Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa | |||
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Relator: | ILÍDIO SACARRÃO MARTINS | ||
Descritores: | AVAL AVALISTA PREENCHIMENTO ABUSIVO RELAÇÕES IMEDIATAS LETRA PORTADOR LEGÍTIMO | ||
Nº do Documento: | RL | ||
Data do Acordão: | 09/27/2007 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Sumário: | I- Os avalistas não podem, em sede de embargos de executado, opor excepções que não as que resultem do disposto no artigo 32.º §2º da Lei Uniforme sobre Letras e Livranças, pois não são sujeitos da relação subjacente existente entre mutuante, portador das letras em execução, e mutuária, que as aceitou. II- A relação subjacente, no que respeita ao aval, é constituída pela relação que fundamenta a prestação do aval a invocar nas relações entre avalista e avalizado sendo relação mediata, e não imediata, a que se estabelece entre o portador e o avalista III- Não pode, assim, o avalista, face ao portador da letra, invocar a excepção do preenchimento abusivo da letra, preenchimento que foi convencionado entre portador e aceitante da letra. (SC) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa I - RELATÓRIO Por apenso à execução para pagamento de quantia certa, com processo ordinário, em que é exequente A. […] e executados, As. […], Manuel […], Cláudia […] , José […], Sofia […] , vieram os executados deduzir embargos de executado, pedindo que sejam julgados procedentes e que a execução seja extinta. Em substância, alegaram que a primeira executada celebrou dois contratos de aluguer de veículo com a exequente, por intermédio da “[…] ” (stand). As cláusulas dos contratos estavam previamente impressas, pelo que se limitaram a assiná-los, sem possibilidade de os negociar e sem que lhes fossem explicadas e comunicadas as cláusulas pela exequente. Juntamente com os contratos assinaram duas letras que foram entregues sem estarem preenchidas em qualquer outros dos seus campos e assinaram um documento em que autorizava a exequente a preencher as letras apenas quanto ao montante e data de vencimento. A primeira executada entregou os veículos à exequente para que os vendesse e com o preço obtido, abatesse à dívida dos contratos. A exequente vendeu os veículos por valores inferiores aos que seria possível obter, não aceitou propostas dos executados para a venda dos veículos e, não descontou o preço dos veículos vendidos, na dívida. Há inexequibilidade do título por vício de forma, por o facto de preenchimento apenas autorizar o preenchimento das letras quanto ao montante e data de vencimento e já não quanto aos demais campos, pelo que o preenchimento das letras é abusivo quanto ao local e data de emissão, o que torna a letra inválida, não podendo servir de título executivo. As letras não foram apresentadas a protesto por falta de pagamento. Os títulos executivos são inexequíveis porque a cláusula E do contrato é inválida por não ter sido comunicada, nem esclarecida. E, sendo inválida esta cláusula, também o é o facto de preenchimento das letras com a consequente falta de título executivo, devendo ser extinta execução. Invocam ainda a inexequibilidade da dívida por abuso do pacto de preenchimento, na medida em que o pacto prova a possibilidade de as letras serem preenchidas pela diferença entre o valor da dívida e o preço da venda dos veículos e, esse preço não foi levado em conta no montante inscrito nas letras. Contestou a embargante, pugnando pela improcedência dos embargos. Alegou, em síntese, que o pacto de preenchimento lhe permitia apor a data de emissão das letras porque, no momento em que as recebeu, não se sabia se e quando o contrato viria a ser incumprido. Quanto à falta de protesto, a lei dispensa-o quanto aos aceitantes e avalistas destas, além de que é desnecessário porque as letras eram pagáveis à vista. Quanto à alegada inexequibilidade das letras, não têm razão porque, desde logo, só a primeira executada poderia invocar a excepção de falta de comunicação das cláusulas contratuais e os embargos de executado não foram admitidos quanto a ela. Além de que, a embargada cumpriu os deveres de comunicação e esclarecimento. Não procede a alegada inexequibilidade da dívida com fundamento em não se ter tido em conta o valor de venda dos veículos por, por um lado, os mesmos não foram restituídos atempadamente à exequente e não era exigível que aguardasse que os executados lhos restituíssem, depois porque, logo