Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1486/10.0TVLSB.L1-6
Relator: VITOR AMARAL
Descritores: ARRENDAMENTO PARA HABITAÇÃO
MORTE DO ARRENDATÁRIO
TRANSMISSÃO DO ARRENDAMENTO
BENFEITORIA
INDEMNIZAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/07/2013
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. - A disciplina legal de direito transitório do art.º 57.º do NRAU, atinente à transmissão por morte no arrendamento para habitação e dispondo quanto a hipóteses de não caducidade por morte do primitivo arrendatário, tem aplicação às relações contratuais, desde que subsistentes, fundadas em contratos de pretérito, mesmo que celebrados anteriormente à vigência do RAU.
2. - Para este efeito, o primitivo arrendatário é aquele que recebeu de arrendamento através de um contrato de arrendamento em que se vinculou.
3. - A transmissão por morte da posição jurídica de arrendatário, assumindo natureza excepcional (a regra é a da caducidade do arrendamento), só se verifica, ao abrigo daquele regime legal, quanto ao primitivo arrendatário, com exclusão, assim, de qualquer outra pessoa a quem tenha sido transmitido, mortis causa, o respectivo direito.

4. - Tal solução legal, que determina a não transmissão por morte – nem a comunicabilidade – da posição do transmissário filho do inicial arrendatário para o respectivo cônjuge (nora do primitivo arrendatário), antes tendo lugar, nesse caso, a caducidade do arrendamento por morte daquele transmissário, não enferma de inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 13.º da CRPort. (princípio da igualdade) ou nos art.ºs 65.º, n.º 1 (direito à habitação), e 72.º, n.º 1 (protecção da terceira idade), da Lei Fundamental.

5. - Se no contrato de arrendamento as partes clausularam a exclusão de indemnização por benfeitorias, prevendo e querendo, assim, que tais benfeitorias ficassem a pertencer ao senhorio, tal logo afasta a indemnização por benfeitorias com fundamento em enriquecimento sem causa, pois que a causa justificativa do enriquecimento é o próprio contrato, livremente celebrado e que deve ser pontualmente cumprido, inexistindo, por isso, locupletamento injusto.(sumário do Relator)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

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I – Relatório

LV…, residente na Avenida X…, e MA…, residente na Rua Y… – a que, por via de incidente de intervenção principal provocada, se juntaram ML… , FX…, MV… e TM… –,

intentaram a presente acção declarativa, sob a forma de processo ordinário, contra,

MS…, residente na Avenida Z…,

pedindo:

a) fosse declarado que as heranças que os AA. representam são as proprietárias do prédio urbano que identificaram (sito na Av.ª W…);

b) condenando-se a R. a reconhecer esse direito de propriedade e a restituir-lhes o 1.º andar direito do mesmo imóvel, completamente devoluto;

c) e condenando-se a mesma R. a pagar-lhes uma indemnização pela ocupação do referido 1.º andar direito, de valor não inferior a € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) mensais, a contar da citação e até à efectiva restituição do imóvel.

Para tanto, alegaram os AA.:

- serem os cabeças de casal das heranças a que pertence, na proporção de metade para cada uma, o prédio urbano aludido, sendo que, por contrato datado de 07/06/1938, um dos anteriores proprietários desse imóvel deu de arrendamento a GR… o mencionado 1.º andar direito, vindo esse arrendatário a falecer e a suceder-lhe no arrendamento o seu filho, MG…;

- este último faleceu no dia 10/03/2009, no estado de casado com a R., não tendo com o mesmo convivido, no ano que antecedeu a sua morte, parentes ou afins na linha recta a quem aquele arrendamento se pudesse transmitir;

- ter, por isso, o contrato de arrendamento caducado, não tendo a R. título legítimo para a ocupação do apartamento, o qual, se colocado no mercado de arrendamento, renderia um valor mensal mínimo de € 750,00.

A R. contestou:

- excepcionando a ilegitimidade dos AA., defendendo que na acção se exige a presença de todos os proprietários do imóvel;

- impugnando a factualidade articulada pela contraparte, sustentando que o direito ao arrendamento entrou na esfera jurídica do casal e com o óbito do seu marido se concentrou na sua pessoa;

- alegando existir parente do arrendatário com ele convivente há mais de um ano, uma vez que o seu filho LM… reside no locado desde 2001, bem como ser a R. pessoa idosa, com mais de 84 anos, e doente, não tendo condições económicas para providenciar por outra habitação;

e deduziu reconvenção, peticionando a condenação dos AA./Reconvindos no pagamento da quantia de € 10.950,00 (dez mil novecentos e cinquenta euros) de indemnização por invocadas benfeitorias efectuadas no apartamento.

Replicaram os AA./Reconvindos, concluindo pela improcedência da excepção de ilegitimidade activa na acção e, bem assim, pela improcedência da reconvenção, deixando impugnada a respectiva factualidade.

Após a prolação de despacho saneador, absolvendo a R. da instância por ilegitimidade dos AA., vieram estes requerer a intervenção principal, como seus associados, dos demais herdeiros – os aludidos ML…, FX…, MV… e TM… –, incidente esse que foi admitido, com a consequente citação dos chamados, que nada vieram dizer aos autos, nem apresentaram procuração.

Dispensada a audiência preliminar, foi proferido despacho saneador, julgando improcedente, por prejudicada, a excepção de ilegitimidade activa e concluindo pela validade e regularidade da instância.

