Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
99/15.5YHLSB-L1-2
Relator: EZAGÜY MARTINS
Descritores: DIREITOS DE AUTOR
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
EXECUÇÃO
DÍVIDA EXEQUENDA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Sumário: Em observância do disposto no n.º 7 do art.º 663º, do Código de Processo Civil, passa a elaborar-se sumário, da responsabilidade do relator, como segue:

“I – Integra causa justificativa da recusa, por Entidade de Gestão Coletiva de Direitos de artistas e produtores de fonogramas/videogramas, do licenciamento para a execução pública de fonogramas produzidos pelos seus representados, a existência de débitos vencidos e não liquidados referentes a anteriores períodos em que tal execução teve lugar sem prévia autorização.
II – Ademais tendo sido incumprida anterior transação homologada por sentença, envolvendo o pagamento em prestações de quantia relativa a vários anos de execução pública sem prévia autorização, não é configurável, por via de tal recusa, abuso de direito de banda da sobredita Entidade.
III – Não existe relação de alternatividade entre a existência de uma relação de alternatividade entre a sanção pecuniária compulsória prevista no n.º 4 do artigo 210º-G, do CDADC e a apreensão prevista no artigo 210º-H, n.º 2, do mesmo Código.
IV - Uma vez demonstrada a violação do direito, não é necessário, para que a referida apreensão seja decretada, a cumulativa verificação do fundado receio de que ocorra uma lesão grave e dificilmente reparável daquele direito.
V - Amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil”, sendo embora meios de reprodução áudio, não revestem necessariamente a natureza de “instrumentos que sirvam essencialmente para a prática do ilícito” de execução pública de fonogramas sem prévia autorização do produtor.”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção (cível) deste Tribunal da Relação


I - A- Associação de Utilidade Pública – requereu procedimento cautelar, nos quadros do artigo 210º-G, n.º 1, do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, contra B, Limitada, pedindo que, seja:

“1 – decretado o encerramento do estabelecimento explorado pela Requerida;

Ou, caso assim não se entenda,

2 – seja decretada a proibição da continuação da execução pública não autorizada de fonogramas e videogramas musicais e,

a) a apreensão dos bens de que se suspeite violarem os direitos conexos, bem como, dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente, amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil, quaisquer suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais;

b) a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pela Requerida, com o objectivo de escutar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os fonogramas e/ou videogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso.

3 – seja a Requerida condenada a liquidar à Requerente a quantia de 60,00 € a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia em que se verifique o incumprimento da decisão proferida, transitada em julgado, por parte daquela até ao efectivo e integral licenciamento.”.

Alegando, para tanto e em suma, que:

A Requerente é a entidade legalmente constituída e devidamente mandatada para proceder ao licenciamento, mas também, à correspondente cobrança da remuneração devida a produtores e artistas, (sejam estes intérpretes ou executantes) sempre que a sua música gravada ou os seus vídeos musicais sejam difundidos ou utilizados em espaços públicos ou abertos ao público.

Através de ação de verificação levada a cabo por colaboradores da Requerente, em 23-01-2015, tomou esta conhecimento de que no estabelecimento da Requerida, em Vilamoura, se procede, atualmente, de forma habitual e continuada, à execução pública de fonogramas sem a competente licença e autorização.

Jamais tendo a Requerida pago, no e para o corrente ano, a remuneração equitativa devida à Requerente em virtude da referida atividade de execução ou comunicação pública de fonogramas e/ou videogramas.

A continuação da atividade ilícita da Requerida é, por si só, causadora de graves prejuízos à Requerente,

E tendo sido anteriormente, a Requerida, condenada judicialmente (em procedimento cautelar) pela prática do ilícito, ora em questão, a mesma não foi suficiente para impedir que esta continuasse, de forma reiterada, a violar ilicitamente os direitos da Requerente, como atualmente faz.

Incumprindo a transação celebrada na ação principal “decorrente” do aludido procedimento, nos termos da qual “reconhece a Requerente à Requerida "o direito exclusivo de autorizar e impedir a utilização de música gravada no seu estabelecimento, quer de fonogramas, quer de videogramas, bem como, legitimidade à mesma para a gestão e cobrança de direitos conexos pela execução pública de música no seu estabelecimento" e "se compromete a obter anualmente junto da Autora o licenciamento P…musica”.

Situação que, prosseguindo, implicará um intolerável esvaziamento do poder ou faculdade da Requerente de impedir a execução pública de fonogramas/videogramas incluídos no repertório entregue à sua gestão pelos produtores que representa, poder esse que mais não é que a vertente negativa do direito de autorizar e cujo exercício, a não ser decretada a providência requerida, ficaria irremediavelmente comprometido e mesmo impedido.

Conclui – ao fim de alongados 135 artigos – requerendo que, com prévia audiência da Requerida, seja,

“1 – decretado o encerramento do estabelecimento explorado pela Requerida;

Ou, caso assim não se entenda,

2 – seja decretada a proibição da continuação da execução pública não autorizada de fonogramas e videogramas musicais e,

a) a apreensão dos bens de que se suspeite violarem os direitos conexos, bem como, dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente, amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil, quaisquer suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais;

b) a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pela Requerida, com o objectivo de escutar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os fonogramas e/ou videogramas que aí são executados publicamente, e a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso.

3 – seja a Requerida condenada a liquidar à Requerente a quantia de 60,00 € a título de sanção pecuniária compulsória por cada dia em que se verifique o incumprimento da decisão proferida, transitada em julgado, por parte daquela até ao efectivo e integral licenciamento.”.

Citada, deduziu a Requerida oposição.

Impugnando a legitimidade da requerente, por não ter a cobrança de direitos conexos campo de atuação próprio ou individualizado face às cobranças dos direitos de autor e cobranças dos meios de gravação e reprodução de obras, sob pena de duplicação, e por ignorar “os meios porque foi mandatada (…) para representar os artistas e os intérpretes.”.

