Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
8768/2008-7
Relator: CRISTINA COELHO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL
COMPRA E VENDA
COMPETÊNCIA INTERNACIONAL
LUGAR DA PRESTAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1. Baseando-se a acção em responsabilidade civil emergente de violação de contrato de compra e venda, em que são partes 2 sociedade comerciais sediadas em diferentes Estados Membros da UE, é, em regra, competente para apreciar a acção o tribunal do domicílio do demandado (art. 2º, nº 1, do Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho de 22.12.2000).
2. Pode, contudo, a sociedade R. ser demandada no tribunal de outro Estado Membro correspondente ao lugar do cumprimento da obrigação convencionado entre as partes .
3. Os termos Incoterms não abrangem, nem esclarecem, acerca do lugar do cumprimento da obrigação, apenas podendo levar a concluir sobre a vontade das partes quanto ao local de entrega dos bens para efeitos de cumprimento da obrigação, se nada mais for alegado quanto ao acordado sobre tal matéria.
4. Não ocorre extensão da competência do tribunal nos termos do art. 24º do referido Regulamento, se a R. excepciona a incompetência absoluta do tribunal e, subsidiariamente, para a hipótese de tal excepção não proceder, contesta a acção.
(sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam nesta Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa:

RELATÓRIO.

Em 27.07.07, A, S.A., com sede em Lisboa, intentou, nas Varas Cíveis de Lisboa, acção declarativa de condenação, com processo comum, sob a forma ordinária, contra B (sociedade anónima francesa), com sede em França, pedindo que a R. seja condenada a: a) pagar à A. a quantia de € 331.140,02, referente ao desconto que fez de 53,7%, sobre os equipamentos efectivamente fornecidos à R., em função da promessa de fornecimento de 1300 unidades que nunca chegaram a ser por si encomendadas; b) indemnizar a A. dos montantes que despendeu na aquisição de stock e materiais que iriam servir para garantir a produção e fornecimento dos equipamentos pretendidos pela R., a que acrescem várias máquinas fabricadas para a R. e por esta não adquiridas, no valor de € 241.144,00; c) indemnizar a A. dos montantes ou lucros que deixou de auferir com as encomendas de outros clientes, que recusou aceitar para garantir a produção e fornecimento de equipamentos à R., no valor de € 250.600,00;  d) indemnizar a A. dos custos que teve com a elaboração e organização dos planos de fabrico e documentação técnica referente ao projecto comercial desenvolvido com a R., no valor de € 108.000,00.

            A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese, que:
            A A., no exercício da sua actividade comercial de produção, comercialização e instalação de aparelhos de ar condicionado, acordou com a R., em 2000, a produção e fornecimento a esta, sob a marca C…, de aparelhos de ar condicionado.
            Os equipamentos fabricados pela A., seguiriam para França, através de um transportador, para serem comercializados pela R., no mercado Europeu e mundial, ficando a requisição do transportador e custos decorrentes de tal serviço a cargo da R., ou seja, o preço dos equipamentos foi contratado à porta da fábrica (Ex Works).
            A R. veio a incumprir o contrato, pretendendo a A., através da presente acção, ser ressarcida dos danos decorrentes da actuação ilegítima da R.

            Regularmente citada, a R. veio arguir a nulidade da citação, o que foi indeferido, após o que apresentou contestação, na qual invocou a excepção de incompetência internacional dos tribunais portugueses, para conhecer da acção, alegando, em síntese, que, de acordo com o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.00, aplicável in casu, os tribunais internacionalmente competentes para apreciar dos presentes autos, são os Tribunais Franceses, por aí ser a sede da R., devendo, pois, ser absolvida da instância, e, à cautela, impugnou os factos alegados, propugnando pela improcedência da acção.

            A A. replicou, alegando, para além do mais, que os tribunais portugueses são competentes, por o equipamento ter sido entregue à “porta de fábrica” da A., e de acordo com o artigo 5º (secção 2ª) do Regulamento invocado pela R.

Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou procedente a invocada excepção de incompetência absoluta, e se declarou o tribunal internacionalmente incompetente para conhecer da acção, e absolveu a R. da instância.

            Não se conformando com o teor deste despacho, recorreu a A., formulando, a final, as seguintes conclusões:

            I. A douta sentença proferida no Tribunal “a quo”, entendeu absolver a R. da instância, com fundamento na incompetência internacional dos tribunais portugueses.