que os veículos lhe foram entregues e os vendeu apresentou a correspondente redução do pedido executivo. Por despacho de fls. 50, os embargos foram rejeitados quanto às executadas Ass […] e Cláudia […] e, apenas foram admitidos relativamente aos embargantes, Sofia, José Manuel e Manuel […]. Não foi admitido um articulado superveniente apresentado pelos embargantes. Foi proferida sentença que julgou os embargos totalmente improcedentes. Não se conformando com a sentença, dela recorreram os embargantes, tendo formulado as seguintes CONCLUSÕES: 1ª - O tribunal a quo interpretou erroneamente o disposto na parte final do artigo 32° da L.U.L.L. ao ter entendido que o avalista não pode em nenhuma circunstância alegar vícios que não sejam de forma contra o sacador da letra e ao ter olvidado na interpretação e aplicação de tal norma a matéria de facto assente. 2ª - No presente processo, os avalistas, ora apelantes, foram partes das (duas) convenções executivas das letras, que continham o pacto de preenchimento das mesmas, e celebraram, em nome próprio, e na qualidade de fiadores, os (dois) contratos de financiamento para aquisição a crédito que são causa das letras apresentadas à execução. 3ª - Pela remissão lata feita nos «termos de autorização para preenchimento de letra garantia» para as condições gerais e particulares dos contratos de financiamento para aquisição a crédito, estes e aqueles constituem uma coligação de contratos. 4ª - A subscrição das letras na qualidade de avalistas nada mais é do que a projecção cambiária da qualidade de fiadores que os apelantes assumiram nos contratos do financiamento, que são a causa da relação cambiária, o que resulta expressamente da denominação das letras de câmbio como «letras garantia». 5ª - Pelo facto de terem celebrado os pactos de preenchimentos (que são pela sua extensão e conteúdo verdadeiras convenções executivas) e os contratos de financiamento subjacentes, os avalistas estão em relação imediata com a sacadora (ora recorrida), e não apenas em relação mediata ou cambiária. 6ª - Encontrando-se as letras no âmbito das relações imediatas, não existem terceiros relevantes cujos interesses mereçam ser tutelados através da proibição da oposição de excepções ao sacador/portador. 7º - Pelo facto de serem partes do pacto de preenchimento, os avalistas podem invocar o preenchimento abusivo das letras como também podem invocar quaisquer excepções atinentes à validade do próprio pacto, de acordo com o artigo 10° da L.U.L.L., a contrario senso, e os artigos 405°, 406° e 294° do Código Civil. 8º - Para além dos vícios do pacto de preenchimento, também vícios dos contratos de financiamento podem ser invocados, por força da remissão feita por aqueles para estes, que torna estes parte integrante daqueles. 9ª - Ademais, existindo uma relação imediata ou subjacente entre os avalistas e sacador, nenhuma razão existe para, do ponto de vista teleológico e sistemático, se prever para os avalistas uma tutela diferente daquela que é consagrada para o aceitante no artigo 17° da LULL. 10ª - Na verdade, não entrando a letra em circulação e mantendo-se, em consequência, no âmbito das relações imediatas, deverá o avalista poder invocar as excepções resultantes da relação subjacente ou fundamental, em termos análogos ao que está previsto para o aceitante. 11ª - Desta forma, e sendo fiador nos contratos-causa da relação cambiária, pode o avalista opor todas a excepções previstas no artigo 637° do C.C. 12ª - Assim, o disposto no artigo 32° da LULL apenas se aplica quando inexista nenhuma relação imediata entre o avalista e o sacador, situação em que o avalista é apenas um sujeito cambiário. O que não é o caso dos autos. 13ª - Ao dar uma interpretação demasiado ampla ao artigo 32° da LULL, errou o tribunal a quo por tal interpretação ser teleológica e sistematicamente inadmissível, tanto em face do lugar que constitui o artigo 17° da LULL, como ainda por colidir com o disposto no artigo 10° da LULL e ainda nos antigos 405°, 406° e 294° do C.C., sem que haja qualquer razão para que prevaleça sobre estas normas. 