Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1758/2008-8
Relator: SALAZAR CASANOVA
Descritores: AVAL
CESSÃO DE QUOTA
DENÚNCIA
ORDEM PÚBLICA
SOCIEDADE COMERCIAL
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/13/2008
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- O contrato não passa a ser de objecto indeterminado ou indeterminável pelo facto de se estipular a possibilidade de prorrogação automática sujeita a livre denúncia por qualquer das partes.
II- As partes podem outorgar livremente contratos por tempo indeterminado (artigo 405.º do Código Civil) conquanto tenham a possibilidade de livre denúncia, constituindo violação de ordem pública (artigo 280.º do Código Civil), por inadmissibilidade de contratos de natureza perpétua, a estipulação que não admita a faculdade de denúncia ad nutum.
III- O aval aposto em livrança, garantia de natureza eminentemente pessoal, não se extingue pelo facto de o avalista ter cedido a quota e renunciado à gerência da sociedade outorgante em contrato de abertura de crédito, não constituindo abuso do direito o credor demandar os avalistas uma vez accionado o título de crédito.
(SC)
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


1. A […] demanda C. […] Lda., M[…] , G […] e Caixa […]pedindo o seguinte:

- Que os RR sejam condenados a reconhecer que o A. se encontra válida e definitivamente, desde 9 de Maio de 2006, desvinculado de todas as obrigações decorrentes do aval prestado na livrança subscrita na sequência de adicional de 17 de Dezembro de 1999 (fls. 36) ao contrato de abertura de crédito outorgado com a Caixa […] de 16 de Dezembro de 1996 que aumentou o crédito de 300 para 600 milhões de escudos.

- Que a Caixa […] seja condenada a riscar ou a apagar a assinatura do A. do rosto da livrança por forma a que do título claramente se alcance que o A. por ele não se encontra obrigado.

- Que a Caixa […] se abstenha de transmitir a livrança, designadamente por endosso, sem previamente riscar a assinatura do A. constante daquele título.

2. O contrato de abertura de crédito até ao montante de 300 milhões de escudos, celebrado no dia 16-12-1996 pelo prazo de seis meses, renovável por sucessivos e iguais períodos mediante pedido de renovação escrito com aceitação ulterior de nova taxa de juro, teve o A. como outorgante.

3. O adicional ao contrato de 17-12-1999 que elevou o crédito concedido à parte devedora para 600 milhões de escudos teve igualmente o A. como outorgante.

4. Neste adicional de 17-12-1999 substituiu-se a anterior livrança subscrita na sequência do contrato de 16-12-1999 por outra livrança igualmente avalizada, entre outros, pelo autor, livrança a que respeita o pedido deduzido nos presentes autos

5. A alteração de 29-2-2000 ao aludido contrato teve também o A. como outorgante.

6. Entre outras, foram em 29-2-2000 introduzidas as seguintes alterações no aludido contrato:

1. O prazo contratual actualmente em curso iniciado em 6-1-2000 passa a ser de 3 anos contado a partir de 6-1-2000, terminando assim em 6-1-2003.
2. O prazo referido no nº1 será automaticamente prorrogado por períodos de seis meses iguais e sucessivos a menos que a Caixa […] ou a parte devedora denunciem o contrato por escrito e com pelo menos 15 dias de antecedência em relação ao termos do prazo ou da respectiva prorrogação que estiver em curso.
3. Qualquer das partes pode, a qualquer momento, pôr termo unilateralmente ao contrato, sem invocação de qualquer outra causa, mediante comunicação dirigida à outra parte, efectuada por escrito e com 60 dias de antecedência.

7. O contrato foi objecto ainda de outra alteração em 14-2-2002, com intervenção também do A., que não modificou os pontos referidos anteriormente.

8. No dia 16-10-2003 o A. por escritura de cessão de quotas cedeu ao R. M […] a quota que detinha na 1ª Ré, sociedade C. Lda., com todos os direitos e obrigações, tendo ainda nesse documento declarado expressamente que renunciava à gerência.

9. E porque a partir desta data o A. deixou de ter qualquer ligação com a sociedade demandada, ignorando a sua situação patrimonial, económica e financeira, deixando de ter qualquer poder de decisão ou de controlo e não mais recebendo quaisquer benefícios, o A. comunicou à Caixa […] que, por tal motivo, desde aquela data cessou o aval prestado na referida livrança e todas as obrigações dele decorrentes, devendo ser riscada a sua assinatura para que fique claro estar exonerado de qualquer obrigação.

10. No entanto, e porque a ré não procedeu em conformidade, o A. demandou-a na presente acção para que a ré seja condenada nesses termos.

11. O A. referiu ainda que, não estando fixado um limite máximo de renovações do contrato, nem qualquer prazo findo o qual se pudesse libertar da obrigação assumida, configura-se uma vinculação de duração indefinida, tendencialmente perpétua, sem prazo de duração e, por isso, o aval é nulo por indeterminabilidade do objecto nos termos do artigo 280.º do Código Civil.

12. A acção foi julgada improcedente.

13. Nas suas alegações de recurso o A. sustenta que só para os recorridos o prazo da vinculação ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, e logo o aval, se pode considerar determinado ou determinável, pois só estes podem impedir a sua renovação automática e, por isso, reitera o A o entendimento de que a obrigação assumida é nula por indeterminabilidade do objecto, finalizando as suas conclusões com a invocação do abuso do direito por ser contrária à ordem pública uma vinculação contratual indefinida.

14. Não tendo sido impugnada a matéria de facto, para ela se remete nos termos do artigo 713.º/6 do C.P.C.

Apreciando:

15. O A. cedeu a sua quota depois de ter outorgado contrato de abertura de crédito e respectivos adicionais. Sabia, portanto, as obrigações a que se vinculara, sabia que a Caixa […] não renunciara a demandá-lo como avalista, não negociou a renúncia ou, se negociou, não terá sido bem sucedido.

16. O objecto do contrato está determinado pois o financiamento tem o limite de 600 milhões de escudos com juros e condições de pagamento devidamente estipulados.

17. O prazo do contrato de 3 anos passou, a partir de 6-1-2003, a ser automaticamente prorrogado por períodos de 6 meses iguais e sucessivos com possibilidade de denúncia ad nutum.

18. O contrato não passa a ser de objecto indeterminado ou indeterminável pelo facto de se estipular a possibilidade de prorrogação automática sujeita a livre denúncia por qualquer das partes.

19. Não se vislumbra qualquer obstáculo à outorga de contratos por tempo indeterminado conquanto as partes tenham a possibilidade de livre denúncia, como acontece no caso vertente, pois, se assim não fosse, então é que se poderia considerar uma vinculação contratual de carácter perpétuo com violação da ordem pública a que se refere o artigo 280.º do Código Civil ( ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª edição, pág. 623).

20. O A. considera que passou a ficar, a partir da cessão de quota com renúncia aos poderes de gerência, numa situação equivalente, se bem compreendemos a sua posição, à da parte que não pode denunciar o contrato celebrado por tempo indeterminado.

21. Sucede que o A. não é parte devedora do aludido contrato; parte devedora é a sociedade da qual, ao tempo em que o contrato e adicionais foram celebrados, o A. era gerente. Por isso, o A. não poderia, por si, denunciar o contrato. A diferença está apenas em que o A., como gerente, poderia levar a sociedade à denúncia do contrato, não sendo sequer líquido que o pudesse fazer sem o concurso da vontade de outros gerentes. Essa possibilidade, que o A. alienou, não justifica a equivalência que o A pretende. Aliás, a possibilidade de denúncia não excluía a responsabilização dos avalistas, em caso de incumprimento, face ao mutuante que deles sempre poderia reclamar, nos termos estipulados, o valor em dívida.

22. O A. assumiu perante a credora uma obrigação cambiária de natureza pessoal avalizando a livrança. Podia fazê-lo enquanto gerente da sociedade, como igualmente o poderia fazer se não fosse gerente da sociedade. Por isso, a circunstância de ter deixado de ser gerente não implica a extinção do aval assumido.

23.Não se vê que do contrato resulte alguma cláusula segundo a qual o mutuante se obrigasse a riscar o aval prestado por qualquer dos sócios-gerentes da sociedade no caso de cessão de quota com renúncia à gerência.

24. Não há abuso do direito da parte do mutuante em se recusar a riscar o aval, o que levaria à perda de uma garantia do crédito, quando a tal não se obrigou.

25. É verdade que o A. não pode influenciar a devedora no sentido de denunciar o contrato, mas, como se disse, essa situação põe-se relativamente a qualquer avalista que se tenha responsabilizado por dívida assumida pelo devedor que não seja legal representante deste. O problema, para o autor, não está na possibilidade de denúncia do contrato, mas na subsistência da sua responsabilização face ao mutuante

26. No limite, a seguir-se o entendimento do recorrente, se todos os sócios gerentes que deram o seu aval - garantia eminentemente pessoal - cedessem as respectivas quotas e renunciassem à gerência, estaria encontrada a fórmula para se extinguir uma obrigação cambiária sem, para tal, se encontrar suporte na lei cambiária (artigo 32.º da L.U.L.) nem no próprio contrato, admitindo-se que uma estipulação como a que referimos, pudesse, na verdade, impor-se ao mutuante, levando-o a riscar o aval. Pensamos que uma tal estipulação é lícita, mas esta é questão fora do caso em apreço, pois não está em causa que no contrato tenha sido estipulada uma tal cláusula.

27. O recorrente juntou com as alegações de recurso cópia do Ac. do S.T.J. de 8-7-2003 (Oliveira Barros) que, salvo o devido respeito, não concede apoio à sua pretensão, pois, nesse acórdão, apenas se admite um prazo de validade do aval no âmbito do pacto de preenchimento, pacto que não está aqui em discussão.

28. Da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça resulta igualmente entendimento diverso do recorrente. De facto, se o avalista não interveio no contrato celebrado com o devedor, não pode invocar inobservância do pacto de preenchimento a que é alheio; se interveio, poderá eximir-se ao pagamento se o mutuante não observar o pacto de preenchimento que haja outorgado com o devedor e o avalista. Não se sustenta em nenhum dos arestos que a cessão de quota por parte do gerente de sociedade implique a extinção do aval que aquele haja firmado em livrança, inexistindo qualquer estipulação nesse sentido entre avalista, subscritor da livrança e mutuante.

29. Vejam-se os seguintes arestos:

- Ac. do S.T.J. de 6-3-2007 (Faria Antunes) (P. 205/2007)

I- Não sendo sujeito da relação contratual subjacente, não pode o mero avalista do subscritor da livrança em branco, invocar a excepção do preenchimento abusivo, por carecer de legitimidade para tal.
II- É inaplicável ao aval de uma livrança em branco posteriormente preenchida, a doutrina do acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2001, de 23.1.2001 (DR I-A Série, de 8.3.2001), segundo a qual é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha.

Escreveu-se neste acórdão:

- Não obstante a livrança se encontrar ainda no domínio das relações imediatas – por se encontrar ainda em poder do beneficiário, credor do avalista cuja obrigação é autónoma da avalizada – é vedado ao recorrente/avalista invocar a excepção do preenchimento abusivo, por falta de legitimidade para tal visto ser um mero avalista não sujeito da relação contratual subjacente, fundando-se a lide executiva no título de crédito preenchido, continuando a obrigação, que é de natureza cambiária, a ser literal e abstracta (cf. Ac. do STJ, de 11.11.2004, processo 04B3453, com relato do Cons. Ferreira de Almeida, em www.dgsi.pt). […]

- E tão-pouco pode o recorrente sustentar que houve preenchimento abusivo por inexistir pacto de preenchimento entre ele e o beneficiário da livrança. Inexiste esse pacto, é certo, mas existe o pacto de preenchimento celebrado entre a subscritora e o beneficiário, e esse pacto vincula o recorrente/avalista, que não demonstrou que o ignorava aquando da prestação do aval, nem que foi violado pelo preenchimento.

Esse preenchimento foi autorizado pela subscritora apenas até ao limite das responsabilidades por ela assumidas perante o beneficiário na abertura de crédito sob a forma de conta-corrente, acrescido de todos e quaisquer encargos com a selagem, caso se verificasse o incumprimento por parte dela das obrigações que lhe competiam, sendo assim o montante da dívida cambiária determinável, que não indeterminável como prevê o art.º 280º, nº 1 da lei substantiva. […]

- Diz o art.º 280º, nº 1 do C. Civil que é nulo o negócio jurídico cujo objecto seja… indeterminável.

E o acórdão uniformizador de jurisprudência nº 4/2001, de 23.1.2001 (DR I-A Série, de 8.3.2001) decidiu que é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza e independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha.
Todavia, não se deve confundir o aval com a fiança, sendo ininvocável no caso vertente a doutrina do citado acórdão uniformizador, já que o regime da fiança é diferente do relativo ao aval.

É preciso não perder de vista que o recorrente não foi demandado como fiador do negócio jurídico subjacente à livrança, mas como avalista da subscritora desta, como garante apenas da obrigação cambiária assumida pela subscritora, desencadeando o aval uma obrigação, independente e autónoma, de honrar o título cambiário, ainda que só caucione outro co-subscritor - princípio da independência do aval (art.º 32º, aplicável ex vi art.º 77º, ambos da LULL. […]

- Como se escreveu no acórdão de 5.12.2006, no processo 2.522/06 (com relato do Cons. Urbano Dias), o regime da fiança é diferente do relativo ao aval, tendo aquela a ver com a obrigação principal, substantiva, dependente da respectiva causa, ao passo que o aval representa a obrigação cartular, nada tendo a ver com a relação subjacente, só se consolidando o aval no mundo dos negócios após o completo preenchimento do título em branco, momento em que se constitui como dívida cambiária perfeitamente determinada..

30. Veja-se também o Ac. do S.T.J. de 13-3-2007 (Azevedo Ramos) (P. 202/2007) in C.J.,1, pág. 116

I – A livrança em branco destina-se, normalmente, a ser preenchida pelo seu adquirente imediato ou posterior, sendo a sua entrega acompanhada de poderes para o seu preenchimento, de acordo com o denominado pacto ou acordo de preenchimento .
II – O aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o seu pagamento por parte de um dos subscritores .
III – O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada, pelo que a medida da responsabilidade do avalista se mede pela do avalizado .
IV- Sendo o aval prestado a favor do subscritor, o acordo de preenchimento concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista .

Nele se diz:

O aval é uma garantia bancária que, embora com natureza jurídica semelhante à da fiança, não pode confundir-se com esta.

Ao aval somente são aplicáveis os princípios da fiança que não contradigam o seu carácter cambiário .

O aval é o acto pelo qual um terceiro ou um signatário da letra ou de uma livrança garante o seu pagamento por parte de um dos subscritores – art. 30 da LULL.

A função do aval é uma função de garantia, inserida ao lado da obrigação de um certo subscritor cambiário, a cobri-la ou caucioná-la.

O dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada – art. 32, nº1, da LULL.

Tal significa que a medida da responsabilidade do avalista é a do avalizado .

Por isso, sendo o aval prestado a favor do subscritor, como é o caso, o acordo do preenchimento do título concluído entre este e o portador impõe-se ao avalista, para medir a sua responsabilidade ( Ac. S.T.J. de 11-2-03, publicado na Internet, DGSI, proc. 02A4555; Ac. S.T.J. de 11-12-03, publicado na Internet, DGSI, proc. 03A3529).

É indiferente que o avalista tenha dado ou não o seu consentimento, ao preenchimento da livrança .

Com efeito, esse acordo apenas diz respeito ao portador da livrança e ao seu subscritor .

O avalista não é sujeito da relação jurídica existente entre o portador e o subscritor da livrança .


O avalista é apenas sujeito da relação subjacente ou fundamental à obrigação cambiária do aval, relação essa constituída entre ele e o avalizado e que só é invocável no confronto entre ambos .

Acresce que a obrigação do avalista se mantém, mesmo no caso da obrigação que ele garantiu ser nula por qualquer razão que não seja por vício de forma – art. 32, nº2 da LULL .

31. Veja-se ainda o Ac. do S.T.J. de 8-5-2007 (Fonseca Ramos) (P. 1090/07 da 6ª secção:

I- Estando a livrança exequenda no domínio das relações imediatas, já que os sujeitos da relação extracartular são, concomitantemente, sujeitos cambiários, os avalistas, ora embargantes, podem opor ao portador a excepção de preenchimento abusivo.
II - Tendo entre a exequente a sociedade comercial co-executada sido celebrado em 17-06-1997 um contrato de abertura de crédito, prestando os embargantes o aval à livrança em branco de garantia em caso de incumprimento pela beneficiária do crédito, não tendo havido prorrogação do prazo do contrato, que foi celebrado por 6 meses, a data a considerar para avaliar da responsabilidade dos avalistas é a data-limite de 17-12-1997.
III - Não é pelo facto de os avalistas terem renunciado à gerência da sociedade que se acham libertos da obrigação emergente do aval.
IV - Decorrendo dos factos provados que em 17-12-1997 a sociedade nada devia à exequente, conclui-se que os embargantes não são responsáveis pelo pagamento da quantia exequenda, pois o aval que prestaram não abrange o período de vencimento da livrança em branco, preenchida pela exequente, que foi dada à execução.

32. Veja-se o Ac. do S.T.J. de 23-9-2004 (Abílio Vasconcelos) (revista n.º 1936/04 - 2.ª Secção)


I - Os embargos de executado configuram-se como uma contra-acção que tem por objectivo destruir os efeitos do título executivo e inviabilizar a acção executiva em que se apoia.
II - O aval é uma garantia cambiária que se reporta à dívida cambiária, e não à obrigação emergente da relação jurídica subjacente.
III - A responsabilidade do avalista é solidária com a do avalizado.

33. Ou o acórdão de 14-10-2004 (Moitinho de Almeida) revista n.º 2904/04 - 7.ª Secção


I - A obrigação do avalista é autónoma, não podendo defender-se com as excepções do avalizado, salvo no que concerne ao pagamento.
II - Os vícios de forma a que alude o segundo parágrafo do art.º 32 da LULL, na origem da nulidade da obrigação da pessoa que o aval garante, e que excluem a responsabilidade do avalista, são apenas os que respeitam aos requisitos externos da obrigação cambiária, perceptíveis pelo simples exame do título.

34. Ou ainda o Ac. do S.T.J. de 11-12-2003 (Nuno Cameira) (revista nº 3529/2003- 6ª secção):

I - Uma vez que o dador de aval é responsável da mesma maneira que a pessoa por ele afiançada (art.º 32, § 1º, da LULL), o acordo de preenchimento do título cambiário concluído entre o subscritor e o portador impõe-se ao avalista para medir a sua responsabilidade.
II - O aval origina uma obrigação cambiária autónoma, que se mantém mesmo no caso de a obrigação que ele garantiu se revelar nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
III - Se o aval se tiver destinado a garantir uma obrigação de sociedade comercial de que o avalista seja sócio, o facto de ele ter cedido a sua quota na sociedade avalizada não o isenta de responsabilidade, atenta a natureza pessoal da garantia prestada (art.ºs 30 e 31 da LULL).

35. E ainda o Ac. do S.T.J. de 5-12-2006 (Urbano Dias) (P. 2522/2006)

O avalista garante apenas e tão só o pagamento da obrigação cambiária assumida pela subscritora da livrança. Nessa medida são de todo irrelevantes todas as suas alegações relativas à relação subjacente contraída entre esta e o portador de tal título.

Para efeito de contagem do tempo para alcançar os benefícios da prescrição o que conta é a data que consta do título e não a data da celebração do negócio causador deste.

É ininvocável em relação ao aval a doutrina do Ac. do Acórdão Uniformizador nº 4/2001(que determina a nulidade da fiança de obrigações futuras) já que o regime da fiança é diferente do relativo ao aval: aquela tem a ver com uma obrigação principal, substantiva, dependente da respectiva causa, este, por seu lado, representa uma garantia restrita à obrigação cartular, nada tendo a ver com a relação subjacente.

Acresce que no caso de preenchimento de livrança em branco só com a aposição do montante titulado é que a subscritora e seus avalistas passam a ser considerados como devedores perante o portador.

Assim:

Por força dos princípios da literalidade, da abstracção e autonomia só aos obrigados cambiários imediatos é possível a invocação da relação subjacente.

A excepção está contemplada para os casos de o portador ter procedido em detrimento do devedor.

Isto resulta claramente do art. 17º da L.U, ex vi art. 77º do mesmo diploma legal.

Acresce que a obrigação do avalista é a de garantir a obrigação de um determinado obrigado cambiário, sendo subsidiária ou acessória desta, mas constitui uma obrigação autónoma (cfr. arts. 30º e ss. da L.U.).

A única excepção a esta regra (já que a respeito de "procedimento em detrimento" nada foi alegado - parte final do art. 17º da L.U.) que podia servir de suporte à desresponsabilização dos embargantes era o (não provado nem sequer alegado) pagamento.

O que poderia ter acontecido (e não raras vezes acontece) era os avalistas serem concomitantemente fiadores do negócio subjacente.

E o problema que se poderia, então, colocar era o de saber em que qualidade estavam os executados a ser demandados - se como avalistas e, portanto, garantes do negócio cambiário - se como meros fiadores do negócio outorgado entre o concedente do crédito e os obrigados principais.

E o caso complicar-se-ia se, como não raras vezes acontece, na garantia prestada na relação subjacente tivesse ficado expresso que os garantes assumiam o pagamento da obrigação principal como avalistas, já que colocava problemas de interpretação a que a jurisprudência tem dado respostas diferentes.

Mas o nosso problema não é esse pelo simples facto de nada disso ter sido colocado na mesa de discussão pelos embargantes, ora recorrentes.

Consequência directa do ora dito é a irrelevância de tudo o que os recorrentes verteram nas suas alegações a respeito de preenchimento abusivo, junção do contrato de financiamento e de cessão de quotas a terceiros: tais negócios não podem, atenta a natureza da posição jurídica dos embargantes - avalistas, ser opostos à exequente: eles garantiram apenas e tão só o pagamento da obrigação cambiária assumida pela subscritora da livrança.

O montante titulado pela livrança não estava determinado aquando da celebração do negócio que lhe esteve subjacente.

Mas ficou determinado pelo preenchimento da mesma.

Ininvocável aqui a doutrina do Ac. do Acórdão Uniformizador nº 4/2001 ("é nula, por indeterminabilidade do seu objecto, a fiança de obrigações futuras, quando o fiador se constitua garante de todas as responsabilidades provenientes de qualquer operação em direito consentida, sem menção expressa da sua origem ou natureza independentemente da qualidade em que o afiançado intervenha"), já que o regime da fiança é diferente do relativo ao aval: aquela tem a ver com uma obrigação principal, substantiva, dependente da respectiva causa, este, por seu lado, representa uma garantia restrita à obrigação cartular, nada tendo a ver com a relação subjacente.

Acresce que no caso de preenchimento de livrança em branco só com a aposição do montante titulado é que a subscritora e seus avalistas passam a ser considerados como devedores perante o portador.

Concretamente, no caso que nos interessa e que é o relativo ao aval, importa dizer que o mesmo só se consolida no mundo dos negócios após o preenchimento (de acordo, como é evidente, com o negócio subjacente), o que significa que só após satisfeito tal requisito é que aquele se constitui como dívida cambiária perfeitamente determinada.

Por uma ou outra razão, é de todo injustificável a argumentação vertida pelos recorrentes sobre estes pontos na ânsia de obterem a nulidade do negócio cambiário e a consequente declaração da sua irresponsabilidade perante a exequente.

36. Ainda o Ac. do S.T.J. de 01-07-2003 (Silva Salazar)
revista n.º 1943/03 - 6.ª Secção:


I - Não indicando um escrito, designado por livrança, a quantia que se destina a titular, não produz efeitos como livrança, nem mesmo como livrança à vista, só a partir do respectivo preenchimento os podendo produzir e só a partir de então podendo começar a correr o prazo de prescrição.
II - O Acórdão do STJ uniformizador de Jurisprudência n.º 4/2001 não é aplicável ao aval, mas apenas à fiança de obrigações futuras, determinando ser esta nula quando o seu objecto for indeterminável.
III - Não indicando o escrito o montante que se destina a titular, também só a partir do respectivo preenchimento as pessoas que o subscreveram intitulando-se avalistas são efectivamente avalistas, sendo o objecto do aval aquela quantia determinada agora indicada.