            II. Em Maio de 2000, A. e R. celebraram um contrato nos termos do qual, a A. produziria e forneceria para a R., aparelhos de ar condicionado.

            III. Nos termos do referido contrato, a entrega, a tradição da propriedade e o preço dos equipamentos, após fabrico, foi contratado à porta da fábrica (Ex Works), portanto, sem quaisquer encargos adicionais para a A.

            IV. Em Dezembro de 2000, a R. comunicou à A., que estava a ter problemas em vender as unidades de ar condicionado que lhe haviam sido adquiridas.

            V. Em Janeiro de 2001, a A. denunciou à R. que estava a sofrer avultados prejuízos, em virtude do incumprimento das obrigações contratuais da R.

            VI. Sucede que, na Douta Sentença, o Mmo Juiz do Tribunal “a quo”, entendeu que os tribunais portugueses eram internacionalmente incompetentes, uma vez que, o local da entrega efectiva dos equipamentos seria, não a porta da fábrica, mas França. Mal decidiu, porém.

            VII. Nos termos do disposto no art. 5º do Regulamento (CE) nº 44/2001, uma pessoa com domicílio no território de um Estado-membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

            VIII. Sendo que, para efeitos da presente disposição, o lugar do cumprimento da obrigação será, no caso de venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues.

            IX. O Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.04.2007, proferido no âmbito do processo nº 0731617, veio estabelecer “que as condições de venda lançam luz sobre o lugar da entrega dos bens, permitindo estabelecer uma diferenciação entre o destino e o lugar em que o vendedor tinha de entregar a mercadoria, que era nas instalações, ficando o resto por conta do comprador”.

            X. É no local da entrega efectiva, precisamente porque o vendedor não ficou encarregado de fazer o transporte até ao destino, tendo entregue as mercadorias no seu estabelecimento, e alijando desde aí a sua responsabilidade, que é tipificado como o local do estabelecimento do vendedor”.

            XI. Com efeito, o lugar do cumprimento da obrigação em questão, será no caso de venda de bens, o lugar num Estado-membro, onde nos termos do contrato os bens foram ou devam ser entregues ao comprador ou ao seu representante, o Transportador por si contratado ou engajado.

            XII. O lugar do cumprimento da obrigação, é pois o local efectivo da entrega dos bens, sendo a jurisdição desse local (país do Estado-Membro) a competente internacionalmente para apreciar o alegado incumprimento do preço.

            XIII. Ora, nos presentes autos, o lugar da entrega efectiva dos aparelhos era em Portugal, uma vez que, nos termos do contrato o equipamento era entregue à porta da fábrica da AGRAVANTE.

            XIV. Em virtude da disponibilização dos equipamentos à porta da fábrica da AGRAVANTE, o contrato encontrava-se perfeito e cumprido pela A..

            XV. Ou seja, se a entrega da mercadoria, neste caso os aparelhos de ar condicionado, se deu na porta da fábrica, e não se vislumbrando qualquer responsabilidade para a AGRAVANTE pelo meio de transporte utilizado, a negociação tem-se por realizada no estabelecimento da AGRAVANTE.

            XVI. A compradora, neste caso a AGRAVADA, tornava-se proprietária dos aparelhos a partir do momento em que estes transpunham a porta da fábrica da AGRAVANTE, podendo fazer deles, o que bem entendesse, destruindo-os se assim entendesse.

            XVII. Assim sendo, o local da entrega efectiva dos equipamentos da AGRAVANTE, era o da fábrica da AGRAVANTE e não o domicílio da AGRAVADA.

            XVIII. Nos termos do disposto no art. 5º do Regulamento (CE) nº 44/2001, uma pessoa com domicílio no território de um Estado-membro pode ser demandada noutro Estado-Membro, em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão.

            XIX. O Mmo Juiz A Quo, na sua interpretação da Incoterm aposta no contrato – Ex Works -, tendeu a desvalorizar o seu alcance, limitando a sua relevância à “responsabilidade a partir da entrega da mercadoria”, retirando-lhe qualquer relevância no que se refere ao cumprimento da obrigação.

            XX. Mal o fez porém, pois tais regras possuem muito maior relevância e alcance e não devem ser mitigadas no seu verdadeiro significado.

            XXI. Os INCOTERMS são termos normalizados que designam cláusulas da venda à distância de mercadorias e que são acompanhadas de regras uniformes de interpretação e integração.

