Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
29/11.3IDLSB-A.L1-5
Relator: LUÍS GOMINHO
Descritores: PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO CRIMINAL
PENA DE PRISÃO
SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/22/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: – O entendimento prevalecente na nossa Jurisprudência vai no sentido de que nas situações em que a pena de prisão esteja suspensa na sua execução, esta “não pode ser executada”, pelo que durante o respectivo período, “o prazo de prescrição se deve ter como suspenso durante o mesmo, ex vi do art. 125.º, n.º 1, al. a), do CP, ou seja, durante o período em que «por força da lei», a execução não pode ocorrer”.

– Por via de regra, “só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal” (cfr. Ac. desta Secção de 22/10/2010, no processo 25/93.0TBSNT-A.L1-5.

– Pode também a prescrição verificar-se, se uma vez decorrido prazo de suspensão, v. g., o processo estivesse “pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art. 57.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal”.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal (5.ª) da Relação de Lisboa.


I–Relatório:


I–1.)- Inconformado com o despacho aqui melhor constante de fls. 18/9, em que o Mm.º Magistrado Judicial do Juízo Local Criminal de Cascais, Comarca de Lisboa Oeste, indeferiu a verificação da prescrição por si invocada relativamente à pena em que foi condenado nos autos de que emana o presente translado, recorreu o Arguido P. para esta Relação, sintetizando as razões da sua discordância com a apresentação das seguintes conclusões, que se irão reproduzir no seus exactos termos:

A)– Na douta sentença recorrida há insuficiência da decisão da matéria dada como provada, há contradição insanável entre a fundamentação e erro notório na apreciação da prova, havendo insuficiência para a decisão da matéria dado como provada;

B)– Mal vai a douta decisão recorrida quando não considera e atende que os valores e créditos reclamados e são objecto mediato dos presentes autos foram reclamados no processo de insolvência que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de dos presentes autos foram reclamados no processo de insolvência que correu termos no 2.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa com o n.º 582/12.4TYLSB como que foram, no mesmo, liquidados, pagos e recebidos, sendo que, o que possa estar a ser ora reclamado pelos serviços da administração tributaria, conforme impugnou em processo de reversão que lhe foi instaurado e que corre termos com o n.º 1505201501007734 reporta-se a tributos, que inclui “ducs” de automóveis posteriores à data em que a sociedade denominada DS , Ld.ª, foi declarada insolvente, o que ocorreu em 12 de Abril de 2012, pelo que, a quantia imputada em dívida às finanças foi paga, pressuposto que foi assim cumprido e que determinaria e deve determinar a suspensão da mesma. Acrescente-se, noutra sede, se é verdade que a sentença em que foi condenado transitou em julgado em 7 de Novembro de 2013 e que a mesma, em face do previsto e estatuído no art. 122.º, n.º 1, al. d), do Cód. Penal, prescreve no prazo de 4 anos, na hermenêutica que o recorrente faz, a mesma encontra-se prescrita. E isto porque, para o mesmo, o prazo de prescrição da pena conta-se e coincide com o dia em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena, sendo questão diferente a sua execução propriamente dita. E isto porque, com a injunção e cumprimento do pagamento, porque este só será feito ou efectivado em função e consequência da sentença, porque se a mesma o recebidos (?).

C)– Sendo que, o que possa estar a ser agora reclamado pelos serviços da administração tributária, conforme impugnou em processo de reversão que lhe foi instaurado e que corre termos com o n.º 1505201301007734 reporta-se a tributos, que inclui “ducs” de automóveis posteriores à data em que a sociedade denominada DS , Ld.ª, foi declarada insolvente, o que ocorreu em 12 de Abril de 2012, pelo que, a quantia imputada em dívida às finanças foi paga;

D)– O prazo de prescrição da pena conta-se e coincide com o dia em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena, sendo questão diferente a sua execução propriamente dita.

E)– A injunção e cumprimento do pagamento só será feito ou efectivado em função e consequência da sentença, porque se a mesma o não determinasse, não havia o imperativo de a executar, fazendo o pagamento, esta, o que significa que, verdadeiramente encontra-se e está a ser executada;

F)– Só se a mesma não fosse executada e tivesse efeitos é que não se interrompia, dado que, se assim não for, nenhum sentido faz cominar o que quer que seja se a mesma não fosse executada, cumprindo-se o determinado pela mesma;

G)– Ao cominar um pagamento e estabelecer consequência, a sentença, consequências pelo não cumprimento, verdadeiramente a pena está a ser executada, senão a sentença teria de prever a sua efectiva execução passado o período que fosse dado ao recorrente para o pagamento, ou seja, dir-se-ia que a mesma estava interrompida, não contando o prazo da sua execução até ao pagamento, dado que na suspensão os prazos correm e não ficam inutilizados contradição;

Nestes termos e com o sempre mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser concedido provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar-se a decisão recorrida, assim se fazendo Justiça.


I–2.)- Respondendo ao recurso interposto, o Ministério Público junto do Tribunal de Cascais, concluiu no sentido de que “deverá o presente recurso ser rejeitado nos termos expostos, e, quanto ao mais, ser julgado manifestamente improcedente, devendo ser integralmente mantido o douto despacho proferido pelo Tribunal a quo”.

II–Subidos os autos a esta Relação, o Exm.º Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, corroborando igual sentido decisório.
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No cumprimento do preceituado no art. 417.º, n.º 2, do Cód. Proc. Penal, nada mais foi acrescentado.
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Seguiram-se os vistos legais.
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Teve lugar a conferência.
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Cumpre apreciar e decidir:

III–1.)- Segundo o entendimento firmado na nossa Jurisprudência, são as conclusões extraídas pelos recorrentes a partir das respectivas motivações, o que entre nós, de forma tida por pacífica, fixa e delimita o objecto de um recurso.
No caso dos autos, como bem o anota a Digna Procuradora-Adjunta, na sua resposta, não só aquelas se revelam obscuras sobre a real decisão objecto do inconformismo manifestado (ainda que do seu articulado resulte também que terá sido suscitado por parte do Mm.º Juiz um esclarecimento sobre tal circunstancialismo, porém, sem qualquer evidenciação neste translado), como igualmente permanecem nebulosos os reais fundamentos jurídicos da discordância assim manifestada.

Chegámos mesmo a duvidar da continuidade e paginação do articulado aqui junto.

Porém, como é bom de ver, tendo a sentença proferida pelo Tribunal de Cascais que condenou o Arguido pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de seis meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano, mediante pagamento da prestação tributária em dívida (€ 24.019,94 e acréscimos legais), já transitado em julgado em 07/11/2013 (o que o Recorrente até aceita), não logra qualquer sentido vir invocar agora nenhum dos vícios do art. 410.º, n.º2, do Cód. Proc. Penal, que a mesma pudesse padecer… ou fazer considerandos gerais sobre a apreciação da prova…

Para discutir essa matéria o recurso é manifestamente improcedente.

Por outro lado, não vemos em que ponto do despacho recorrido se fale em reclamações à Administração Tributária, reversões ou da insolvência de qualquer sociedade.

Aliás, em bom rigor, sendo este um recurso que visa discutir matéria de Direito, também não se alcança em que segmento do mesmo (a envolver a própria motivação), o Recorrente deu satisfação aos ónus colocados pelo art. 412.º, n.º 2, al.ªs a) a c), do Cód. Proc. Penal.

A única referência normativa feita constar é a do art. 122.º, n.º1, al. d), do Cód. Penal, e sobre essa não se regista qualquer diferendo de interpretação/aplicação.

Logo, também por aí se autorizaria a rejeição do recurso.

Seja como for, para lhe atribuir um qualquer sentido útil, iremos confinar o seu objecto à indagação da eventual prescrição da pena aplicada ao ora Recorrente.

III–2.)- Como temos por habitual, vamos conferir primeiro o teor do despacho posto em causa:

Ref:ª 11522939:

Não assiste razão ao arguido ao pugnar pela prescrição da pena em que foi condenado.
Na realidade, no âmbito dos presentes autos, o arguido foi condenado, por sentença datada de 08/10/2013, transitada em julgado em 07/11/2013, pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na pena de 6 meses de prisão, declarada suspensa na sua execução pelo período de um ano, sob condição de o arguido, nesse lapso de tempo, proceder ao pagamento à administração fiscal da prestação tributária em dívida (no montante global de € 24.029,94) e acréscimos legais.
Estando em causa uma pena inferior a 2 anos de prisão, há que considerar que à luz do disposto no art. 122.º, n.º 1, al. d) do Cód. Penal, tal pena prescreve no prazo de 4 anos.
Esse prazo prescricional da prisão suspensa conta-se da data do trânsito em julgado da sentença condenatória, nos termos do art. 122.º, n.º 2 do Cód. Penal, mas sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção estabelecidas nos artigos 125.º e 126.º do Cód. Penal, nomeadamente com a sua suspensão, que pode consistir no mero decurso do tempo até ao termo do período da suspensão.
No caso vertente, o prazo de prescrição interrompeu-se, nos termos do art. 126.º, n.º 1, al. a) do Cód. Penal, na própria data em que transitou em julgado a decisão que aplicou a pena (7 de Novembro de 2013), pois nessa data iniciou-se a execução da pena de substituição, sendo certo que o período de suspensão inicialmente fixado foi prorrogado, por despacho proferido em 27/03/2015, pelo período de um ano.
Deste modo, o prazo de prescrição da pena interrompeu-se entre 7 de Novembro de 2013 e 7 de Novembro de 2015, e tendo voltado a correr, a partir desta última data, o novo prazo de quatro anos de prescrição, a pena só prescreverá, previsivelmente, em 7 de Novembro de 2019.
E, assim, patente, a sem razão do arguido.
Notifique.

III–3.1.)- No caso em presença, nem a condenação sofrida pelo Recorrente nem o prazo de prescrição que legalmente se lhe mostra cominado merece questionação, haja-se em vista quer o teor do aqui certificado de fls. 20 a 34 quer o estatuído no já mencionado art. 122.º, n.º 1, al. d), do Cód. Penal.

Irrefutável é, igualmente, a sustentação constante do respectivo n.º 2, em como “o prazo de prescrição começa a correr no dia em que transitar em julgado a decisão que tiver aplicado a pena”.

Porém, da mesma forma do que sucede com o homólogo instituto da prescrição do procedimento criminal, haverá que contar com o eventual funcionamento de causas de suspensão (art. 125.º) e de interrupção (126.º) do prazo.

No domínio destas últimas, o despacho recorrido convoca a execução da pena (art. 126.º, n.º1, al. a) do Cód. Penal), considerando que, na data em que se iniciou a referida pena de substituição, aquele prazo se interrompeu, assim permanecendo entre 07/11/2013 e 07/11/2015.

Não será exactamente correcto.

O entendimento prevalecente na nossa Jurisprudência vai no sentido de que nas situações em que a pena de prisão esteja suspensa na sua execução, esta “não pode ser executada”, pelo que durante o respectivo período, “o prazo de prescrição se deve ter como suspenso durante o mesmo, ex vi do art. 125.º, n.º 1, al. a), do CP, ou seja, durante o período em que «por força da lei», a execução não pode ocorrer”(neste sentido Ac. do STJ de 06/12/2013, no processo n.º 182/06.8PTALM-A.S1 in www.dgsi.pt/jstj).

Por via de regra, “só com a decisão que revogue a pena substitutiva de suspensão e determine a execução da prisão se inicia o prazo de prescrição desta pena principal” (cfr. Ac. desta Secção de 22/10/2010, no processo 25/93.0TBSNT-A.L1-5.
Podendo também a prescrição verificar-se, se uma vez decorrido prazo de suspensão, v. g., o processo estivesse “pendente 4 anos desde a data em que se completou o período de suspensão inicialmente fixado, sem que aquele prazo fosse prorrogado e sem que a suspensão tivesse sido revogada ou extinta nos termos do art. 57.º, n.ºs 1 e 2 do Cód. Penal” (cfr. também acórdão desta Secção de 16/06/2015, no processo n.º 1845/97.2PBCSC.L1-5).

Ora no caso em presença, pelo menos durante o período indicado pelo Mm.º Juiz, o prazo de prescrição esteve suspenso.

Pelo que à míngua de outros elementos que devam ser levados em conta (em qualquer caso não alegados no presente recurso), aquela conclusão de não prescrição da pena acabar por não se infirmar.

Nesta conformidade:

IV–Decisão:

Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se pois improcedente o recurso interposto pelo arguido P.

Em função do seu decaimento, e sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que possa beneficiar, ficará aquele condenado em 3 (três) UC de taxa de justiça, nos termos dos art.ºs 513.º e 514.º do CPP e respectivo Regulamento das Custas Processuais.



Lisboa, 22-01-2019



Luís Gominho – (Elaborado em computador. Revisto pelo relator, o 1.º signatário).

José Adriano