14ª - Ademais tal interpretação contraria Acórdão de Tribunal Superior, no caso o acórdão de 14.12-2050, do S.T.J. 15ª - Errou pois o tribunal a quo ao ter rejeitado liminarmente os fundamentos para oposição à execução alegados pelos apelantes por estes não constituírem vícios de forma. Tais fundamentos deveriam ter sido analisados pelo Tribunal a quo. Em face do exposto, não o tendo sido por razões que não são atendíveis, deverá o tribunal de recurso sobre os mesmos pronunciar-se. 16ª - As letras de câmbio apresentadas à execução foram assinadas totalmente em branco, prevendo os respectivo pactos tão só o preenchimento posterior do montante. O preenchimento dos campos não referidos no pacto de constitui um abuso do pacto de preenchimento, pelo que deve ser desconsiderado, atento o disposto no artigo 10° LULL. Em face da ilicitude de tal preenchimento, a letra não pode produzir os seus efeitos em face do disposto nos artigos 1° e 2° da LULL, porquanto não está (validamente) preenchida quanto aos seus elementos essenciais, corno a data e local de emissão, não constituindo as mesmas títulos exequíveis nos termos e para os efeitos do artigo 814° alª a) e 816° do C.P.C. 17ª - Constituindo os “termos de autorização para preenchimento de letra garantia” e os contratos de financiamento para aquisição a crédito, constantes dos autos, uma coligação de contratos por força da remissão já referida, a invocação de invalidade referente ao contrato de financiamento tem forçosamente consequências nos regime de preenchimento da letra. 18ª - As cláusulas constantes dos contratos de financiamento constituem cláusulas contratuais gerais, nos termos e para os efeitos do artigo 1° do Decreto-Lei 446/85, de 25 de Outubro, porquanto foram elaboradas sem prévia negociação, conforme provado. 19ª - Tais cláusulas não foram objecto de comunicação e informação, nos termos e para os efeitos do artigo 5° e 6° do RCCG, conforme provado. 20ª - No que ora interessa, e nos termos do artigo 8° alª a) e b) do RCCG, devem ser excluídas as cláusulas C) e E) das condições gerais dos contratos de financiamento, que regem as consequências da resolução do contrato por culpa do mutuário. 21ª - Nos termos do artigo 9° do RCCG, deve o regime referente às consequências da resolução ser integrado pela lei, o que no caso presente nos remete para o disposto no artigo 562° e ss do C.C. A remissão feita pelo pacto de preenchimento paras as condições gerais e particulares dos contratos de financiamento deve então ser entendida, em face da exclusão das cláusulas supra referidas e nos termos do artigo 292º do C. C., como sendo feita para as normas supletivas da lei, no caso presente os artigos 562º e ss e 798º e ss do C.C. 22ª - Deste modo, caberia à exequente, nos termos do artigo 342° do C.C., alegar e provar os danos sofridos em consequência da resolução, o que não fez. Não o tendo feito, verifica-se abuso do pacto de preenchimento, depois de reduzido e integrado conforme alegado, nos termos do artigo 10° da LULL, pelo que a obrigação exequenda não é exigível, nos termos e para os efeitos do artigos 816° e 814º alª e) do C.P.C. 23ª - Subsidiariamente, e sem confessar, caso se entenda admissível o que vai estipulado na cláusula E supra referida, então mantém-se uma situação de preenchimento abusivo. Na verdade, nos termos da citada cláusula, o montante a inscrever após a resolução seria o resultante da diferença entre o montante contratual em dívida e o preço de venda dos veículos financiados. 24ª - Ao ter preenchido as letras em data anterior à venda dos veículos, e pelo valor total das prestações (vencidas e vincendas) em dívida, a exequente preencheu abusivamente as letras que apresentou como títulos executivos, resultando um montante desconforme com o fixado no respectivo pacto de preenchimento, o que é motivo de oposição nos termos do artigo 10º da LULL e 816º e 814° alª e) do C.P.C. 25ª - Finalmente, o tribunal a quo não respondeu à alegação dos embargantes sobre invalidade da cláusula C) das condições gerais dos contratos de financiamento decorrente não só do artigo 19° alª c) do RCCG, como também da inaplicabilidade do artigo 781° C.C. ao contrato de mútuo, por força do artigo 294º do C.C. 26ª - Conforme julgado nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07.10.2204, 07.03.2006 e 27.04.2005, o artigo 781º do C.C. não se aplica ao contrato de mútuo, porquanto o vencimento antecipado de prestações consubstanciaria o vencimento de juros sobre tempo ainda não decorrido. 27ª - Sabendo que os juros decorrem necessariamente do decurso de um certo lapso de tempo, e encontrando a sua justificação jurídica e económica nesse facto, é descabido que, a coberto do uso indevido da palavra “prestação”, pudesse o mutuante ser remunerado sem que tivesse decorrido o tempo necessário à contagem de juros. 