            XXII. Estas regras de interpretação e integração devem ser aplicadas quando as partes fazem referência aos INCOTERMS no seu contrato, como modelos de regulação, devendo pois revelar para a interpretação do contrato e da vontade das partes.

            XXIII. Não se trata apenas de cláusulas relativas às despesas, que imputem custos a cada uma das partes, mas da regulação da maior parte dos efeitos obrigacionais do contrato, incluindo o que diz respeito à obrigação de entrega da mercadoria e à passagem do risco.

            XXIV. Quanto ao risco do preço, o princípio é o da passagem desse risco com o cumprimento da obrigação de entrega, sendo certo que o Direito Português, por exemplo, liga a passagem do risco à transferência da propriedade. Vide arts. 796º Nr 1 e 885º Nrs 1 e 2, ambos do Código Civil. Veja-se por todo o exposto sobre o tema, Luís de Lima Pinheiro, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 65, Setembro de 2005, páginas 387 e seguintes.

            XXV. Por outro lado, nestes Autos, não se peticionando apenas valores decorrentes da venda da mercadoria, mas também valores, devidos a título de indemnização por incumprimento culposo da Ré, do contrato de fornecimento.

            XXVI. A estes valores de resto, aplica-se, em bom rigor a regra do 2º parágrafo da alínea b) do nr. 1 do Artigo 5º do Regulamento citado, razão pela qual, também por essa razão são competentes os tribunais portugueses.

            XXVII. De todo o modo, o que parece evidente é que o Mmo Juiz A Quo mal interpretou o contrato dos Autos, pois a A. não se comprometeu a remeter nada para França. O que a A. contratou foi, fabricar para a Ré determinados equipamentos, que uma vez construídos seriam recolhidos na Fábrica pela própria Ré.

            XXVIII. Ou seja, não era a A. que tinha de enviar os equipamentos, mas sim a Ré que tinha de os vir buscar.

            XXIX. O lugar do cumprimento da obrigação é pois em Portugal, não fazendo qualquer sentido, situá-lo a milhares de Quilómetros, em França, só por ser a sede da Ré.

            XXX. Finalmente, o facto de a Ré ter contestado os presentes Autos, não se limitando a excepcionar a Incompetência Absoluta do Tribunal, ao abrigo da regra do artigo 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001, comparecendo assim perante o Tribunal, representa uma verdadeira extensão de competência.

            XXXI. Mal andou pois o Ilustre Tribunal A Quo ao julgar procedente a referida excepção, e consequentemente, absolver a Ré da instância, com o que violou por erro de interpretação os artigos 5º e 24º do Regulamento (CE) 44/2001 e 493º nr. 2, 494º, al. a), 495º, 101º, 102º e 105º, todos do CPC.

            Termina pedindo que o despacho recorrido seja anulado e substituído por outro que julgue internacionalmente competente o Tribunal a quo, e ordene o prosseguimento dos autos.

A R. contra-alegou, propugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Mmo Juiz recorrido proferiu despacho, mantendo a decisão recorrida.

QUESTÕES A DECIDIR.

            Sendo o objecto do recurso balizado pelas conclusões da recorrente ( arts. 684º, n.º 3 e 690º, n.º 1 do CPC ), a única questão a decidir é se as Varas Cíveis de Lisboa são ou não competentes, em razão da nacionalidade, para conhecer da presente acção.

Corridos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

Na 1ª instância consideraram-se relevantes os seguintes factos:

1. A A., com sede em Lisboa, exerce a actividade de produção, comercialização e instalação de aparelhos de ar condicionado.

2. A Ré é uma sociedade comercial de direito francês, com sede em G, França.

3. A A. alega que, no exercício da sua actividade comercial, acordou com a R. o fabrico e fornecimento a esta de aparelhos de ar condicionado, contrato esse que foi incumprido pela R.

4. A A. alega, na petição inicial, que todas mercadorias foram entregues à R., nos termos convencionais, ou seja, à porta da fábrica, com destino a França, estando o acordo celebrado entre A. e R. submetido ao Incoterm Exw.

            FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

A. e R., são sociedades comerciais, estando aquela sedeada em Portugal e esta em França, pelo que está em causa aquilatar da competência internacional do tribunal português, onde a acção foi proposta, para conhecer da mesma.

