Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
378/15.1PEVFX.L1-3
Relator: MARIA MARGARIDA ALMEIDA
Descritores: REAPRECIAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: 1.–O poder reapreciativo da 2ª instância não é equivalente ao poder original atribuído ao juiz do julgamento, não podendo ser arbitrariamente alterado.

2.–Mesmo nos casos em que exista documentação dos actos da audiência, o recurso para a Relação não constitui um novo julgamento, no sentido que haja lugar a reapreciação integral da prova.

3.–O que esta instância pode e deve fazer em tal matéria, é verificar, ponto por ponto, se os erros concretos de julgamento, indicados pelo recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder à sua correcção.

4.–A razão de ser do instituto do recurso, em sede de reapreciação de matéria de facto, prende-se com o princípio da oralidade, no sentido de o mesmo implicar uma imediação, um contacto directo entre o julgador e os elementos de prova, pois só através deste interagir pessoal, presencial, directo e imediato, é possível ao julgador formar a sua livre convicção.

5.–Cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no artº 374 nº2 do C.P.Penal.

6.–Tal reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas acima mencionadas, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.

7.–Neste último caso, havendo duas (ou mais) possíveis soluções de facto, face à prova produzida, se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artºs127 e 374 nº2 do C.P.Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais.

(Sumário elaborado pela Relatora)

Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na 3ª secção criminal do Tribunal da Relação de Lisboa.


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I–Relatório:


1.– Por sentença de 7 de Junho de 2017, foi proferida a seguinte decisão:
a)- Condena-se o arguido D.A.C., pela prática, em autoria material, de um crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido nos termos do artigo 143º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à taxa diária de € 10,00 (dez euros), o que perfaz um total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros).
b)- Julga-se parcialmente procedente, por parcialmente provado, o pedido de indemnização civil deduzido pelo ofendido T.S.A. contra o mesmo arguido e, em consequência, condena-se este a pagar àquele:
– A título de indemnização civil por danos patrimoniais, a quantia de € 21,00 (vinte e um euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal (prevista na portaria a que alude o artigo 559º do Código Civil), desde a data de notificação do pedido, até integral e efectivo pagamento;
– A título de indemnização civil por danos não patrimoniais, a quantia de € 3.000,00 (três mil euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal (prevista na portaria a que alude o artigo 559º do Código Civil), desde a data da prolação da presente sentença, até integral e efectivo pagamento;
Absolvendo-se o arguido, de todo o demais contra si peticionado.
2.– Inconformado, veio o arguido D.A.C. interpor recurso, alegando, em síntese, estar em desacordo com a convicção alcançada pelo tribunal “a quo”, quanto a certos pontos da matéria de facto dada como assente – designadamente, os que descrevem a sua actuação – peticionando serem os mesmos dados como não provados.
Termina pedindo a sua absolvição, tanto em sede penal como cível.
Supletivamente, pede a redução do quantum indemnizatório.
3.– O recurso foi admitido.
4.– O MºPº apresentou resposta, entendendo que o recurso não merece provimento.
5.– Neste tribunal, a Srª. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se em idêntico sentido.
 
II–questões a decidir.

A.– Reapreciação probatória.
B.– Quantum indemnizatório.
 
iii–fundamentação.

A.– Reapreciação probatória.
 1.– O tribunal “a quo” deu como assentes os seguintes factos:
1º)– O arguido é o responsável legal do estabelecimento denominado “S.-Strip Club” sito na Rua ……………….. Lisboa.
2º)– No dia 03.05.2015, no período compreendido entre a 01h00m e as 08h00m, T.S.A. (doravante designado por “ofendido”) permaneceu naquele local, na qualidade de cliente, tendo consumido bebidas várias e efectuado o respectivo pagamento.
3º)– Todavia, por motivos relacionados com o último pagamento que efectuou, mas sem antes reclamar por considerar não ser devido, e quando já se encontrava no exterior do estabelecimento, o arguido dirigiu-se-lhe e, utilizando um objecto de características não apuradas, desferiu-lhe uma pancada que o atingiu na face.
4º)– Com a conduta supra descrita o arguido provocou, de forma directa e necessária, no ofendido, traumatismo da face, que lhe demandou 4 dias para a cura com 2 dias de afectação da capacidade de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional.

5º)– Ao actuar nos moldes antes descritos, o arguido:
- Agiu com o propósito de molestar fisicamente o ofendido, sabendo que o meio utilizado era apto para o efeito;
- Agiu de forma livre e consciente;
- Sabia que a sua conduta era proibida pela lei penal.
6º)– Do certificado do registo criminal do arguido, consta que este por factos ocorridos em 30.11.2010, por decisão proferida em 23.02.2012, transitada em julgado em 26.03.2012, foi condenado pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de € 6,00.

7º)– O arguido:
- Vive com o seu cônjuge e com uma filha de 20 anos de idade, em casa própria, pela qual paga mensalmente a uma instituição bancária a quantia de cerca de € 300,00;
- Aufere mensalmente da sua actividade profissional, entre € 3.000,00 a € 4.000,00 líquidos;
- O seu único meio de transporte próprio é um veículo automóvel de marca Mercedes, modelo 220-C, matrícula do ano de 2009;
- Tem como habilitações literárias, o 9º ano de escolaridade.

8º)– Em decorrência da actuação do arguido, descrita em 3), o ofendido sentiu dores, angústia e ansiedade.
9º)– No dia 06.05.2015, devido a sentir dores na face em decorrência da actuação do arguido, descrita em 3), o ofendido foi a uma consulta médica e fez um RX à mandíbula a fim de avaliar se havia lesões, actos nos quais despendeu um total de € 21,00.