28ª - Tanto nos termos gerais do Código Civil - artigo 294° e 781° - , como ainda nos termos do artigo 19° alª c) do RCCG não é possível que o exequente exija juros sobre período ainda não decorrido e que por essa via, obtenha com a rescisão do contrato o que obteria com o seu cumprimento. 29ª - Neste sentido o acórdão do Tribunal Relação de Lisboa (processo n° 240/07-7, 7ª Secção) decidiu: " Face ao exposto, julgam-se parcialmente procedentes os presentes embargos de executado alterando-se a sentença da 1ª no que refere ao cálculo dos juros de mora incluídos em cada uma das letras dadas à execução, que devem passar a incorporar apenas os juros calculados sobre as prestações até então vencidas, no caso 3 de Abril de 2033, sem prejuízo dos juros moratórios que desde então se vencerem sobre a totalidade da dívida”. 30ª – Assim, e subsidiariamente nos termos do artigo 816° e 814° alª e) do C.P.C., deveria o tribunal a quo ter aplicado estas normas, reduzido na parte correspondente a juros remuneratórios das prestações vincendas e juros moratórios sobre aqueles a quantia exequenda. Resultaria que os embargantes apenas teriam de liquidar o capital em dívida e as prestações vencidas antes da resolução, deduzindo-se o valor de venda das viaturas. Terminam pedindo que seja a sentença e que admita como procedentes os embargos apresentados pelos apelantes. A parte contrária pugna pela manutenção da decisão recorrida. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. II - FUNDAMENTAÇÃO A - Fundamentação de facto Mostra-se assente a seguinte matéria de facto: 1° A exequente é portadora de dois documentos, nos quais se diz que na data do seu vencimento pagarão à primeira, ou à sua ordem € 31.845,27 (em cada um deles) e, no canto destinado ao aceite encontram-se apostas, sobre o carimbo a óleo de "Ass[…]", as assinaturas dos executados, Manuel […] , Cláudia […], José Manuel […] e Sofia (A). 2°- Em ambos os documentos, no local destinado ao sacador encontra-se aposto o carimbo a óleo da exequente – (B ). 3° - No verso de ambos os documentos, sob a menção "Bom por aval ao subscritor", encontram-se apostas as assinaturas de Manuel […] , Cláudia […] José Manuel […] e Sofia […] (C). 4°- Em ambos os documentos, o local de emissão é Lisboa e a data é 21/04/03 – (D). 5º - Em ambos os documentos, sob a menção "outras referências", encontra-se escrito "letra à vista" – (E). 6°- Sob a menção "valor" encontra-se escrito no primeiro documento "Contrato de Financiamento nº […]" e, no segundo, "Contrato de Financiamento Nº […]". (F). 7°- Por requerimento de fls.167 dos autos de execução, a exequente/embargada reduziu o valor da quantia exequenda para € 25.193,10 e juros – (G). 8°- Entre a executada "Ass […] Ldª" e a embargada, foram outorgados dois contratos de financiamento para aquisição a crédito com o n° […] e […] , datados de 16/07/02 – (H). 9º - Nos termos de ambos os contratos a embargada financiava a aquisição pela executada de dois veículos de matrícula […] RH e, […] RH – (I). 10º - Sendo o vendedor de ambos "N. Ldª – (J). 11º - Nos termos da 1ª cláusula geral dos contratos, a embargada reservou a propriedade dos veículos até ao pagamento de todas as prestações devidas pelo cumprimento dos contratos - (L). 12º - Nos termos da alª C) das condições gerais de ambos os contratos consta que, vencidas e não pagas qualquer das prestações, venciam-se imediatamente as seguintes (M). 13º - Nos termos da alª D) das condições gerais de ambos os contratos, consta que, não optando a […] Credit pela rescisão do contrato, poderia exigir o pagamento imediato de todas as prestações vencidas, incluindo as que se haviam vencido nos termos da alínea C) das condições gerais, sobre as quais se venceriam juros de mora à taxa legal acrescida de dois pontos percentuais – (N). 14º - Nos termos da alínea E) das condições gerais de ambos os contratos, optando a […] Credit pela rescisão do contrato, o comprador, além de perder a favor daquela todas as quantias já pagas, será responsável pelo pagamento de eventuais prejuízos da […] Credit correspondentes à diferença entre o montante das prestações vencidas e não pagas acrescido dos correspondentes juros de mora nos termos da alª D) das Condições Gerais, e o valor obtido pela Ford Credit com a venda do veiculo – (O). 15º - Os embargantes subscreveram os documentos juntos aos autos a fls.94 e 95, " termo de autorização para preenchimento de letra garantia", junto a fls.19 a 21 (Contrato de Financiamento a Crédito) e subscreveram o documento a fls.25 (autorização para preenchimento da letra garantia) – (P). 16º- Com data de 18/03/2003, a embargada enviou carta registada com AR, na qual concede 8 dias para proceder ao pagamento dos valores em dívida sob pena dos contratos de financiamento, serem resolvidos – (Q). 17º - Por carta datada de 20/03/03, a executada, "Ass[…], Ldª", solicita à exequente que precise quais as obrigações resultantes dos contratos com a indicação dos valores que pretende ainda receber – (R). 18º - Com data de 24/03/03, a exequente responde à carta referida na alínea antecedente, esclarecendo que as obrigações resultam das condições gerais dos contratos – (S). 19° - Com data de 31/03/03, a exequente declara que rescinde os contratos referidos na alª H) - 8° supra - e solicita a entrega dos veículos financiados, o pagamento das prestações e m dívida e ainda, a diferença, a título de prejuízos, entre o valor da venda dos veículos e o montante total das prestações vencidas e juros acrescidos de 2%. – (T). 20º - Os veículos, […] RH e, […] RH, foram entregues à exequente, respectivamente, em 10/9/2003 e 3/7/2003 – (U). 21º - Contudo, o veículo […] RH, estava desacompanhado do livrete, registo de propriedade, e o veículo […] RH estava desacompanhado do livrete – (V). 22º - No que respeita ao veículo […] RH, verificou-se quanto ao modelo 2, um erro de emissão quanto à matrícula, mas que foi corrigido – (X). 23°- Os documentos dados à execução e juntos aos autos de execução a fls.5 e 6, foram subscritos pelos embargantes/executados em branco – (Z). 24º - As cláusulas gerais dos contratos de financiamento relativos aos veículos referidos foram elaboradas pela exequente e assinadas pelos executados sem qualquer negociação - (AA). 25º - Os contratos de financiamento foram assinados sem alterações das condições particulares pelos embargantes – (2º). B- Fundamentação de direito Na execução a que os presentes autos estão apenso, figuram como títulos executivos duas letras de câmbio, aceites pela executada Ass […] Ldª e avalizadas pelos embargantes. Estas letras, denominadas “ de garantia em branco”, foram aceites e avalizadas para garantir o bom e integral pagamento das quantias que sejam devidas em caso de incumprimento dos contratos de financiamento para aquisição a crédito de dois veículos automóveis. Os embargantes, na qualidade de avalistas, subscreveram os documentos juntos aos autos a fls.94 e 95, " termo de autorização para preenchimento de letra garantia", junto a fls.19 a 21 (Contrato de Financiamento a Crédito) e subscreveram o documento a fls.25 (autorização para preenchimento da letra garantia). Na douta sentença considerou-se que os avalistas não poderiam opor ao exequente as excepções invocadas nos embargos, mas apenas as que resultem de vício de forma, conforme vem prescrito no § 2º do artigo 32º da LULL. Desta decisão recorreram os embargantes Manuel […] , Sofia […] e José Manuel […] que assumiram a posição de avalistas no título executivo. A aceitante da letra, Ass […], poderia sempre, como mutuária, perante o mutuante, ora embargado, deduzir livremente qualquer tipo de defesa. Os sujeitos da relação subjacente em causa (contrato de mútuo) são apenas o mutuante, sacador das letras e a mutuária, Ass […], aceitante dos títulos. Esta deduziu embargos de executado que forma rejeitados. Apenas recorreram da sentença os avalistas acima mencionados. Todavia, retomaram, por via desta apelação, a defesa veiculada na petição de embargos, toda ela visando a relação fundamental ou subjacente. É evidente que o não poderão fazer, pois os avalistas não são sujeitos da relação subjacente existente entre o mutuante, portador das letras e a mutuária, que as aceitou, e só a esta é permitido deduzir qualquer tipo de defesa, como a que foi carreada por estes embargos. O aval, como os outros actos cambiários, tem uma relação subjacente. Esta é, todavia, constituída pela relação jurídica que funda a prestação do aval e só pode ser invocada nas relações entre o avalista e o avalizado[1]. Por ser assim, como ensina Paulo Sendim, “ o adquirente da letra, mesmo como portador imediato, em relação à operação avalizada, está sempre em situação de portador mediato, face ao seu aval, que o garante com um valor patrimonial correspondente, mas independente, livre de excepções que porventura se formem na operação garantida”[2]. Isto significa que a relação subjacente ao aval não se confunde com a relação existente, neste caso, entre a avalizada, aceitante das letras e o exequente, portador das mesmas e consistente num contrato denominado de fornecimento para aquisição a crédito. Quem assina uma letra em branco atribui àquele a quem a entrega o direito de a preencher nos termos acordados. Quem dá o aval a uma letra em branco fica, sem mais, vinculado ao acordo de preenchimento havido entre o portador e o aceitante. No regime legal o aval funciona como uma obrigação autónoma. Não se confunde com a fiança, já que a obrigação do aval não obedece à regra acessorium sequitor principal e mantém-se mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma. A relação entre portador e avalista não é uma relação imediata (a que se estabelece por efeitos de uma convenção executiva) mas sim uma relação mediata, pelo que é defeso ao avalista suscitar a excepção do preenchimento abusivo convencionado entre o portador e o aceitante da letra. E, seria iníqua a exigência da concordância do avalista com esse contrato de preenchimento. Sendo assim, importa saber se os apelantes podem opor ao exequente as excepções fundadas sobre as relações extra-cartulares. É evidente que não podem os avalistas esgrimir com a defesa que só poderia ser oposta no domínio das relações imediatas existentes entre o mutuante e a mutuária (respectivamente portador e aceitante das letras em causa), precisamente por não serem sujeitos da relação jurídica material respectiva, não havendo, assim, a exigida ligação imediata entre os avalistas e a empresa mutuante, necessária à justificação dessa atitude. Só deixaria de ser assim, permitindo-se que o avalista, por si só, pudesse esgrimir com a defesa própria do seu avalizado, no quadro delineado, se lhe reconhecesse uma posição jurídica tipicamente acessória da do outro, como sucede na fiança. Como ensina Ferrer Correia[3], além de não ser subsidiária, a obrigação do avalista não é senão imperfeitamente uma obrigação acessória relativamente à do avalizado. Trata-se de uma obrigação materialmente autónoma, embora dependente da última quanto ao lado formal. De facto, a lei estabelece o princípio de que a obrigação do avalista se mantém, ainda que a obrigação garantida seja nula, salvo “por vício de forma” – artigo 32º § 2º da LULL. Sendo a autonomia do aval a regra e não a assessoriedade, não se justifica que o avalista possa defender-se com a excepção do avalizado, salvo a do pagamento[4], o que não está em causa nos presentes autos. A relação entre portador e avalista, como já dissemos, não é uma relação imediata mas sim uma relação mediata, pelo que não pode o avalista suscitar em sede de oposição à execução quaisquer excepções fundadas sobre as relações pessoais com o avalizado, a menos que o portador – o exequente -, ao adquirir a letra tenha procedido conscientemente em detrimento do devedor. E mesmo que o exequente, portador mediato da letra, no momento da sua aquisição, tivesse conhecimento das excepções que os avalistas poderiam opor à aceitante da letra, isso não bastava para caracterizar “ procedimento consciente em detrimento do devedor” para efeitos daquele art.º 17º, tornando-se ainda necessário articular e provar factos que denunciem um comportamento consciente desse detrimento. E tal alegação pertencia aos apelantes e estes não a fizeram no momento próprio, ou seja, em sede de petição de oposição à execução. Por essa razão, não são de aceitar os argumentos deduzidos pelos apelantes relativamente ao preenchimento abusivo das letras, desconhecimento das cláusulas do contrato, por falta de comunicação e de informação. Também improcedem os argumentos dos apelantes relativamente à invalidade da cláusula C das Condições Gerais dos contratos de financiamento e aos juros. Improcedem, deste modo, todos argumentos deduzidos pelos apelantes nas suas conclusões, sendo de confirmar a douta sentença recorrida. III - DECISÃO Pelo exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a douta sentença recorrida. Custas pelos apelantes. Lisboa, 27 de Setembro de 2007 Ilídio Sacarrão Martins Teresa Prazeres Pais Carla Mendes ___________________________________________________________ [1] Pedro de Vasconcelos, Direito Comercial, Títulos de Crédito, pág. 128. [2] Letra de Câmbio, vol II, pág. 842. [3] Letra de Câmbio, pág. 207. [4] Paulo Sendim, ob cit, pág. 834 e segs. |