Estando as partes sediadas em Estados-Membros da UE, haverá que aplicar o Regulamento (CE) nº 44/2001 do Conselho, de 22.12.2000, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, por força do disposto no art. 249º do Tratado da Comunidade Europeia, prevalecendo as suas normas sobre as normas de natureza idêntica constantes do art. 65º do CPC ( arts. 3º, nº 2 do Regulamento e 8º, nº 3 da CRP).

A presente acção, dada a sua natureza civil baseada em responsabilidade contratual, enquadra-se no âmbito de aplicação material do Regulamento (art. 1º do Regulamento), tal como se enquadra no seu âmbito temporal, porque intentada em 2007 (arts. 66º e 76º do Regulamento), territorial, porque litigam Estados-Membros (art. 68º do Regulamento), e subjectivo ou espacial, porque a R. tem o seu domicílio num Estado-Membro (art. 3º, nº 1 e 60º do Regulamento).

O Regulamento estabelece, como regra, para determinar a competência internacional do tribunal, a do domicílio, estabelecendo o art. 2º, nº 1 do Regulamento que “ sem prejuízo do disposto no presente regulamento, as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro devem ser demandas, independentemente da sua nacionalidade, perante os tribunais desse Estado”.

Por força desta regra geral, tendo a R. a sua sede em França, era perante o tribunal francês que a acção deveria ter sido intentada.

Contudo, aquela regra não é absoluta, prevendo o Regulamento critérios especiais de determinação da competência, que podem afastar a regra geral do domicílio, como resulta do seu art. 3º, nº 1 onde se prescreve que “ as pessoas domiciliadas no território de um Estado-Membro só podem ser demandadas perante os tribunais de outro Estado-Membro por força das regras enunciadas nas secções 2 a 7 do presente capítulo”.

E o que está em discussão no presente recurso é, precisamente, a aplicação de um desses critérios especiais, o previsto no art. 5º, nº 1, al. b) (Secção 2), defendendo a A. que, por força de aplicação do mencionado artigo, a acção podia ser intentada, como foi, num tribunal português.

Dispõe o referido artigo que “uma pessoa com domicílio no território de um Estado-Membro pode ser demandada noutro Estado-Membro: 1. a) Em matéria contratual, perante o tribunal do lugar onde foi ou deva ser cumprida a obrigação em questão; b) Para efeitos da presente disposição e salvo convenção em contrário, o lugar de cumprimento da obrigação em questão será: - no caso da venda de bens, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os bens foram ou devam ser entregues; - no caso de prestação de serviços, o lugar num Estado-Membro onde, nos termos do contrato, os serviços forma ou devem ser prestados; c) Se não se aplicar a alínea b), será aplicável a alínea a)”.

Como se refere no Ac. do STJ de 3.03.05, P. 05B316, in www. dgsi.pt, com o referido artigo 5º, nº 1, al. b) “visou-se o estabelecimento de um conceito autónomo de lugar de cumprimento da obrigação nos mais frequentes contratos, que são o de compra e venda e o de prestação de serviços, por via de um critério factual, com vista a atenuar os inconvenientes do recurso às regras de direito internacional privado do Estado do foro”, estando em causa uma verdadeira presunção juris et de juris. “Decorrentemente, é fundado o entendimento de que a alínea b) do nº 1 do artigo 5º abrange qualquer obrigação emergente do contrato de compra e venda, designadamente a obrigação de pagamento de qualquer contrapartida pecuniária do contrato e não apenas a de entrega da coisa que constitui o seu objecto mediato”.

In casu, subjacente ao peticionado está o alegado incumprimento de um contrato de compra e venda celebrado entre A. e R., pelo que, para efeitos de aplicação do referido artigo, e na falta de convenção em contrário, entende-se que a obrigação (toda e qualquer obrigação emergente do contrato) foi ou devia ser cumprida no lugar onde, nos termos do contrato, os bens foram ou deviam ser entregues.

Carece, assim, de razão a recorrente ao defender que sendo, também, peticionados valores, devidos a título de indemnização por incumprimento culposo da Ré, do contrato de fornecimento, a estes valores se aplica a regra do 2º parágrafo da alínea b) do nº 1 do art. 5º do Regulamento.

Tendo a A. alegado que, no âmbito da sua actividade comercial, celebrou, verbalmente, com a Ré um contrato de produção e fornecimento de aparelhos de ar condicionado, o qual a R. incumpriu, e tendo a R. impugnado a celebração do mesmo, bem como os seus termos, controvertida se mostra a celebração do contrato, e respectivo teor.

E tal bastaria para não se poder determinar, desde já, qual o tribunal competente, em termos internacionais, para conhecer da acção, por não se poderem ter por assentes quer a celebração do contrato quer os termos do mesmo.

Contudo, tendo em atenção o alegado pela A. na P.I., afigura-se-nos ser já possível concluir pela incompetência internacional do tribunal português para conhecer da presente acção, como se concluiu no despacho recorrido, quer por força do princípio do domicílio da R., quer por força da regra do lugar do cumprimento da obrigação, in casu, de entrega dos bens.

O ponto fulcral da questão é o de determinar qual é o local acordado de entrega dos bens, tendo em conta o alegado pela A. na P.I. (que, repetimos, foi pela R. impugnado na contestação).

O Regulamento determina que o local de entrega dos bens a atender é aquele que foi convencionado entre as partes.

Na P.I. alegou a A. que:

10º - “ Ficou acordado que os equipamentos fabricados pela A., seguiriam para França, através de um transportador, para serem comercializados pela R. no mercado europeu e até mundial”;

11º- “A requisição do transportador e os custos decorrentes desse serviço eram da total responsabilidade e encargo da R.”;

12º- Ou seja, o preço dos equipamentos foi contratado à porta da fábrica (Ex Works), portanto sem encargos de transporte ou quaisquer outros”.

Defende a A. nas suas alegações de recurso que o local de entrega efectiva da mercadoria era à porta da sua fábrica (alegando, só agora, em sede de recurso, que mesma se situava em M…, S), por as partes terem submetido o contrato de fornecimento e entrega dos equipamentos ao regime Ex Works.

Concordamos com a recorrente quando afirma que todas as cláusulas “acordadas” entre as partes são essenciais para determinar os elementos do contrato, e para aferir da vontade das partes quanto a tais elementos.

O alegado facto de as partes terem sujeitado o contrato em apreço ao regime Ex Works têm, efectivamente, de ser devidamente valorado, e podia, até, ser fundamental para determinar qual o local de entrega dos bens acordado pelas partes, se outros factos não tivessem sido alegados.

Não foi, contudo, o que se verificou.

Independentemente desta matéria ter sido impugnada pela R., resulta dos factos alegados pela A., como se concluiu no despacho recorrido, que o local “acordado” de entrega dos bens era em França -... ficou acordado que os equipamentos fabricados pela A., seguiriam para França ...-, destino final dos bens, local da sua entrega efectiva.

In casu, a alegação do local de entrega dos bens (em França) é autónoma em relação à alegação da sujeição do contrato ao Incoterm Ex Works ( cfr. o Ac. do STJ de 5.07.2007, P. 07B1944, in www. dgsi.pt ).

Como se referiu na decisão recorrida, os Incoterms são um conjunto de regras internacionais, de carácter facultativo, que a Câmara de Comércio Internacional, em 1936,  reuniu e definiu com base nas práticas mais ou menos padronizadas pelos comerciantes, no âmbito dos contratos de compra e venda internacionais, as quais vieram a sofrer várias actualizações, a última das quais em 2000, daí a referência aos Incoterms 2000.

Os Incoterms definem basicamente o local no qual o vendedor é responsável pela mercadoria e quais são os gastos a seu cargo, os quais, em consequência, estão incluídos no preço.

De facto, estes termos são, também, denominados “Cláusulas de Preço”, em virtude de cada termo determinar os elementos que compõem o preço da mercadoria, adicionais aos custos de produção.

São 13 os referidos termos, a saber: EXW (Ex Works), FCA, FAZ, FOB, CFR, CIF, CPT, CIP (reportam-se a vendas à partida), DAF, DES, DEQ, DDU e DDP (reportam-se a vendas à chegada).

A função dos Incoterms é, essencialmente, a de definir a transferência dos gastos, a transmissão dos riscos e o local a partir do qual sairá a mercadoria.

Os termos Incoterm não abrangem, nem esclarecem, acerca do lugar de cumprimento da obrigação (neste sentido, cfr. o Ac. do STJ de 23.10.07, in www. dgsi.pt).

O termo EXW significa que o vendedor coloca a mercadoria à disposição do comprador nos próprios locais do vendedor (loja, fábrica, armazém), traduzindo-se num mínimo de obrigação para o vendedor, suportando o comprador todos os custos e riscos envolvidos no carregamento e transporte da mercadoria a partir daqueles locais.