Fixados os factos assentes e a base instrutória – com reclamação da R., que foi atendida –, foi então admitido o pedido reconvencional.

Procedeu-se à realização da audiência de julgamento, tendo a matéria de facto controvertida sido decidida sem reclamações.

Foi depois proferida sentença, julgando:

1. - a acção parcialmente procedente e, em consequência:

a) declarando os AA. (os primitivos e os chamados) os proprietários do prédio urbano sito na Av. W…;

b) condenando a R. a reconhecer esse direito de propriedade;

c) bem como a entregar aos mesmos AA., completamente devoluto, o 1.º andar desse prédio urbano;

d) e ainda a pagar aos AA. uma indemnização de € 17.820,00 (dezassete mil oitocentos e vinte euros) pela ocupação do referido 1.º andar até 31 de Março de 2013, acrescida da quantia de € 540,00 (quinhentos e quarenta euros) por cada mês que se vença desde aquela data até efectiva entrega daquele espaço;

2. - absolvendo no mais a R.;

3. - improcedente o pedido reconvencional, dele absolvendo os AA./Reconvindos.

Desta sentença veio interpor recurso a R./Reconvinte (fls. 302 e segs.), admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

A Apelante apresentou, neste âmbito, as seguintes

Conclusões

«1.º Entendeu a M.ª Juíza “a quo” que ocorrida a primeira transmissão do arrendamento do primitivo arrendatário para seu filho, não poderia ter ocorrido qualquer outra transmissão porque a lei proíbe.

2.º Porém, a Ré e ora Recorrente não invocou nestes autos essa transmissão e apenas a comunicabilidade do direito, encabeçada no casal, que é coisa diferente.

3.º Na verdade, a transmissão vem prevista na lei em termos definitivos e pragmáticos de modo que sai apenas aqueles transmissários e mais nenhuns.

4.º Mas o que aqui se invoca é a comunicabilidade que a lei admite e aceita, em certas situações.

5.º Assim se o casal da Ré e seu falecido marido MG… se tivesse divorciado no âmbito da mesma lei que regula a transmissão por morte (NRAU) nessa situação poderia o tribunal atribuir o direito ao arrendamento à Ré ora recorrente, o que só demonstra que tal direito entrou na esfera jurídica do casal.

6.º Assim essa tal incomunicabilidade a que se refere a M.ª Juíza “a quo” não ocorre, já que, nos termos da lei expressa, essa comunicação se faz para o outro cônjuge,

7.º Tal situação vem vincar de forma indelével a característica desta situação que passou a ocorrer na nossa Ordem Jurídica, sendo que ao senhorio é imposto, mesmo contra a sua vontade, a permanência de outra pessoa na casa, que não o transmissário do primitivo arrendatário,

8.º Donde decorre que esse direito é comum de ambos e não apenas desse alegado transmissário, sendo que no n.º 1 do art.º 1107.º do Código Civil refere expressamente “ a morte do arrendatário” e a “concentração do direito à transmissão no cônjuge sobrevivo”, no manifesto e claro sentido de que o direito em causa pertence ao casal e não apenas ao cônjuge a quem o direito é transmitido.

9.º Esta interpretação é a mais consentânea com o momento actual já que o senhorio tem hoje a faculdade conferida pela lei 31/12 de 14 de Agosto de actualizar todas as rendas, nomeadamente as deste contrato anterior a 1990, mantendo durante apenas cinco anos as rendas actualizadas em montante condicionado pelo valor patrimonial do andar, após o que pode actualizar livremente esse mesmo valor (vide alínea a do n.º 9 do art.º 36.º da Lei 31/12 de 14 de Agosto)

10.º Assim sendo, qual o interesse dos recorridos em pôr termo a este contrato, sobretudo mantendo, como os recorridos mantém, vários andares devolutos no prédio em causa há vários anos!!!

11.º A habitação tem uma função social, não é uma jóia, ou um objeto de estimação que se guarde numa vitrine ou que se reserva para ser observada quando se pretende ou dá gosto ao proprietário.

12.º Por isso dispõe o n.º 1 do art.º 65.º da C.R.P. que “ todos têm direito para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que se preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar.

13.º O certo é que ao fazer uma interpretação da norma do n.º 1 do art.º 1107.º do Código Civil, no sentido de que o direito pertence ao cônjuge marido e não se comunica à cônjuge mulher, por nele ter sido encabeçado o casal, a M.ª Juíza violou o princípio constitucional da igualdade (art.º 13.º da C.R.P) no sentido de que “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” bem como o invocado direito à habitação consagrado no n.º 1 do art.º 65.º da C.R.P.

14.º Aliás, outros afloramentos desse princípio decorrem claramente quer do disposto no art.º 1682.º B do Código Civil, quer do art.º 28.º do Código do Processo Civil. Tanto basta para que a sentença recorrida padeça de um vício que consiste na interpretação inconstitucional da norma em causa no sentido seguido pela M.ª Juíza “a quo”.

