidamente obrigado a prestar alimentos ao outro.” “A obrigação de alimentos subsiste pelo período de tempo suficientemente razoável para o alimentando se adaptar às suas novas circunstâncias de vida. […] O aumento da taxa de divórcio de casamentos de breve duração conduziu à reconfiguração da obrigação de alimentos, inspirando a adopção de uma perspectiva reabilitadora, traduzida na duração temporalmente delimitada desta obrigação e no pagamento una tantum, quando possível, em detrimento da realização de prestações periódicas por tempo indeterminado. […] Os alimentos temporários propendem a ser a regra no direito do divórcio, tendo por fim o auxílio provisório do ex-cônjuge mulher desprovido das aptidões ou da experiência necessária para o exercício do trabalho remunerado. […] Em qualquer caso, a obrigação não deveria ter limites temporais na hipótese de “idade já avançada do cônjuge necessitado e de casamento de longa duração.” (daquela autora, em Algumas reflexões…, págs. 445 a 458, que se esteve a seguir mesmo na parte sem aspas).
“Trata-se [ainda segundo a autora e obra citadas, págs. 451 e 453/454] de um modelo de alimentos temporários, baseados nas necessidades implicadas por uma vida autónoma e digna do alimentando […]” e não nas “necessidades básicas de sobrevivência. […] Deste modo, tem direito a alimentos o ex-cônjuge que não teve oportunidade de prosseguir a educação ou a carreira profissional em virtude da gestão da vida familiar. Uma vez que não se funda na continuação das obrigações conjugais de natureza económica para além do divórcio, a determinação do montante dos alimentos reabilitadores norteia-se pela necessidade de atribuir, ao ex--cônjuge necessitado, os instrumentos necessários para superar os obstáculos existentes no mercado de trabalho. Pode, pois, dizer-se que o quantum e a duração dos alimentos dependem da conciliação entre a necessidade de permitir ao alimentando um novo começo e a necessidade de limitar as vinculações do cônjuge alimentante.” (a autora volta ao tema em Reflexões sobre a obrigação de alimentos…).
Isto tudo por a lei ter seguido de perto os princípios europeus do direito da família, embora sem consagrar expressamente o carácter temporário da prestação de alimentos (e por isso, nessa parte em desconformidade com tais princípios – desconformidade que decorreu da intervenção do Presidente da República, segundo lembram, na nota 173 da pág. 98, Marta Falcão, Miguel Serra e Sérgio Tomás, Direito da Família, 2016, Almedina), o que levará a que, para a cessação da prestação, tenha de ser o devedor de alimentos a vir pedi-la ao tribunal (como o diz uma dos autores da elaboração daqueles princípios (Katharina Boele-Woelki,  [PDF]A Harmonização do Direito da Família na Europa - Faculdade de ... www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/ct_MA_12524.pdf Divórcio com os Princípios da CEFL sobre Direito da Família Europeu, pág. 46, reconhecendo, por isso, nesta parte, a desconformidade com os ditos princípios).
Mais ou menos no mesmo sentido, Teresa Caria de Magalhães Basto, O crédito de compensação a favor de um dos ex-cônjuges – em especial: confronto com a obrigação de prestar alimentos - dissertação de mestrado em direito privado, Centro Regional do Porto, Escola de Direito, UCP, Porto Maio de 2014, especialmente, págs. 7 a 18.
E Rute Teixeira Pedro: “o novo regime aponta para a natureza subsidiária e para o carácter excepcional e transitório do direito a alimentos entre ex-cônjuges […]” (Código Civil anotado, vol. II, Almedina, 2017, pág. 925, desenvolvido em 925-926).
O que de algum modo está em linha com o facto de em França o direito a alimentos entre ex-cônjuges nem sequer existir autonomamente, sendo antes considerado no âmbito de uma prestação compensatória, de natureza mista, indemnizatória e alimentar (art. 270 do Código Civil francês, na redacção da Lei 2004-439 de 26/05/2004 – CC annoté, Dalloz, 2017, págs. 474 a 478, esp. nota 15 da pág. 477, e Droit de la famille, Vincent Bonnet, Larcier, Nov2015, págs. 289/290 e 299/301) e de em Espanha também não existir e nem mesmo ser considerado no âmbito da pensão compensatória prevista no art. 97 do CC espanhol, na redacção da Lei 15/2005, de 08/07, embora a jurisprudência das audiências provinciais espanholas (= tribunais da relação) entenda o contrário, invocando para tal o n.º 8 de tal artigo (Agustín Pardillo Hernândez, El derecho de família en la reciente jurisprudência del tribunal supremo, Tirant lo blanch, Valencia, 2017, págs. 305 a 377, especialmente nota 28 da pág. 275, e Marta Ordás Alonso, La cuantificación de las prestaciones económicas en las rupturas de pareja, Bosch, 2017, págs. 362 e 363).
