Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
1486/09.3YXLSB.L1-6
Relator: TERESA PARDAL
Descritores: CONTA CONJUNTA
DOAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 01/14/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: - A titularidade da conta conjunta faz presumir a igualdade das participações dos titulares, mas essa presunção pode ser ilidida, demonstrando-se que os fundos da conta não foram realizados pelos titulares em partes iguais.
- Não se provando que a primitiva titular da conta quis efectuar uma liberalidade à co-titular, não pode considerar-se que foi feita uma doação de metade do saldo da conta apenas porque esta passou a ser conjunta.
(Sumário elaborado pela Relatora)
Decisão Texto Parcial: Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Lisboa.



RELATÓRIO:



MT… intentou contra CI… de Lisboa acção declarativa, inicialmente com processo sumário e depois com processo ordinário, alegando, em síntese, que viveu durante 40 anos no mesmo prédio onde vivia ID…, com quem estabeleceu uma relação de amizade muito próxima, no âmbito da qual lhe emprestou um plasma TV LCD, uma arca, um espelho grande e uma mesa dourada e a referida ID... lhe doou metade do saldo de uma conta bancária, constituindo a autora co-titular dessa conta e outorgou um testamento em 23/12/2004 deixando todos os seus bens à autora, mas, por razões desconhecidas, a mesma ID… em 21/02/2006 outorgou novo testamento constituindo a ré sua herdeira e, depois da sua morte, em 16/06/2008, a ré apoderou-se de todo o recheio da casa, incluindo os mencionados bens da autora, recusando-se a restituir estes bens e recusando também autorização para a autora proceder ao levantamento de metade do saldo da mencionada conta bancária. 

Concluiu pedindo a condenação da ré (a) a reconhecer a autora como dona e legítima possuidora dos referidos bens móveis; (b) a restituir à autora esses bens; (c) a reconhecer que a autora é proprietária de metade da identificada conta bancária e a ser autorizada a levantar o montante correspondente.

A ré contestou alegando, em síntese, que ID… era associada da ré, de quem foi funcionária administrativa durante 40 anos, tendo adoecido há cerca de 15 anos, ficando incapacitada para o trabalho, mas continuando a receber o pagamento do salário a título de pensão, tendo decidido em 2002 recolher a um lar onde pudesse ter a assistência permanente de que necessitava, passando a ré a pagar-lhe as despesas do lar, mas decidindo posteriormente regressar à casa onde morava, de novo com o apoio da ré, que passou a pagar-lhe uma quantia mensal, parte da qual se destinava a pagar dois auxiliares para lhe prestarem assistência no lar 24 horas por dia, tendo ainda a ré, a partir de meados de 2004, prestado assistência e aconselhamento necessário para ID… vir a receber, no Verão de 2005, uma indemnização de 700 000,00 euros, paga por uma instituição internacional que reclama dos diversos Estados indemnizações por bens apreendidos aos judeus durante a 2ª guerra mundial, altura em que a autora, conhecedora do recebimento de tal indemnização, passou a tomar conta da vida de ID…, pernoitando por vezes em casa desta e dispensando os dois auxiliares que lhe prestavam assistência e tendo a ré vindo a saber, em Dezembro de 2005, que ID… se encontrava abandonada em casa sem qualquer assistência e sem dinheiro, descompensada por falta de medicação e de alimentação, pelo que a ré a internou de urgência no hospital, onde recuperou a saúde, vindo a regressar a sua casa, razão pela qual alterou o testamento a favor da ré, já que esta voltou a assegurar-lhe assistência permanente e ajudou-a a regularizar os saldos das contas bancárias, sem que, porém, lograsse transferir para uma nova conta não co-titulada pela autora o saldo da conta a que se refere o pedido da petição inicial, o qual era inicialmente de 100 000,00 euros e pertencia exclusivamente a ID…, que não doou à autora metade desse saldo, assim como esta não emprestou a ID… os bens móveis reclamados na petição inicial.
           