15.º Acresce a tudo isto que a recorrente tem presentemente 87 anos de idade, é bastante doente e aufere uma pensão de reforma de cerca de 250,00€ que acumula com a pensão de sobrevivência do seu falecido marido de cerca de 150,00€, os quais em conjunto são inferiores ao salário mínimo nacional

16.º Ora também o n.º 1 do art.º 72.º da CRP estabelece que “as pessoas idosas têm direito à segurança económica e a condições de habitação e convívio familiar e comunitário que evitem e superem o isolamento e a marginalização social “ pelo que também por aí a interpretação da mesma dada pela M.ª Juíza “a quo” não tomou em atenção a situação da velhice da ora recorrente, o que constitui violação deste princípio constitucional

17.º Invocou a ora recorrente, a título reconvencional uma extensa relação de benfeitorias feitas no andar na constância do arrendamento que a M.ª Juíza “a quo” em seu douto critério entendeu não reconhecer à Ré reconvinte o direito à restituição do seu valor, ainda a apurar em execução de sentença

18.º Estriba-se a M.ª Juiza “a quo” no facto de o contrato de arrendamento referente ao andar dos autos estabelecer na cláusula 5º que o inquilino não poderá alegar retenção ou pedir indemnização por benfeitorias (SIC)

19.º Sucede, no entanto, que nos termos do art.º 9.º do RGEU (Regulamento Geral de Edificações Urbanas) – DL 38382 de 7/8/51, hoje transposto para o DL 555/99 de 16/12/99 “ as edificações existentes deverão ser reparadas e beneficiadas pelo menos uma vez em cada período de 8 anos, com o fim de remediar as dificuldades provenientes do seu uso normal e de manter em boas condições de utilização, sob todos os aspectos de que trata o presente regulamento”.

20.º Ora, o certo é que, os ora Recorridos nunca realizaram quaisquer obras de conservação ou manutenção no andar dos autos, a que, como se vê, por lei estavam obrigados.

21.º Resulta do exposto que perante a omissão dos AA em realizar quaisquer obras de conservação no andar, os titulares do direito de arrendamento viram-se forçados a, por eles próprios, avançarem com essas obras e melhoramentos, nos quais foram dispendidas verbas, que deverão ser apuradas em execução de sentença.

22.º Estabelece o n.º 1 do art.º 473.º do Código Civil que “Aquele que, sem causa justificativa, enriqueceu à custa de outrém é obrigado a restituir aquilo com que injustamente locupletou”.

23.º Sucede que apesar de aludido na cláusula 5.ª do contrato constitui manifesto enriquecimento sem causa, o facto de os senhorios, ora AA, receberem agora um andar renovado a nível de cozinha, casas de banho, quartos, corredores e estores, quando era obrigação do senhorio providenciar essas obras ou reparações no próprio arrendamento, já que a própria lei lhe atribui essa obrigação (vide alínea b) do art.º 1031.º do Código Civil)

24.º Tratando-se, como se trata de um contrato sinalagmático, a prestação de uma das partes (renda) corresponde à contraprestação da outra (a atribuição do gozo da casa em condições normais de habitabilidade, o que como se vê não sucedeu no caso dos autos. Decorre, consequentemente, que por força dessas circunstâncias o inquilino teve de se substituir ao senhorio.

25.º Ou seja, não é que o inquilino pretendesse, por seu mero arbítrio ou simples vontade fazer benfeitorias, obras ou reparações no andar! O que sucede é que perante a omissão dos senhorios foi obrigado a fazê-las para manter as condições mínimas de habitabilidade. Daí que entendamos que tenha direito ao seu reembolso, seja ele o que vier a ser apurado em execução de sentença».

Pugna por ter a decisão recorrida violado o disposto no n.º 1 do art.º 110.º, e na alínea b) do 1031.º do CCiv. e os art.ºs 13.º, 65.º e 72.º da Constituição da República Portuguesa, na interpretação que faz da norma do art.º 1107.º do Código Civil conjugado com as normas institucionais atrás referidas, pelo que deve a sentença ser revogada e substituída por outra que julgue a acção improcedente e procedente o pedido reconvencional.

Contra-alegaram os AA. (fls. 312 e segs.), pugnando pela improcedência da apelação e confirmação da sentença recorrida.


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II – Âmbito da apelação

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte apelante – as quais, exceptuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado, definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso –, constata-se que o thema decidendum, incidindo exclusivamente sobre a decisão da matéria de direito, consiste em saber:

1. - se ocorreu comunicação do direito ao arrendamento à R., enquanto cônjuge do arrendatário;

2. - se a decisão recorrida padece de inconstitucionalidade, por violação do princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º da CRPort., bem como por violação do disposto no art.º 72.º, n.º 1, da Lei Fundamental;

3.- se deve proceder a reconvenção com fundamento no art.º 473.º, n.º 1, do CCiv. (enriquecimento sem causa).


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III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

Na 1.ª instância foi considerada a seguinte factualidade como provada:

1. O A. LV… é cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de SV… [alínea A) dos factos assentes].

2. A A. MA… é cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de JM… [alínea B) dos factos assentes].

3. Do acervo patrimonial de cada uma das heranças faz parte ½ do prédio urbano sito na Avenida W, descrito … e inscrito a favor dos herdeiros SV… e de JM…, em comum e sem determinação de parte ou de direito [alínea C) dos factos assentes].

4. Por contrato celebrado no dia 07/07/1938, um anterior proprietário deu de arrendamento a GR… o 1.º andar do prédio urbano sito na Avenida W…, com destino a habitação e pela renda mensal de 560$00, entretanto actualizada para € 47,00 mensais [alínea D) dos factos assentes].