2.– E fundamentou tal decisão fáctica nos seguintes termos:
A convicção do tribunal resultou dos seguintes meios de prova:
- Números 1) a 2): Declarações do arguido, por ter admitido como verdadeira esta factualidade.

- Número 3): Conjugação dos seguintes meios de prova:
– Declarações do arguido, o qual admitiu como verdadeira a factualidade atinente ao desacordo que ocorreu respeitante ao último pagamento;
– Depoimento do ofendido, o qual de um modo absolutamente espontâneo, e por isso credível, disse que, na situação em apreço, já no exterior do estabelecimento, o arguido, munido de um objecto que tinha dentro da mão, e que não conseguiu identificar, lhe desferiu um murro que o atingiu no queixo, situação que foi presenciada pela testemunha JM, pessoa com quem se deslocou e permaneceu no local em causa;
– Depoimento da testemunha JM, o qual também de um modo muito credível, relatou que, na situação em apreciação, já no exterior do estabelecimento, o arguido, munido com um objecto de cor escura, agrediu o ofendido, atingindo-o no queixo, tendo este ficado quase em carne viva.
Em face do ante exposto, o tribunal não valorou as demais declarações do arguido, quando afirmou que não agrediu o ofendido, pois que, a considerarem-se verdadeiras estas declarações, ficaria por explicar a razão pela qual o ofendido e a supra aludida testemunha JM estariam deliberadamente a faltar à verdade, sendo certo que, a única pessoa que tem manifesto interesse em faltar à verdade, é arguido, com vista a eximir-se à responsabilidade criminal pelo seu comportamento.
Número 4): Relatório da perícia de avaliação do dano corporal em direito penal que constitui fls. 8 a 11, no qual se encontram descritas as lesões que foram detectadas ao ofendido e as incapacidades em apreço, pois que, de harmonia com o disposto no artigo 163º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o juízo técnico, científico ou artístico inerente à prova pericial presume-se subtraído à livre apreciação do julgador, constituindo uma excepção ao princípio consignado no artigo 127º do referido código;
Números 5) e 8): Regras da experiência comum, por não ser crível, de todo, face à demais factualidade fixada como provada, equacionar qualquer outra hipótese, tanto mais que, na que concerne à descrita em 8), o ofendido relatou que sentiu dificuldade de dormir, situação que se estendeu por várias noites.
Número 6): Certificado do registo criminal que constitui fls. 241 a 243.
Número 7): Declarações do arguido que o tribunal, nesta parte, considerou suficientemente credíveis.
Número 9): Depoimento do ofendido, por ter afirmado que se deslocou à CUF Alvalade, conjugado com a factura/recibo emitido por aquela instituição que constitui fls. 115.

3.– Como se constata pela leitura das conclusões, as razões de discórdia do recorrente são as seguintes:
I.– O presente recurso tem como objecto - thema decidendum - parte da matéria de facto dada como provada e de direito da sentença judicial proferida nos presentes autos, a qual condenou o arguido ora recorrente como autor material de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art. 143 n.º 1 do CP;
II.– Com efeito, foi o recorrente condenado na pena de 120 (cento e vinte) dias de multa, à razão diária de € 10,00 (dez euros), perfazendo assim um total de € 1.200,00 (mil e duzentos euros);
III.– Em consequência da condenação criminal, foi ainda o recorrente condenado no pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais ao ofendido T.S.A.;
IV.– Não se conformando com o mérito da douta decisão judicial, proferida pelo Tribunal ad quo, vem, assim, o recorrente interpor o presente e competente recurso, cujo tema versa tanto sobre a matéria de facto como sobre a matéria jurídico-normativa;
V.– Na formação da sua convicção, o Tribunal ad quo teve em consideração as declarações do ofendido e o depoimento da sua testemunha ouvida, que é amigo, em audiência de discussão e julgamento, descurando por completo o depoimento do arguido;
VI.– O Tribunal ad quo considerou como provado, nos pontos 3 e 4 "Todavia, por motivos relacionados com o último pagamento que efectuou, mas sem antes reclamar por considerar não ser devido e quando já se encontrava no exterior do estabelecimento, o arguido dirigiu-se-lhe e, utilizando um objecto de características não apuradas, desferiu-lhe uma pancada que o atingiu na face" e "com a conduta supra descrita o arguido provocou, de forma directa e necessária, no ofendido
VII.– Se ouvirmos atentamente as declarações do ofendido (prestadas no dia 25 de maio de 2017, as quais de acordo com a acta do registo de gravação de áudio, tiveram início às 10hl5 e fim às 10h35) apuramos, de forma inequívoca e sem margem para dúvidas, que o arguido, ora recorrente, nunca, isto é, em momento algum, agrediu ou desferiu uma pancada no exterior do estabelecimento;
VIII.– Para fundamento da decisão em crise, o Tribunal ad quo, na motivação e análise crítica da prova, considerou o depoimento do ofendido, como absolutamente espontâneo e, por isso, credível, ao descrever que a agressão ocorreu no exterior do estabelecimento, imputável ao arguido;
IX.– Não podemos acompanhar, esta fundamentação.
X.– Na verdade, as declarações do ofendido não vertem qualquer característica e classificação de espontaneidade, tampouco de credibilidade, pois o ofendido não é assertivo em momento algum, apenas confirma os factos quando questionado pelo Mmo. Juiz e sobretudo porque confessa que estava bêbado e não tinha a sua clarividência no melhor estado;