Concluiu pedindo a improcedência dos pedidos formulados pela autora e, em reconvenção, pediu a condenação da autora a reconhecer a ré como única proprietária da totalidade do saldo da conta bancária em causa, bem como dos juros vencidos até 16/06/2008 e os vencidos após essa data e os vincendos até efectivo pagamento, ordenando o seu pagamento à ré.

A autora opôs-se à reconvenção.

Foi proferido despacho saneador que admitiu a reconvenção e procedeu-se a julgamento, após o que foi proferida sentença que julgou improcedente a acção e procedente a reconvenção, declarando a ré única proprietária do saldo da conta bancária em apreço, a contar da data do óbito, em 20.06.2008, incluindo os juros remuneratórios vencidos e vincendos desde então.
                                                         
Inconformada, a autora interpôs recurso e alegou, formulando conclusões onde levanta as seguintes questões:
-impugnação da matéria de facto, devendo considerar-se provados os artigos 3, 4 e 5 da petição inicial e 1, 2 e 3 da resposta à reconvenção;
-titularidade do saldo da conta bancária;
-procedência total do pedido formulado na petição inicial.
                                                           
Não existem contra-alegações e o recurso foi admitido como apelação com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.
                                                           
As questões a decidir são:
I)Impugnação da matéria de facto.
II)Titularidade do saldo da conta bancária e procedência ou improcedência da totalidade do pedido formulado na petição inicial.
                                                        
FACTOS.

São os seguintes os factos considerados provados e não provados pela sentença recorrida:

Factos provados.
1. A autora residiu na Rua …, n°… – 3 dt°, em Lisboa.
2. No 2° andar do mesmo prédio, viveu ID…, durante cerca de 40 anos.
3. ID…, de nacionalidade portuguesa, faleceu em 20.06.2008. (Registo de Nascimento de fls. 44)
4. A autora foi constituída herdeira de todos os bens de ID… por testamento lavrado em 23.12.2004. (Certidão de fls. 14-15)
5. Posteriormente, a falecida constituiu sua herdeira a ré, por testamento elaborado em 21.02.2006, de fls. 16 a 18, no qual se declara que «este testamento revoga todos os testamentos anteriores». (Certidão de fls. 16 a 18)
6. A autora passou a ser cotitular da conta bancária aberta em nome de ID… n° … do Millenium BCP, desde 28.07.2005, data em que o regime da conta foi alterado para conta conjunta.
7. ID… era de religião hebraica e associada da ré, de quem foi empregada administrativa durante cerca de 40 anos.
8. Por incapacidade física, motivada por doença cancerígena, ID… deixou de trabalhar para a ré, que passou a pagar-lhe uma pensão mensal a título de complemento de reforma.
9. A ré é, além disso, proprietária da casa em que ID… residia.
10. No seguimento de indemnização atribuída aos judeus no período da 2ª Guerra Mundial pela «Claims Conference», a ré prestou assistência a ID… para receber cerca de 700.000,00 euros, no Verão de 2005.
11. Este valor foi creditado na Conta Bancária n°… do Millenium BCP por transferência bancária.
12. Devido ao apoio e assistência recebido da ré, e aos laços religiosos que mantinha com a CI…, ID… fez um testamento a favor desta associação.
13. No final do ano de 2005, alguns membros da CI… foram chamados a casa de ID…, tendo constatado que esta se encontrava abandonada e sem qualquer assistência, com a saúde e estado físico muito deteriorado, por descompensação e falta de medicação e de alimentação.
14. ID… queixou-se então que não tinha dinheiro, sendo chamado a sua casa o gestor bancário da agência do Millenium BCP, na Av…., 3-A, em Lisboa (Rato), que confirmou encontrar-se a conta bancária daquela com saldo negativo e com os cartões de crédito/débito próximo dos limites máximos de dívida autorizados.
15. Para recomposição do estado de saúde de ID…, e com o apoio da ré, foi aquela internada de urgência no Hospital de Santa Cruz (em Carnaxide), onde já tinha sido assistida.
16. Com o aconselhamento da ré, foram regularizados os saldos bancários negativos e dívidas dos cartões de crédito/débito da conta bancária do Millenium BCP de ID….
17. A autora, por cartas de fls. 19 e 20, de 03.10.2007 e 03.07.2008, instou a ré a devolver-lhe bens da sua pertença, bem como a entregar-lhe 1/2 dos valores depositados na Conta Bancária nº … do Millenium BCP.
18. A ré recusa fazê-lo.

Factos não provados.
Da petição inicial aperfeiçoada.

1- A autora residiu até 2005 na Rua …, nº… – 3º dtº, em Lisboa.
2- ID… faleceu em 16.06.2008 e tinha a nacionalidade israelita.
3- A pedido de ID…, em 12.12.2004, a autora emprestou-lhe, temporariamente, os bens móveis identificados no artigo 6º da p.i.
4- ID… decidiu oferecer à autora 1/2 do valor em depósito da Conta Bancária Nº….
5- Após o falecimento desta, a ré tomou conta de todo o recheio da residência (na Rua …, nº… – 2º dtº, em Lisboa), incluindo os bens móveis identificados no artigo 6º da p.i..

Do articulado de resposta à reconvenção.
1- ID… fez doação à autora, em 09.04.2005, de 1/2 do valor da conta bancária Nº…, atribuindo-lhe a sua co-titularidade.
2- Não obstante ter-lhe revogado o testamento lavrado em 23.12.2004, manteve o propósito de lhe atribuir 1/2 do valor em depósito.
3- Na data em que recebeu a indemnização, ID…, como forma de pagamento dos serviços prestados, doou à autora 1/2 do valor da conta que tinha € 100.000 depositados.

Da contestação.
1- A autora passou a tomar conta de ID… quando soube que esta ia receber a indemnização por intermédio da «Claims Conference».
2- ID… faleceu em 16.06.2008.
                                                          
ENQUADRAMENTO JURÍDICO.

I) Impugnação da matéria de facto.
A apelante pretende que sejam considerados provados os pontos 3, 4 e 5 da petição inicial e 1, 2 e 3 da resposta à reconvenção da matéria de facto dada como não provada na sentença.

É a seguinte a redacção dos referidos pontos de facto:

Da petição inicial aperfeiçoada.
3- A pedido de ID…, em 12.12.2004, a autora emprestou-lhe, temporariamente, os bens móveis identificados no artigo 6º da p.i.
4- ID… decidiu oferecer à autora 1/2 do valor em depósito da Conta Bancária Nº….
5- Após o falecimento desta, a ré tomou conta de todo o recheio da residência (na Rua …, nº… – 2º dtº, em Lisboa), incluindo os bens móveis identificados no artigo 6º da p.i..

Do articulado de resposta à reconvenção.
1- ID… fez doação à autora, em 09.04.2005, de 1/2 do valor da conta bancária Nº…, atribuindo-lhe a sua co-titularidade.
2- Não obstante ter-lhe revogado o testamento lavrado em 23.12.2004, manteve o propósito de lhe atribuir 1/2 do valor em depósito.
3- Na data em que recebeu a indemnização, ID…, como forma de pagamento dos serviços prestados, doou à autora 1/2 do valor da conta que tinha € 100.000 depositados.
Comecemos então pela matéria dos pontos 3 e 5 da PI, que respeitam ao invocado empréstimo de alguns móveis pela autora à falecida ID… e ao facto de a ré se ter apoderado desses bens. 

Para prova desta matéria, foram juntos os documentos de fls 105 a 108, que são documentos do Jumbo das Amoreiras comprovando a aquisição de um TV LCD em Novembro de 2005 e os documentos de fls 109 e 110, que são as fotografias de uns móveis; prestaram ainda depoimento sobre esta matéria as seis testemunhas arroladas pela autora, MC…, SR…, CF…, OM…, CG… e JS….

Ora, tal como foi entendido pela 1ª instância, esta prova não convenceu.