5. GR… faleceu a 27/06/2003, tendo-lhe sucedido no arrendamento seu filho MG… que com ele convivia [alínea E) dos factos assentes].

6. MG… faleceu no dia 10/03/2009, no estado de casado com a R. MS… [alínea F) dos factos assentes].

7. A R. MS… não restituiu aos AA. o 1.º andar do prédio urbano sito na Avenida W… [resposta ao art.º 2.º da base instrutória].

8. O valor da renda do 1.º andar do prédio urbano sito na Avenida W…, é de Euros 540,00 por mês [resposta ao art.º 3º da base instrutória].

9. Em 1999, por as louças sanitárias e azulejos da casa de banho do andar referido no n.º 4 estarem fendidas e por a respectiva canalização estar entupida e enferrujada, foram substituídos essas louças, azulejos e canalização [resposta ao art.º 4.º da base instrutória].

10. No mesmo andar foram substituídos azulejos que apresentavam estragos e a canalização de águas frias [resposta ao art.º 5.º da base instrutória].

11. A canalização da casa de banho da cozinha do andar referido no n.º 4, por estar entupida, foi substituída, tendo sido montadas novas louças sanitárias na mesma [resposta ao art.º 6.º da base instrutória].

12. Todos os quartos e corredores do mesmo andar foram pintados por apresentarem manchas de humidade [resposta ao art.º 7.º da base instrutória].

13. Os armários de baixo e cima da cozinha do mesmo andar, por apresentarem bicho da madeira, foram restaurados [resposta ao art.º 8.º da base instrutória].

14. O tecto da marquise da cozinha e das casas de banho do andar referido no n.º 4 foi arranjado em virtude de apresentar entradas de água [resposta ao art.º 9.º da base instrutória].

15. Foram substituídos dois estores do mesmo andar [resposta ao art.º 10.º da base instrutória].


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B) O direito

1. - Se ocorreu comunicação do direito ao arrendamento

Na decisão recorrida atendeu-se à circunstância de, na data do óbito do marido da R. (em 10 de Março de 2009), se encontrar em vigor o Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro (doravante NRAU), prescrevendo o respectivo art.º 57.º, n.º 1, que o arrendamento para habitação não caduca por morte do primitivo arrendatário, quando a este sobreviva alguma das pessoas nas circunstâncias aí referidas.

Mais se ponderou ali que, “estando em causa, nestes autos, uma hipotética segunda transmissão do direito ao arrendamento (a primeira foi a que teve lugar entre o sogro da ré e o marido desta) não tem aplicação esse normativo, sendo que o n.º 4 desse dispositivo legal “prevê uma transmissão do arrendamento em 2º grau, mas apenas a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, elenco em que não se inclui a ré” (cfr. fls. 296 v.º).

E concluiu-se pela existência de “… dois regimes de direito substantivo a reger a sucessão no direito ao arrendamento habitacional por morte do inquilino:

- o do artº 1106º do Código Civil, aplicável aos contratos de arrendamento celebrados após a entrada em vigor do NRAU;

- o do artº 57º do NRAU, por força dos artºs 26º, nº 2 e 28º do mesmo regime, aplicável aos contratos de arrendamento celebrados antes da vigência do RAU”;

optando-se pela aplicação in casu da disciplina do art.º 57.º do NRAU – em vez da estabelecida no art.º 1106.º do CCiv. –, sendo que, por um lado, “… na situação em presença, não está em causa uma transmissão do arrendamento a partir do primitivo arrendatário, pelo que não tem aplicação o n.º 1 do referido art.º 57.º do NRAU”, e tendo em conta, por outro lado, que a R. “… não se inclui entre as pessoas que à luz do nº 4 do mesmo artigo podem beneficiar da transmissão em 2º grau desse mesmo direito” (cfr. fls. 297).

A R./Apelante, inconformada, contrapõe que não se trata aqui de uma transmissão do direito ao arrendamento, mas, “antes e apenas, a comunicabilidade do direito encabeçado no casal” (cfr. fls. 303).

Socorre-se, para tanto, do disposto no art.º 1107.º, n.º 1, do CCiv., preceito que dispõe agora que por morte do arrendatário, a transmissão do arrendamento, ou a sua concentração no cônjuge sobrevivo, deve ser comunicada ao senhorio, com cópia dos documentos comprovativos e no prazo de três meses a contar da ocorrência.

Ora, o art.º 1105.º do CCiv. – inserido num conjunto normativo de que também faz parte o art.º 1107.º referido – alude à comunicabilidade e transmissão em vida do cônjuge, prescrevendo que:

“1 - Incidindo o arrendamento sobre casa de morada de família, o seu destino é, em caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, decidido por acordo dos cônjuges, podendo estes optar pela transmissão ou pela concentração a favor de um deles.

2 - Na falta de acordo, cabe ao tribunal decidir, tendo em conta a necessidade de cada um, os interesses dos filhos e outros factores relevantes.

3 - A transferência ou a concentração acordadas e homologadas pelo juiz ou pelo conservador do registo civil ou a decisão judicial a elas relativa são notificadas oficiosamente ao senhorio”.

Porém, a situação dos autos não é, manifestamente, ante o óbito do marido da R./Apelante, de transmissão ou comunicabilidade em vida do cônjuge, nem é caso de divórcio ou de separação judicial de pessoas e bens, o que logo afastaria, se outro motivo não houvesse – e efectivamente há, como dito na decisão recorrida quanto à ponderação do regime legal aplicável em termos de sucessão de leis no tempo –, a aplicação deste preceito legal.

Por sua vez, o art.º 1106.º do CCiv. – inserido no mesmo conjunto normativo – alude à transmissão por morte, estabelecendo, quanto ao que importa, que:

“1 - O arrendamento para habitação não caduca por morte do arrendatário quando lhe sobreviva:

a) Cônjuge com residência no locado ou pessoa que com o arrendatário vivesse no locado em união de facto e há mais de um ano;

b) Pessoa que com ele residisse em economia comum e há mais de um ano.

2 - No caso referido no número anterior, a posição do arrendatário transmite-se, em igualdade de circunstâncias, sucessivamente para o cônjuge sobrevivo ou pessoa que, com o falecido, vivesse em união de facto, para o parente ou afim mais próximo ou de entre estes para o mais velho ou para o mais velho de entre as restantes pessoas que com ele residissem em economia comum há mais de um ano”.

Quer dizer, aqui o caso seria de transmissão do arrendamento para o cônjuge sobrevivo, como expressamente estabelece o n.º 2 do preceito (“a posição do arrendatário transmite-se”), e não a invocada “comunicabilidade” ao cônjuge em termos de passarem ambos, em vida, a ter um direito comum de arrendamento.

De qualquer forma, seguro é que, em termos de ponderação de regime legal aplicável – atenta a sucessão de leis no tempo –, e como bem referiu a sentença recorrida, sem que tivesse sido posta em causa nesta parte a respectiva argumentação, ao caso é aplicável o regime do art.º 57.º do NRAU, em detrimento do estabelecido nos art.ºs 1105.º a 1107.º do CCiv. (na versão dada pela Lei n.º 6/2006, de 27-02).

Acresce que, regendo o art.º 1106.º quanto à transmissão por morte e não se prevendo ali qualquer forma de comunicabilidade do direito, estranho seria interpretar-se o art.º 1107.º, inserido no mesmo conjunto normativo e dispondo apenas quanto à necessidade de comunicação ao senhorio, como prevendo/estabelecendo a comunicabilidade ao cônjuge sobrevivo do direito ao arrendamento em termos de passar, em vida dos cônjuges, a figurar como um direito comum (encabeçado por ambos, integrado na comunhão conjugal).

O que se pode retirar do art.º 1107.º, em leitura conjugada (não desvinculada da sistemática e teleologia legais) com os aludidos preceitos que o precedem, é que a transmissão do direito por morte do arrendatário – nos moldes previstos no artigo anterior – ou a sua concentração no cônjuge sobrevivo devem ser comunicadas ao senhorio, pela forma e no prazo legalmente estabelecidos.

Já não parece que se possa, diversamente, concluir do texto e da economia desse dispositivo legal pela consagração legal de uma comunicabilidade nos moldes pretendidos pela Apelante.

O que ali se estabelece não são os pressupostos da transmissibilidade ou comunicabilidade do direito, mas os moldes, operada a transmissão ou concentração, da respectiva comunicação ao senhorio.

Sem esquecer – sublinha-se mais uma vez – que o regime aplicável ao caso é outro, como salientou a decisão recorrida, que fez análise exaustiva e clara da opção pelo regime legal aplicável atenta a sucessão de leis no tempo, sem que a Recorrente lograsse abalar os pressupostos de tal opção.

Cabe analisar ainda sob outra perspectiva a argumentação da decisão recorrida, posto que estamos no campo da interpretação e aplicação do direito, tarefa em que o Tribunal (também o de recurso) é consabidamente livre – cfr. art.º 664.º do CPCiv. aplicável, o decorrente da Reforma de 2007 ([1]).

Assim, o pressuposto de que partiu a sentença recorrida é o de que, estando em causa uma hipotética segunda transmissão do direito ao arrendamento – transmissão em segundo grau (entre o marido da R., por sua morte, e esta), já que a primeira teve lugar, anteriormente, entre o sogro da R. e o filho dele, marido dela –, então não tem aplicação o preceito do art.º 57.º, n.º 1, do NRAU, por ali se aludir à morte tão-só do primitivo arrendatário.

O “primitivo arrendatário” seria apenas a pessoa que outorgou no contrato de arrendamento respectivo, dessa categoria estando excluído, designadamente, quem (sub)ingressou no direito ao arrendamento por ser descendente desse originário arrendatário e em consequência do seu óbito.

Será assim?

A jurisprudência desta Relação já se pronunciou sobre a matéria.

Assim aconteceu com o Ac. Rel. Lisboa, de 22/04/2010 ([2]), que acompanhou, quanto às normas dos n.ºs 3 e 4 do aludido art.º 57.º, a seguinte conclusão de Pinto Furtado: «A transmissão num máximo de 2 graus, que era tradicional entre nós, ao longo de todo o vinculismo, passou assim, em Direito Transitório, a agravar-se em mais um ou dois graus, consoante haja um ou dois ascendentes que sobrevivam ao primitivo arrendatário: Cônjuge (1º grau); ascendente mais velho (2º grau); ascendente supérstite (3º grau); filho ou enteado do primitivo arrendatário (4º grau)».

E prosseguiu este aresto:

“Cabe fazer notar que, não obstante na sua epígrafe tal preceito fazer referência à morte do primitivo arrendatário e tal poder inculcar a ideia de que a disciplina do preceito só teria aplicação quando estivesse – logo – em causa a primeira transmissão, o alcance do preceito não é apenas esse, mas o de regular mais amplamente o facto morte do arrendatário, ocorrida depois de 28/6/2006, no âmbito de arrendamentos anteriores ao NRAU. Quer dizer, a norma em referência não deixa de ter aplicação quando o arrendatário cuja morte esteja em causa, não seja já o primitivo, como é o caso da situação dos autos. Só que, nessas circunstâncias – em que a primeira transmissão do arrendamento ocorreu antes de 28/6/2006 –, como é óbvio, apenas releva na estatuição dessa norma, a parte referente à dupla transmissão nos limites com que a admitiu. Quer isto dizer que, no caso dos autos, a aplicação do referido art 57º, não postulará, saber, como o parece ter entendido a decisão recorrida, se a R. preenchia algumas das alíneas do seu nº 1, relevando apenas saber se a ela se poderia (re)transmitir o direito ao arrendamento nos termos deste nº 4. E não pode, desde logo porque essa retransmissão só está previsto que possa ocorrer – num máximo de quatro graus, como o assinala Pinto Furtado na transcrição atrás mencionada – para pessoas que em relação ao primitivo arrendatário se configurem como seu cônjuge, seu ascendente, seu filho, ou enteado …” (itálico aditado).

E assim também o Ac. desta Relação de 29/05/2012 ([3]), pronunciando-se quanto ao disposto no art.º 85.º do RAU, onde pode ler-se que “o primitivo arrendatário, ali referido, não seria, necessariamente, o primeiro arrendatário do prédio, mas aquele que se tornou arrendatário através de um contrato de arrendamento. Como refere Pinto Furtado, in Manual do Arrendamento Urbano, vol. II, 4ª. ed., Almedina, pág. 604 «Falava-se de primitivo arrendatário para exprimir que, em função das sobrevivências enumeradas nas alíneas, a não caducidade só operava, em princípio, em um grau, isto é, para o arrendatário primeiro falecido.
Aquele que fosse arrendatário, por ter sucedido a este em função de uma das alíneas, quando por sua vez falecesse, já não abriria margem à não caducidade, excepto se se tratasse do seu cônjuge sobrevivo, pois esta situação estava expressamente ressalvada no nº 4 do art. 85º do RAU». No âmbito do NRAU, incumbe analisar o regime transitório do citado art. 57º, por remissão dos seus artigos 26º, 27º e 28º. Como refere Pinto Furtado, na obra supra citada a fls. 608 a 610 «Para este caso específico da morte do arrendatário habitacional e relativamente aos contratos que subsistiam à data da sua entrada em vigor, em 28 de Junho de 2006, editou a Lei nº 6/2006, de 27 de Fevereiro (NRAU), no seu art. 57, um regime transitório muito específico, que contempla algumas alterações relativamente ao que se encontrava em vigor. Quando tudo indicaria que, em relação aos contratos antigos, já que para eles se conserva o vinculismo, só restaria manter o regime de transmissão por morte do arrendatário habitacional consagrado no RAU, preferiu o legislador estabelecer um novo regime transitório, a pautar-se pelo disposto no art. 57º. Segundo se dispõe no nº 4 deste art. 57º, a transmissão a favor dos filhos ou enteados do primitivo arrendatário, verifica-se ainda por morte daquele a quem tenha sido transmitido o direito ao arrendamento nos termos das alíneas a), b) e c) do nº 1 ou do nº 3. A transmissão num máximo de dois graus, que era tradicional entre nós, ao longo de todo o vinculismo, passou assim, em Direito Transitório, a agravar-se em mais um ou dois graus»”.

Também – já no campo da doutrina – Pires de Lima e Antunes Varela se pronunciaram sobre o que deve entender-se por “primitivo arrendatário”, à luz da redacção originária do art.º 1111.º do CCiv. (com a epígrafe “Transmissão por morte do arrendatário”) e de ulteriores redacções desse dispositivo legal ([4]).

Assim, esclarecem estes Autores, perante aquela redacção originária:

“A transmissão mortis causa da posição jurídica de arrendatário só se verifica em relação ao primitivo arrendatário ou ao seu cessionário, e não em relação a qualquer outra pessoa a quem já tenha sido transmitido, por morte, o respectivo direito” ([5]).

E, em face da redacção dada pelo DLei n.º 293/77, de 20-07, que substituiu o segmento normativo “por morte do primitivo arrendatário” pela expressão “por morte do arrendatário” (supressão da palavra “primitivo”), sublinham os mesmos Autores que houve “a intenção de não limitar a transmissão ex lege do arrendamento ao cônjuge do primitivo arrendatário, estendendo-se sucessivamente ao cônjuge do segundo ou posterior beneficiário da locação”, termos em que o arrendamento passou a poder “transmitir-se para o cônjuge do parente ou afim da linha recta, que tenha sucedido ao primitivo arrendatário” ([6]).

Já perante a redacção dada àquele artigo pelo DLei n.º 328/81, de 04-12 – que repôs a expressão “por morte do primitivo arrendatário” –, referem os mesmos Autores que essa alteração ao regime da transmissão do arrendamento por morte do arrendatário “consistiu em se ter limitado ao cônjuge do primitivo arrendatário (e aos parentes ou afins deste na linha recta)” ([7]).

Retomando o art.º 57.º, n.ºs 1 e 4, do NRAU – aqui aplicável – a expressão “primitivo arrendatário” (assim aludindo à “morte do primitivo arrendatário”), terá de entender-se – nesta perspectiva, a que aderimos – que excluído está o cônjuge do filho de tal primitivo arrendatário, entendido este (o primitivo arrendatário) como a pessoa que celebrou, como inquilino, o contrato de arrendamento em causa.

Assim, a aqui R./Apelante, sendo cônjuge, não do primitivo arrendatário, mas do filho deste, que sucedeu mortis causa ao seu pai no arrendamento habitacional, não pode suceder em tal arrendamento por morte do seu marido.

Bem se pronunciou, pois, a decisão recorrida, improcedendo a argumentação em contrário, nesta parte, das conclusões da Recorrente.

2. - Se a decisão recorrida padece de inconstitucionalidade

Pretende a Apelante que foi violado, na sentença apelada, o princípio da igualdade, previsto no art.º 13.º da CRPort., perante a interpretação que foi acolhida do preceito do art.º 1107.º, n.º 1, do CCiv..

Ora, desde logo cabe constatar que nenhuma interpretação – e aplicação ou recusa de aplicação – foi feita quanto àquele art.º 1107.º do CCiv., pois que na decisão recorrida apenas se decidiu pela não aplicação in casu do disposto no art.º 1106.º do mesmo Cód..

Acresce que a conclusão de que o direito ao arrendamento se transmitiu para o marido da R./Apelante (por morte do pai dele, primitivo arrendatário), sem se comunicar para esta, e, por morte daquele (marido), não se transmitiu para a Apelante, não se mostra violadora do princípio constitucional da igualdade.

Aliás, e como já dito, o que resulta daquele art.º 1107.º é que a transmissão do direito por morte do arrendatário – nos moldes previstos no artigo anterior – ou a sua concentração no cônjuge sobrevivo devem ser comunicadas ao senhorio, pela forma e no prazo legalmente estabelecidos. Trata-se, pois, aqui de regular matéria de comunicação ao senhorio, e não mais, pelo que, perante tal restrita previsão normativa, não se vê como pudesse chegar-se, através desse preceito, à interpretação inconstitucional invocada pela Recorrente.

Quanto às questões de (in)constitucionalidade do art.º 57.º do NRAU, mormente no que tange ao princípio da igualdade sediado no art.º 13.º da CRPort., apenas se refere que a questão foi apreciada na decisão recorrida, cuja argumentação a Apelante não rebateu, termos em que, bem solucionada tal questão, e não especificamente impugnada pela via recursória, nada mais haverá nessa parte a acrescentar.

Não se mostra, pois, que ocorra violação do princípio da igualdade, tanto mais que, como refere a parte apelada, são realidades diversas, passíveis, por isso, de diverso tratamento legal – designadamente na matéria em causa –, os contratos de arrendamento vinculístico (como o dos autos) e os dotados de prazo efectivo de duração (cfr. fls. 313).

Tal diferença de realidade justifica o diverso tratamento legal, no caso em matéria de transmissão mortis causa da posição de arrendatário.

Pretende ainda a Recorrente que ocorrerá violação do disposto nos art.ºs 65.º, n.º 1 (direito à habitação), e 72.º, n.º 1 (protecção da terceira idade), da Lei Fundamental.

Ora, como bem refere a parte apelada, trata-se agora de direitos sociais – e de carácter acentuadamente programático –, que colocam frente a frente os cidadãos e o Estado, não se tratando de obrigações dos particulares, designadamente de deveres dos cidadãos proprietários/senhorios perante outros cidadãos carecidos de habitação ou de protecção na terceira idade.

Também não se subscreve a conclusão da Apelante de inexistir interesse da contraparte em pôr termo ao contrato, posto que a lei lhe confere esse direito e quem é titular pretende exercê-lo e não mais que isso.

Improcedem, por isso, sem necessidade de mais demoradas considerações, as conclusões da Apelante em contrário.

3. - Se deve proceder a reconvenção

Invoca a Apelante o art.º 473.º, n.º 1, do CCiv. (enriquecimento sem causa) para pugnar pela procedência da reconvenção, no sentido da sua indemnização por benfeitorias no imóvel locado.

Alega que se viu forçada a fazer obras no locado em virtude de o senhorio não ter procedido à realização das obras/reparações que se tornaram necessárias, recebendo, por isso, a parte apelada um andar renovado depois de ter incumprido a sua obrigação de proceder a tais obras.

Na sentença recorrida entendeu-se que a R. não demonstrou ter sido ela a custear tais obras, vistas como benfeitorias úteis, perspectivando-se ainda não ser ela arrendatária ou possuidora do imóvel – mas mera detentora ou possuidora precária –, tudo implicando a impossibilidade da peticionada indemnização reconvencional.

Em acréscimo, expendeu-se que no contrato de arrendamento ficou afastada pelas partes a indemnização ao inquilino por benfeitorias (cláusula 5.ª do contrato dos autos).

A Apelante admite tal cláusula contratual, continuando a pugnar, não obstante isso, pela procedência do seu pedido indemnizatório.

Ora, em nada abalou a Apelante a conclusão de não ter ficado demonstrado ter sido ela quem realizou/suportou as obras, sendo patente, por outro lado, face ao já exposto, não ser ela arrendatária ou possuidora do imóvel.

Tal bastaria para deixar comprometido o êxito da reconvenção.