37. Atente-se no Ac. do S.T.J. de 07-10-2003 (Alves Velho) revista n.º 2492/03 - 1.ª Secção:

I - A figura da "conta corrente caucionada" através de livrança-caução verifica-se quando é contratada a abertura de crédito a favor de sociedade comercial ou um descoberto de conta à ordem da sociedade, com recurso a livranças subscritas pela sociedade e avalizadas pelos sócios ou por terceiros, que oferecem, assim, uma garantia de ordem pessoal.
II - Estando provado que tal garantia pessoal foi dada pelo ora recorrente mediante a aposição da sua assinatura, como avalista, em livrança em branco, livrança que ficou na posse do Banco exequente, que, por sua vez, ficou com a faculdade de a preencher pelo valor do saldo a descoberto da conta, estamos perante uma livrança-caução, no âmbito do aval cambiário, isto é, perante uma garantia pessoal reportada à dívida cambiária.
III - O preenchimento do título tem de considerar-se, em princípio, legítimo, dele decorrendo a perfeição da obrigação cambiária incorporada na livrança e a correspondente exigibilidade.
IV - Destinando-se a livrança a caucionar o valor do saldo dos contratos de crédito à exportação e descoberto da conta à ordem, justifica-se que o preenchimento e a fixação da data do vencimento só tenham lugar quando, efectivamente, o Banco se proponha cobrar judicialmente a dívida.
V - O aval em questão não pode considerar-se como tendo sido prestado pelo recorrente apenas enquanto sócio gerente da sociedade subscritora da livrança (cfr. art.º 30, n.º 2, da LULL).
VI - O silêncio do Banco, após lhe ter sido comunicado pelo embargante a cessão da sua quota, não se apresenta como gerador de uma base de confiança digna de tutela ao ponto de permitir a inferência, convocando os princípios da boa fé, de que o Banco se estava a comportar em termos tais que renunciaria ao direito de exigir do embargante as responsabilidades vencidas.
VII - Pelo contrário, mantendo-se os avales, que não foram riscados, o recorrente devia contar, a qualquer momento, com o exercício do direito de cobrança coerciva do crédito vencido, designadamente pela via da acção cambiária, não sendo possível julgar paralisado, por abusivo, o exercício desse direito (art.º 334, do CC).


38. Vejam-se também os acórdãos da Relação de Coimbra e de Lisboa, o segundo dos quais relatámos:

- Ac. da Relação de Coimbra de 14-11-2000 (Nunes Ribeiro) C.J., 5, pág. 16

I- O aval torna-se irrevogável a partir do momento em que o título entra na posse do legítimo portador
II- É irrelevante que o Banco, tomador de livrança em branco, a tenha preenchido quando o avalista já não era sócio da sociedade subscritora
III- Não constitui abuso de direito o facto de o Banco continuar a conceder crédito à subscritora da livrança quando eram visíveis as suas dificuldades e preencher a livrança quando o avalista já não era sócio da subscritora

- Ac. da Relação de Lisboa de 27-9-2001 (P. 5897/2001) publicado como os demais em www.dgsi.pt

I- O facto de uma livrança em branco ser preenchida posteriormente à data em que os avalistas deixaram de ser sócios da sociedade subscritora, não significa que o título tenha sido preenchido abusivamente
II- Para assim se entender impunha-se alegar e provar que o acordo de preenchimento proibia que fosse preenchido e lançado em circulação título cambiário posteriormente à data em que os avalistas deixaram de ser sócios da sociedade subscritora.
III- O ónus da prova no tocante ao preenchimento abusivo de uma livrança recai sobre o obrigado cambiário como facto impeditivo (excepção) que é relativamente aos direitos que emergem do título para o respectivo credor cambiário (artigo 342º/2 do CC)
IV- E, por maioria de razão, se não foi alegado o condicionalismo que permitia o preenchimento do título por forma a poder concluir-se que o preenchimento efectuado foi abusivo, não se pode considerar que o Banco ao qual o título foi entregue agiu, adquirindo-o, de má fé ou incorrendo em falta grave (artigo 10º da L.U.L.L.)
V- Essa conclusão não se pode aceitar pelo facto de o Banco, considerada uma assinatura aposta no título por um dos avalistas não coincidir com a que constava da respectiva ficha bancária, pretender, depois da cessão de quotas desse avalista, que da ficha ficasse a constar a assinatura idêntica à aposta no título entregue.

Concluindo:

I- O contrato não passa a ser de objecto indeterminado ou indeterminável pelo facto de se estipular a possibilidade de prorrogação automática sujeita a livre denúncia por qualquer das partes.
II- As partes podem outorgar livremente contratos por tempo indeterminado (artigo 405.º do Código Civil) conquanto tenham a possibilidade de livre denúncia, constituindo violação de ordem pública (artigo 280.º do Código Civil), por inadmissibilidade de contratos de natureza perpétua, a estipulação que não admita a faculdade de denúncia ad nutum.
III- O aval aposto em livrança, garantia de natureza eminentemente pessoal, não se extingue pelo facto de o avalista ter cedido a quota e renunciado à gerência da sociedade outorgante em contrato de abertura de crédito, não constituindo abuso do direito o credor demandar os avalistas uma vez accionado o título de crédito.

Decisão: nega-se provimento ao recurso, confirmando-se decisão recorrida

Custas pelo recorrente

Lisboa, 13-3-2008

(Salazar Casanova)

(Silva Santos)

(Bruto da Costa)