Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1427/22.2YRLSB-9
Relator: CRISTINA BRANCO
Descritores: TRANSFERÊNCIA DE CONDENADO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 06/02/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: TRANSFERÊNCIA DE CONDENADO
Decisão: DEFERIDO
Sumário: I-Sendo o condenado  nacional do Estado da execução, o acórdão condenatório  definitivo, que à data da recepção do pedido de transferência o condenado tinha ainda de cumprir mais de seis meses da condenação, que o mesmo consentiu na transferência que foi por ele requerida e dando a sua anuência, os actos que originaram a condenação constituem também infracção penal face à lei do Estado da execução e que o Estado da condenação e o Estado da execução estão de acordo quanto à transferência, sendo que o cumprimento do remanescente da pena no seu país de origem, ao permitir uma maior aproximação familiar e social do condenado, potenciará a sua reinserção, assim se satisfazendo a condição prevista no art. 104.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31-08, os objectivos visados pela cooperação judiciária internacional em matéria penal, mostram-se assim preenchidas as condições de transferência de condenado, devendo o pedido ser deferido.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam na 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa

I. Relatório
A Exma. Senhora Procuradora-Geral Adjunta nesta Relação veio, nos termos dos arts. 1.º, n.ºs 1, al d) e 2, 120.º, n.ºs 1 e 2, da Lei n.º 144/99, de 31-08, e da Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa[1], promover o cumprimento do pedido de transferência para a República Federativa do Brasil, do cidadão brasileiro AA, filho de BB, natural do Brasil, nascido a ………..1965, casado, pedreiro, residente na Rua ……………….., em Albufeira, e actualmente detido, em cumprimento de pena, no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, com os seguintes fundamentos:
«1.°
AA foi condenado, por acórdão da 3ª secção do Supremo Tribunal de Justiça de a 25 de setembro de 2019, transitado em julgado a 10 de outubro de 2019, proferido no Proc. Comum (Tribunal Colectivo) n° 60/17.5JAFAR, do Juízo Central Criminal de Portimão - Juiz 3, do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão,

que se encontra a cumprir no estabelecimento prisional de Vale de Judeus.

Com efeito, foi o mesmo condenado pela prática dos crimes e nas penas seguintes:
1. Um crime de Homicídio Qualificado, previsto e punido pelos artigos 131°, 132°, n° 1 e n° 2, al. g), do Código Penal, na pena de dezasseis anos de prisão;
2. Um crime de Furto Qualificado, previsto e punido pelos artigos 203°, n° 1 e 204°, n° 1, al. f), do Código Penal, na pena de dois anos de prisão;
3. Em cúmulo jurídico, fixada a pena única de dezassete anos de prisão.

Conforme a liquidação da pena efetuada e homologada por despacho de 6 de fevereiro de 2020, proferido no referido processo n° 60/17.5JAFAR, o Requerido foi detido no dia 10 de fevereiro de 2017 e sujeito a 1° interrogatório judicial, no dia seguinte, foi-lhe aplicada a medida de coação de prisão preventiva, medida que se manteve ininterruptamente.
Assim, prevê-se que o termo da pena ocorra a 10 de fevereiro de 2034, o meio da pena a 10 de agosto de 2025, os dois terços da pena a 10 de junho de 2028 e os cinco sextos da pena em 10 de abril de 2031.
5.º
O Requerido requereu a sua transferência para a República Federativa do Brasil, para aí cumprir o remanescente da pena em que foi condenado.
6.°
Os factos por que o Requerido foi condenado também constituem infrações penais face à lei penal brasileira, nomeadamente o disposto nos artigos 121°, § 2° e 155°, §4°, do Código Penal Brasileiro.
7.º
As autoridades brasileiras autorizaram a sua transferência, conforme comunicação de 9 de março de 2022 e despacho de março de 2022, à luz da Convenção sobre Transferência de Pessoas Condenadas entre Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa.
8.°
No exercício das competências delegadas pelo Despacho n.° 4564/2022, de 8 de abril, da Senhora Ministra da Justiça (DR n° 77, II série, de 20.04.2022), Sua Excelência a Procuradora-Geral da República proferiu despacho considerando admissível, nos termos do disposto nos artigos 115°, n° 4 e 118°, n.° 3, da Lei n.° 144/99, de 31 de agosto, a transferência do Requerido para a República Federativa do Brasil, para cumprimento do remanescente da pena em que foi condenado no Proc. 60/17.5JAFAR, do Juízo Central Criminal de Portimão - Juiz 3, tendo o pedido sido transmitido ao Ministério Público neste Tribunal da Relação, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 120,° da Lei n.° 144/99, de 31 de agosto.
9.º
A transferência de pessoas condenadas entre Portugal e o Brasil rege-se pela Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.° 48/2008 e ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.° 67/2008, publicada no DR 1.ª Série, n.° 178, de 15 de setembro de 2008.
10.°
Mostram-se preenchidas as condições para a transferência a que se refere o artigo 3.°, n.° 1, desta Convenção.
Nestes termos, requer que, D. e A. como processo de cooperação judiciária internacional em matéria penal para transferência de pessoa condenada, e se digne:
a) Designar dia para a audição do Requerido a que se refere o art. 120°, n.° 2, da Lei n.° 144/99, de 31 de agosto; e
b) Obtido o consentimento, nos termos do n.° 3, do mesmo preceito legal, seja autorizada a transferência do arguido para a República Federativa do Brasil, para aí cumprir o remanescente da pena em que foi condenado, seguindo-se os demais termos até final.»
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Neste Tribunal da Relação, com observância do legal formalismo, teve lugar a audição do condenado, nos termos do n.º 2 do art. 120.º da Lei n.º 144/99, de 31-08, e para os efeitos visados no n.º 3 do mesmo preceito legal, o qual reafirmou, voluntariamente e consciente das respectivas consequências jurídicas (que lhe foram explicadas), consentir na sua transferência para a República Federativa do Brasil, para os fins acima mencionados.
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Colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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Este Tribunal da Relação é o competente para proferir decisão sobre o pedido de transferência e o Ministério Público tem legitimidade para promover os seus trâmites (art. 120.º da Lei n.º 144/99, de 31-08).
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II. Fundamentação
A Lei n.º 144/99, de 31-08, que se aplica a várias formas de cooperação judiciária internacional em matéria penal, designadamente à transferência de pessoas condenadas a penas e medidas de segurança privativas da liberdade, dispõe, no seu art. 3.º, que as formas de cooperação nela referidas se regem pelas normas dos tratados, convenções e acordos internacionais que vinculem o Estado Português e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições desse mesmo diploma.
Nos termos do seu art. 104.º, n.º 1, a execução de uma sentença penal portuguesa pode ser delegada num Estado estrangeiro desde que verificadas determinadas condições, que enumera[2].
Também o art. 3.º da Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, (que entrou em vigor em Portugal em 01-03-2010) estabelece as condições de transferência de pessoa condenada[3].
No caso concreto:
Conforme resulta da certidão junta a fls. 23-156 dos autos, por acórdão do STJ de 25-09-2019, proferido no Proc. Comum Colectivo n.º 60/17.5JAFAR do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, transitado em julgado a 10-10-2019, foi o cidadão AA condenado, pela prática de um crime de homicídio qualificado, p. e p. pelos arts. 131.º e 132.º, n.ºs 1 e 2, al. g), ambos do CP, na pena de 16 (dezasseis) anos de prisão; e pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203.º, n.º 1, e 204.º, n.º 1, al. f), do mesmo diploma, na pena de 2 (dois) anos de prisão; e, em cúmulo jurídico, na pena única de 17 (dezassete) anos de prisão.
O mesmo está detido ininterruptamente desde 11 de Fevereiro de 2017, encontrando-se a cumprir aquela pena de prisão no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus.
O termo da pena está previsto para o dia 10 de Fevereiro de 2034, atingindo-se o seu meio em 10 de Agosto de 2025, os seus dois terços em 10 de Junho de 2028 e os cinco sextos em 10-04-2031, conforme consta da certidão junta aos autos, a fls. 127-128.
O identificado cidadão requereu que seja autorizada a sua transferência para o país de que é nacional (República Federativa do Brasil), para ali cumprir o remanescente da pena de prisão que lhe foi imposta mais próxima do seu meio familiar e social (cf. fls. 155).
A República Federativa do Brasil, através das autoridades competentes, autorizou a transferência daquele seu cidadão (cf. fls. 9) e o Governo Português, através de Despacho da Exma. Senhora Procuradora-Geral da República (cf. fls. 5), concedeu o seu acordo à transferência do referido cidadão brasileiro para o seu país, para cumprimento do remanescente da pena de prisão em que foi condenado nos autos acima mencionados.
Constata-se assim, pela análise da documentação junta, que o condenado é nacional do Estado da execução (no sentido definido pelo art. 1.º, al. d), da aludida Convenção), o acórdão condenatório é definitivo, à data da recepção do pedido de transferência o condenado tinha ainda de cumprir mais de seis meses da condenação, o mesmo consentiu na transferência (que ele próprio requereu), os actos que originaram a condenação constituem infracção penal face à lei do Estado da execução e o Estado da condenação e o Estado da execução estão de acordo quanto à transferência.
Por outro lado, o cumprimento do remanescente da pena no seu país de origem, ao permitir uma maior aproximação familiar e social do condenado, potenciará a sua reinserção, assim se satisfazendo a condição prevista no art. 104.º, n.º 1, da Lei n.º 144/99, de 31-08 e os objectivos visados pela cooperação judiciária internacional em matéria penal.
Acresce que, tendo-se procedido à audição do condenado, nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 7.º daquela Convenção e 104.º, n.º 1, e 120.º, n.ºs 2 e 3, da Lei n.º 144/99, de 31-08, se verificou que o seu consentimento para a transferência em causa foi dado voluntariamente e com plena consciência das consequências jurídicas que dele decorrem.
É, pois, de concluir que se mostram preenchidas as condições de transferência estabelecidas nas normas acima referidas.
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III. Decisão
Em face do exposto, e tendo em consideração o estabelecido nos arts. 104.º a 107.º, 115.º, n.º 2, 120.º e 121.º, todos da Lei n.º 144/99, de 31-08, e nos arts. 1.º, 3.º e 7.º da Convenção sobre a Transferência de Pessoas Condenadas entre os Estados Membros da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, acordam os Juízes da 9.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Lisboa em, julgando procedente o pedido, autorizar a transferência do cidadão brasileiro AA, para cumprir na República Federativa do Brasil o remanescente da pena de prisão decorrente da condenação que sofreu no Proc. Comum Colectivo n.º 60/17.5JAFAR do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, Juízo Central Criminal de Portimão – Juiz 3, devendo proceder-se à entrega do referido condenado àquele país tendo em conta o disposto no n.º 2 do art. 27.º da mencionada Lei.
No âmbito do referido processo deverá o Tribunal apreciar da emissão dos competentes mandados de desligamento, a fim de se efectivar a entrega do condenado às competentes autoridades do país de destino.
Sem tributação.
D.N., observando-se o disposto no n.º 5 do art. 118.º da Lei n.º 144/99, de 31-08.
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(Certifica-se, para os efeitos do disposto no art. 94.º, n.º 2, do CPP, que o presente acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, a primeira signatária)
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Lisboa, 02 de Junho de 2022
Cristina Pego Branco
Filipa costa Lourenço
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[1] Aprovada pela Resolução da AR n.º 48/2008, de 15-09, e ratificada pelo Decreto do PR n.º 66/2008, de 23-05, in DR I Série A, n.º 178, de 15-09-2008.
[2] «1 - Pode ser delegada num Estado estrangeiro a execução de uma sentença penal portuguesa quando, para além das condições gerais previstas neste diploma:
a) O condenado for nacional desse Estado, ou de um terceiro Estado ou apátrida e tenha residência habitual naquele Estado;
b) O condenado for português, desde que resida habitualmente no Estado estrangeiro;
c) Não for possível ou não se julgar aconselhável obter a extradição para cumprimento da sentença portuguesa;
d) Existirem razões para crer que a delegação permitirá melhor reinserção social do condenado;
e) O condenado, tratando-se de reacção criminal privativa da liberdade, informado das consequências da execução no estrangeiro, der o seu consentimento;
f) A duração da pena ou medida de segurança impostas na sentença não for inferior a um ano ou, tratando-se de pena pecuniária, o seu montante não for inferior a quantia equivalente a 30 unidades de conta processual, podendo, no entanto, mediante acordo com o Estado estrangeiro, dispensar-se esta condição em casos especiais, designadamente em função do estado de saúde do condenado ou de outras razões de ordem familiar ou profissional.»
[3] 1 - Nos termos da presente Convenção, a transferência poderá ter lugar nas seguintes condições:
a) O condenado ser nacional ou residente legal e permanente do Estado da execução;
b) A sentença ser definitiva;
c) Se na data de recepção do pedido de transferência, a duração da condenação que o condenado tem ainda de cumprir for superior a um ano ou indeterminada;
d) Se o condenado, ou quando em virtude da sua idade ou do seu estado físico ou mental a legislação de um dos Estados Contratantes o considere necessário, o seu representante, tiver consentido na transferência;
e) Se os factos que originaram a condenação constituírem também infracção penal face à lei do Estado da execução; e
f) Se o Estado da condenação e o Estado da execução estiverem de acordo quanto à transferência.
2 — Em casos excepcionais, os Estados Contratantes podem acordar numa transferência, mesmo quando a duração da condenação que o condenado tem ainda a cumprir for inferior à prevista na alínea c) do n.º 1 do presente artigo.»