Nada mais sendo alegado, poderia tal cláusula levar a concluir sobre a vontade das partes quanto ao local de entrega dos bens para efeitos de cumprimento do contrato.

Contudo, como já referido supra, a A. alegou como lugar acordado de entrega dos bens, como destino final, a França, sendo esses os factos a ponderar para a determinação do tribunal internacionalmente competente, nada havendo, pois, a censurar, nesta matéria, à decisão recorrida, tendo em vista o estipulado no Regulamento.

Cumpre, por último, referir que, também, não assiste razão à recorrente ao defender que, uma vez que a R. contestou a acção, não se limitando a excepcionar a incompetência absoluta do tribunal, sempre se verificaria extensão da competência do tribunal, nos termos do art. 24º do Regulamento.

Dispõe este artigo que “para além dos casos em que a competência resulte de outras disposições do presente regulamento, é competente o tribunal de um Estado-Membro perante o qual o requerido compareça. Esta regra não é aplicável se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência ...”.

A R., citada, “compareceu”, contestando, começando por deduzir a excepção de incompetência internacional do tribunal português para apreciar da acção, e, subsidiariamente, contestou, também, por impugnação.

De facto, referiu no art. 18º da contestação que “ caso não venha a ser absolvida da instância, o que não se concede, mas por mera cautela de patrocínio se aduz, sempre se dirá que não corresponde à verdade a matéria alegada ...” (sublinhado nosso), e termina propugnando que “ ... a) Deve a excepção dilatória de incompetência internacional do Tribunal Português ser considerada procedente, por provada, e, em consequência, ser a Ré absolvida da instância; b) E, subsidiariamente, deve a presente acção ser considerada totalmente improcedente, por não provada, e, em consequência, ser a Ré absolvida do pedido”.

E no artigo 17º da mesma peça processual refere, também, que “importa esclarecer, por mera cautela de patrocínio, que a presente – e oportuna – arguição da incompetência internacional do Tribunais portugueses obsta à aplicabilidade do disposto no art. 24º do Regulamento (CE) nº 44/2001”.

É certo que o artigo 24º do Regulamento só afasta a extensão da competência por força da comparência do requerido em tribunal, “se a comparência tiver como único objectivo arguir a incompetência”.

Mas este artigo tem de ser interpretado em termos hábeis, tendo em conta a jurisprudência do TJCE a propósito do art. 18º da Convenção de Bruxelas.

A regra constante do artigo 24º do Regulamento corresponde à contida no art. 18º da Convenção de Bruxelas, entendendo o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias que este artigo devia ser interpretado no sentido de permitir ao requerido não só impugnar a competência, mas também, a título subsidiário, contestar a acção, sem perder o direito de arguição da excepção de incompetência  (cfr. Sofia Henriques, in “Pactos de Jurisdição no Regulamento (CE) nº 44 de 2001”, Coimbra Editora, 2006, págs. 97 a 101 ).

Subjacente a esta posição está o facto de vigorar em vários Estados-Membros o princípio da preclusão ou concentração.

De facto, de acordo com o direito processual português (e de outros Estados-Membros), o réu deve deduzir toda a sua defesa na contestação, quer a defesa por impugnação, quer por excepção ( arts. 487, nº 1 e 489º, nº 1 do CPC), só podendo deduzir, depois daquela, excepções, incidentes e meios de defesa que sejam supervenientes ou que a lei expressamente admita passado esse momento, ou de que se deva conhecer oficiosamente (art. 489º, nº 2 do CPC).

Assim sendo, o réu não podia reduzir a sua defesa à invocação da excepção de incompetência internacional do tribunal, uma vez que, se a mesma não fosse aceite, já não teria a possibilidade de apresentar novo articulado, agora, impugnando os factos alegados pela A., sujeitando-se às consequências previstas no art. 490º, nº 2 do CPC.

E foi por isso que, à cautela e a título subsidiário (“para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior” - art. 469º), a ré impugnou os factos alegados e propugnou pela improcedência do pedido.

Face a tal postura, deve, pois, entender-se que não se verifica a extensão da competência  prevista no referido art. 24º do Regulamento, ao contrário do invocado pela recorrente.

Improcedem, pois, todas as conclusões do recurso.

            DECISÃO.

            Pelo exposto, nega-se provimento ao agravo, mantendo-se a decisão recorrida.

            Custas pelo Recorrente.

                                                                       *

  Lisboa, 2009.01.13

Cristina Coelho

Soares Curado

Roque Nogueira