Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
77/20.2T8SXL-A.L1-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE ARRENDAMENTO
DESOCUPAÇÃO DO LOCADO
INCIDENTE DE DESPEJO IMEDIATO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Depois de resolvido o contrato de arrendamento pelo senhorio, não há lugar a rendas vincendas.
II – Numa acção declarativa comum em que o autor, com base na invocação da resolução extrajudicial do contrato, peça a notificação do réu para desocupar o prédio e restitui-lo ao autor, não pode ser pedida, a meio do processo, a notificação do réu para pagar rendas vincendas [que logicamente não tinham sido pedidas] sob pena de resolução do contrato [que já não existe].
III – Menos ainda se o autor nem sequer pediu qualquer indemnização pela ocupação ilícita do imóvel posterior à resolução extrajudicial.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 10/01/2020, A intentou uma acção comum (que também qualifica como de despejo) contra R, pedindo que (a) “seja ordenada a citação do réu para proceder à desocupação do locado […] e que este proceda de imediato à restituição do imóvel ao autor, livre de pessoas e bens, por falta de pagamento de rendas, atento o disposto nos artigos 1083/3 e 1084/2, do CC, conjugados com o disposto nos artigos 14/4-5 e 15/2c da Lei 6/2006, de 27/02, na redacção dada pela Lei 79/2014, de 19/12; (b) cumulativamente seja o réu condenado a pagar ao autor, a titulo de rendas vencidas, 8170€, a que acrescem juros de mora civis à taxa legal, no valor de 254,71€, o que perfaz a quantia total em dívida de 8.424,71€ cuja execução desde já se requer cumulativamente; (c) por fim seja o réu condenado a pagar ao autor […] todas as despesas judiciais tidas com presente processo, quer com a acção de despejo, quer com a acção para execução de pagamento das rendas em dívida, onde se incluem as taxas de justiça e honorários com agente de execução, bem como as custas de parte.
Alegou para tanto, em síntese, que, em 01/07/2011, deu de arrendamento, por 5 anos, renováveis por períodos de 3 anos, ao réu, uma fracção autónoma para habitação por 430€ mensais; em 2015, o ré informou o autor que tinha ficado desempregado, solicitando uma redução temporária do valor da renda, devendo a compensação da diferença ser efectuada assim que o réu estivesse novamente empregado; por acordo verbal entre o autor e o réu, este ficou autorizado a proceder ao pagamento de 350€/mensais; em Junho de 2018, o réu informou o autor que já não se encontrava numa situação de desemprego, tendo o autor solicitado que o mesmo cumprisse o acordo verbal efectuado entre ambos, repondo o valor em falta das rendas vencidas; o réu, a partir de Junho de 2018 não pagou, como devia, a renda no valor mensal de 430€, fazendo apenas pagamentos parciais das rendas em dívida; estão em dívida as rendas de Julho de 2018 a Janeiro de 2020 (19 x 430€ = 8170€); apesar de alertado para cumprir o contrato, o réu disse que pagava quando quisesse o que bem lhe apetecesse; perante tal, o autor notificou, através de solicitador, em 21/11/2019, o réu da resolução do contrato de arrendamento, nos termos do disposto no art. 1084/2, ex vi art. 1083/3, ambos do CC; o réu aceitou receber a notificação e documentos anexos (comunicação da resolução do contrato de arrendamento) lendo-os na íntegra; porém, ao aperceber-se do seu conteúdo, devolveu-os, recusando-os, bem como recusou assinar a notificação; o réu continuou sem pagar e sem proceder à entrega do locado até hoje; assiste ao autor/senhorio o direito à resolução do contrato por se encontrar em falta o pagamento de mais de quatro rendas, seguidas ou interpoladas num período de 12 meses; vai dizendo ainda que: através do referido meio legal o autor declarou resolvido o contrato de arrendamento celebrado com o réu, assistindo-lhe ainda o direito de reclamar para além do valor das rendas vencidas, todas as que se vencerem até efectivo despejo; concretizando-se a resolução do referido contrato de arrendamento nos termos dos nºs 1 e 3 do art. 1083 do CC; o réu apesar de regularmente notificado não procedeu até à data à entrega do locado, bem sabendo que não é legítimo da sua parte ocupar o imóvel; encontrando-se em falta o pagamento de mais de quatro rendas, seguidas ou interpoladas num período de 12 meses, tornou-se inexigível ao autor a manutenção do contrato de arrendamento mencionado em 2º, assistindo-lhe, nessa medida, o direito à sua resolução (art. 1083/3-4 do CC).
O réu contestou em 11/06/2020, dizendo, em síntese, no que importa, que entre autor e réu ficou verbalmente estipulado que o valor da renda passasse dos 430€ mensais para 350€ mensais; o réu tem pago ao autor – nem sempre atempadamente - este valor com a aceitação do autor (embora o autor nunca tenha emitido recibos das rendas recebidas); assim sendo, o autor não pode agora vir exigir o pagamento de um montante diferente; não é verdade que a divida existente seja de 8.170€; o réu fez inúmeros pagamentos “à vista” ou seja, entrega de numerário em mão ao autor; tais quantias devem ser abatidas às rendas que o autor diz estarem em atraso; os pagamentos em numerário que atrás foram referidos foram feitos via multibanco e outros por depósito em conta (o autor nunca declarou tais montantes pois era uma forma que tinha de evitar pagamento de impostos); esses pagamentos são os que constam dos documentos 1 a 3 [não junta outros documentos]; os pagamentos seguintes foram feitos por transferência bancária: os meses de 01/02/2019; 01/03/2019 e 01/04/2019; pelo que todas as rendas estão pagas até 01/04/2019; existe um acordo verbal entre as partes no sentido de não haver pagamentos dos meses de 01/05/2016, 01/06/2019 e 01/07/2019; a habitação em questão estava a precisar de obras de emergência devido a deficiências de canalização as quais deram origem a infiltrações visíveis na casa de banho do vizinho do andar de baixo; confrontado com a questão dos danos, a postura do autor foi de completa passividade; como o autor não procedeu à reparação, o réu deixou de pagar as rendas mensais; por tudo o que vai exposto, o réu sabe-se devedor do valor de 3500€; este valor resulta do não pagamento dos meses de 01/08/2019 a 01/06/2020.
A 23/09/2020, foi proferido o seguinte despacho, em síntese na parte que importa:
O autor não peticiona a resolução contratual, precisamente porque considera que a mesma se efectivou por via extrajudicial; assim, verificando-se a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento e pretendendo o autor apenas a condenação na entrega do locado livre e devoluto e pagamento das rendas, notifique-se o autor para, querendo, em 10 dias se pronunciar quanto à eventual verificação da excepção dilatória de falta de interesse em agir.
A 19/10/2020, o autor veio dizer, em síntese, que:
Efectivamente recorreu à resolução extrajudicial do contrato de arrendamento; sucede que o réu não desocupou o locado nem pagou as rendas devidas; neste contexto o autor optou, opção que a lei lhe consente, por recorrer ao tribunal para que, judicialmente, atenta a prova produzida, declarasse a resolução do contrato de arrendamento e condenasse o réu a entregar o locado livre e devoluto e ainda no pagamento de todas as rendas vencidas e vincendas até à respectiva entrega; pelo que não se verifica a falta de interesse em agir: a comunicação de resolução de senhorio ao seu arrendatário tem valor no procedimento especial a tramitar no BNA, mas carece de valor e efeitos no âmbito desta acção judicial.
A 18/11/2020 foi proferido despacho saneador o qual, em síntese,
julgou verificada a excepção dilatória inominada de falta de interesse em agir e, em consequência, absolveu o réu da instância, realçando-se ainda que o pedido (c) sempre seria manifestamente improcedente uma vez que o ressarcimento de despesas, custas, honorários etc., é feito nos temos legais em regre de conta de custas e custas de parte nos procedimentos respectivos.
A 04/01/2021 o autor recorreu deste despacho, aditando a 29/04/2021 que o recurso era de apelação e a subir nos próprios autos.
A 05/05/2021, referência 29150025, o autor veio, nos termos do disposto no art. 14/4 do NRAU, requerer:
A notificação do réu para proceder ao pagamento das rendas que se venceram na pendência da acção de despejo e de que o não pagamento em tempo oportuno destas rendas determinará a apresentação de pedido de despejo imediato. Alegou que a acção deu entrada no tribunal no dia 10/01/2020; desde então e até à presente data o arrendatário não pagou qualquer renda ao senhorio; na pendência da presente acção e até ao momento estão em dívida pelo réu as rendas vencidas e devidas ao autor a partir de 01/02/2020.
Por despacho de 07/05/2021 o tribunal admitiu o recurso a subir imediatamente e nos próprios autos e acrescentou:
No que se reporta ao requerimento com a referência 29150025 […]
[…P]receitua o artigo 14/1 do NRAU que “a acção de despejo destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação e segue a forma de processo comum declarativo”.
Por sua vez, estatui o n.º 4 daquele normativo que “se as rendas, encargos ou despesas, vencidos por um período igual ou superior a dois meses, não forem pagos ou depositados, o arrendatário é notificado para, em 10 dias, proceder ao seu pagamento ou depósito e ainda da importância da indemnização devida, juntando prova aos autos, sendo, no entanto, condenado nas custas do incidente e nas despesas de levantamento do depósito, que são contadas a final”.
Compulsados os autos, verifica-se que no âmbito do presente processo, o autor não pediu a cessação da situação jurídica do arrendamento porquanto, por um lado, fez operar extrajudicialmente a resolução do contrato de arrendamento – conforme deflui da sua petição inicial – pelo que não subsiste qualquer vínculo negocial nesses moldes – nem tal é alegado.
Assim, não existindo já uma relação jurídica de arrendamento – na medida em que foi unilateralmente terminada, ainda antes da propositura da presente acção – a situação in casu não é subsumível ao enquadramento normativo do preceito legal acima aludido, porquanto desde logo não se coaduna com a definição ínsita no seu n.º 1.
Por outro lado, temos que já foi proferido nestes autos uma decisão, em sede de saneador sentença, que julgou verificada a excepção de falta de interesse em agir da parte do autor, e em decorrência decretou a absolvição do réu da instância.
Não se olvida que a sobredita decisão ainda não transitou em julgado, tanto mais que foi objecto de recurso por parte do autor; porém, e por ora, é a única que consta dos autos, e que declarou finda a instância (tudo sem prejuízo de entendimento diverso do TRL) pelo que, também por esta via, não se perspectiva acolhimento legal para a pretensão do autor.
Nestes termos e face o supra expendido, indefere-se o requerido.
O autor foi notificado desde despacho por carta elaborada a 10/05/2021.
O recurso de 04/01/2021 foi remetido para o TRL a 27/05/2021.
A 28/05/2021, o autor recorreu do despacho de 07/05/2021, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões (transcreve-se na parte útil, com simplificações e evitando-se apenas algumas das muitas repetições):
A) O autor intentou acção de despejo peticionando a resolução do contrato de arrendamento, a desocupação do locado e a condenação do réu no pagamento a título de rendas vencidas e vincendas no montante de 8170€.
[…]
C) O autor foi notificado para, querendo, se pronunciar quanto à eventual falta de interesse em agir, uma vez que, na óptica do tribunal, o contrato de arrendamento fora resolvido por via extrajudicial.
D) O autor declarou que o seu pedido a visou submeter ao tribunal os factos de onde se conclui a verificação de fundamento suficiente para que decida pelo direito à resolução do arrendamento vigente.
E) O autor não tem falta de interesse em agir, visto que o seu direito de recuperar a posse do seu imóvel não se concretizou.
[…]
H) O autor pretende que o tribunal se pronuncie acerca da cessação da situação jurídica do arrendamento por resolução do contrato, com fundamento no incumprimento decorrente do não pagamento das rendas vencidas.
[…]
J) A acção de despejo abrange todos os casos em que os senhorios pretendam fazer cessar o contrato de arrendamento, nomeadamente quando essa cessação não opere ipso iure nem extrajudicialmente.
K) O senhorio pode optar entre o recurso através do BNA ou ao recurso da via judicial nos termos do disposto nos artigos 1047 e 1048/1do CC e 14/1 do NRAU […]
L) Nesta via judicial de fazer cessar a situação jurídica do arrendamento, o contrato cessa por decisão do tribunal, que não está vinculado pelo valor atribuído à comunicação do senhorio ao seu inquilino que não pagou a renda devida no modo de operar do procedimento especial de despejo, no BNA, como resulta da imperatividade da cessação do arrendamento de prédios urbanos – artigo 1080 do CC.
[…]
O) A opção concedida ao senhorio é entre uma via extrajudicial administrativa e formalista, através do BNA, ou a forma tradicional da via judicial.
P) O fundamento de falta de pagamento da renda devida que constitui o incumprimento contratual que confere o direito à resolução é essencialmente, em termos de direito substantivo, o mesmo em qualquer das vias.
Q) A comunicação do senhorio ao seu arrendatário, tem valor no procedimento especial a tramitar no BNA, mas carece de valor e efeitos no âmbito desta acção judicial, onde cabe ao tribunal declarar a resolução do contrato de arrendamento.
R) O tribunal a quo decidiu no processo 2555/19.7T8SXL, tramitado no mesmo juízo, com os mesmos fundamentos de direito, que há interesse em agir, visto que, “apesar de a parte ter tentado efectivar a resolução extrajudicial, e não obteve sucesso junto do BNA, porquanto a sua pretensão de procedimento especial de despejo foi recusada, considera-se, pois, existir interesse em agir por parte dos autores.”
S) Porém, na óptica do tribunal a quo não há interesse em agir, apesar de o autor, bem sabendo que a sua pretensão junto do BNA, não colheria, face à ausência de liquidação do imposto de selo no contrato de arrendamento, não ter lançado mão desse procedimento, por inútil.
T) O interesse em agir do autor radica no facto de esse mesmo direito estar carecido de tutela judicial efectiva, continuando a ser lesado pelo comportamento do réu.
V) A prolação de decisões contraditórias sobre a mesma questão de direito pelo tribunal a quo, privilegiando a formalidade sobre a realidade fáctica, põe em causa a administração da justiça e coarcta ao autor o direito fundamental de ver os seus direitos acautelados e a reposição da legalidade, o que desde já se requer e espera do TRL ao anular a decisão recorrida.
W) O autor convidado pelo tribunal ao abrigo do disposto no art. 6 do CPC, para “esclarecer a sua opção pelo recurso ao meio judicial de cessação do contrato” e “esclarecer a justificação do interesse em agir”, respondeu positivamente
X) O autor pediu que o tribunal decidisse pela resolução do arrendamento.
Y) O tribunal ignorou os esclarecimentos e manteve a decisão de que a relação jurídica de arrendamento em causa era inexistente.
Z) O tribunal a quo não analisou conjuntamente, o texto da petição inicial, o despacho de convite ao esclarecimento e as respostas positivas do autor.
O réu não contra-alegou.
Por acórdão de 17/06/2021 o TRL julgou o recurso de 04/01/2021 procedente, revogando o despacho de 18/11/2020 para que fosse substituído por outro que determinasse o prosseguimento dos autos.
A 30/09/2021, depois do tribunal recorrido ter conhecimento do acórdão do TRL, proferiu o seguinte despacho para dar andamento ao processo, que se transcreve na parte que importa:
Considerando os pedidos feitos pelo autor, afigurou-se que este pretende cumular uma acção declarativa com uma acção executiva – referente às rendas invocadas. Assim, e para efeitos de posterior saneamento, considera-se pertinente que o autor esclareça, no prazo de 10 dias, qual a sua pretensão e também que se pronuncie quanto à eventual qualificação como ilegal da cumulação de pedidos - cfr. artigos 37 e 555/1 do CPC, e subsequente excepção dilatória de conhecimento oficioso (cfr. artigos 577/-f e 578 ambos do CPC).
A 08/10/2021, veio então o autor dizer que:
Pretende a condenação do réu na entrega do locado livre e devoluto e no pagamento das rendas vencidas e não pagas bem como nos juros de mora vencidos. Mais esclarece que desistiu implicitamente e agora explicitamente do pedido a que se reporta a expressão “cuja execução desde já se requer cumulativamente.” Aproveita o ensejo para requerer o prosseguimento dos autos com tomada de conhecimento do requerimento de recurso e alegações apresentados em 28/05/2021 com a referência 29403023.
A 03/11/2021, o recurso de 28/05/2021 foi admitido e foi também determinado, nos termos do estatuído no artigo 274/3 do CPC que se comunicasse a pendência da causa e o seu objecto à administração fiscal.
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Questão a decidir:
Se o réu devia ter sido notificado nos termos do art. 14/4 do NRAU.
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Os factos que importam para a decisão desta questão são aqueles que constam do relatório deste acórdão.
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Apreciando:
Se o arrendatário deixa de pagar as rendas, o senhorio pode resolver o contrato (arts. 1083/3 e 1084/2 do CC). Resolvido o contrato, este deixa de existir, pelo que deixa de dar origem a mais rendas. Se o arrendatário, apesar da extinção do contrato, continuar a ocupar o prédio arrendado (arts. 1087 e 1045 do CC), o senhorio tem o direito de obter a desocupação e restituição do prédio arrendado e o direito a ser indemnizado por essa ocupação ilícita enquanto ela durar (art. 1045 do CC).
É este o regime substantivo, são estes os direitos que o senhorio tem.
Sem prejuízo do que se dirá mais à frente quanto ao direito de opção de que fala o autor, para exercitar estes direitos o senhorio fará a resolução do contrato por via extrajudicial (arts. 1084/2 do CC e 9 do NRAU) e depois deverá usar o meio processual que lhe dá o regime dos artigos 15 e seguintes do NRAU, ou seja, o procedimento especial de despejo.
Mas se não tiver cumprido as obrigações fiscais inerentes ao contrato de arrendamento e recebimento de rendas, não pode usar dessa via processual expedita (art. 15/4 do NRAU: O PED apenas pode ser utilizado relativamente a contratos de arrendamento cujo imposto do selo tenha sido liquidado ou cujas rendas tenham sido declaradas para efeitos de IRS ou IRC.).
Terá então de lançar mão de uma acção declarativa comum, em que invoque a resolução extrajudicial do contrato de arrendamento e peça a condenação do réu a desocupar e a restituir o imóvel, bem como as rendas vencidas até à cessação do contrato e uma indemnização pela ocupação ilícita do imóvel (o que naturalmente tem de ser possível: art. 2/2 do CPC).
Foi isto que o autor fez parcialmente (já que não pediu a indemnização), embora desse aos pedidos uma formulação que teria mais a ver com o procedimento especial de despejo, com o qual quisesse obter um título para desocupação do prédio arrendado e para cobrança de rendas vencidas e misturando referências (parcialmente desactualizadas) a normas da acção de despejo (art. 14 do NRAU) e do procedimento especial do despejo (art. 15 do NRAU).
O autor não pediu – e fez bem, porque não o podia fazer – rendas vincendas porque não tem direito a elas [nem pediu a indemnização pela ocupação ilícita, embora o pudesse fazer; que não o fez, resulta da simples leitura da transcrição dos pedidos feita no início do relatório deste acórdão; a responsabilidade de não o ter feito, é dele, já que estava na sua disponibilidade fazer o pedido de indemnização. Se não o fez, só dele se pode queixar. No pedido das rendas vencidas, o autor inclui as rendas de Dez2019 e Janeiro2020. Ele acha-se com direito a elas por as considerar antecipadas, por força da cláusula 2 do contrato, que estipula essa antecipação, para 01/11/2019 e 01/12/2019, já que quando a resolução opera efeitos, no dia 30/11/202, já tem direito à renda de Dez2019 e, no dia a seguir, 01/12 já tem direito à renda de Janeiro2020. Não há a mais pequena dúvida que ele considera que as rendas de Dez2019 e de Janeiro2020 são rendas vencidas e é nessa qualidade que as está a pedir. Aliás, pede-as expressamente nessa qualidade, de rendas vencidas: basta ver os artigos 9, 20, 1ª parte em contraposição com a 2.ª parte, 23, 28 e pedido b da petição inicial. O que é compreensível visto que a antecipação do art. 1076 do CC tem o efeito prático de atribuir o direito às rendas no/s mês/meses anterior/es, como decorre claramente do que dizem Antunes Varela, CC anotado, vol. II, 4.ª edição. Coimbra Editora, 1997, págs. 524-525, e Elsa Sequeira Santos, CC anotado, vol. I, 2. ª edição, Almedina, 2019, págs. 1347-1349].
Não tendo direito a elas, não as podia pedir quer no início do processo, quer a meio dele.
Foi isto que o despacho recorrido disse, com razão (excepto quanto à fundamentação subsidiária da falta de interesse em agir, pois que esse interesse, tal como acabado de ver, existe e veio a ser-lhe reconhecido pelo ac. do TRL de 17/06/2021, permitindo que a acção prosseguisse tal como estava intentada).
O autor não pode, no decurso de uma acção declarativa comum para exercer um direito, distorcer o processo através da prestação de esclarecimentos ou da formulação de requerimentos, para passar a exercer direitos que não tem nem pode ter: depois de ter resolvido o contrato nenhuma norma jurídica prevê o direito de ele o fazer renascer, para passar a receber rendas vincendas. Os contratos, depois de resolvidos, não renascem por vontade unilateral de uma das partes, nem pelo uso que esta faça dos processos judiciais. Nem é o direito adjectivo, ou interpretações que dele se façam, que fazem ressuscitar o contrato extinto (se foi bem resolvido).
A construção do autor, de que o tribunal não está vinculado pelo valor atribuído à comunicação do senhorio ao seu inquilino ou, noutra versão, de que essa comunicação tem valor no procedimento especial a tramitar no BNA, mas carece de valor e efeitos no âmbito desta acção judicial, não tem qualquer suporte legal nem razão de ser. A resolução não deixa de ter ocorrido, nem pode ser desconsiderada, até porque ela é o fundamento dos pedidos deduzidos pelo autor nesta acção: o autor pôde limitar-se a fazer os pedidos de desocupação e restituição e de pagamento das rendas vencidas, porque já tinha resolvido o contrato.
Mas mesmo que se acompanhasse o autor na distorção os factos, vendo, para isso, nos pedidos do autor um pedido de resolução judicial do contrato (como se verá mais à frente), este não teria o efeito de apagar uma resolução extrajudicial do contrato.
E o facto de esta acção poder vir eventualmente a improceder, por não se provar que a resolução extrajudicial tenha sido bem efectivada ou por não se provarem os fundamentos invocados na resolução extrajudicial, caso em que se terá de considerar que, afinal, o contrato de arrendamento não se extinguiu, não altera nada disto, pois que, por um lado, chegar-se à conclusão de que um contrato afinal não se extinguiu, não é reconhecer que ele pode ser renovado ou renascer depois de extinto; e, por outro lado, uma acção que tem por pressuposto a resolução extrajudicial, não se pode convolar, na sequência da sua improcedência, numa acção constitutiva da extinção do contrato de arrendamento por resolução judicial.
Tudo isto tem por base, devidamente adaptado ao regime actual do contrato de locação, os ensinamentos básicos do regime da resolução do contrato por inexecução, expostos, por exemplo, em Galvão Telles, Direito das Obrigações, 7.ª edição, Coimbra Editora, 1997, páginas 454 a 464, especialmente, para o caso, páginas 460 a 464.
A benefício da discussão, acrescente-se:
Se o autor tivesse exercido o direito substantivo a uma indemnização pela ocupação ilícita do prédio pelo réu, ele não teria o direito processual de pedir, nesta acção declarativa comum, que o réu fosse notificado para pagar essa indemnização, porque a acção comum declarativa não prevê esse expediente processual. Dito de outro modo: o processo comum declarativo não prevê um incidente, a meio do processo, em que o autor, antes do julgamento, peça que o réu lhe pague logo a indemnização pedida na petição inicial.
Esse tipo de incidente apenas está previsto na acção de despejo, uma acção declarativa comum com as especificidades do art. 14 do NRAU, entre elas, a que importa para o caso, a constante dos n.ºs 4 e 5 que prevêem o incidente de despejo imediato.
Pretender inserir este incidente de despejo imediato, que é precisamente a especialidade do despejo, numa acção comum, é pretender a distorção completa do regime desta. Se se adoptasse esta posição, a partir de agora, em qualquer acção comum de reivindicação, por exemplo, o autor podia pedir, a meio do processo, que o juiz verificasse que os pressupostos do seu direito se verificavam e condenasse desde logo o réu a restituir o imóvel ocupado.   
*
O autor diz que com esta acção pediu ao tribunal que resolvesse o contrato. Pelo que o contrato não teria cessado e as rendas continuariam a vencer-se até que o tribunal resolvesse o contrato.
Mas isto não corresponde, notoriamente, à verdade dos factos. Ao contrário do que o autor diz nas conclusões (A entre outras) ele não intentou uma acção de despejo peticionando a resolução (judicial) do contrato de arrendamento e a condenação do réu no pagamento de rendas vincendas. Ele pediu a desocupação e restituição do imóvel porque já tinha operado, com a notificação de 21/11/2019, a resolução extrajudicial, e pediu o pagamento das rendas vencidas (não das rendas vincendas). Para se saber que foi isto que o autor fez, basta ler os pedidos transcritos no relatório deste acórdão.
Uma acção de despejo é aquela com a qual o autor visa fazer cessar a situação jurídica do arrendamento (art. 14/1 do NRAU). O facto de, no âmbito do antigo regime do arrendamento urbano, a acção de despejo poder visar outros fins, como decorria do art. 55/2 do RAU, justifica a imprecisão terminológica com que, por vezes, se usa a expressão acção de despejo, mas não quer dizer que seja esse o figurino actual da acção de despejo (que não tem outro fim que não aquele).
Veja-se a descrição que Miguel Teixeira de Sousa fazia da acção de despejo, quando os artigos 52, 54, 55, 63 e 70 do RAU lhe davam um âmbito de aplicação muito mais amplo (A acção de despejo, Lex, Lisboa, 1995, 2.ª edição, páginas, entre outras, 14 e 16, 47, 50) e aquela que é feita por Lebre de Freitas, depois de o art. 14/1 do NRAU a ter reduzido a uma única finalidade (Estudos…, vol. II, 2.ª edição, Coimbra Editora, páginas 697 a 706, especialmente 697 a 702 = Thémis, 15, 2008, páginas 75 a 82, especialmente páginas 75 a 79). Vejam-se ainda, no mesmo sentido, as descrições feitas do novo regime em Miguel Teixeira de Sousa, Tópicos sobre a acção de despejo, Temas de Direito do Arrendamento, Cadernos O Direito, n.º 7, 2013, págs. 111 a 122, e Rui Pinto, O novo regime processual do despejo, Coimbra Editora, 2.ª edição, 2013, páginas 20 a 24, não obstante as ressalvas que o primeiro faz e o que o segundo diz nas páginas 24 a 28 que serão referidos mais à frente a propósito da opção já falada.
É pois necessariamente uma acção constitutiva (art. 10/3c do CPC), em que o autor pede ao tribunal que resolva o (decrete a resolução do) contrato de arrendamento, extinguindo-o (assim modificando a ordem jurídica existente) a que normalmente se cumula o pedido de condenação do arrendatário a desocupar o imóvel e a restituí-lo ao autor (tornando-a numa acção complexa constitutiva e de condenação). A acção de despejo é aquela que o é (por força dos pedidos) e não aquela que o autor (ou eventualmente o tribunal de 1.ª instância ou de recurso) qualifica como de despejo sem correspondência com os pedidos deduzidos. As coisas são o que são e não o que se quer que elas sejam.
Ora, a simples leitura dos pedidos feitos pelo autor revela que não existe qualquer pedido de cessação da situação do arrendamento. O que há é um pedido de notificação do réu para desocupar o prédio e o restitua ao autor, o que é uma outra forma de pedir a condenação do réu a fazer isso, tendo por base a prévia resolução extrajudicial do arrendamento. O autor diz expressamente que resolveu o contrato extrajudicialmente pela notificação de 21/11/2019; em lado algum diz que deve ser o tribunal a, verificados que sejam os fundamentos resolutivos, a resolver o contrato, cessando a situação jurídica de arrendamento. A acção não é constitutiva e de condenação, é de apreciação e de condenação (art. 10/2a-b do CPC).
É certo que, de acordo com a técnica de alegar tudo e o seu contrário, o autor também fala, no decurso da petição inicial, no direito às rendas que se vencerem até efectivo despejo e no direito à resolução do contrato; mas isto sem reflexos no pedido (falar em direitos que se tem, não é o mesmo que fazer o pedido da sua efectivação), em que não pede nem a resolução do contrato, nem as rendas vincendas, e em contradição com a sua categórica conclusão (que essa sim justifica e está de acordo com os pedidos) de que resolveu o contrato com a comunicação de 21/11/2019 e a sua afirmação de que desde então o réu não tem legitimidade para ocupar o imóvel (logicamente porque o contrato está extinto e por isso já não constitui título para o efeito).
Ora, de novo, tendo escolhido uma via que lhe deu um direito (à desocupação do prédio arrendado subsequente à resolução extrajudicial do contrato e a uma indemnização em vez de rendas vincendas) que está a exercer parcialmente (parte dele – à indemnização - não o exerceu, por sua vontade e responsabilidade) através desta acção comum declarativa, não pode, através de requerimentos ou de recurso em que faz uma interpretação distorcida da sua petição, passar a exercer um outro direito que já não tem nem poderá ter (à resolução judicial do contrato e a rendas que se venceriam até lá), porque o contrato deixou de existir quando o resolveu e expedientes processuais no decurso da acção não lhe permitem fazer renascê-lo.
Dito de outro modo: uma peça processual apresentada pelo autor a meio de uma acção em que se está a discutir se o contrato de arrendamento foi bem resolvido e por isso o réu deve ser condenado a desocupar e restituir o prédio, não tem a virtualidade, seja qual for o seu conteúdo, de transformar a acção complexa de apreciação e condenação numa acção complexa constitutiva e de condenação em que se passe a discutir se o autor tem direito a que o tribunal resolva o contrato (que já está extinto) e, muito menos, a pagar-lhe rendas vincendas desde a petição até essa resolução (que já não podem ter lugar porque, na lógica do que está em causa na acção, o contrato já estava extinto antes da petição) que, para além do mais, não foram pedidas (nem o podiam ter sido, na lógica petição inicial).
Diga-se ainda que as peças processuais apresentadas pelo autor (de “esclarecimento” e de requerimento) não foram nunca, nem podem ser tidas como, de ampliação dos pedidos - ampliação que o autor não poderia fazer (por não serem o desenvolvimento ou consequência de pedidos anteriores: art. 265/2 do CPC) – mas simples tentativas de, através de interpretação dos pedidos feitos na petição, distorcer o sentido deles.
Por fim, o reconhecimento, por parte da doutrina e da jurisprudência de que os senhorios podem optar entre a resolução extrajudicial do contrato por falta de pagamento de rendas ou pela acção de despejo (pedindo a resolução judicial do arrendamento), não tem relevo na questão em discussão neste recurso.
Esse reconhecimento destina-se a salvaguardar os casos em que o senhorio não pode, por alguma razão, usar do procedimento especial de despejo, ou o uso da acção de despejo lhe traz vantagens em relação à comunicação/resolução do contrato. Essa jurisprudência, dada a sua evidente razão de ser, foi seguida pela doutrina. Vejam-se esses casos e essa doutrina, por exemplo, nos últimos estudos citados de Miguel Teixeira de Sousa e de Rui Pinto.
Dado que esta posição foi desenvolvida no âmbito do RAU, em que a acção de desejo podia ser uma acção com finalidades e naturezas diversas (incluindo de simples apreciação) como já explicado acima, e foi formulada com base em situações o mais diversas possíveis – tendo em conta a data dos contratos de arrendamento em causa, o tipo de pedidos formulados e as normas legais em vigor em cada momento – compreende-se que, apesar de a acção de despejo ter passado a ter uma natureza exclusivamente constitutivo-extintiva (eventualmente cumulada com pedidos de condenação), se continuem ainda hoje a utilizar expressões e soluções imprecisas com base nela; mas dela nunca decorreu, em termos sistemáticos, a defesa da solução de que um contrato de arrendamento já extinto podia ainda servir de fonte de rendas vincendas [e Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, pág. 122, esclarece: O despejo imediato só pode ser requerido quando o arrendatário não pague ou não deposite as rendas que se forem vencendo durante a pendência da acção de despejo (cf. artigo 14.º, n.ºs 3 a 5, NRAU). Isto significa que, se a resolução do contrato de arrendamento se fundar na falta de pagamento de rendas (cf. artigo 1083.º, n.ºs 1 e 3, CC) ou nos sucessivos atrasos no seu pagamento (cf. artigo 1083.º, n.º 4, CC), na acção de despejo que, nas condições especiais que acima foram referidas, venha a ser instaurada não se pode fazer nenhum pedido de despejo imediato.”]
Exemplos disso, precisamente, são (i) o caso do acórdão que já foi proferido neste processo, em que o que se decidiu nele foi que a acção prosseguisse, como tinha que prosseguir, em nada relevando a qualificação da acção; e (ii) o caso do acórdão de 12/12/2018, proc. 10901/17.1T8LSB.L1-2, em que a nova senhoria, tendo dúvidas acerca da data da resolução extrajudicial do contrato (feita pela anterior senhoria), dá conta de outros fundamentos possíveis de resolução judicial do contrato e alega o desconhecimento do paradeiro da arrendatária (com quem não foi convencionado domicílio) e faz pedido de apreciação da resolução extrajudicial e subsidiário de resolução judicial e de indemnização em dobro (o que remete para o art. 1045/2 do CC), em que se deixou seguir a acção para apreciação dos pedidos, dado, naturalmente, não se demonstrar que a senhoria tivesse falta de interesse em agir. Ou seja, tratam-se de acórdãos interlocutórios, que se limitam a deixar seguir as acções, sem minimamente importar a qualificação da acção em causa.
Seja como for, optar ou pela via da comunicação/resolução extrajudicial ou pela via da resolução judicial implica necessariamente que, se se optou pela resolução judicial (despejo) é porque não se fez (porque não se podia fazer ou não se tinha vantagens em fazer) a comunicação/ /resolução extrajudicial. E se se optou por esta, necessariamente excluiu-se a outra (judicial, por despejo). Pelo que, logicamente, já não se pode exercer a acção de despejo e é bom que isto fique claro para evitar o desvirtuamento de um regime jurídico que o legislador quis que ficasse claro. A acção de despejo não pode servir para apreciar uma resolução extrajudicial. Só há um tipo de acção de despejo: aquela que se destina a decretar a resolução do contrato. Não há acções de despejo em sentido estrito e em sentido amplo.
Se o senhorio não se puder servir de um PED ou se for comprovadamente mais vantajoso não o fazer e já tiver comunicado a resolução extrajudicial, então pode utilizar a acção comum declarativa de apreciação da resolução extrajudicial que não é uma acção de despejo.
Ora, foi precisamente isto que o autor fez. Ele optou pela via da resolução extrajudicial, a que se seguiu, bem, a propositura de uma acção declarativa comum, o que tinha de ser aceite (e foi-o pela decisão do acórdão do TRL de 17/06/2021, independentemente dos termos utilizados na fundamentação do decidido), sendo que essa via não lhe possibilita que peça rendas vincendas (que deixaram de nascer dada a cessação do contrato), ao contrário do que aconteceria na acção de despejo (aqui porque o contrato não cessará até ser decretada a resolução; o contrato extingue-se com eficácia retroactiva, não se extingue logo com o pedido de resolução; assim o facto de o senhorio ter direito às rendas vincendas que tiver pedido, neste caso de resolução judicial, não serve minimamente de argumento contra o aqui defendido, porque o direito ao valor das rendas decorre de o contrato ter estado em vigor até à decisão que decreta a resolução e a retroactividade da resolução tem o efeito de convolar esse direito ao direito ao valor delas como montantes indemnizatórios, a não ser que o arrendatário já não estivesse a ocupar o imóvel: art. 1045 do CC; como diz Miguel Teixeira de Sousa, a prestação das rendas na pendência da acção de despejo “não pode ser imputada ao cumprimento de um contrato extinto com eficácia retroactiva […]” – A acção de despejo, citada, págs. 69 e 70; e é por elas se irem continuando a vencer no decurso da acção que o senhorio pode pedir o despejo imediato na acção de despejo).
Repete-se: não se diga que é possível intentar uma acção de despejo para declarar que o contrato foi bem resolvido extrajudicialmente, porque a acção de despejo não é, claramente, uma acção de simples apreciação, como já se viu. E tal não teria qualquer efeito prático, porque não era a qualificação errada da acção como de despejo que permitiria reconhecer ao autor o direito a rendas vincendas de um contrato extinto (que o Direito substantivo não lhe reconhece: reconhece-lhe, em vez disso, o direito a uma indemnização pela ocupação ilícita, que o autor não exerceu nesta acção).
Não havendo vencimento de rendas, não pode haver despejo imediato.
Por fim, o facto de no procedimento especial de despejo também se poderem ir vencendo rendas (art. 15/8 do NRAU) apesar de o PED se destinar a efectivar a cessação do contrato, não prova o contrário de nada do que neste acórdão se afirma. É que a hipótese do vencimento de rendas no decurso do PED não quer dizer, que apesar de o contrato ter cessado, continuam a vencer-se rendas por força do contrato. Quer dizer apenas que há hipóteses em que há rendas que se vencem e que não tem origem nos contratos cessados, mas na lei e na decisão do juiz ou no acordo posterior das partes. Basta pensar no pedido de deferimento da desocupação, feito por um arrendatário portador de deficiência com grau comprovado de incapacidade superior a 60%, deferido pelo juiz, no decurso do qual se passam a vencer rendas (arts. 15-N e 15-O do NRAU). Ou no caso do senhorio e o arrendatário terem acordado num prazo para a desocupação do locado, caso em que as rendas decorrem deste novo acordo (art. 15-J do NRA).
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Em suma: após ter resolvido o contrato, o autor não pode pedir a notificação do réu para pagar rendas vincendas porque (i) não tem direito a elas, (ii) não as pediu e (iii) a acção, que não é de despejo, não prevê este incidente.
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Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
O autor perde as suas custas de parte (não existirem outras custas), por ter pedido o recurso.

Lisboa, 16/12/2021
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas, vencida, com a seguinte declaração de voto:

Votei vencida, por considerar, sem embargo do muito respeito que me merece a posição que fez vencimento, que o recurso merecia provimento, com a revogação do despacho que indeferiu liminarmente o requerimento do Autor, de notificação do Réu nos termos e para os efeitos do disposto no art. 14.º, n.º 4, da Lei n.º 6/2006. Desde já me penitenciando por não o fazer de forma mais sucinta, procurarei indicar as razões desta posição.
Na presente ação declarativa sob a forma de processo comum, que o Autor qualificou como de “despejo”, o pedido consiste, de forma simplificada, na condenação do Réu a proceder à desocupação do locado e à imediata restituição do imóvel ao Autor, livre de pessoas e bens, “por falta de pagamento de rendas”, e a pagar ao Autor a quantia, a título de rendas vencidas, de 8.170,00€, e respetivos juros de mora. Na causa de pedir avultam os seguintes factos:
- Em 01-07-2011, foi celebrado entre as partes, um contrato de arrendamento habitacional (doc. 1), tendo sido acordada a renda mensal de 430,00 €, pagável ao senhorio no 1.º dia útil do mês a que respeitasse, ficando convencionado um mês de antecipação;
- A partir de junho de 2018 o Réu deixou de proceder ao pagamento integral da renda mensal;
- Por intermédio de solicitador, o Autor notificou-o em 21-11-2019, conforme certidão que junta (doc. 2), nos seguintes termos “Fica assim V. Exª notificado para:
a) pôr fim à mora uma única vez, liquidando, no prazo de oito dias, a contar da data do recebimento da presente notificação, o valor de 7.310,00 € (…) correspondente às rendas em atraso, acrescido da indemnização de 20% sobre o mesmo valor no montante de 1.462,00€ (…), no total de 8.772,00€ (…);
Ou em alternativa, caso não pretenda usar da faculdade de pôr fim à mora, uma única vez,
b) da resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, nos termos do disposto nos arts 1041º nº 1, 1042º nº 3, 1083º nº 3, 1084.º, 804º n.º 2, 805º nº 2 a), 806º, nº 1 e 1086º nº 2 todos do Código Civil, devendo entregar o locado livre e devoluto de pessoas e bens no prazo de 30 dias a contar da data da resolução do presente contrato.
c) E neste caso, fica igualmente notificado para proceder ao pagamento imediato da quantia de €7.310,00 (…) correspondente às rendas vencidas, bem como as que se vencerem até à entrega do locado.”;
- “Feitas as contas”, o Réu deve, até à data da propositura da ação, o valor de 8.170,00€, quantia referente às rendas mensais no valor de 430,00€ cada, desde junho de 2018 até janeiro de 2020 (contas que o Autor faz numa tabela em que indica designadamente como datas de vencimento da primeira renda “01/jul/2018” e das três últimas rendas, os dias “01/Nov/2019”, “01/Dez/2019” e “01/Jan/2020”).
Antes de mais, regista-se que o Autor comunicou ao Réu que dispunha do prazo de 8 dias para “pôr fim à mora”, quando o prazo de purgação da mora seria de 30 dias (cf. art. 1084.º, n.º 3, do CC) e que, quanto às quantias que o Autor peticiona a título de rendas vencidas no 1.º dia dos meses de nov., dez. e jan., se considerarmos que a renda relativa ao mês de novembro de 2019 se venceu a 01-10-2019 e que a resolução extrajudicial operou em novembro (seja a 21-11, seja a 30-11), o (eventual) direito do Autor a tais quantias será a título de indemnização pela ocupação do locado, ainda que lícita durante um mês a contar da resolução do contrato e ilícita daí em diante (cf. arts. 1045.º e 1087.º do CC), não lhe estando vedada a ampliação do seu pedido a este respeito (cf. art. 265.º, n.º 2, do CPC).
É sabido que a ação de despejo é uma ação declarativa que segue a forma de processo comum declarativo – cf. art. 14.º, n.º 1, da Lei n.º 6/2006; e que a definição que consta do teor literal deste preceito (“destina-se a fazer cessar a situação jurídica do arrendamento sempre que a lei imponha o recurso à via judicial para promover tal cessação”, o que atualmente apenas sucede nos casos de resolução  pelo senhorio com fundamento numa das causas previstas no n.º 2 do art. 1083.º do CC – cf. art. 1084.º, n.º 1) fica aquém da que resulta da interpretação propugnada pela maioria da doutrina e da jurisprudência, segundo a qual o senhorio não está impedido de recorrer à via judicial nos casos em que a lei admite a cessação do contrato por comunicação extrajudicial ao arrendatário (caso da resolução com fundamento em mora do arrendatário superior a três meses no pagamento da renda - cf. arts. 1083.º, n.º 3, e 1084.º, n.º 2, do CC), sendo o procedimento especial de despejo apenas um meio processual colocado à disposição do senhorio em alternativa àquela ação, vindo assim o conceito de ação de despejo a ser interpretado em sentido amplo (como apontado no presente acórdão “aquela com a qual o autor visa fazer cessar a situação jurídica do arrendamento”). Nesta linha de pensamento, exemplificativamente, disponíveis em www.dgsi.pt, o acórdão da RL de 13-03-2008, proc. n.º 1154/2008-6, e o ac. do STJ de 06-05-2010, proc. n.º 438/08.5YXLSB.LS.S1: “1. O meio extrajudicial de resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento de rendas, previsto no NRAU, é optativo. 2. Assim, o senhorio pode resolver o contrato com esse fundamento, utilizando o meio processual comum de despejo logo que o arrendatário esteja em mora relevante.”; e Menezes Leitão, “Arrendamento Urbano”, 9.ª edição, Almedina, págs. 207 e 208, nota 213.
No caso dos autos, o acórdão de 17-06-2021, considerou não obstar ao recurso pelo senhorio à via judicial da ação de despejo a circunstância de ter optado por resolver extrajudicialmente o contrato de arrendamento, “pois o apelado/inquilino mantem-se no arrendado e o apelante / senhorio pretende efetivar o seu despejo, com a entrega do locado livre e devoluto de pessoas e bens”. Aliás, nesta linha de pensamento, veja-se também o ac. da Relação de Lisboa de 11-12-2018, no proc. n.º 10901/17.1T8LSB.L1-2, disponível em www.dgsi.pt: “I. O senhorio que pretenda resolver o contrato de arrendamento urbano por falta de pagamento de rendas pode optar pela comunicação extrajudicial ou pela instauração de ação judicial. II. Ainda que o senhorio opte pela cessação extrajudicial do contrato de arrendamento, por falta de pagamento de rendas, poderá subsequentemente justificar-se a instauração de ação judicial para efetivação dos direitos do senhorio, em detrimento da instauração de procedimento especial de despejo. III. Ocorre a situação descrita em II quando sucede a seguinte situação: a) A primitiva senhoria, declarante da resolução extrajudicial do contrato, embora tivesse intentado o procedimento especial de despejo, não logrou o seu imediato prosseguimento, sendo confrontada com uma recusa pelo BNA a que não soube ou não pôde reagir; (…)”.
Assim, a questão que se coloca é a de saber se, por ter optado pela comunicação extrajudicial da resolução e subsequente instauração de ação judicial com vista a obter um título para despejo do locado (e respetiva execução nos próprios autos), e sublinhe-se que, nos presentes autos, foi reconhecido, por acórdão transitado em julgado, que podia lançar mão desse meio processual, deve, nessa ação (conquanto não possa ser qualificada como uma ação de despejo no sentido estrito do termo, nem no sentido mais amplo supra apontado), aplicar-se um regime menos vantajoso, não podendo o senhorio obter incidentalmente título para desocupação do locado através do despejo imediato.
Sabendo-se que o senhorio, mesmo tendo comunicado extrajudicialmente a resolução do contrato, não dispõe de nenhum título executivo para obter a entrega do imóvel locado e que, não tendo recorrido ao PED para obter um título para desocupação do locado, lhe assiste o direito de intentar uma ação declarativa, para assim obter um título executivo para efetivação do despejo, considero, face à finalidade dessa ação e ao princípio da primazia da materialidade subjacente, que serão aplicáveis à mesma (se necessário, com as devidas adaptações) as regras da ação de despejo. Portanto, o regime de tal ação declarativa deverá ser, pelo menos no que ora importa, senão diretamente, por identidade de razão, o da ação de despejo, inexistindo obstáculo de fundo a que tal ocorra, designadamente a circunstância de não ter sido formulado pedido de resolução do contrato de arrendamento (por o senhorio ter comunicado extrajudicialmente a resolução), nem pedido de condenação no pagamento de rendas vincendas ou indemnização pela ocupação do locado.
Reconheço que a circunstância de uma tal ação, como a presente, não poder ser qualificada como uma ação de despejo no sentido estrito do termo, nem no sentido mais amplo acima referido, possa suscitar reservas quanto à possibilidade de tramitação do incidente de despejo imediato, uma vez que, na perspetiva do senhorio, terá operado a resolução extrajudicial. No entanto, não só tal questão está por decidir ante a defesa deduzida pelo arrendatário, como, mais significativo, é a forma como, nos termos da lei, opera a resolução do contrato e a intencionalidade normativa subjacente, considerando ainda que “(J)ulgada procedente a ação de despejo, é decretada a resolução do contrato de arrendamento, retroagindo os seus efeitos à data da citação” (cf. Menezes Leitão, obra citada, pág. 209). Sabendo-se que a resolução do contrato fundada em mora no pagamento das rendas não tem de ser decretada pelo tribunal, o certo é que o senhorio quando opta pela via judicial e intenta a ação de despejo (em sentido amplo), está igualmente a exercitar o seu direito à resolução, equivalendo a citação do arrendatário à comunicação prevista no art. 1084.º, n.º 2, do CC; logo, também numa ação assim intentada, aquando da apresentação do requerimento de despejo imediato, já foi feito valer pelo senhorio o direito à resolução.
O propósito do legislador com o “despejo imediato” é evitar que o arrendatário se mantenha no gozo do imóvel locado durante a pendência da ação sem a correspondente remuneração do locador (cf. ac. STJ de 13-07-2017, proc. n.º 783/16.6T8ALM-A.L1.S1), sendo indiferente a circunstância de terem (ou não) sido peticionadas rendas vincendas, pois o senhorio poderá obter título executivo para pagamento das mesmas nos termos do art. 14.º-A da Lei n.º 6/2006,  tendo o arrendatário de pagar (ou depositar) as rendas durante o litígio que mantem com o senhorio, como resulta evidenciado não apenas pelo disposto no art. 14.º, n.º 3, da Lei n.º 6/2006, que se refere à pendência da ação de despejo, mas também pela previsão do art. 15.º, n.º 8, da mesma lei, atinente à pendência do procedimento especial de despejo.
Está, assim, igualmente previsto, tanto na ação declarativa (dita de despejo), como no procedimento especial de despejo a possibilidade de o senhorio obter a efetivação do despejo, no caso de o arrendatário (réu ou requerido) não proceder pontualmente ao pagamento (ou depósito) das rendas que se forem vencendo. Veja-se que apesar de o contrato ter findado nas situações, incluindo de resolução previstas no art. 15.º, n.º 2, da referida Lei, as rendas que se forem vencendo na pendência do PED devem ser pagas ou depositadas, nos termos gerais, sob pena de o senhorio (Requerente do PED) poder obter, por esse outro fundamento, título para desocupação do locado [cf. art. 15.º-E, n.º 1, al. c), da Lei n.º 6/2006].
Isto ainda que, no rigor conceptual, se possa dizer que, se o contrato cessou ou vier a cessar a sua vigência, retroagindo os efeitos da ação à data da citação, já não se tratam de verdadeiras rendas. Mas é uma questão de terminologia, que acaba por ser indiferente, não podendo arredar a realidade, inequivocamente pretendida pelo legislador, de que o arrendatário não pode ocupar o imóvel locado sem proceder ao pagamento da renda que é sempre devida nessas situações, sob pena de implicações processuais ou procedimentais, sendo intenção do legislador proporcionar ao senhorio uma via mais célere para obter o pretendido título para desocupação do locado.
Assim, na ação de despejo (em sentido estrito ou mais amplo), em caso de incumprimento pelo arrendatário do disposto no n.º 4 do art. 14.º e de ulterior deferimento do requerimento de despejo imediato, há que aplicar, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 7 do artigo 15.º e nos artigos 15.º-J, 15.º-K e 15.º-M a 15.º-O, devendo o juiz determinar o despejo, isto é, a desocupação do locado e, tratando-se de arrendamento habitacional, autorizar a entrada no domicílio (cf. quanto à regulamentação, arts. 33.º a 36.º da Portaria n.º 9/2013, de 10-01), do que resultará a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de desocupação do locado, pelo que a tramitação do incidente nada tem de incompatível com o facto de o direito à resolução já poder ter sido exercitado.
Em conclusão, entendo que, numa ação declarativa, como a presente, em que o senhorio peticiona a desocupação do locado, invocando a resolução do contrato de arrendamento por mora no pagamento de rendas, assiste-lhe o direito a deduzir o incidente de despejo imediato, isto é, a requerer a desocupação do locado com fundamento na mora no pagamento das rendas vencidas na pendência da ação, nos termos do art. 14.º, n.ºs 3 a 5, da Lei n.º 6/2006.