XI.– Com efeito, o ofendido em sede de declarações indica:
"eu quando começo a subir as escadas da saída já vinha agarrado pelo arguido no meu lado esquerdo e pelo senhor do bar, no lado direito ou seja vinha agarrado pelos braços"
"na subida dessas escadas retiraram-me a garrafa [de vodka] e eu deixei-me estar quieto e, entretanto, quando chego à rua sou empurrado mesmo para a porta de entrada da rua e o arguido agarra-me no braço vira-me para mim e vira-me para ele e dá-me um muro com um objecto dentro da mão no queixo"
"eu senti ele empurrar-me, ele vinha do meu lado esquerdo, ele empurrou-me. Foi quando à saída empurra-me mesmo para eu sair o mais rápido possível”
"Na porta o senhor diz que foi o arguido que o empurrou?" Perguntou o Mmo. juiz.
"Sim"
"Tem a certeza disso? Como é que se apercebe disso? Perguntou novamente o Mmo. Juiz.
"Pela situação que foi eu penso que foi, eu penso que foi, era a pessoa que me acompanhou mesmo até à porta
“porque eu também reconheço que tinha se calhar bebido um pouco demais e a minha clarividência poderia não ser a ideal"
"eu não me lembrei bem deste acontecimento [a ordem das pessoas que subiam as escadas, quem ia em primeiro lugar] eu sei que vinha agarrado."

XII.– Das declarações do ofendido resulta de forma saliente que subiu as escadas com destino à saída do estabelecimento e fê-lo acompanhado pelo arguido e outro indivíduo, cada um a agarrá-lo pelos braços, indicando assim que subiram os três as escadas lado a lado;
XIII.– Declara ainda o ofendido que a alegada agressão ocorreu na porta da entrada - "na porta de entrada da rua e o arguido agarra-me no braço vira-me para mim e vira-me para ele e dá-me um murro com um objecto dentro da mão no queixo"
XIV.– Por sua vez, quando confrontado sobre o facto de ter a certeza, sem qualquer margem de dúvida, sobre quem tinha sido o autor da agressão, se o arguido, o ofendido não respondeu peremptória, categoricamente e de forma afirmativa que tinha sido o arguido;
XV.– Antes pelo contrário, o ofendido replicou de forma evasiva, a sua resposta foi pautada por um elevado grau de incerteza, tanto assim é que respondeu três vezes "penso que sim";
XVI.– Aliás, é o próprio ofendido que confessa que estava um pouco bêbado e não tinha a sua clarividência nas melhores condições.
XVII.– For sua vez, a testemunha JM, cujo depoimento foi também tido como credível pelo Tribunal ad quo, declarou em sede de audiência, prestada no dia 25 de maio de 2017, o qual de acordo com a acta de registo de gravação áudio, teve início às 10h36 e fim às 10h56, veio apresentar outra versão dos factos;
"Portanto no dia 2 de maio de 2015, nós [ofendido e testemunha] fomos a um bar e pronto tivemos lá a beber umas bebidas e decorreu a noite."
Atente-se ao facto de esta testemunha também confessar que consumiu bebidas alcoólicas quando o ofendido declarou que apenas ele tinha bebido.

Continuemos então a transcrição do depoimento:
"Ele como também já estava um pouco alcoolizado (...) entretanto houve uns empurrões pela escada acima"
(O arguido) " vinha atrás do T.S.A. e deu-lhe um calduço"
"Quando chegámos cá fora, houve uns empurrões cá para fora, empurraram-nos cá para fora"
"Puxei o T.S.A. e disse vamos embora daqui, passou tudo já fora do estabelecimento, ali no passeio, na via pública"
"A porta estava fechada, abriram a porta. Tanto este senhor [arguido] como o empregado iam atrás de nós, portanto ia eu, o T.S.A. e depois ia este senhor atrás e o empregado."
“O empregado abriu a porta para nos empurrar cá para fora"
“O T.S.A. dirigiu-se para este lado aqui e este senhor vai ao encontro dele e agride-o"
"O queixo ficou em carne viva."

XVIII.– Do depoimento da referida testemunha resulta que, afinal, tanto o ofendido como a testemunha beberam e que na subida das escadas o ofendido não foi levado pelos braços por um homem de cada lado e que a agressão ocorreu no exterior do estabelecimento, tendo o arguido indo ao encontro da vítima;
XIX.– Não podem, assim, restar dúvidas que, das declarações do ofendido, a revelarem-se de pouca segurança e certeza, em confronto com o depoimento da testemunha JM, na medida em que são notoriamente contraditórias e incongruentes, não é possível aferir e apurar sem margem para dúvidas o local onde ocorreu a alegada agressão, se no exterior, a três metros da entrada do estabelecimento, se na entrada, à porta, do referido estabelecimento, bem como a dinâmica dos acontecimentos imediatamente anteriores - subida das escadas por todos os intervenientes e saída do estabelecimento;
XX.– Assim, o Tribunal ad quo devia ter julgado como não provado o facto nº 3, segunda parte e facto n.º 4, primeira parte, constantes da douta sentença, ora objecto de recurso;
XXI.– Consideramos, para efeitos da al. a), n.º 3, art. 412 do Código de Processo Penal (de ora em diante CPP), que os mesmos foram incorrectamente julgados e dados como provados;
XXII.– Analisada criticamente a prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, verificamos que a condenação do recorrente assenta, no fundo, apenas nas declarações do ofendido e do seu amigo, este na qualidade de testemunha, as quais se revelam, como acima demonstrado, contraditórias;
XXIII.– Sendo certo que o ofendido confessou que esteve a noite toda a beber e que não tinha a sua clarividência na melhor condição;
XXIV.– A prova produzida em sede de audiência, enquanto actividade probatória, é insuficiente para dar como assente os factos que fundamentaram a decisão em crise, na medida em que não foi respeitado o princípio da livre apreciação de acordo com as regras da experiência.
XXV.– Do confronto entre as declarações do ofendido e do depoimento da testemunha não é líquido onde efectivamente ocorreu a alegada agressão física, se à porta, como refere o ofendido, ou no passeio exterior, existindo assim contradição e incongruência notórias nos depoimentos;
XXVI.– Mais, o ofendido confessou também que estava bastante alcoolizado e que a agressão ocorreu depois de ter liquidado toda a despesa,
XXVII.– Todo o comportamento do ofendido, designadamente o revelado nas declarações prestadas na audiência de julgamento, demonstra que estamos perante uma pessoa alcoolizada que procura o conflito, seja por questões de pagamento, de garrafas de vidro que quer trazer para fora do estabelecimento;
XXVIII.– As regras da experiência dizem-nos que o credor não perpetua actos de coerção quando já encontra o seu crédito devidamente ressarcido, às oito horas da manhã, no passeio perante vizinhos e transeuntes, local onde existe gravação de imagens de CCTV;
XXIX.– O Tribunal ad quo ao dar como provados, designadamente os factos 3. e 4. constantes da sentença ora objecto de recurso, os quais não resultaram da prova produzida em audiência, se valorados em conformidade com as regras da experiência, violou, entre outros o princípio da livre apreciação da prova de acordo com as regras da experiência, com consagração no art. 127.s, bem como o disposto no art. 355, n.º 1, ambos do CPP;
XXX.– A violação do princípio da livre apreciação de acordo com as regras da experiência está presente na matéria de facto dada como provada, em função dos meios de prova produzidos em audiência e sobretudo decorrente da sua errónea valoração;
XXXI.– A contradição entre depoimento e declarações, a falta de assertividade, a natureza vaga e genérica do depoimento do ofendido, a versão de que a agressão ocorreu no exterior do estabelecimento em plena via pública, à luz do dia e das câmaras", já depois de paga a conta, a versão contrária apresentada pelo arguido completamente afastada, conjugados e devidamente valorados ao abrigo do princípio da apreciação da prova, em conformidade com as regras da experiencia, sobretudo senso comum, não conduziriam à decisão tomada pelo Tribunal ad quo quanto aos factos dados como provados;
XXXII.– Se os factos constantes dos n.ºs 3 e 4 não tivessem sido dados como provados, ou seja, se tivessem sido dados como não provados, o recorrente teria, necessariamente, que ser absolvido, uma vez que não se encontrariam preenchidos os elementos da tipicidade da norma incriminadora;
XXXIII.– Com efeito, o preenchimento do tipo de ilícito só se verifica, quando o agente comete determinada acção suficiente, necessária e adequada a molestar o corpo de terceiro;
XXXIV.– Ora, o arguido ora recorrente, não praticou nem desferiu pancada alguma na face, queixo do ofendido, de modo a ser censurado criminalmente nos termos em que foi;
XXXV.– Por outro lado, a prova produzida criou, na melhor das hipóteses, apenas dúvidas e incertezas sobre a ocorrência e veracidade dos factos provados nos nºs 3 e 4;
XXXVI.– Pelo que é evidente a insuficiência probatória para a decisão proferida sobre a matéria de facto;
XXXVII.– As vicissitudes resultantes da actividade probatória deveriam ter sido equacionadas pelo Tribunal ad quo a favor e em benefício do arguido ora recorrente, o que efectivamente não ocorreu;
XXXVIII.– O Tribunal ad quo, condenando o recorrente, violou, ainda, o princípio do in dubio pro reo, com consagração no n.º 2 do art 32.° da CRP, o qual devia ter sido interpretado e aplicado no sentido da absolvição do recorrente;
XXXIX.– Não tendo o recorrente praticado o crime pelo qual foi condenado, deve o pedido de indemnização cível ser julgado como improcedente, por não provado;
  
4.– Apreciando.
i.– O recorrente pretende ver dados como não provados os factos constantes dos pontos 3 e 4. Como resulta do seu recurso, o fundamento para essa alteração funda-se na invocação de excertos testemunhais e depoimentais, produzidos em audiência, que infirmariam a verificação dessas matérias.

ii.– Consigna-se que se procedeu à audição integral dos depoimentos prestados, bem como à consulta integral dos autos.

5.– Cumpre enunciar quais são os pressupostos de reapreciação, em sede de recurso; ou seja, quais são os poderes de reapreciação de matéria de facto, pela Relação, quais os seus limites e os seus condicionalismos.
i.– Na verdade, este poder reapreciativo da 2ª instância não é equivalente ao poder original atribuído ao juiz do julgamento, não podendo ser arbitrariamente alterado apenas porque um dos intervenientes processuais expressa o seu desacordo face à convicção formada pelo julgador.

ii.– De facto, compete ao Tribunal (e não aos intervenientes processuais), julgar a matéria de facto, segundo os ditames previstos no artº127 do C.P.Penal, nomeadamente, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador (desde que se não esteja perante prova vinculada), sendo estes os parâmetros determinantes do acto de julgar. Na realidade, embora este acto tenha sempre, forçosamente, um lado subjectivo (o julgador não é uma máquina), a verdade é que estas regras, complementadas ainda pelo disposto no artº374 nº2 do C.P.Penal determinam que este acto de julgar não se possa fundar em arbitrariedade ou discricionariedade, pois balizam os fundamentos da decisão.
Assim sendo, a lei não considera relevante a pessoal convicção de cada um dos intervenientes processuais, no sentido de a mesma se sobrepor à convicção do Tribunal – até porque se assim não fosse, não haveria, como é óbvio, qualquer decisão final.
O que a lei permite é que, quem entenda que ocorreu um erro de apreciação da prova, o invoque, fundamentadamente, em sede de recurso, para que tal questão possa ser reapreciada por uma nova instância jurisdicional.

iii.– Para além de a lei determinar a forma como tal reapreciação deve ser pedida (e que, como já vimos, se mostra correctamente seguida no presente recurso), há ainda que estabelecer quais são os limites de tal reapreciação – ou seja, que poderes de cognição tem o tribunal de apelo.
Mesmo nos casos em que exista documentação dos actos da audiência, o recurso para a Relação não constitui um novo julgamento, no sentido que haja lugar a reapreciação integral da prova. O que esta instância pode e deve fazer em tal matéria, em sede de recurso (pois este serve, essencialmente, como remédio jurídico), é verificar, ponto por ponto, se os erros concretos de julgamento, indicados pelo recorrente, de facto existem e, na afirmativa, proceder à sua correcção.
A razão de ser desta forma de funcionamento do instituto do recurso, nomeadamente em sede de reapreciação de matéria de facto, prende-se com o princípio da oralidade, no sentido de o mesmo implicar uma imediação, um contacto directo entre o julgador e os elementos de prova (sejam eles pessoas, coisas, lugares, sons, cheiros), pois só através deste interagir pessoal, presencial, directo e imediato, é possível ao julgador formar a sua livre convicção.
Este tipo de contacto só existe, de facto, na primeira instância, pois a imediação permite ao julgador ter uma percepção dos elementos de prova que é muito mais próxima da realidade do que qualquer posterior análise, a realizar pelo tribunal de recurso, mesmo que se socorra da documentação dos actos da audiência. E em matéria de credibilidade de depoimento, esta imediação revela-se, muitas vezes, de importância fulcral, já que o desenrolar do depoimento, a posição corporal, os gestos, as hesitações, o tom de voz, o olhar, o embaraço ou desembaraço, enfim, todas as componentes pessoais ligadas ao acto de depor, que são muitas vezes insusceptíveis de serem registadas, mas que ficam na memória de quem realizou o julgamento, servem como elemento inestimável de formação da convicção do julgador, mas são praticamente insusceptíveis de serem reapreciadas em sede de recurso.  

iv.– Face ao que se deixa exposto, haverá que concluir que, em tal matéria, cabe apenas ao tribunal de recurso verificar, controlar, se o tribunal “a quo”, ao formar a sua convicção, fez um bom uso do princípio de livre apreciação da prova, aferindo da legalidade do caminho que prosseguiu para chegar à matéria fáctica dada como provada e não provada, sendo certo que tal apreciação deverá ser feita com base na motivação elaborada pelo tribunal de primeira instância, na fundamentação da sua escolha – ou seja, no cumprimento do disposto no artº 374 nº2 do C.P.Penal.

v.– Mas dentro destes parâmetros de reexame, haverá ainda que atender a um outro limite – a lei refere que, ainda assim, tal reapreciação só determinará uma alteração à matéria fáctica provada quando, do reexame realizado dentro das balizas acima mencionadas, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão.
Neste último caso, havendo duas (ou mais) possíveis soluções de facto, face à prova produzida (o que sucede, com algum grau de frequência, nomeadamente nos casos em que os elementos de prova recolhidos são totalmente opostos ou muito contraditórios entre si), se a decisão de primeira instância se mostrar devidamente fundamentada e couber dentro de uma das possíveis soluções face às regras de experiência comum, é esta que deve prevalecer, mantendo-se intocável e inatacável, pois tal decisão foi proferida de acordo com as imposições previstas na lei (artºs127 e 374 nº2 do C.P.Penal), inexistindo assim violação destes preceitos legais.

6.– Vejamos então o caso que ora nos ocupa.
i.– Afirma o recorrente que o tribunal “a quo” errou ao considerar credíveis os depoimentos prestados pelo ofendido e pela testemunha JM, pois os mesmos mostram-se contraditórios entre si e em desacordo com as regras de experiência comum.

Funda tal conclusão, essencialmente, nos seguintes argumentos:
– O ofendido não é assertivo em momento algum, apenas confirma os factos quando questionado pelo Mmo. Juiz e sobretudo porque confessa que estava bêbado e não tinha a sua clarividência no melhor estado;

– Existe discrepância entre o afirmado pelo ofendido e pela testemunha, designadamente quanto aos seguintes pontos:
O ofendido afirma que foi levado pelas escadas acima por duas pessoas (o arguido e o homem que estava no bar) e que a agressão se deu na porta da entrada, enquanto que a testemunha JM afirma que o ofendido não foi levado pelos braços por um homem de cada lado e que a agressão ocorreu no exterior do estabelecimento, tendo o arguido indo ao encontro da vítima;
O ofendido afirma que a testemunha JM não bebeu e estava lúcida, enquanto que a testemunha JM admite ter bebido;
Conclui, assim, que não é possível aferir e apurar sem margem para dúvidas o local onde ocorreu a alegada agressão, se no exterior, a três metros da entrada do estabelecimento, se na entrada, à porta, do referido estabelecimento, bem como a dinâmica dos acontecimentos imediatamente anteriores - subida das escadas por todos os intervenientes e saída do estabelecimento;
 
ii.– Caberá desde já deixar claro que não cabe qualquer razão ao recorrente, desde logo porque as contradições que afirma existirem efectivamente não se verificam.

iii.– Na verdade, e começando pela questão da bebida, o ofendido afirma peremptoriamente que bebeu e que bebeu muito, ao inverso do que fez o amigo que o acompanhava, a testemunha JM, admitindo que nalguns pormenores o relato por este último prestado possa ser mais lúcido do que o seu.
Por seu turno, a testemunha JM admitiu efectivamente que bebeu … mas apenas refrigerantes (coca-cola), pois era ele quem levava a viatura que os transportava e sabia que tinha de estar sóbrio para a poder conduzir. Não se vê, assim, onde o recorrente pode fundar nem a discrepância que anota nem a afirmação que faz quanto à ausência de consumo de álcool por esta testemunha, uma vez que nenhuma prova foi feita que desmentisse o por aquela afirmado.

iv.– No que se refere ao modo como ambos saíram do estabelecimento, ofendido e testemunha relatam-no de forma coincidente – em primeiro lugar a testemunha, seguida depois pelo ofendido, arguido e o empregado do bar, referindo o arguido que cada um destes o levava por um braço (sendo o arguido o do lado esquerdo), o que não implica necessariamente que estivessem sempre os três em cada degrau juntos, mas antes que era esta a ordem pela qual subiram as escadas que levavam do estabelecimento para a rua.

v.– De igual modo, ambos referem que a testemunha foi a primeira a sair para fora da porta do estabelecimento e que, de seguida, o ofendido foi empurrado também para o exterior (isto é, empurrado para fora da porta, para o passeio existente em frente) e que foi nesse local que o arguido, dirigindo-se ao ofendido, lhe deu um murro no queixo, tendo na sua mão fechada um objecto.

vi.– Não há qualquer dúvida ou hesitação, da parte de ambos, quanto ao modo como a acção se processou como, de igual modo, não há qualquer tibieza ou ambiguidade, da parte do ofendido, na identificação do arguido como sendo a pessoa que lhe deu o murro.
Como expressamente descreveu – e se mostra gravado – explicou que, no topo das escadas, ao chegar junto à porta de entrada, foi empurrado para o exterior por um movimento proveniente do seu lado esquerdo (por quem subia as escadas atrás de si, do seu lado esquerdo e que já havia identificado como sendo o arguido) saiu para o passeio e depois voltou-se para a porta, com receio do que se seguiria. Ficou então frente a frente com o arguido e este dirigiu-se a si e deu-lhe então um murro.

vii.– Essa descrição é corroborada pela testemunha JM, bem como a identidade do agressor e a circunstância de ter um objecto fechado na mão com a qual desferiu um murro.

7.– Atento o que se deixa dito conclui-se que, realizada a reapreciação pedida, a tentativa de descredibilização dos dois depoimentos nos quais o julgador fundou a sua convicção se mostra frustrada, pois a análise dos mesmos, atenta a prova gravada, não corrobora o que o recorrente afirma no seu recurso, já que o que aí afirma ter sido dito pelo ofendido e pela testemunha efectivamente não o foi.

8.– Por seu turno, não se vê em que é que as regras de experiência comum se mostram desrespeitadas, pois a circunstância de o ofendido estar embriagado não permite concluir, por si só, que procurasse criar qualquer tipo de confronto ou conflito. Efectivamente, não há qualquer prova que permita sequer sugerir tal postura, nem sequer a resultante do depoimento prestado pelo arguido, pois este, em momento algum afirma ou sequer insinua que o ofendido terá procurado arranjar conflitos.

9.– De igual modo não se vislumbra a violação do princípio in dubio pro reo, uma vez que este se caracteriza por apenas ser aplicável em casos de dúvida insuperável e, no que respeita aos pontos de facto 3 e 4, por demonstrar se mostra que tal dúvida tivesse ocorrido (ao inverso, o tribunal “a quo” credibilizou o relato realizado por duas testemunhas e fundamentou legalmente essa sua convicção).

10.– Face aos parâmetros de reexame que acima mencionámos, só haverá lugar a alteração da matéria de facto dada como assente, nos casos em que a prova produzida, apreciada segundo os critérios previstos no artº 127 do C.P.Penal, determine forçosamente conclusão diversa da obtida pelo julgador.
Ora, no caso em apreciação, atendendo a estes parâmetros, constatamos que o Mº Juiz “a quo” fundamenta, de forma clara e lógica, as razões que o levaram a considerar determinados factos como assentes e outros como não provados, em detrimento de outros, mostrando-se tal escolha justificada e alicerçada em regras de experiência comum, bem como na reapreciação probatória acabada de realizar.
                                                  
11.– Temos pois, face a este circunstancialismo, que não se mostra sequer legalmente admissível a alteração da matéria fáctica assente com fundamento em erro de julgamento
Face ao que se deixa exposto, entende-se que não assiste razão ao recorrente, pelo que a peticionada modificação terá de soçobrar, o que significa que a matéria fáctica dada como assente pela 1ª instância não sofrerá qualquer alteração.

12.– Uma vez que o pedido absolutório formulado pelo recorrente se fundava tão-somente na expectativa de uma eventual alteração da matéria factual (no sentido de passarem a não provados os factos acima mencionados, nos quais se contém a descrição da actividade do arguido, preenchedora dos elementos constitutivos do tipo de ilícito pelo qual foi condenado), nada mais tendo sido pelo arguido alegado ou invocado a este propósito, há que concluir que a sua absolvição se mostra arredada.

B.– Quantum indemnizatório.

1.– O tribunal “a quo” fundamentou a sua decisão, quanto à questão indemnizatória, nos seguintes termos:

2.2.4)– Pedido de indemnização civil:
2.2.4.1)– Preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos:
Prescreve o artigo 377º do Código de Processo Penal, sob a epígrafe decisão sobre o pedido de indemnização civil:
“1–A sentença, ainda que absolutória, condena o arguido em indemnização civil sempre que o pedido respectivo vier a revelar-se fundado, sem prejuízo do disposto no artigo 82º, nº 3.
2–Se o responsável civil tiver intervindo no processo penal, a condenação em indemnização civil é proferida contra ele ou contra ele e o arguido solidariamente, sempre que a sua responsabilidade vier a ser reconhecida.
3–Havendo condenação no que respeita ao pedido de indemnização civil, é o demandado condenado a pagar as custas suportadas pelo demandante nesta qualidade e, caso cumule, na qualidade de assistente.
4–Havendo absolvição no que respeita ao pedido de indemnização civil, é o demandante condenado em custas nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais.”