Mas ela admitiu ainda a cláusula contratual em que se estribou a douta sentença, pela qual ficou afastada ab initio a indemnização ao inquilino por benfeitorias (cláusula 5.ª do contrato).

Assim, se, na economia do contrato, as partes quiseram afastar/excluir – e afastaram expressamente – qualquer indemnização ao arrendatário por benfeitorias, como pretender agora a indemnização por tais benfeitorias contra a exclusão contratual? E indemnização para quem não é, nem foi, arrendatário ou possuidor?

O instituto do enriquecimento sem causa não pode servir – salvo o devido respeito – para se obter resultado contrário às soluções clara e expressamente contempladas no contrato celebrado, sob pena de se ver o clausulado contratual como letra morta, ao arrepio do disposto no art.º 406.º, n.º 1, do CCiv..

Acresce que se as próprias partes, ao estabelecerem contratualmente a exclusão de indemnização por benfeitorias, previram e quiseram que tais benfeitorias ficassem, naturalmente, a pertencer ao senhorio – o que bem sabiam –, como pretender que tal resultado corresponderá, por falta de causa justificativa, a um enriquecimento injusto do proprietário do imóvel?

A causa é, em tal caso, o próprio contrato, em que se vincularam os contraentes e que deve ser pontualmente cumprido (também pelo transmissário da posição de locatário). Por isso, quando, na vigência do contrato, as obras foram realizadas, bem sabido era que estava afastada a indemnização respectiva a favor do inquilino (e a Apelante nem sequer chegou a ser inquilina).

Donde que, existindo causa contratual para o enriquecimento, este não surja como injustificado ou iníquo, antes correspondendo ao cumprimento da disciplina livremente pactuada entre as partes, configuração esta que nos afasta inelutavelmente dos pressupostos a que alude o art.º 473.º do CCiv..

Improcedem, pois, também nesta parte, as conclusões da Apelante, devendo ser confirmada a decisão recorrida.

***
IV – Sumariando, nos termos do art.º 713.º, n.º 7, do CPCiv.:
1. - A disciplina legal de direito transitório do art.º 57.º do NRAU, atinente à transmissão por morte no arrendamento para habitação e dispondo quanto a hipóteses de não caducidade por morte do primitivo arrendatário, tem aplicação às relações contratuais, desde que subsistentes, fundadas em contratos de pretérito, mesmo que celebrados anteriormente à vigência do RAU.
2. - Para este efeito, o primitivo arrendatário é aquele que recebeu de arrendamento através de um contrato de arrendamento em que se vinculou.
3. - A transmissão por morte da posição jurídica de arrendatário, assumindo natureza excepcional (a regra é a da caducidade do arrendamento), só se verifica, ao abrigo daquele regime legal, quanto ao primitivo arrendatário, com exclusão, assim, de qualquer outra pessoa a quem tenha sido transmitido, mortis causa, o respectivo direito.

4. - Tal solução legal, que determina a não transmissão por morte – nem a comunicabilidade – da posição do transmissário filho do inicial arrendatário para o respectivo cônjuge (nora do primitivo arrendatário), antes tendo lugar, nesse caso, a caducidade do arrendamento por morte daquele transmissário, não enferma de inconstitucionalidade por violação do disposto no art.º 13.º da CRPort. (princípio da igualdade) ou nos art.ºs 65.º, n.º 1 (direito à habitação), e 72.º, n.º 1 (protecção da terceira idade), da Lei Fundamental.

5. - Se no contrato de arrendamento as partes clausularam a exclusão de indemnização por benfeitorias, prevendo e querendo, assim, que tais benfeitorias ficassem a pertencer ao senhorio, tal logo afasta a indemnização por benfeitorias com fundamento em enriquecimento sem causa, pois que a causa justificativa do enriquecimento é o próprio contrato, livremente celebrado e que deve ser pontualmente cumprido, inexistindo, por isso, locupletamento injusto.

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando, em consequência, a sentença recorrida.
Custas da apelação pela R./Apelante, sem prejuízo do decidido em sede de apoio judiciário.

Escrito e revisto pelo relator.

Elaborado em computador.

Versos em branco.
Lisboa, 07/11/2013

José Vítor dos Santos Amaral (Relator)

Fernanda Isabel Pereira (1.ª Adjunta)

Maria Manuela Gomes (2.ª Adjunta)


([1]) Autos instaurados após 01/01/2008 e decisão recorrida anterior a 01/09/2013 (cfr. fls. 293 e segs., DLei n.º 303/2007, de 24-08, e respectivo art.º 12.º, n.º 1, Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil - Reforma de 2007, Coimbra Editora, Coimbra, 2009, ps. 35 e segs., bem como art.ºs 5.º, n.º 1, 7.º, n.º 1, e 8.º, todos da Lei n.º 41/2013, de 26-06, e Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 14-16).
([2]) Proc. 561/09.9YXLSB.L1-2 (Rel. Teresa Albuquerque), disponível em www.dgsi.pt.
([3]) Proc. 1321/11.2YXLSB.L1-1 (Rel. Maria do Rosário Gonçalves), em www.dgsi.pt.
([4]) De que é tributário o aludido art.º 57.º do NRAU.
([5]) Cfr. Código Civil Anotado, Vol. II, 3.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1986, pág. 627.
([6]) Op. cit., pág. 629.
([7]) Op. cit., pág. 630.