E o regime alemão de alimentos entre ex-cônjuges, tal como dado a conhecer pelo Prof. Miguel Teixeira de Sousa, no blog do IPPC, é bastante esclarecedor desta natureza excepcional do direito em causa (transcrevem-se apenas algumas passagens do Apontamento sobre o regime de alimentos entre ex-cônjuges no direito alemão, de 10/01/2017):
“[…] segundo o disposto no § 1569 BGB, vale no direito alemão quanto a alimentos entre ex-cônjuges o "princípio da auto-responsabilidade", segundo o qual, após o divórcio, incumbe a cada ex-cônjuge cuidar da sua própria subsistência […]. Em conformidade com aquele princípio, o § 1574 BGB estabelece a regra de que incumbe ao cônjuge divorciado o exercício de uma adequada actividade profissional.
O § 1569 é um preceito programático, pelo que dele não decorre nem a atribuição, nem a recusa de nenhuma prestação de alimentos […]
Na sequência do "princípio da auto-responsabilidade", o § 1578 BGB, depois de estabelecer a regra de que, após o divórcio, cada um dos ex-cônjuges deve assegurar a sua própria subsistência, determina que pretensões alimentícias de um dos ex-cônjuges contra o outro ex-cônjuge só são reconhecidas quando se verifique um dos casos excepcionais referidos nos §§ 1570 a 1576 BGB […]
3.-O dever de prestação de alimentos após o divórcio tem de ter um fundamento legal específico. O BGB enuncia os seguintes possíveis fundamentos para a imposição da prestação de alimentos por um dos ex-cônjuges ao outro: assistência prestada a um filho comum (§ 1570), idade (§ 1571), doença ou invalidez (§ 1572), impossibilidade de obtenção de meios de subsistência (por desemprego, por exemplo) (§§ 1573 e 1574), educação, continuação da educação ou reeducação profissional (§ 1575) e, por fim, equidade (§ 1576).
4.-a)-O dever de prestar alimentos rege-se pelos requisitos habituais da necessidade do ex-cônjuge credor (§ 1577 (1) BGB) e pela possibilidade do ex-cônjuge devedor (§ 1581 BGB). Específico do direito alemão é que a imposição da prestação de alimentos, mesmo quando seja devida por um dos referidos fundamentos, não pode ser contra a equidade (§ 1578b BGB).
Isto mostra que o regime alemão comporta duas restrições quanto à imposição de uma obrigação de prestação de alimentos por um dos ex-cônjuges ao outro:
-A obrigação tem de ter cobertura numa das normas (consideradas excepcionais) que se encontram nos §§ 1570 a 1576 BGB;
-Além disso, a necessidade de um dos ex-cônjuges receber alimentos do outro tem de resultar de circunstâncias respeitantes ao casamento entretanto dissolvido (cf. § 1578b BGB).
[…]
O § 1578 BGB estabelece o princípio de que a medida da prestação de alimentos se determina de acordo com o nível de vida existente no casamento. É a esta regra que o § 1578b BGB estabelece uma excepção: a prestação de alimentos devida por um dos ex-cônjuges ao outro pode ser restringida (quer no quantum, quer no tempo, quer num e noutro) quando a capacidade deste último para obter meios de subsistência não esteja afectada ou diminuída por circunstâncias decorrentes do casamento dissolvido […]
É este o sentido essencial do § 1578b BGB. Este preceito restringe a prestação de alimentos ao ex-cônjuge credor quando a capacidade de assegurar a sua subsistência não tenha ficado prejudicada por desvantagens decorrentes do casamento […]
[…]
Segundo o disposto no § 1578b (1) BGB, são consideradas como desvantagens decorrentes do casamento os cuidados ou a educação de um filho comum ou a conjugação da actividade doméstica com o exercício de uma actividade profissional. A enumeração não é taxativa […]
[…].”
No mesmo sentido da doutrina portuguesa referida acima referida, diz o ac. do STJ de 23/10/2012, 20/10.6TBTMR.C1.S1:
IO princípio geral, em matéria de alimentos entre ex-cônjuges, após o divórcio ou a separação judicial de pessoas e bens, que decorre da sequência dispositiva do art. 2016 do CC, é o do seu carácter excepcional, expressamente limitado e de natureza subsidiária, com base na regra de que “cada cônjuge deve prover à sua subsistência” e de que “o direito a alimentos pode ser negado, por razões manifestas de equidade”.
IIA obrigação de alimentos só existe, em princípio, na vigência da sociedade conjugal, mesmo quando não assume a sua plenitude, como acontece na hipótese da separação de facto.
[…]
VO cônjuge divorciado não tem o direito adquirido de exigir a manutenção do nível de vida existente ao tempo em que a comunidade do casal se mantinha, o que significa que o dever de assistência, enquanto existir comunhão duradoura de vida, tem uma extensão muito maior do que o cumprimento do mero dever de alimentos, quando essa comunhão tiver cessado, pelo que o factor decisivo para a concessão e a medida dos alimentos não resulta da eventual deterioração da situação económica e social do carecido, após o divórcio.
VIO casamento não cria uma expectativa jurídica de garantia da auto-suficiência, durante e após a dissolução do matrimónio, o que consubstanciaria um verdadeiro “seguro de vida”, por não ser concebível a manutenção de um “status económico” atinente a uma relação jurídica já extinta, sendo certo que cada cônjuge deve prover à sua subsistência, depois do divórcio.
[…]
E o ac. do STJ de 03/03/2016, proc. 2836/13.3TBCSC.L1.S1:
IA lei 61/2008, de 31/10 – que introduziu alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento do divórcio – aderiu ao chamado princípio da auto-suficiência, conferindo, em regra, ao direito a alimentos entre cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária (art. 2016 do CC).
IINeste novo modelo, desligado do conceito de culpa, o direito a alimentos entre ex-cônjuges depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004 do CC, cingindo-se a obrigação de os prestar ao indispensável para o sustento, habitação e vestuário do cônjuge economicamente carenciado de forma a assegurar-lhe uma existência condigna depois da ruptura do vínculo do casamento, sem ter, porém, por finalidade proporcionar-lhe um nível de vida equiparado ou sequer aproximado ao que tinha na vigência da comunhão conjugal (arts. 2003/1 e 2016-A/3, do CC).
[…]
Tal como o ac. do STJ de 27/04/2017, proc. 1412/14.8T8VNG.P1.S1:
IA Lei 61/2008, de 31/10 – inspirada nos Princípios de direito da família europeu relativos a divórcio e elimentos entre ex-cônjuges publicados em 2004 – veio introduzir alterações significativas no regime dos alimentos entre ex-cônjuges no seguimento de divórcio, tendo esse direito passado a ter cariz excepcional.
IIAo ter optado, claramente, por aderir ao princípio da auto-suficiência, o legislador passou a conferir ao direito a alimentos entre ex-cônjuges carácter temporário e natureza subsidiária, características estas que estão bem evidenciadas no art. 2016 do CC.
IIINeste novo modelo – associado, em grande medida, ao divórcio desligado do conceito de culpa – o referido direito depende apenas da verificação dos pressupostos gerais da necessidade e da possibilidade enunciados no art. 2004 do CC […]
[…]”
Ora, esta natureza reabilitadora, excepcional, subsidiária e tendencialmente temporária do direito a alimentos entre ex-cônjuges, tem naturalmente que ter consequências ao nível da alegação de factos (pelas duas partes), não podendo a atribuição do direito ser vista como um pró-forma de uma acção de divórcio e como algo inerente ao mesmo (sendo que, em alguns casos, provavelmente o que se justificará não será o direito a alimentos mas sim o direito a uma compensação por contribuições excessivas, previsto no art. 1676, n.ºs 2 e 3, do CC - nos termos desenvolvidos no estudo citado de Maria João Tomé, e num outro de Guilherme Oliveira, em a Nova Lei do divórcio, Lex Familae, 2010, n.º 13, págs. 18 a 20); o que não se desenvolve mais, por agora, porque no caso não se provou, sequer, o primeiro pressuposto do direito em causa.

                     
Posto isto, não estando verificado o primeiro pressupostos dos alimentos pedidos (o da necessidade da autora, que está conexionado com a possibilidade de prover ao seu sustento, que não é um pressuposto autónomo), não interessa discutir o outro pressuposto (o da possibilidade do réu), nem o montante da prestação de alimentos, ficando por isso prejudicada a apreciação dos argumentos que as partes dedicavam a estas sub-questões.
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Na parte relativa a custas, ter-se-á em conta aquilo que é lembrado por Salvador da Costa no breve comentário ao segmento relativo a custas processuais constante do acórdão da Relação de Évora de 23/03/2017, publicado no blog do IPPC.
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Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, revogando a condenação do réu na prestação de alimentos à autora e absolvendo-o desse pedido; quanto ao mais a sentença mantém-se.
A autora está dispensada das custas, pelo que não pode ser condenada nelas (art. 16/1 da Lei 34/2004). O réu tem direito ao reembolso das taxas de justiças que pagou, a suportar pelo IGFEJ (art. 26/6 do RCP).



Lisboa, 12/10/2017



Pedro Martins
Arlindo Crua
António Moreira