E dispõe o artigo 129º do Código Penal:
“A indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil.”, razão pela qual importa aplicar as disposições constantes do Código Civil, nomeadamente, os artigos 483º e seguintes e 562º e seguintes.
Com a indemnização procura ressarcir-se todos os danos causados, tanto de natureza patrimonial, como de natureza não patrimonial de forma a reconstituir a situação em que o lesado se encontraria se não tivesse acontecido a lesão.
Mas, para que o pedido proceda, torna-se necessário o preenchimento de todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos: facto voluntário, ilicitude, imputação do facto ao agente, existência de dano, nexo de causalidade entre o facto e o dano (artigo 483º, n.º 1, do Código Civil).

2.2.4.2)– Danos patrimoniais:
No caso dos autos, o ofendido peticiona o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 21,00, relativos à realização de uma consulta e de um RX, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação até efectivo e integral pagamento.

No que tange ao capital:
Atendendo à factualidade provada sob o ponto 9), é cristalinamente evidente que todos os aludidos pressupostos se encontram verificados, resultando da factualidade provada que, por via da prática do crime praticado pelo arguido, resultou um prejuízo patrimonial para o ofendido no valor de € 21,00.
Assim sendo, é este valor que é devido a título de indemnização civil por danos patrimoniais, que o arguido deverá ser condenado a pagar ao ofendido (artigo 564º, n.º 1, e 566º, n.º 1, ambos do Código Civil).

Quanto aos juros de mora:
A simples mora constitui o devedor na obrigação de reparar os danos causados, considerando-se o devedor constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação ainda for possível, ainda que não efectuado no momento devido.
Nas obrigações pecuniárias, como é o caso, a indemnização corresponde aos juros legais a contar do dia de constituição em mora (artigos 559º e 806º, n.º 1 e n.º 2, ambos do Código Civil).
Há mora do devedor, independentemente da interpelação, se a obrigação provier de facto ilícito a não ser que o crédito seja ilíquido, caso em que o devedor apenas se constitui em mora desde a citação, a menos que já haja então mora, por a não liquidez do crédito lhe ser imputável (artigo 805º, n.º 2, alínea b), e n.º 3, do Código Civil).
No caso, considerando que se trata de danos patrimoniais e que o crédito é ilíquido (não existe qualquer prova que permita concluir que em data anterior à notificação do pedido de indemnização civil o arguido tenha tido conhecimento do prejuízo sofrido pelo lesado), os juros são devidos, à taxa legal (prevista na portaria a que alude o artigo 559º do Código Civil), desde a data da notificação do pedido de indemnização civil até integral pagamento.

2.2.4.3)– Danos não patrimoniais:
No caso em apreço, o ofendido peticiona o pagamento de uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 7.500,00, acrescida de juros de mora, à taxa legal, a contar da notificação até efectivo e integral pagamento, alegando que, devido à actuação do arguido, sofreu danos não patrimoniais.

Cumpre apreciar.

«In casu» é inquestionável que ocorreu uma acção voluntária por parte do arguido, face à factualidade provada.

Observando o segundo elemento, a ilicitude, pode esta apresentar-se através de duas formas: pela violação de um direito de outrem ou pela violação de uma norma legal destinada a proteger interesses alheios. O artigo 70º do Código Civil contém uma norma de tutela geral da personalidade da qual se podem desentranhar um direito à vida, à integridade física, à liberdade e honra, os bens mais preciosos da pessoa. A referida disposição legal tutela de uma maneira geral todos os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral, quer dizer a simples possibilidade de prejuízo justifica aquela tutela. No caso é evidente a ofensa.

Quanto à imputação dos factos ao arguido, era necessário que este tivesse procedido com culpa, o que também se provou (actuou com dolo directo).

No que concerne à existência de danos, ela é também clara, uma vez que o ofendido sentiu-se conforme descrito no facto provado número 8).

Por último, e quanto ao nexo de causalidade entre o facto e os danos, igualmente não existe qualquer dúvida quanto ao seu preenchimento, pois foi através da acção praticada pelo arguido, e só devido a esta, que o ofendido se sentiu conforme supra explanado.

Ou seja, encontram-se preenchidos todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, pelo que, resta apenas fixar o «quantum» indemnizatório.

Preceitua o artigo 496º, n.º 1, do Código Civil:
“1– Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.”, pelo que, o critério a adoptar é o constante deste normativo legal.
Face aos danos não patrimoniais que se deram como provados, dúvidas não sobejam que os mesmos merecem a tutela do direito.
Torna-se, agora, necessário graduar a “ofensa”.

O tribunal tem de, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, não que verificar quanto as coisas valem, mas sim encontrar “o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indirecta possível”

O dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode ele ser contrabalançado, “mediante uma soma capaz de proporcionar prazeres ou satisfações à vítima, que de algum modo atenuem, ou em todo o caso, compensem esse dano”.

A este propósito, prescreve o artigo 496º, n.º 3 do Código Civil:
“3– O montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos número anterior.”

Por sua vez, dispõe o artigo 494º do Código Civil:
“Quando a responsabilidade se fundar na mera culpa, poderá a indemnização ser fixada, equitativamente, em montante inferior ao que corresponderia aos danos causados, desde que o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.”
Assim, tudo ponderado e atentas as razões aduzidas supra (elevado grau de culpabilidade do arguido, situação económica conhecida do mesmo), entende o tribunal fixar o «quantum» indemnizatório, em € 3.000,00.
Este quantitativo teve em atenção o artigo 566º, n.º 2, do Código Civil, pelo que, os juros são contados desde a data da presente sentença, conforme decidido no acórdão de fixação de jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, de 09.05.2002 (Diário da República - I Série-A, n.º 146, de 27.06.2002).

2.– O recorrente apresenta as seguintes razões de discórdia quanto ao decidido:
XL.– Sem conceder, e por mero dever de patrocínio, sempre se aduzirá que a condenação do recorrente no pagamento ao ofendido da quantia de € 3.000,00 a título de indemnização de danos morais, é manifestamente excessiva face aos danos e prejuízos danos como provados.
XLI.– O Tribunal ad quo deu como assente que o ofendido teve 4 dias para a cura, com dois dias de afectação da capacidade profissional de trabalho geral e sem afectação da capacidade de trabalho profissional permanente;
XLII.– O montante da indemnização por danos não patrimoniais deve ser fixado de forma equitativa (art 496 nº 3, do CC), devendo ter em consideração a extensão e gravidade dos prejuízos, bem como o grau de culpabilidade do responsável, sua situação económica e do lesado, bem como demais circunstâncias do caso;
XLIII.– O critério para a avaliação da determinação do dano moral assume natureza objectiva. O dano não patrimonial tem de ser qualificado como grave para merecer a tutela do direito. A indemnização por danos não patrimoniais não visa propriamente ressarcir o lesado, mas apenas oferecer ao lesado a compensação que neutralize, na medida do possível, o dano moral sofrido;
XLIV.– Como se justifica que alguém que foi vítima de um golpe na face que provou dores, angústia e ansiedade só se desloque ao hospital três dias depois da ocorrência;
XLV.– O Tribunal ad quo ao fixar em 3.000,00 a condenação por danos morais não fez uma correcta aplicação das normas materiais que regulam e determinam a fixação do quantum indemnizatório, violando assim os arts. 483 e 496, ambos do Código Civil;

3.– Apreciando.
Como se vê, o recorrente critica o montante fixado pelo tribunal “a quo”, a título de indemnização por danos não patrimoniais, invocando essencialmente a pequena gravidade da ofensa sofrida, quer em termos físicos, quer em termos de incapacitação (o ofendido só foi ao hospital 3 dias depois da ofensa ter sido infligida), considerando que o montante alcançado se não mostra equitativo.
 
4.– Vejamos então.

i.– O artº 496º nº 1 do C. Civil determina que os danos não patrimoniais indemnizáveis são aqueles que, pela sua gravidade, merecem a tutela do direito. Não obstante, não fornece a lei elementos definidores do que abrange e comporta tal tipo de danos, sendo certo que tem cabido à doutrina e à jurisprudência preencher tal conceito. Um dos métodos tem sido a sua definição pela negativa, no sentido de que caberão nesta categoria os danos reportados a valores em que não é o património que é atingido, quer diminuindo-o quer frustrando o seu acréscimo, pois não ocorre lesão de nenhum bem material, susceptível de avaliação monetária, mas antes se reporta a valores de ordem espiritual, moral ou ideal que se mostram ofendidos pelo evento danoso.

ii.– Assim, e ao inverso do que ocorre com a indemnização do dano patrimonial, a do dano não patrimonial não é uma verdadeira indemnização em sentido próprio e estrito, uma vez que a reintegração do património do lesado não é aqui possível, antes se reconduzindo à atribuição de um determinado montante pecuniário que permita aquele obter uma compensação para os males por si sofridos e que lhe foram infligidos.

iii.– E, no que toca ao modo como se alcança tal quantitativo, há que notar que a lei aponta nitidamente para uma valoração caso a caso, orientada por critérios de equidade, como decorre do vertido no artº 494, ex-vi artº 493, 1ª parte, do Código Civil.

iv.– Não obstante, esse critério de equidade não corresponde a arbitrariedade ou discricionariedade, já que se deve mostrar balizado, por um lado, pela ponderação do grau de culpa do responsável, pela situação económica do lesante e do lesado e pelas demais circunstâncias do caso pertinentes, designadamente e entre outras, a gravidade do dano, bem como as consequências passadas e futuras resultantes das lesões decorrentes do evento produtor do dano e, por outro, pela prática jurisprudencial em situações similares ou próximas.

v.– Posto o presente intróito, constata-se que o recorrente se limita a referir que as consequências físicas do comportamento do demandado se reconduzem à produção de poucos dias de doença, não adiantando o recorrente nenhuma outra circunstância concreta (isto é, qualquer outro alicerce factual) que permita fundamentar que a indemnização imposta é excessiva e desadequada.

vi.– Ora, não só tal elemento foi já atendido pelo tribunal “a quo”, como a verdade é que o recorrente se esquece de mencionar todas as restantes circunstâncias atendidas, designadamente as consequências psíquicas da ofensa sofrida, o elevado grau de culpa e a situação económica do lesante.

vii.– Do dito decorre que, tendo o tribunal “a quo” ponderado todas as circunstâncias relevantes para a determinação do quantitativo indemnizatório (como, aliás, o recorrente, implicitamente reconhece, uma vez que a sua discórdia se funda apenas no montante fixado e não na ausência de ponderação de algum elemento fáctico dado como assente), de forma que não afronta as regras da justa medida das coisas, conclui-se que o montante determinado a título de danos não patrimoniais se mostra adequado e obtido de acordo com as regras legais, pelo que não deve ser alterado.

viii.– Não tem assim razão o recorrente demandante, nas críticas que dirige ao decidido que, por tal razão, não deve ser alterado.

iv.–decisão.
Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso interposto pelo arguido D.A.C. e, em consequência, mantém-se a decisão alvo de recurso.
Condena-se o recorrente nas custas e na TJ de 4 UC.

Lisboa, 6 de Dezembro de 2017

(Margarida Ramos de Almeida-relatora)
(Ana Paramés)