E alegando que “mal o tribunal (no anterior procedimento cautelar) sentenciou a Requerida, esta foi de imediato tentar o licenciamento junto da A, tendo este lhe sido recusado” (sic) “Com o fundamento de que não aceitariam o licenciamento desta entidade no ano em curso e de que datava, aquela providência cautelar, enquanto não fossem pagos os anos anteriores”.

O que a Requerida começou por não aceitar por entender que aqueles deveriam ser discutidos “na ação principal”.

Acabando porém, pressionada pelas circunstâncias decorrentes da decretada decisão, por celebrar o acordo igualmente invocado pela Requerente.

Visando a presente providência “o cumprimento de um acordo (celebrado na sequência do trânsito em julgado da aludida anterior decisão) que foi ilegal (por “exigir” o pagamento dos anos anteriores desde 2008) e que a Requerida deixou de cumprir.”.

Voltando a Requerente a recusar o pedido de licenciamento, com fundamento em incumprimento contratual, do que a Requerida “não tem culpa e por isso não pode ser condenada”, resultando abusivo o comportamento da Requerente.

Sustentando ainda, e em qualquer caso, a não verificação dos requisitos de decretamento da providência, a saber, “continuação da violação dos titulares dos direitos conexos” e “fundado receio de que, antes de proposta a acção principal, seja causada lesão grave ou de difícil reparação desse mesmo direito” (sic).

E, bem assim, o “desproporcionado” e “desadequado” dos pedidos formulados no presente procedimento.

Remata com a improcedência da “providência cautelar”, por não provada.

Inquiridas que foram as testemunhas arroladas pela Requerente, veio a ser proferida sentença, que tendo julgado a Requerente parte legítima, rematou com o seguinte dispositivo:

“Face a tudo o que ficou exposto, e nos termos das invocadas normas legais, julgo parcialmente procedente a presente providência e, consequentemente:

1. Determina-se a proibição da requerida "B, Lda., continuar a executar publicamente no seu estabelecimento denominado “BJ”, sito na Avenida T – Casino de…em…, quaisquer fonogramas sujeitos a autorização da requerente;

2. Determina-se que a requerente está autorizada a ter livre acesso a este estabelecimento no período de funcionamento do mesmo, se necessário com recurso aos meios policiais, com a finalidade de fiscalizar a proibição ora decretada, podendo registar por qualquer meio os fonogramas que aí são executados publicamente, desde que os mesmos sejam sujeitos à sua autorização, nos termos decididos em 1.

3. Determina-se a apreensão dos bens de que se suspeite violarem os direitos conexos, bem como, dos instrumentos que sirvam para a prática de tal, nomeadamente, amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil, quaisquer suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais de representados da requerente.

4. Condena-se a requerida no pagamento, por cada dia que viole o decidido em 1. ou 2., o montante de € 60,00, a título de sanção pecuniária compulsória.

5. Absolve-se a requerida do restante peticionado.”.

Inconformada, recorreu a Requerida, formulando, nas suas alegações, as seguintes conclusões:

“1ª. A recorrida deu como provados os factos que legitimam a requerente desta providência a representar os produtores fonográficos em matérias relacionadas com a cobrança dos direitos objecto destes autos.

2ª Representando para além do repertório nacional, também o estrangeiro, conforme provam as listas de associados juntas aos autos, de fls. 47 e 49 a 55, e do licenciamento de companhias discográficas nacionais associadas da requerente, de fonogramas originalmente fixadas noutros territórios, e de acordos celebrados pela requerente com as suas congéneres estrangeiras.

3ª A requerente encontra-se registada na IGAC (Inspecção Geral das Actividades Culturais) e para além de representar os produtores fonográficos, encontra-se também mandatada para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas, intérpretes e executantes (= embora estes digam que ainda nada receberam - comentário nosso).

4ª A recorrente com efeito, explora o bar denominado “ BJ“ sito na Avenida T – em…, que consiste num estabelecimento aberto ao público.

5ª Nos dois processos instaurados pela requerente contra B, LDA, esta após decisão tentou o licenciamento desta empresa (conforme documentos juntos aos autos), adiantando o valor correspondente ao licenciamento. Mas o licenciamento não foi feito por parte da entidade requerente.

6ª Por outro lado, no entendimento do douto tribunal recorrido, estando provados os requisitos do procedimento cautelar previsto no artº 210º G. do CDADC, ou seja, tendo havido a violação dos direitos conexos e tendo sido feita prova de que a requerente é titular dos direitos conexos ou de que está autorizado a utilizá-los, importa agora providenciar pela medida cautelar mais adequada a proibir a manutenção da continuação da violação. E tal só será possível se a apelada permitir o licenciamento.

9ª E se ao abrigo do artº 210º G do CDADC nos parece adequada a proibição da execução pública não autorizada de fonogramas relativos a associados da requerente de modo a impedir a continuação da violação;

10ª Consideramos desproporcionada e excessiva a apreensão dos bens de que se suspeite violarem os direitos conexos uma vez que é a própria apelada que impede o licenciamento - abusando do direito que tem na cobrança daqueles.

11ª E isto porque, embora o n.º 2, al. H). do artº 210º do CDADC, assim o parece permitir, apenas abarca os bens ou instrumentos que sirvam para a prática do ilícito e como a requerente não é a única titular do direito a licenciar a execução pública de fonogramas, a apreensão de colunas, amplificadores, gira-discos, leitores de discos, etc. Já se mostra castrador dos direitos de outras entidades que tem o poder de representar ou licenciar outros produtores, intérpretes e executantes. E por isso esta medida cautelar mostra-se excessiva e desproporcionada, salvo apreensão de suportes de vinil, cds relativos a direitos conexos cuja gestão incumbe à requerente. Esta medida já será certamente mais equilibrada.

12ª Por não obedecer aos critérios de razoabilidade, por que se rege a figura da sanção compulsória e ter fixado um quantum que não garante suficiente eficácia intimidatória, bem pelo contrário, candidata-se a provocar o encerramento do espaço, Como tem acontecido com tanto outros. E aqui, nenhuns direitos serão reconhecidos, nem os titulares dos direitos conexos, nem a exequente, que nem recebe pelos licenciamentos, nem pela aplicação da sanção, nem pelos direitos de autor, nem o estado (artº 829º - A / 3 do C.P.C.).

13ª A decidir nos termos expostos, a Douta Sentença violou expressamente os preceitos contidos nos artº.s. 210º, F, B, G, H, 143º e 184º do C.P.C., e 829º - A / 3 do C.P.C.”.

Termina com a revogação da sentença recorrida a substituir “por outra, que decrete a providência cautelar apenas nos termos sobreditos.”.

Contra-alegou a Recorrida, suscitando a questão prévia do requerido efeito suspensivo do recurso – já ultrapassada na sequência do despacho de folhas 476, atribuindo àquele o efeito (meramente) devolutivo “Atento o decidido no apenso de recurso e considerando a não prestação da caução necessária à atribuição do efeito suspensivo do mesmo” – sustentando dever ser rejeitado o recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, e pugnando pela manutenção do julgado.

Por despacho do relator, a folhas 492, e na sequência do perspetivado em anterior despacho de folhas 482-487 – ao qual nada opôs a Recorrente – foi julgado findo o recurso, pelo não conhecimento do seu objeto, na parte relativa ao que, no corpo das alegações, reportaria a impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto.

Não tendo tal despacho sido objeto de reclamação.

II- Corridos os determinados vistos, cumpre decidir.

Face às conclusões de recurso, que como é sabido, e no seu reporte à fundamentação da decisão recorrida, definem o objeto daquele – vd. art.ºs 635º, n.º 3, 639º, n.º 3, 608º, n.º 2 e 663º, n.º 2, do novo Código de Processo Civil – em vista do já oportunamente decidido quanto à impugnação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto – e ultrapassando a evidente falta de cuidado na indicação, pela Recorrente, das fontes a que reportam as disposições legais convocadas nas conclusões 12ª e 13ª das suas alegações – são questões propostas à resolução deste Tribunal:

- se a Requerente/recorrida abusa do seu direito, ao recusar conceder à Requerida/recorrente o licenciamento para proceder à execução ou comunicação pública, no seu referido estabelecimento, de fonogramas e/ou videogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos;

- se é desproporcionada e excessiva a decretada apreensão de bens.


***

Considerou-se assente, na 1ª instância, a factualidade seguinte:

“1. A requerente é uma associação de utilidade pública, a quem compete a defesa dos interesses dos seus membros, tendo sido constituída por escritura pública lavrada no 12.º Cartório Notarial de Lisboa, em 26 de Novembro de 2002.

2. A requerente encontra-se registada na IGAC (Inspeção Geral das Atividades Culturais).

3. A requerente é a entidade de gestão coletiva que representa os produtores fonográficos em matérias relacionadas com a cobrança de direitos, tendo um acordo com a GDA que a para promover o licenciamento e cobrança das remunerações devidas aos artistas intérpretes ou executantes, sendo esta remuneração dividida entre ambos em partes iguais.

4. Esta atividade é presentemente desenvolvida pela autora, em parceria com a referida GDA, através da emissão de uma licença com a referência “…musica”, que identifica o licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes e executantes e produtores fonográficos, habitualmente designados por “editores discográficos”.

5. Na sua atividade de licenciamento e cobrança de direitos conexos de produtores e artistas, a autora representa o repertório nacional e estrangeiro, o que corresponde a cerca de 98% do reportório de música gravada, registada (nacional e estrangeira), comercializada ou usada em Portugal.

6. A Discoteca denominada “BJ”, sita na Avenida T – em …, explorado pela Requerida, é um estabelecimento comercial aberto ao público.

7. Através de ação de verificação levada a cabo por um colaborador da requerente, foi verificado que, no referido estabelecimento, se procedia, à execução de fonogramas musicais.

8. No dia 23 de março de 2015, no período em que o estabelecimento se encontrava aberto ao público, estava a ser efetuada a execução pública de fonogramas, nomeadamente:

                    Música:                           Artista:                      Produtora:

                      T B                                  P B                                V

9. Os produtores fonográficos destes fonogramas são associados da autora.

10. O mencionado estabelecimento é de diversão noturna e encontra-se aberto ao público várias vezes poer semana, dependendo o seu número do mês em causa, procedendo à execução pública de fonogramas.

11. A Requerida, à data dos factos, não possuía como não possui, atualmente, autorização dos produtores de fonogramas/videogramas ou dos seus representantes, para proceder à execução ou comunicação pública, no referido estabelecimento, de fonogramas e/ou videogramas editados comercialmente ou de reproduções dos mesmos.

12. Em 31 de Outubro de 2013, foi proferido no processo …, que correu termos do 2º Juízo do Tribunal da Propriedade Intelectual o Acórdão da Relação de Lisboa (transitado em julgado), cuja cópia consta de fls. 63 a 88 dos autos, o qual, entre o mais, confirmou parcialmente a decisão de 1ª instância, havia sido a Requerida, então, condenada judicialmente na “proibição da execução pública não autorizada de fonogramas e videogramas musicais relativos a associados da requerente, nos moldes identificados no artigo 102.º da petição, por parte da requerida B, Lda., no seu estabelecimento denominado “BJ”, sito em”.

13. A requerida apresentou à requerente o documento cuja cópia se encontra a fls. 164 dos autos, requerendo o licenciamento para utilização de “Fonogramas e/ou vídeos musicais”.

14. A requerente enviou então à requerida o email de fls. 165/166.

15. A requerente enviou à requerida em 24 de julho de 2013 a carta cuja cópia consta de fls. 167 do autos, onde, entre o mais, devolve o pedido de licenciamento e recusa conceder o mesmo.

16. Através de Advogado a requerida enviou à requerente a carta datada de 29 de julho de 2013, cuja cópia se encontra a fls. 168 a 173 dos autos.

17. Requerente e requerida efetuaram um acordo de transação enviado aos autos n.º …, em 8 de outubro de 2013, nos termos que constam na certidão cuja junção se determinou em despacho prévio à presente decisão, onde, entre o mais, esta se comprometeu a pagar àquela as quantias devidas pelos licenciamentos desde o ano de 2008, acordo pelo qual pagou logo € 10.128,00, ficando de pagar o restante até ao valor de € 30.200,00, em 35 prestações mensais iguais e sucessivas, no valor de € 600,00 cada, acordo que a requerente deixou de cumprir.

18. Esta transação foi homologada por sentença proferida em 4/11/2013, já transitada em julgado.

19. A requerente enviou à requerida a “Licença Provisória” cuja cópia consta de fls. 184 dos autos, bem como as faturas constantes de fls. 176 a 180 e notas de crédito de fls. 181/182.

20. Em 8 de abril de 2015 a requerida solicitou um novo pedido de licenciamento, a que a requerente respondeu pela carta datada de 17 de abril do mesmo anos, nos termos que constam na cópia desta junta a fls. 185/186.

21. No dia 6 de junho de 2015 foi elaborado pela GNR o “Auto de Apreensão” cuja cópia foi junta aos autos na audiência de julgamento e nos termos em que aí constam.

22. No dia 7 de junho de 2015 entre cerca das 02h00 e as 3h12, foram executadas publicamente no estabelecimento da requerida, dez fonogramas cujos produtores são representados pela requerente.”.


*

Não se tendo provado “Com possível interesse para a decisão da causa” que “a requerida tenha pago algumas prestações das acordadas, além das referidas no facto 17., não lhe tendo sido enviados os respetivos recibos.”.

*

Nada impondo diversamente, importará apenas retificar o manifesto lapso, no n.º 8 dos factos provados, traduzido na referência ao mês de Março de 2015.

Com efeito, como na motivação da decisão da 1ª instância quanto à matéria de facto se consignou, “A testemunha CS, funcionário da requerente e que elaborou o documento de fls 49 (tendo ele sido confrontado e igualmente com fls 50), confirmou o seu teor bem como o constante nos factos 6 a 9, por ele próprio o ter constatado”, sendo o seu depoimento “seguro(s), coerente(s) e objectivo(s), demonstrando conhecimento direto e efetivo (…)”.

Ora, e precisamente, o documento de folhas 49, intitulado de “Documento de verificação ação de licenciamento”, está datado de “23-01-2015”, mostrando-se subscrito por CFS.

Sendo o documento de folhas 50 uma fatura emitida pela Discoteca BJ –Lda., com data de 24-01-2015.

Devendo assim passar a ler-se no referido n.º 8, onde se escreveu “23 de março de 2015”, “23 de janeiro de 2015”. 

Para além disso é igualmente manifesto o lapso, na referência na parte final do n.º 17 dos factos provados, à “requerente”, sendo que se pretendeu ali, obviamente, dizer “requerida”.

Passando pois a ler-se, naquele segmento: “acordo que a requerida deixou de cumprir.”.


***

Vejamos então.

II – 1 – Do abuso de direito por parte da Requerente/recorrida.

1. A Recorrente invoca aquele apenas para fundamentar a alegada desproporção e excesso da decretada “apreensão dos bens de que se suspeite violarem os direitos conexos.”.

E, assim, depois de conceder que “ao abrigo do artº 210º G do CDADC nos parece adequada a proibição da execução pública não autorizada de fonogramas relativos a associados da requerente de modo a impedir a continuação da violação”.

Equacionando tal abuso, na referenciada circunstância de ser “a própria apelada que impede o licenciamento - abusando do direito que tem na cobrança daqueles.” (sic).

Desde que porém se trata, o abuso de direito, de matéria de exceção, perentória, de conhecimento oficioso, implicando a ilegitimidade do exercício do direito – cfr. artigos 334º do Código Civil, 576º, n.º 3 e 579º, do Código de Processo Civil – inevitável é a abordagem de tal instituto no plano prévio da verificação dos requisitos da própria providência, que não já apenas no da sua extensão e natureza, em concreto.

Sempre considerando a factualidade indiciariamente provada, e as questões de conhecimento não oficioso de que a 1ª instância teve o ensejo de conhecer, que não quaisquer outras trazidas, pela primeira vez, às alegações de recurso.

Isto posto:

2. “As prestações dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão”, são protegidos nos termos previstos no título III do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, cfr. artigo 176º, n.º 1 daquele Código.

Definindo-se, nos n.ºs 2 e 3 do mesmo artigo, e pelo que agora aqui interessa, os conceitos legais de “Artistas intérpretes ou executantes” e de “Produtor de fonograma ou videograma”, respetivamente, e, nos n.ºs 4, 6 e 7, os de “Fonograma”, “Cópia” e “Reprodução”, também respetivamente.

Sendo que de acordo com o disposto no artigo 184º, do CDADC, e pelo que aqui interessa:

“1 – (…).

2 - Carecem também de autorização do produtor do fonogramas ou do videograma a difusão por qualquer meio, a execução pública dos mesmos e a colocação à disposição do público, por fio ou sem fio, por forma a que sejam acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido.

3 - Quando um fonograma ou videograma editado comercialmente, ou uma reprodução dos mesmos, for utilizado por qualquer forma de comunicação pública, o utilizador pagará ao produtor e aos artistas intérpretes ou executantes uma remuneração equitativa, que será dividida entre eles em partes iguais, salvo acordo em contrário.

4 - Os produtores de fonogramas ou de videogramas têm a faculdade de fiscalização análoga à conferida nos nºs 1 e 2 do artigo 143º.”.

Não sofre crise ter a Requerida/recorrente, procedido no seu referido estabelecimento, à execução pública de fonogramas, cujos produtores são associados da Requerente, como foi constatado em 23 de Janeiro de 2015 e novamente se verificou no dia 7 de junho de 2015 entre cerca das 02h00 e as 3h12, sem que, à data dos factos, possuísse, como não possui, atualmente, autorização daqueles ou dos seus representantes para o efeito.

Nem ter assim a Requerida/recorrente, violado os correspondentes direitos conexos de tais associados, representados pela Requerente/recorrida.

Contrapondo porém aquela, e como visto, que tal ausência de licenciamento se ficou a dever à recusa, por parte da própria Recorrida, “na aceitação do pedido de licenciamento e consequente licenciamento”.

Recusa que reputa ilegítima, por não ter outorgado com a Recorrida “nenhum contrato de fornecimento de serviços ou bens, e por outro lado, a recusa só faria sentido como causa de justificação depois da requerente provar que aquela seria lícita. E por fim, porque não pode utilizar práticas monopolistas, nos termos da lei e sempre defendidos pela requerida” (sic).

Para além de se basear tal recusa “no incumprimento contratual anterior”, do que a “requerida não tem culpa e por isso não pode ser decretada a providência” (sic, anotando-se que se trata de alegado no corpo das alegações, a folhas 9/13, nada sendo referido nas conclusões respetivas no sentido do não decretamento da providência).

3. Desde logo – para lá da absoluta ausência de substanciação da acusada “prática monopolista” – a invocação da ausência de celebração de qualquer contrato de fornecimento de serviços ou bens com a Requerente – sem especificações do nexo entre tal circunstância e a concluída ilicitude (?) da recusa de licenciamento por parte daquela – ignora as funções da Associação Requerente, de representação dos seus associados, titulares de direito de autor e direitos conexos, e de gestão desses mesmos direitos, decorrente do disposto no artigo 73º, ex vi do artigo 192º, ambos do CDADC, e da Lei n.º 83/2001, de 3 de Agosto – vd. artigos 3º, 9º e 11º deste diploma, que regula a constituição, organização, funcionamento e atribuições das Entidades de Gestão Coletiva do Direito de Autor e dos Direitos Conexos – bem como do definido nos estatutos respetivos, conforme publicação in DR III Série, n.º 35, de 11 de Fevereiro de 2003, págs. 3176 (6), 3176 (7).

E, assim, designadamente, ter aquela por objeto “a cobrança, a gestão, incluindo a negociação e publicação de tarifários, e a distribuição dos direitos de autor e direitos conexos dos produtores fonográficos (…)” (o grifado é nosso).

Por outro lado, e no que concerne à pretendida irrelevância do anterior “incumprimento contratual”, na perspetiva da justificação da recusa de licenciamento, por parte da Recorrida, temos que a própria Recorrente, na sua missiva de 29-07-2013 – junta por cópia a folhas 168, 169, propõe à Requerente “o pagamento do remanescente acordado em 2008, que abrangia o período de 2007 a Agosto de 2008 e que soma a quantia de €2.481,76”, bem como a “quantia anual de 2012, pelo montante tarifado de 2013, no valor de € 6.404,97X70% (…)”, “e ainda a quantia tarifada de € 4.483,47”, “o que soma a quantia de €11.448,70”, “em dez prestações iguais, mensais e sucessivas, no valor de € 1.149,00 cada, a iniciar no mês de Agosto.”.

Sendo que, posteriormente, Requerente e Requerida celebraram um acordo de transação “enviado aos autos n.º 254/13.2YHLSB, em 8 de outubro de 2013”, nos termos que constam na certidão junta a folhas 237-243, onde, e para além do mais, a Requerida se comprometeu a pagar à Requerente “as quantias devidas pelos licenciamentos desde o ano de 2008, acordo pelo qual pagou logo € 10.128,00, ficando de pagar o restante até ao valor de € 30.200,00, em 35 prestações mensais iguais e sucessivas, no valor de € 600,00 cada”.

Acordo esse – homologado por sentença transitada em julgado em 09-12-2013, vd. mesmo documento – que a requerida não cumpriu, cfr. n.º 17 da matéria de facto provada.

É certo resultar da factualidade apurada que em 19-07-2013 a Requerida endereçou à Requerente um Pedido de Licenciamento “…Música” – marca que identifica, a licença e o serviço de licenciamento conjunto da A e GDA (Entidade de Gestão Colectiva de Direitos de Artistas) – relativo ao seu estabelecimento “Bj”.

Como também o é que a Requerente procedeu à devolução de tal Pedido, em missiva datada de 24-07-2013, por entender que não poderia “aceitar a emissão do licenciamento/autorização solicitado (…) sem que, previamente, V. Exas. procederem à regularização integral dos créditos vencidos e não pagos em relação às remunerações que são contrapartida da necessária autorização para a execução pública de fonogramas e que subsistem desde o ano de 2007.”.

Falta de “regularização” que, como assim decorre dos pontos n.ºs 16 e 17 da factualidade indiciariamente apurada, efetivamente se verificava, naquela data.

Observação paralela cabendo fazer relativamente ao “Pedido de Licenciamento …Música” datado de 06-04-2015 – reproduzido a folhas 160 – que a Requerente/recorrida, igualmente devolveu, com carta datada de 17 de Abril de 2015 – reproduzida a folhas 185 e 186 – na qual – e para além do referente à invocada necessidade de serem corrigidas “as disparidades” entre o constante do Pedido de Licenciamento quanto ao período em que aquele “se encontra em funcionamento com execução pública de música por nós representada” e o constatado nas “supra referidas verificações” – se refere ainda como condição para a concessão do licenciamento em causa, a “regularização integral dos créditos vencidos e não pagos relativos às remunerações devidas pela execução/comunicação pública de fonogramas no estabelecimento comercial “BJ”, por V. Exas explorado, as quais se consubstanciam na contrapartida da necessária e prévia autorização para aquela execução pública e que subsistem, na presente data.”.

Pois bem:

4. Dispunha o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro – diploma dispondo quanto a práticas individuais restritivas de comércio – na redação introduzida pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 140/98, de 16 de Maio, que:

“1 - É proibido a um agente económico recusar a venda de bens ou a prestação de serviços a outro agente económico, segundo os usos normais da respectiva actividade ou de acordo com as disposições legais ou regulamentares aplicáveis, ainda que se trate de bens ou de serviços não essenciais e que da recusa não resulte prejuízo para o regular abastecimento do mercado.

2 - É equiparada à recusa de venda a subordinação da venda de um bem ou da prestação de um serviço à aquisição de outro bem ou serviço.

3 - São consideradas causas justificativas de recusa:

a) (…);

b) (…);

c) (…);

d) (…);

e (…);

f) A existência de débitos vencidos e não liquidados referentes a fornecimentos anteriores;

g) (…);

4 - Incumbe ao vendedor a prova das causas justificativas a que se refere o número anterior.

Tal diploma veio a ser revogado pelo artigo 20º do Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27 de Dezembro, que aprova o (novo) regime aplicável às práticas individuais restritivas do comércio, e em cujo artigo 6º, sob a epígrafe “Recusa de venda de bens ou de prestação de serviços”, se dispõe:

“1 - Sem prejuízo dos usos normais da respetiva atividade ou de disposições legais ou regulamentares aplicáveis, é proibido a uma empresa recusar a venda de bens ou a prestação de serviços a outra empresa, ainda que se trate de bens ou de serviços não essenciais e que da recusa não resulte prejuízo para o regular abastecimento do mercado, exceto quando se verifique causa justificativa de recusa.

2 – (…).

3 - Para efeitos do disposto no n.º 1 do presente artigo, e sem prejuízo dos n.ºs 1 e 2 do artigo 19.º do Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de julho, são consideradas causas justificativas de recusa:

a) (…);

b) (…);

c) (…);

d) (…)

e) (…)

f) A existência de débitos vencidos e não liquidados referentes a fornecimentos anteriores;

g) (…);

h) (…);

i) (…);

j) (…);

k) (…).

4 - Incumbe ao vendedor a prova das causas justificativas a que se refere o número anterior.”.

Ora, o “licenciamento”, por parte da associação representativa dos produtores dela associados, da execução pública de fonogramas produzidos por aqueles, corresponde à autorização do titular do direito conexo para uma tal utilização do registo da fixação da prestação respetiva.

Certo que, como assinala Oliveira Ascensão,[1] “A lei portuguesa não fala em geral de licença. A palavra vem das convenções internacionais.”.

Referindo-se Luís Manuel Teles de Menezes Leitão[2] a uma tal correspondência quando salienta como exemplo de licença legal – tal como a obrigatória, distinta da licença voluntária, de que agora nos ocupamos – a “prevista no artigo 178º, n.º 2 (do CDADC) onde se prevê que a autorização pelo artista intérprete ou executante da fixação da prestação para fins de radiodifusão implica a transmissão dos seus direitos de radiodifusão ao público, conservando apenas o direito a uma remuneração.”.

Confrontamo-nos assim com uma prestação por parte do titular do direito conexo, que tem como contraprestação da parte utilizadora do fonograma – nas circunstâncias e termos previstos nos artigo 178º, n.ºs 2 e 3, e 184º, n.º 3, ambos do CDADC – o pagamento de uma remuneração, cujo montante, aliás, não foi posto em causa, na presente ação.

Tudo isto visto, forçoso é concluir pela verificação da causa justificativa da recusa da Requerente/recorrida em conceder os licenciamentos “…Música”, solicitados pela Recorrente/requerida, em 19-07-2013 e 06-04-2015, prevista primeiro no artigo 4º, n.ºs 1 e 3 alínea f), do Decreto-Lei n.º 370/93, de 29 de Outubro, e, depois, no artigo 6º, n.ºs 1 e 3, alínea f), do Decreto-Lei n.º 166/2013, de 27 de Dezembro.

Com prejuízo, assim, da pretendida configuração de abuso de direito – em qualquer das modalidades que a doutrina autonomiza[3] – por parte da Requerente/recorrida, a quem a lei reconhece a faculdade de recusar a concessão de autorização para a execução pública de fonogramas produzidos pelos seus representados, enquanto existirem débitos vencidos e não liquidados referentes a anteriores períodos em que tal execução teve lugar sem prévia autorização.        

Tratando-se de recusa perante dívida de modo algum insignificante, posto que reportando a período que abrange o ano de 2008, e no montante global de várias dezenas de milhares de euros, que havia sido estabelecido, por transação celebrada em processo judicial – homologada por sentença transitada em julgado – ser pago em prestações, sem que tal haja ocorrido.

Sendo que como na sentença recorrida bem se considerou “impor a obrigação da requerente continuar a emitir licenças para períodos determinados sem pagamento dos períodos anteriores, seria quase um incentivo à continuação do comportamento da requerida de violação dos direitos dos representados da requerente em períodos alternados e assim ir conseguindo funcionar com pagamentos muito parcelares e alternados.”.


*

Improcedendo assim, nesta parte, as conclusões da Recorrente.

II – 2 – (Ainda) dos requisitos do decretamento da providência.

Conquanto tal não aflore nas formuladas conclusões, mas perante a afirmação, no corpo das alegações, de “que não se verificam os pressupostos de que depende o decretamento da providência cautelar requerida”, por isso que “Não se verificam e nem foram alegados prejuízos, Nem os mesmos são irreversíveis” (sic), não deixará de se observar, embora apenas marginalmente, que:

De acordo com o disposto no artigo 210º-G do Código dos Direitos de Autor e Direitos Conexos, sob a epígrafe “Providências cautelares”, e no que agora pode interessar:

“1- Sempre que haja violação ou fundado receio de que outrem cause lesão grave e dificilmente reparável do direito de autor ou dos direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do requerente, decretar as providências adequadas a:

a) Inibir qualquer violação iminente; ou

b) Proibir a continuação da violação.

2 - O tribunal exige que o requerente forneça os elementos de prova para demonstrar que é titular de direito de autor ou direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-los, e que se verifica ou está iminente uma violação.

3 – (…).

4 – (…).

5 – (…).

6 – (…).

7 – (…).”.

Aquele dispositivo foi aditado ao CDADC pela Lei nº 16/2008, de 1 de Abril, com entrada em vigor em 6 de Abril de 2008, e que transpôs para o ordenamento jurídico português a Diretiva nº 2004/48/CE, de 29.4.2004, a qual visou assegurar uma maior eficácia na garantia de defesa dos direitos de propriedade intelectual no espaço comunitário e, nessa linha, determinou que cada um dos Estados-membros deve, através de transposição, “garantir que as autoridades judiciais possam, a pedido do requerente (…) decretar contra o indiciado infractor uma medida inibitória de qualquer violação iminente de direitos de propriedade intelectual ou de proibição (…) a título provisório (…) da continuação da alegada violação dos referidos direitos …”, cfr. artigo 9º.

Como refere Adelaide Menezes Leitão,[4] a ideia subjacente à solução acolhida no artigo 210º-G do CDADC, é a da “facilitação da instauração e decretamento de medidas cautelares (…) em prol da necessidade de assegurar a utilidade da decisão e a efectividade da tutela jurisdicional”, sendo que “no CPC estabelecem-se pressupostos mais exigentes para a decretação da medida cautelar. Com efeito, no art. 381º exige-se o fundado receio de lesão grave e o carácter de difícil reparação do direito”.

Tendo-se deste modo que a providência cautelar ali prevista - providência cautelar especificada fora do Código de Processo Civil – pode ter lugar em duas situações diversas, a saber, a de violação do direito de autor ou dos direitos conexos e a de fundado receio de que ocorra uma violação grave e dificilmente reparável daqueles.

No primeiro caso, o tribunal decretará as providências adequadas a proibir a continuação da violação, ao passo que no segundo caso tomará as que se mostrem idôneas em ordem à inibição de qualquer violação iminente.

Não sendo pois necessário, uma vez demonstrada a violação do direito, para que a providência seja decretada, a cumulativa verificação do fundado receio de que ocorra uma lesão grave e dificilmente reparável daquele direito.

Neste sentido se pronunciando, para além de Adelaide Menezes leitão, e entre outros, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão.[5]

E assim havendo sido julgado em acórdãos da Relação de Coimbra, de 17-11-2009;[6] da Relação de Lisboa, de 02-05-2013 e 10-02-2009;[7] e da Relação de Évora, de 29-09-2009.[8]

Ora a violação do direito conexo dos produtores de fonogramas representados pela A., de autorizar – ou proibir, que é o reverso da autorização – a execução pública daqueles, consumou-se com as comprovadas execuções públicas no estabelecimento da Requerida de fonogramas de produtores associados da A., sem prévio licenciamento.

Não se justificando, de resto, dúvidas sérias quanto ao carácter culposo de tal violação.

Estando pois verificados os pressupostos do decretamento da providência.

II - 3 – Da decretada apreensão de bens.

1. Sob a epígrafe “Arresto”, dispõe-se no artigo 210º - H do CDADC, e pelo que agora pode interessar:

“1- Em caso de infracção à escala comercial, actual ou iminente, e sempre que o interessado prove a existência de circunstâncias susceptíveis de comprometer a cobrança da indemnização por perdas e danos, pode o tribunal ordenar a apreensão dos bens móveis e imóveis do alegado infractor, incluindo os saldos das suas contas bancárias, podendo o juiz ordenar a comunicação ou o acesso aos dados e informações bancárias ou comerciais respeitantes ao infractor.

2 - Sempre que haja violação, actual ou iminente, de direitos de autor ou de direitos conexos, pode o tribunal, a pedido do interessado, ordenar a apreensão dos bens que suspeite violarem esses direitos, bem como dos instrumentos que sirvam essencialmente para a prática do ilícito.

3 - Para efeitos do disposto nos números anteriores, o tribunal exige que o requerente forneça todos os elementos de prova razoavelmente disponíveis para demonstrar que é titular do direito de autor ou dos direitos conexos, ou que está autorizado a utilizá-lo, e que se verifica ou está iminente uma violação.

4 – (…)

5 – (…).”.

Trata-se do que Luís Manuel Teles de Menezes Leitão refere como o arresto específico do direito de autor”.[9]

Considerando a Recorrente a decretada apreensão como desproporcionada e excessiva, “uma vez que é a própria apelada que impede o licenciamento – abusando do direito que tem na cobrança daqueles”.

E que “Por não obedecer aos critérios de razoabilidade, por que se rege a figura da sanção compulsória e ter fixado um quantum que não garante suficiente eficácia intimidatória, bem pelo contrário, candidata-se a provocar o encerramento do espaço”.

A primeira linha de argumentação é, desde logo, de descartar, na medida em que se rejeitou já, supra, a verificação do pretendido abuso de direito.

Mas também o aparente entendimento de que em vez do decretamento da apreensão deveria ter sido fixada a sanção pecuniária compulsória num montante que, sendo superior, garantiria a eficácia coercitiva visada, não colhe, por si só.

E por isso que se não concede a existência de uma relação de alternatividade entre a sanção pecuniária compulsória - cujo decretamento se prevê, oficiosamente ou a pedido do requerente, no n.º 4 do citado artigo 210º-G, do CDADC e que visa “assegurar a execução das providências previstas no n.º 1.”, ou seja, das providências adequadas a “Inibir qualquer violação iminente; ou Proibir a continuação da violação.” – e a apreensão prevista no artigo 210º-H, n.º 2, do mesmo Código, tendo por objeto, e como visto, os bens que o tribunal suspeite violarem os direitos de autor ou direitos conexos, bem como os “instrumentos que sirvam essencialmente para a prática do ilícito”.

Bens aqueles que, a título exemplificativo foram referenciados na decisão impugnada como sendo “amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil, quaisquer suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais de representados da requerente.”.

Sendo já porém certo que de acordo com o considerando n.º 22 da sobredita Diretiva 2004/48 CE, de 29.4.2004:

)“Também é imprescindível estabelecer medidas provisórias que permitam a cessação imediata da infração sem esperar uma decisão de fundo, ao mesmo tempo que se respeitam os direitos de defesa, se vela pela proporcionalidade das medidas relativamente às particularidades de cada caso (…)”.

Dispondo-se no artigo 3º da mesma Diretiva que:

 “1. Os Estados membros estabelecerão as medidas, procedimentos e recursos necessários para garantir o respeito dos direitos de propriedade intelectual a que se refere a presente Diretiva. Tais medidas, procedimentos e recursos serão justos e equitativos, não serão inutilmente complexos ou gravosos, nem comportarão prazos injustificados ou demoras desnecessárias.

2. Tais medidas, procedimentos e recursos serão efetivos, proporcionados e dissuasórios e aplicar-se-ão de modo a evitar a criação de obstáculos ao comércio legítimo e a oferecer salvaguardas contra o seu abuso.”.

Não podendo a interpretação dos normativos do CDADC correspondentes à transposição da Diretiva, deixar de ser interpretados à luz daquela.

Pois bem:

2. Não sendo de concluir, face aos elementos dos autos constantes, que os bens enumerados na decisão recorrida sejam, a se, violadores dos direitos conexos de que tratam os artigos 178º e 184º do CDADC – como ocorreria, v.g., com a reprodução não autorizada da fixação de prestações/cópias não autorizadas de fonogramas – revestirão porém, e desde logo, os “suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais de representados da requerente.”, a natureza de “instrumentos que sirvam essencialmente para a prática do ilícito”.

E, quanto a esses, não oferece dúvida a legalidade, oportunidade e equilíbrio da decretada apreensão, tendo designadamente presente a já historiada persistência por parte da Requerida/recorrente, na violação dos direitos dos representados da A.

Já no tocante aos “amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil, ponto é que nos confrontamos com meios de reprodução áudio.

Obviamente indispensáveis ao funcionamento do estabelecimento da Requerida, uma “Discoteca”, sita no Casino de …, em....

Sem que porém se mostrem essencialmente afetos à execução pública de fonogramas de produtores representados pela Requerente.

Certo não estar provado, ainda que em sede de summaria cognitio, que a Requerente/recorrida, represente todos ou sequer a maioria dos produtores de fonogramas suscetíveis de execução pública, no aludido estabelecimento.

E variarem as opções, nessa área, de estabelecimento para estabelecimento, consoante as orientações dos responsáveis, em função das preferências dos frequentadores alvo e das “modas de momento”.

Resultando pois excessiva e desajustada, neste contexto, a privação da Requerida, a título provisório, de instrumentos sem os quais o referenciado estabelecimento irá forçosamente encerrar.

Redundando mesmo, e na prática, numa medida que apenas pode ser imposta em decisão judicial de mérito, como é a inibitória, de “encerramento temporário ou definitivo do estabelecimento.”, prevista no artigo 210º-J, n.º 1 e 2, alínea c), do CDADC.

Disposição, aquela última correspondendo à execução do artigo 11º da Diretiva 2004/48 CE, incluído na Secção 5ª (do Capítulo II), com a epígrafe “Medidas impostas por uma decisão de fundo (grifado nosso).

Não podendo, isto visto, manter-se, quanto aos sobreditos instrumentos, a decretada apreensão.

Com procedência, aqui, e nesta medida, das conclusões da Recorrente.

III – Nestes termos, acordam em julgar a apelação procedente e revogam a decisão recorrida, na parte em que determina a apreensão dos instrumentos (…) nomeadamente, amplificadores e colunas de som, mesas de mistura, equalizadores, leitores de discos compactos, “gira-discos” para discos em vinil”, restringindo-se a apreensão aos “suportes musicais, incluindo discos compactos ou em vinil, cassetes e suportes informáticos que contenham ficheiros musicais de representados da requerente.”,-----------------------------------------------------------------------------------

mantendo-se aquela no restante.

Sem custas, nesta instância, e certo estar a Recorrida delas isenta, ex vi do disposto no artigo 4º, n.º 1, alínea f), do Regulamento das Custas Processuais, não se verificando qualquer das hipóteses contempladas nos n.ºs 5 e 6, do mesmo artigo, sendo, no que respeita à tributação em 1ª instância, que é de observar a proibição da reformatio in pejus.


***

*

Lisboa, 2016-01-21

(Ezagüy Martins)

(Maria José Mouro)

Maria Teresa Albuquerque)



[1] In “Direitos de Autor e Direitos Conexos”, Coimbra Editora Lda., 1993, pág. 385.
[2] In “Direito de Autor”, 2011, Almedina, pág. 248.
[3] Cfr. Menezes Cordeiro, in “Tratado de Direito Civil Português”, I Parte Geral, Tomo I, 1999, Almedina, págs., 198-213.
[4] In “A tutela dos direitos de propriedade intelectual na Directiva nº 2004/48/CE”, in “Direito da Sociedade de Informação, vol. VII.
[5] In op. cit., pág. 286.
[6] Proc. 1201/09.1TBMRGR.C1, Relator: JUDITE PIRES, in www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
[7] Proc. 329/12.5YHLSB.L1-6, Relator: VÍTOR AMARAL, e proc. 2974/2008.4TVLSB.L1-7, Relator: ABRANTES GERALDES, ambos in www.dgsi.pt/jtrl.nsf.
[8] Proc. 1115/09.5TBABF.E1, Relator: BERNARDO DOMINGOS, in www.dgsi.pt/jtre.nsf.

           
[9] In op. cit., pág. 289.