No que diz respeito ao aparelho de televisão, os documentos de fls 105 a 108 não esclarecem de que televisão se trata, quem foi o comprador, a que título foi adquirida e o destino da mesma, sendo certo que nenhuma testemunha relacionou estes documentos com a reclamada televisão, declarando as testemunhas CG… e OM… que nada sabiam sobre a televisão, afirmando a testemunha MC… que foi com a autora a uma loja de um amigo seu na Amadora comprar uma televisão que foi entregue em casa da falecida ID…, afirmando as testemunhas JS…, CF… e SR… que a televisão que estava em casa da falecida ID… era da autora, declarando a 1ª que tal televisão era das antigas e que veio da casa da autora e declarando as outras duas testemunhas que a televisão era um “plasma”.

Perante todas estas contradições, é manifesta a falta de credibilidade da prova produzida.

No que diz respeito aos móveis reclamados pela autora, todas as testemunhas declararam que os viram em casa da falecida ID… e os descreveram ou identificaram nas fotografias dos autos como sendo móveis que lá tinham sido colocados pela autora.

Desde logo não se pode deixar de estranhar a quantidade de pessoas que, não sendo familiares nem amigas de ID…, pessoa idosa e doente, frequentaram a sua casa e opinaram sobre a mobília aí existente e sobre a sua proveniência (todas as testemunhas se identificaram como amigas da autora, mas não da senhora ID…, conhecendo-a apenas por intermédio da autora); não se apresenta, também, verosímil um “empréstimo” de bens cuja necessidade não se compreende e não foi esclarecida e, tal como se entendeu na 1ª instância, os depoimentos revelaram-se pouco consistentes, repetindo todos a mesma descrição dos móveis de forma que pareceu ensaiada, mas afirmando umas testemunhas que os móveis eram para “compor a casita” da falecida ID… e outras que os móveis foram trazidos pelo marido da autora (com quem não era ainda casada) e que, por a autora necessitar de espaço, foram os mesmos colocados na casa da falecida ID….

De qualquer forma, mesmo que se admitisse a veracidade destes depoimentos, os mesmos (reproduzindo confidências da autora) não esclarecem a que título teriam tais móveis sido entregues pela autora à falecida ID…, nomeadamente se esta teria ficado ou não com a obrigação de os devolver e em que circunstâncias.

Igualmente, não esclarecem estes depoimentos sobre a alegada apropriação destes bens pela ré, devendo, portanto, estes factos permanecer como não provados.

Passando a analisar a matéria relativa aos pontos 4 da petição inicial e 1, 2 e 3 da resposta, todos respeitantes à invocada “doação” de metade de uma conta bancária, não pode deixar de se considerar que também não foi feita a respectiva prova.

Dir-se-á desde logo que “doação” é um conceito de direito previsto nos artigos 940º e seguintes do CC, uma conclusão a retirar de factos alegados pelas partes e que se venham a provar; e os factos alegados pela autora não são muito esclarecedores, não se percebendo qual seria a liberalidade em causa: metade do saldo da conta desde a data em que passou a ser conjunta?, ou desde data anterior?, ou desde a data em que viesse a ocorrer o falecimento da titular da conta?, qual o valor que caberia à autora na metade desse saldo, depois de apurados os vários movimentos entretanto efectuados?

Os documentos e depoimentos prestados não esclarecem estes factos, de forma a ser dada uma resposta explicativa a esta matéria.

Assim, os documentos de fls 151 e seguintes apenas contêm o extracto da conta em causa no período de Julho a Setembro de 2005 e os documentos de fls 101 e 102 apenas contêm informação do banco de que em 28/07/2005 a conta titulada por ID… passou a ser conjunta necessitando das assinaturas desta e da ora autora e informação de que em 17/07/2008 (depois da morte de ID…) o banco entregou à autora a quantia de 52 950,07 euros proveniente desta conta.

Quanto ao depoimento das testemunhas, para além da falta de consistência já acima apontada, as testemunhas MC…, SR… e CG… declararam nada saber sobre o assunto e, das declarações das testemunhas CF…, OM… e JS…, o tribunal não ficou a saber mais do que aquilo que já sabia, ou seja, que a partir de certa altura a conta passou a ser conjunta.

Na verdade, a testemunha OM… declarou ter ouvido a falecida ID… dizer à autora se ela queria “levantar a sua parte, que eram 50 mil euros”, a testemunha CS… declarou que ouviu a falecida ID… dizer à autora que “já sabes que metade do dinheiro que eu vou receber é teu”, esclarecendo esta testemunha que achava que seria metade de 100 000,00 euros e a testemunha JS… declarou que ouviu a falecida ID… falar à autora sobre uma conta de 100 000,00 euros dizendo que “quando precisares, 50 000,00 euros são teus”.

Tendo em atenção que o extracto da conta foi naturalmente mudando ao longo do tempo, a coincidência do valor de 50 000,00 euros referido pelas três testemunhas (que por coincidência é perto do montante que o banco veio a entregar à autora segundo o documento de fls 102) parece combinado, tendo em atenção que uma das testemunhas refere que metade do que a falecida ID… viesse a receber seria da autora, o que seria um valor muito superior.

Fica-se, assim, sem saber se a falecida ID… pretendia dar à autora, não metade do saldo de uma conta, mas sim a quantia de 50 000,00 euros, ou se pretendia dar metade da indemnização que recebeu, ou se não pretendia dar, mas sim apenas disponibilizar 50 000,00 euros no caso de a autora precisar.

A acrescer à inconsistência destes depoimentos não pode deixar de se referir a falta de credibilidade do depoimento da testemunha JS…, ao declarar que viu a falecida ID… e a autora saírem de casa juntas com dinheiro na mala para irem depositar no banco e ao declarar que a referida ID… faleceu em casa com a assistência da autora, quando as restantes testemunhas referiram que entretanto a autora foi viver para outro local, deixando de residir naquele prédio, tendo a testemunha JR… declarado que a senhora Iva veio a falecer na residência assistida Domus Vida pertencente à Cuf Descobertas, providenciada pela ré, com recurso ao dinheiro que a falecida ID… lhes deu a gerir por procuração que lhes outorgou (declarações estas confirmadas pela certidão de nascimento de fls 44, onde consta o averbamento de que ID… faleceu na freguesia de Santa Maria dos Olivais, onde se situa a Cuf Descobertas).

Conclui-se, então, que não devem ser provados os factos relativos à “doação da conta bancária”, improcedendo, portanto, a impugnação da matéria de facto na totalidade.
                                                            
II)Titularidade do saldo da conta bancária e procedência ou improcedência da totalidade do pedido formulado pela autora.

Com a presente acção, a autora pretende, para além do mais, ser declarada titular do direito ao saldo de uma conta bancária.

Fundamenta este direito no facto de ser co-titular dessa conta bancária e de a outra co-titular, a primitiva e única titular, ter querido dar-lhe metade dessa conta.

Como acima já se expôs, o pedido formulado pela autora não se apresenta muito claro, pois não alega o montante do saldo a que tem direito, não alegando também factos dos quais se possa retirar quais as condições e qual a data em que teria sido feita essa liberalidade pela outra co-titular, ignorando-se se deveria ser considerado o saldo na data em que a conta passou a ser conjunta ou noutra data qualquer e sendo certo também que não foi alegado, nem se provou qual seria o saldo à data da morte da co-titular (constando nos autos, a fls 102, apenas que já depois da morte da co-titular, o banco lhe entregou a quantia de 52 950,07 euros proveniente desta conta). 
   
De todo o modo, sendo a conta em causa conjunta, haverá então que apreciar se a pretensão da autora tem fundamento.

Como é sabido, no contrato de depósito bancário os titulares da conta, como depositantes, entregam ao banco, como depositário, uma quantia em dinheiro de que o depositário se apropria e dispõe livremente, obrigando-se a restituir aos depositantes igual montante (ac RL 7/05/2015, p. 1911/13 e STJ 10/11/2011, p. 1182/09, ambos em www.dgsi.pt), discutindo-se na doutrina e jurisprudência a sua qualificação jurídica, na ausência de disposições próprias que o regulem, como mútuo, depósito irregular, ou mandato, nos termos, respectivamente, dos artigos 1142º, 1205º e 1157º do CC (ac RC de 10/07/2007, p. 2610/03, em www.dgsi.pt).

Havendo vários titulares da conta, esta pode ser conjunta ou solidária, necessitando os titulares de agir em conjunto para movimentar a conta no primeiro caso e podendo qualquer um dos titulares movimentá-la sem o consentimento dos outros no segundo caso, presumindo-se que as participações dos titulares da conta são iguais, por via da aplicação das regras dos artigos 534º, 1403º e 1404º do CC nas situações de conta conjunta e do artigo 516º do mesmo código, nas situações de conta solidária (cfr. Menezes Cordeiro, “Manual de Direito Bancário”, 4ª ed., páginas 557 e sgts e ac. RL 28/11/2003, p.9644/2003, em www.dgsi.pt).

Mas a titularidade da conta não se confunde com a propriedade dos respectivos fundos, podendo ser feita a prova de que os titulares não têm comparticipação igual, ou não são mesmo donos dos fundos, ilidindo-se, assim, as referidas presunções (acs RL 1/02/2007, p. 8274/2006, RC 30/05/2006, p. 1582/06, ambos em www.dgsi.pt).

Voltando ao caso dos autos, provou-se que a conta em causa inicialmente era da titularidade de ID…, aí tendo sido depositada a indemnização de cerca de 700 000,00 euros que lhe foi atribuída e tendo sido a partir dessa altura que a conta passou a ser conjunta.

Sendo assim, ficou demonstrado que a conta foi aprovisionada com dinheiro da primitiva titular ID… e não da autora, ilidindo-se a presunção de titularidade dos fundos em partes iguais, facto que, aliás, é admitido pela autora, ao invocar uma doação de ID… a seu favor, para justificar o seu direito.

A doação, prevista no artigo 940º nº1 do CC, consiste no “contrato pelo qual uma pessoa, por espírito de liberalidade e à custa do seu património, dispõe gratuitamente de uma coisa ou direito, ou assume uma obrigação, em benefício do outro contraente” e, nos termos do artigo 947º nº2, tratando-se de doação de coisas móveis, não depende de formalidade externa se for acompanhada de tradição da coisa, só podendo ser feita por escrito se não for acompanhada de tradição da coisa (cfr recente ac RL de 17/12/2015, p. 865/13, em www.dgsi.pt, que, considerando provado o contrato de doação de parte do saldo da conta bancária a uma co-titular, julgou nula a doação por falta de forma escrita, em virtude de, por não ter havido movimento da conta em vida da donatária, não se verificar o requisito da tradição da coisa).  

Contudo, no caso dos autos, como resulta dos factos, não se provou que tivesse havido um acordo no sentido de a primitiva titular da conta ter disponibilizado com espírito de liberalidade, parte do saldo da conta à autora, pelo que, não estando demonstrada a essencial intenção de realizar uma liberalidade, não se pode concluir que houve doação, apesar da titularidade conjunta da conta. 

Improcede, portanto, esta pretensão da autora.

Pretende ainda a autora que a autora lhe entregue uma televisão e uns móveis que alega ter emprestado à falecida ID… e dos quais a ré, sua herdeira, se terá apropriado.

Todavia, como igualmente resulta da matéria de facto provada, não se provaram estes factos, não se verificando os pressupostos legais do contrato de comodato previsto nos artigos 1129º e sgts do CC, improcedendo também este pedido, bem como as alegações de recurso.
                                                           
DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação e confirma-se a sentença recorrida.
Custas pela  apelante.                                                   

                                                           
Lisboa,2016-01-14


Maria Teresa Pardal
Carlos Marinho                                                  
Anabela Calafate
                    
                                                           
Decisão Texto Integral: