Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1877/20.9T8BRR.L1-4
Relator: SÉRGIO ALMEIDA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
SUBORDINAÇÃO JURÍDICA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/23/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA A SENTENÇA
Sumário: Não se comprovando a existência de subordinação jurídica no âmbito de uma relação que teve início ainda na década de 90, sob o regime da LCT, inexiste contrato de trabalho.
(Elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Autor (A.) e recorrente: AAA
Ré (R.):  BBB

O A. demandou a R. alegando que (i) participou na constituição da ré, em 30 de Julho de 1991, sendo que, nessa data, lhe foi transmitido que seria seu trabalhador; (ii) a partir de então, passou a exercer funções de administrativo/comercial da ré, competindo-lhe efectuar prospecção de bens para adquirir procurar adquirentes para imóveis, bem como procurar sociedades que pretendessem utilizar um terreno denominado areeiro destinado à recepção de entulhos; (iii) exercia as suas funções nas instalações da ré ou nos locais para onde se deveria deslocar e recebia instruções do seu sócio-gerente, designadamente acerca das zonas onde deveria procurar os bens para aquisição; (iv) a partir de Abril de 2006 e como a fechadura das instalações da ré tivesse sido mudada, passou a, por ordens da ré, apenas a desempenhar as suas funções no exterior; (v) ultimamente, auferia a retribuição mensal de €750,00; (vi) exerceu as suas funções até ao dia 11 de Novembro de 2019, data em que a ré lhe endereçou missiva comunicando a cessação do pagamento da sua retribuição; (vii) ao longo da execução do contrato, a ré nunca procedeu ao pagamento de subsídio de férias e subsídio de Natal.
Fundamentos com que pediu que seja declarada a ilicitude da cessação da relação de trabalho operada pela ré e que, em consequência, seja esta condenada: (i) no pagamento das retribuições, férias subsídio de férias e subsídio de Natal que deixou de auferir desde o despedimento até à data da sentença; (ii) no pagamento da indemnização de antiguidade em substituição da reintegração; (iii) no pagamento de uma compensação por falta de aviso prévio; e ainda no pagamento da quantia de €40.268,44, a título de créditos emergentes da execução e da cessação do contrato de trabalho.
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Não havendo conciliação, a ré contestou, alegando que (i) o autor nunca foi seu trabalhador; (ii) os valores que o autor recebeu da ré, ao longo dos anos, decorreram de deliberação social que foi no sentido de remunerar os sócios não gerentes; (iii) o autor sempre teve outras actividades que o impossibilitavam de ter com a ré qualquer relação laboral.
Pediu a improcedência da acção e a sua absolvição dos pedidos.
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Saneados os autos e efetuado o julgamento, o Tribunal julgou a ação improcedente e absolveu a R. do pedido.
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Inconformado, o A. apelou, concluindo:
(…)
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Contra-alegou a R., pedindo a improcedência do recurso e concluindo:
(…)
O MºPº teve vista e pronunciou-se pela improcedência do recurso.
As partes não responderam ao parecer.
Foram colhidos os vistos legais.
FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil – se a decisão da matéria de facto merece a censura feita; se existe um contrato de trabalho entre A. e R. e com que consequências.
(…)
Deste modo, por incumprimento dos ónus do art.º 640 do Código de Processo Civil., o Tribunal rejeita o recurso da decisão da matéria de facto.
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Factos provados :
1. A ré foi constituída na data de 30 de Julho de 1991, tendo por objecto a indústria de construção civil e a compra e venda de propriedades.
2. São sócios da ré (…), (…), (…), (…) e (…), sendo que, aquando da sua constituição, eram sócios-gerentes (…) e (…).
3. Através da AP. 57/20210803, foi averbado ao registo da ré a cessação de funções, na qualidade de gerente, de (…).
4. Pelo menos a partir do início do ano de 1997 até Agosto de 2019 (inclusive), a ré pagou mensalmente valores ao autor, valores esses que, ultimamente, ascendiam a € 750,00 mensais.
5. A ré nunca pagou ao autor quaisquer valores a título de subsídio de férias e subsídio de Natal.
6. Com data de 7 de Outubro de 2019, a ré remeteu ao autor missiva, que este recebeu, sendo o seguinte o teor da mesma:
«(…)
Assunto: Redução de custos da BBB
De acordo com o disposto na acta n.º 36 constante do livro de actas da sociedade BBB em que foi deliberado tomar medidas restritivas relativamente às despesas correntes e em concreto aos pagamentos aos sócios que não exercessem funções de gerência, nem de direcção e nem de qualquer outra espécie, tudo como é do v/ conhecimento, sido anulada a decisão que a esse respeito havia sido tomada e constante da acta n.º 5 de 30 de Abril do ano de 1997, vimos comunicar-lhe o seguinte:
A partir do mês de Setembro do corrente ano a BBB deixou de lhe pagar a verba que vinha sendo paga, como já aconteceu em relação ao outro sócio. Quaisquer pagamentos a sócios sem funções executivas somente serão devidos e efectuados a título de distribuição de lucros quando e se a eles houver lugar.
(…)».
7. Com data de 21 de Outubro de 2019, o autor remeteu missiva à ré, que a ré recebeu, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Assunto: Não pagamento de salários pela sociedade “BBB.”
Exmos. Senhores
Como é do vosso conhecimento, sou sócio dessa sociedade, e exerço as funções de trabalhador, auferindo uma retribuição mensal no valor de € 750,00 mês.
No entanto sem qualquer motivo não me foi pago o salário referente ao mês de Setembro de 2019.
Como é do conhecimento de V. Exas., existe a obrigatoriedade de ser realizado o pagamento regular atempado da retribuição.
Verificando-se a ausência de pagamento pontual da retribuição, deverá a entidade patronal realizar o pagar ao trabalhador dos juros de mora correspondentes, calculados à taxa em vigor à data, que presentemente é de 4%.
Acresce que não me é pago subsídio de férias e subsídio de Natal [h]á mais de 10 anos, existindo assim uma dívida do montante de cerca de € 15.000,00.
Chamo a vossa atenção que a entidade patronal que não pague pontualmente a retribuição dos seus trabalhadores fica impedida de praticar certos actos, de onde se destacam o de distribuir lucros ou dividendos, remunerar membros dos corpos sociais, designadamente o seu gerente, comprar ou vender acções e quotas.
Sendo que caso tome algumas das medidas indicadas, as mesmas poderão ser anuladas.
Ora no mês presente o valor total em dívida, para além do valor dos subsídios de Natal e férias, para comigo é de e 750,00, acrescido de juros desde a data do vencimento até ao pagamento (…).
Caso o pagamento solicitado não ocorra e a situação se mantenha, outra hipótese não me resta do que participar junto da Autoridade das Condições de Trabalho e apresentar a correspondente acção judicial para fazer valer os meus direitos.
(…)».
8. Com data de 14 de Novembro de 2019, a ré endereçou missiva ao autor, que este recebeu, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Assunto: Ref. v/ carta de 21/10/2019.
Exmo. senhor e sócio
Damos em nosso poder a carta endereçada à BBB datada de 21/10/2019 à qual se responde.
Contrariamente ao que afirma, nunca foi trabalhador nem exerceu qualquer função de direcção ou de gerência na empresa.
A verba que lhe era paga a si e aos sócios resultava da deliberação tomada na Assembleia Geral que teve lugar no ano de 1997 e que foi anulada pela deliberação também tomada por maioria pelos sócios na Assembleia Geral convocada e reunida em 30 de Janeiro de 2016 na qual estiveram presentes todos os sócios e na qual se absteve.
Dessa reunião foi elaborada uma acta que tomou o n.º 36 e consta do livro de actas da sociedade.
Nenhum sócio impugnou essa acta no prazo legal pelo que a deliberação tornou-se definitivamente válida e eficaz para produzir efeitos.
Deste modo não corresponde à verdade que seja trabalhador da BBB e que exerça na empresa qualquer actividade ou função que, de resto, nem sequer a indica. E não a indica porque nunca teve nenhum contrato de trabalho subordinado. nunca teve estipulado nem cumpriu qualquer horário de trabalho para entrada ou saída e nem teve dependência hierárquica de algum órgão de gestão.
Diz muito bem e confessa a não existência de qualquer contrato de trabalho na ou para a empresa quando afirma que nunca recebeu nem subsídio de Natal nem de férias. Não recebeu, é verdade, não tinha que receber, tanto assim que durante todos esses anos nada reclamou o que significa que estava bem ciente de que não desempenha nenhuma função nem executava qualquer contrato de trabalho dependente e subordinado à entidade/BBB.
Quanto a lucros, recebê-los-á na proporção da sua quota se a BBB conseguir superar a situação de recessão em que se encontra e vier a ter resultados positivos.
Assim e como já lhe foi comunicado por anterior carta, a empresa fez cessar os pagamentos que vinha fazendo aos sócios sem funções executivas pela deliberação exarada na retro referida acta n.º 36 de 30 de Janeiro de 2016 a título de adiantamento e por conta de lucros a distribuir.
(…)».
9. Datada de 6 de Dezembro de 2019, o autor remeteu à ré missiva, sendo o seguinte o seu teor:
«(…)
Exmos. Senhores
Recebi uma carta de V. Exa., datada de 7 de Outubro de 2019, na qual era informado que me era suspenso o pagamento do meu salário.
Como é do vosso conhecimento, eu exerci as funções de trabalhador Administrativo/comercial dessa sociedade durante anos, sendo remunerado enquanto trabalhador pelo exercício dessas tarefas.
A carta enviada por V. Exas., configura um despedimento, pelo que solicito que me enviem devidamente preenchido o modelo RP 5044/2018, que vos envio em anexo.
Caso o referido documento não me seja enviado até ao próximo dia 16 de Dezembro de 2019, participar junto da Autoridade das Condições de Trabalho para fazer valer os meus direitos.
(…)».
10. Do documento de fls. 45, dos autos, denominada “Acta Número Quatro”, consta como segue:
«(...)
Aos trinta dias do mês de Dezembro de mil novecentos e noventa e seis reuniram-se em Assembleia convocada para o efeito os sócios da firma “ (…) a fim de deliberarem as remunerações a serem atribuídas aos respectivos sócios, tendo sido deliberado que os sócios (…) e (…) passarão a auferir o vencimento mensal de sessenta mil escudos a partir do mês de Janeiro de mil novecentos e noventa e sete. Relativamente aos sócios (…) e (…) manter-se-ão somente na qualidade de sócios sem remuneração.
(…)».
11. O autor desenvolve a actividade de DJ, pelo menos de forma esporádica.
12. O autor foi sócio-gerente da sociedade “(…)” constituída em 1999 e com matrícula cancelada em 2008.
13. O autor é sócio da sociedade “(…).”, constituída em 2006.
14. O autor é sócio-gerente da sociedade “(…).”, constituída em 2005.
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De Direito
A qualificação do contrato, no que ao foro laboral respeita, depende não daquilo que as partes lhe chamaram, e nem sequer do que tiveram em mente aquando da sua celebração, mas sobretudo da forma como a relação foi configurada enquanto subsistiu.
Elemento característico e definidor deste contrato é a subordinação jurídica do trabalhador, o qual se encontra numa situação de dependência do empregador, sob a sua “autoridade e direcção”. É este o sentido do art.º 1152 do Código Civil, como nota o Prof. Romano Martínez, in Código do Trabalho Anotado, 4ª ed., 92. Subordinação jurídica porquanto está sujeita à heterodeterminação da sua prestação laboral, quer na sua génese quer durante toda a vida do vínculo jurídico, feita potestativamente pela entidade patronal, desde logo quanto ao lugar e ao momento da sua efectivação[1].
(por todos cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 29.1.1992, Colectânea de Jurisprudência, I-200: “I - O critério diferenciador entre contrato de trabalho e de prestação de serviços é o de subordinação jurídica. II - No contrato de trabalho promete-se um trabalho uma actividade, sob a direcção e fiscalização da entidade empregadora, enquanto na prestação de serviços se promete apenas um resultado”; de 19.02.97, Colectânea de Jurisprudência, I-183: “I - Constitui subordinação económica no contrato de trabalho o facto de o trabalhador receber da entidade empregadora remuneração mensal. II - Traduz subordinação jurídica o facto de um trabalhador ter acordado com uma empresa de radiodifusão prestar-lhe a sua atividade consistente no apoio a um realizador de rádio, antes, durante e após determinadas emissões de radiodifusão, mediante um horário por ela estipulado, sendo ela que ordenava as funções que pretendia que ele desempenhasse)
Mário Pinto, Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, escrevendo em "Comentário às Leis do Trabalho", 1994, secundam Galvão Telles quando referia que "a subordinação... consiste em a entidade patronal poder dalgum modo orientar a atividade em si mesma" (pág. 25). Tal faculdade, referem, é imprescindível, ainda que possa "subsistir sem ser atuada". E deve ter associado o poder disciplinar.
Da factualidade apurada não resulta provado diretamente que o A. estivesse subordinado juridicamente à R., que recebesse ordens em termos enquadráveis naquela subordinação.
Nada se provou que demonstre haver subordinação jurídica nos termos do art.º 1º da Lei do Contrato de Trabalho (LCT - aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49 408 de 24/11/1969), que dispunha que “contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direção desta”, norma aplicável tendo em atenção que a relação jurídica entre as partes é anterior a 2003, sob o regime da LCT, a qual só em 2003 foi substituída pelo Código do Trabalho.
Isto prejudica o recurso.
Para a sentença recorrida (depois de várias considerações de direito e de facto),
“(…)
Enquanto elemento típico caracterizador da eventual existência de uma relação laboral e porque o contrato de trabalho é, por natureza, um negócio jurídico oneroso, apenas logrou apurar-se o que resulta do facto provado sob o ponto 4., isto é, que pelo menos a partir do início do ano de 1997 até Agosto de 2019 (inclusive), a ré pagou mensalmente valores ao autor, valores esses que, ultimamente, ascendiam a € 750,00 mensais. Sequer se prova, portanto, que tais pagamentos já viessem a ser feitos desde Julho de 1991, momento da constituição societária da ré. Já relativamente ao sinalagma também pressuposto pelo vínculo laboral, a saber, a existência de uma prestação do autor, com carácter de subordinação, nada resultou provado, maxime, o exercício de funções de natureza administrativa e comercial por conta e sob autoridade da ré. Vale o exposto por dizer que a mera prova da existência de pagamentos é insuficiente para que o tribunal possa concluir pela existência de um vínculo laboral, sendo que a prova dos demais factos que demandariam que assim se concluísse cabia ao autor, à luz do disposto no art.º 342.º, n.º 1, do Código Civil, o que, de todo, se verificou. Aliás, ainda que, in casu, se convocasse a aplicação da denominada presunção de laboralidade, a conclusão não seria distinta, posto que nada se provou quanto ao local onde porventura fossem exercidas funções, a pertença dos equipamentos ou materiais de trabalho e a existência de um horário de trabalho.
Concede-se que os pagamentos efectuados, ao longo de tantos anos, poderiam porventura pressupor a existência de tarefas próprias da actividade da ré, derivando, daí, a prestação de uma actividade por sua conta e sujeita à sua orientação. Sucede que, ainda que assim fosse, teriam que, no ver do tribunal, ter resultado provados outros factos que tivessem a virtualidade de acomodar uma tal conclusão, quanto mais não fosse justamente o exercício de qualquer actividade e a existência de um poder de direcção e fiscalização, devidamente densificados, entenda-se. Ora, nenhum facto resultou provado a este propósito, sendo que toda a factualidade na qual erigia o autor o seu pedido quedou improvada. Se a tanto adicionarmos o que resulta dos factos provados sob os pontos 2. e 10. naturalmente que se adensam as dúvidas quanto à real proveniência dos pagamentos. A relação societária subjacente, a par do familiar, não nos consente qualquer ilação que, saliente-se, sempre teria que resultar de outros factos que não o mero pagamento de valores ao longo do tempo. No mais, as missivas trocadas entre as partes não têm a virtualidade de esclarecer a relação jurídica sujeita, mais não sendo senão o antecedente da versão que veio a ser objecto da acção.
Em síntese, pois, conclui o tribunal que o acervo fáctico provado, pela sua escassez, não consente que se conclua pela existência, entre autor e ré, de uma relação jurídica subordinada, típica do vínculo laboral, sendo que, como dito, a mera existência de pagamentos, sem a prova do sinalagma típico da prestação de trabalho, não é susceptível de conduzir ao efeito jurídico pretendido pelo autor.
Falhando a prova da existência de um vínculo laboral e, por isso, sendo improcedente o pedido de reconhecimento de uma tal tipologia de relação jurídica, naturalmente que resulta prejudicada a apreciação dos demais pedidos formulados, posto que o seu conhecimento estava na dependência da procedência daquele pedido”.
Acompanha-se sem mais estes considerandos.
Não permitindo os factos apurados a subsunção direta à previsão legal do contrato de trabalho, o atual regime (que não é aqui o aplicável) permitiria que se averigue a possível qualificação por via indiciária, sopesando os factos globalmente, de modo a poder concluir-se pela existência ou não de um contrato de trabalho. Há indícios negociais internos e externos da existência de contrato de trabalho tais como estes[2]:
a) internos 
1. o local onde é exercida a atividade (se ocorre em instalações do empregador ou em local por este indicado);
2. a existência de horário de trabalho fixo;
3. a utilização de bens ou utensílios fornecidos pela contraparte;
4. a remuneração tomando como unidade o tempo de trabalho (e não a tarefa), e ainda com pagamento de subsídios de férias e de Natal;
5. a realização da atividade pelo sujeito obrigado, com impossibilidade, em regra, de recurso a colaboradores (visto a natureza “intuitu personae” do contrato de trabalho);
6. a assunção do risco pelo destinatário da atividade;
7. o modo de execução do contrato, mormente cumprindo o credor da prestação da atividade obrigações específicas do contrato de trabalho como o direito a férias ou a prestação de informações impostas pelo art.º 106 do Código do Trabalho;
8. a inserção do prestador da atividade numa estrutura produtiva.
b) externos
1. o desenvolvimento da atividade apenas para um beneficiário da prestação;
2. o tipo de imposto pago pelo prestador da atividade e a sua inscrição como trabalhador dependente;
3. a sua inscrição na Segurança Social como trabalhador dependente (mormente nas folhas do beneficiário da atividade);
4. a sua sindicalização[3].  
Os indícios de laboralidade devem ser apreciados globalmente. E nem todos os indícios têm o mesmo valor.
Mas nem que o actual regime fosse aplicável existem indícios que suportem a aplicação da presunção contida no art.º 12 do Código do Trabalho. A factualidade contida no n.º 4 reporta-se ao pagamento de valores que poderiam existir a vários títulos. Aliás, na correspondência trocada verifica-se que a ré o tratava por sócio e o autor apresentava-se como trabalhador.
Era ao autor que incumbia a prova dos factos constitutivos do seu direito, nos termos do disposto no art.º 342, n.º 1, do código civil. Não o fez. Deste modo e necessariamente a ação teria de soçobrar e nesta sede também o recurso não pode obter provimento, improcedendo necessariamente.

DECISÃO

Pelo exposto, o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a sentença recorrida.

Custas do recurso pela recorrente.

Lisboa, 23.11.2022
Sérgio Almeida
Francisca Mendes
Celina Nóbrega

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[1] Subordinação que não se confunde com a económica (ou mesmo social ou técnica), já que muito embora amiúde o trabalhador viva dos proventos da sua atividade profissional dependente, não tem de ser assim, podendo ter fontes de rendimentos que lhe permitam até viver sem os rendimentos do trabalho por conta de outrem (nota Bertrand Russel, in A Conquista da Felicidade, citado por António Gustavo da Mota, “A Evolução da Técnica e da Organização do Trabalho”, ed. Almedina, 1996, 38, que o trabalho é desejável como antídoto contra o aborrecimento e como fator de êxito pessoal - o que mostra que está para além da mera necessidade de obtenção de meios de sobrevivência).
[2] Seguimos a lição do Prof. Romano Martínez, Direito do Trabalho, 309 e ss. Outras sistematizações são possíveis, como é o caso proposta pela Mestre Isabel Parreira.
[3] Com pertinência cita-se a lição da Prof.ª Rosário Palma Ramalho, “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, pág. 29, 31, 32, 34 a 36:
«O confronto do elemento da subordinação com os restantes elementos essenciais do contrato de trabalho evidencia a sua importância vital para a distinção do negócio laboral de outros negócios que envolvem a prestação de uma atividade laborativa: enquanto o elemento da atividade é comum e o elemento da retribuição pode estar presente nas várias formas de prestação de um trabalho, o elemento da subordinação é típico e específico do contrato de trabalho. (…)
Nesta linha são identificados os seguintes traços característicos da subordinação:
i) A subordinação é jurídica e não económica: este qualificativo realça o facto de a subordinação ser inerente ao contrato de trabalho, por força da sujeição do trabalhador aos poderes laborais (…)
ii) Pode ser meramente potencial (…), para a sua verificação não é necessária uma atuação efetiva e constante dos poderes laborais, mas basta a efetiva possibilidade do exercício desses poderes (…)              
iii) (…) Pode ser mais ou menos intensa, de acordo com as aptidões do próprio trabalhador, com o lugar que ocupa na organização laboral ou com o nível de confiança que o empregador nele deposita (…)
iv) É jurídica e não técnica (…) é compatível com a autonomia técnica e deontológica do trabalhador no exercício da sua atividade e se articula com as aptidões específicas do próprio trabalhador e com a especificidade técnica da própria atividade (artigo 112.º do Código do Trabalho) (…)
v) A subordinação tem uma limitação funcional, (…) é imanente ao contrato de trabalho, pelo que os poderes do empregador se devem conter dentro dos limites do próprio contrato. (…)
Decisão Texto Integral: