Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
2886/15.5T8CSC.L1.L1-8
Relator: ANTÓNIO VALENTE
Descritores: ACÇÃO DE DIVISÃO DE COISA COMUM
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
TORNAS
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 03/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE/REVOGADA
Sumário: Em acção de divisão de coisa comum, impugna a requerida na contestação o valor atribuído ao prédio pelo requerente, suscitando em sede de reconvenção os créditos que tem sobre o requerente por ter efectuadas despesas quer no pagamento do empréstimo bancário para aquisição do prédio, quer de impostos, que em seu entender incumbiam em partes iguais a ambos.

Suscitando assim a compensação do seu crédito com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente.

Perante isso, e para assegurar a justa composição do litígio, a acção deverá seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados.

SUMÁRIO: (elaborado pelo relator)
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa.


Relatório:


Na presente acção especial de divisão de coisa comum veio a R. contestar, alegando que o valor do bem em causa não está correcto, que as tomas peticionadas não têm fundamento legal e ainda que é credora de quantias devidas pelo A., pelo que deduziu pedido reconvencional.

Tendo sido proferido despacho, no qual nomeadamente se refere que:
“ Relativamente ao pedido reconvencional deduzido, importa, desde logo, salientar que nos termos do art. 926° nº 2 do CPC, apenas quando exista contestação ou a revelia do réu não seja operante, assume a acção de divisão de coisa comum natureza declarativa por forma a decidir sobre a existência e os termos do direito à divisão alegado pelo autor. Ou seja, quando o réu não conteste ou a contestação seja julgada improcedente, a acção de divisão de coisa comum não reveste qualquer característica de acção declarativa, nessa medida não sendo deduzível qualquer pedido reconvencional.
Por outro lado, em caso de oferecimento de contestação, nos termos do citado art. 926°, é possível o julgamento sumário da causa na fase declarativa, aplicando-se o disposto nos arts. 294° e 295°, sendo que apenas em caso de a questão não poder ser sumariamente decidida se seguirão os termos do processo comum.
Assim, e considerando a estrutura da acção de divisão de coisa comum que se vem de explanar, conclui-se que apenas é possível deduzir pedido reconvencional quando, face à complexidade da causa, o juiz mandar seguir os termos do processo comum, nos termos do art. 926, n° 3 do CPC e a contestação não tenha logo de ser julgada improcedente no saneador.
Nos presentes autos, constata-se que a contestação deduzida não se assume como uma contestação ao direito do A mais se referindo a existência de uma situação de compropriedade, sendo que os quinhões existentes resultam dos documentos juntos aos autos.
Isto é, a contestação deduzida tem de ser julgada improcedente, já que a mesma não implica a improcedência do pedido formulado pela A .
Donde, temos de concluir pela existência de uma situação de falta de contestação, o que determina quer a inadmissibilidade de dedução de pedido reconvencional, devendo as partes, se assim entenderem, fazer valer as suas pretensões em sede própria, quer a aplicação aos autos do disposto no art. 927° do CPC.
Por outro lado, verifica-se estarem assentes os quinhões de ambas as partes, mais resultando dos autos indivisibilidade do
prédio dos autos.                                                                                                                               
Assim sendo, importa proceder à realização de uma conferência de interessados, nos termos e para os efeitos do art. 929° do CPC, o que se determina (...)”.

Inconformada, vem a requerida MP recorrer deste despacho, concluindo que:
1) Nos termos do disposto nos artigos 2°., n°.1, alínea a) e 3°., n°. 1, alínea a), ambos do C.R.P, é obrigatório o registo das acções de divisão de coisa comum;
2) Nos presentes autos não foi promovido o registo da acção;
3) O Tribunal a quo não poderia ter proferido a decisão recorrida. em concreto, designado a Conferência de Interessados sem antes estar assegurado o registo da acção - artigo 8°. B, n°. 3, alínea a) do C.R.P.;
4) O  despacho recorrido é anulável - artigo 195°. do C.P.C.;
5) Na Petição Inicial não é alegada a indivisibilidade do imóvel dos autos, não foi alegado nem foi junto qualquer documento do qual resultassem os quinhões pertencentes a cada um dos com proprietários e a final é peticionada a "divisão de coisa comum";
6) Foi a Apelante, na Contestação, que alegou a indivisibilidade do imóvel dos autos, que indicou os quinhões pertencentes a cada um dos comproprietários e junto aos autos o título constitutivo da compropriedade, e peticionou a final que fosse declarada a indivisibilidade do imóvel;
7) A Contestação tinha de ser julgada procedente, desde logo em relação ao primeiro segmento do pedido formulado pela Apelante (alínea a) do pedido), sob pena da decisão recorrida ser nula, por o Tribunal a quo se ter pronunciado e decidido sobre algo que não foi peticionado pelo Apelado - artigo 615° n°. 1, alínea e) do C.P.C.;
8) Consequentemente, o Tribunal deveria ter julgado improcedente a primeira parte do pedido formulado pelo Apelado ("ser decretada a divisão de coisa comum") e parcialmente procedente o sexto segmento do pedido formulado pela Apelante (alínea f) do pedido);
9) A determinação do valor do imóvel dos autos é essencial para a realização da Conferência de Interessados, não havendo acordo das partes quanto ao mesmo;
10) O valor do imóvel tem de estar determinado para que, em caso de adjudicação, seja apurado o valor das tornas devidas e, em caso de venda, seja fixado o valor base de venda (artigos 812°., n", 3 do C.P.C.);
11) O Tribunal a quo deveria, assim, ter julgado procedente a Contestação também em relação ao quarto segmento do pedido formulado pela Apelante (alínea d) do pedido);
12) O Tribunal a quo violou o disposto no n°.2 do artigo 926°. do C.P.C., porquanto não ordenou a produção das provas necessárias para a decisão de todas as questões suscitadas no âmbito deste processo;                    
13) O  despacho recorrido designou data da Conferência de Interessados sem fixar os quinhões, o que constitui uma violação do disposto nos artigos 925°. e 929°., nº. 1 e 2 do C.P.C.;
14) A decisão do Tribunal a quo de não admitir o pedido reconvencional é destituída de fundamento e contraria a jurisprudência recente sobre esta temática (v.g. Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, de 25-09-2016, in www.dgs.pt);
15) O pedido reconvencional deduzido nos autos é admissível ao abrigo do disposto nos artigos 266°., nº 2, alínea c) e nº. 3 do C.P.C.;
16) O novo Código do Processo Civil reforçou dos poderes de direção, agilização, adequação e gestão processual do juiz;

17) O Tribunal a quo «em vez de decidir em primeiro lugar da possibilidade de proferir logo decisão sobre as questões suscitadas pelo pedido de divisão para, em face disso, concluir depois pela incompatibilidade de tramitação, começar por, reconhecendo o interesse relevante na admissão da reconvenção e, verificada a impossibilidade de conhecer sumariamente das questões suscitadas, mandar seguir os termos, subsequentes à contestação, do processo comum»

18) Ao não admitir o pedido reconvencional o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 6.°, nº 1, 266.°, 547.° e 926.° e seguintes, todos do C.P.C.;
19) O despacho recorrido deverá ser revogado e substituído por outro que declare procedente a Contestação (alíneas a), d), e) e f) do pedido) e admita o pedido reconvencional deduzido nos autos (alíneas b) e c) do pedido).

O requerente DM contra-alegou sustentando a bondade da decisão recorrida.

Cumpre apreciar.

Está em causa apurar se o pedido reconvencional deveria ou não ter sido admitido.

Estamos no âmbito de uma acção especial de divisão de coisa comum, regulada nos termos do art. 926º e seguintes do CPC.

O processo inicia-se com o pedido do Autor, no qual terá de requerer a divisão em substância da coisa comum ou, se esta for considerada indivisível, à adjudicação ou venda da coisa.

Citados, os requeridos podem contestar, oferecendo as provas de que dispuserem.

No caso em apreço, o prédio em causa é indivisível, tal como alegado pela ora apelante.

Na decisão recorrida, entende o Mº juiz a quo que a contestação não põe em causa o direito do Autor, aceitando-se a situação de compropriedade. Além disso, os quinhões existentes resultam dos documentos juntos aos autos.

Ou seja, conclui-se que a contestação terá de improceder na medida em que a mesma não implica a improcedência do pedido do Autor.

E nesta base, tudo se passa como se não existisse contestação, sendo assim inadmissível o pedido reconvencional.

O pedido do Autor consiste em que requerer que seja decretada a divisão de coisa comum, sendo o imóvel adjuducado à Ré, cabendo ao mesmo Autor tornas de valor não inferior a € 35.000,00. 

Na contestação a requerida invoca a indivisibilidade do prédio, aceita a situação de compropriedade de requerente e da requerida na proporção de ½ para cada um.

O único ponto a que a requerida se opõe na contestação é ao valor atribuído ao prédio pelo requerente – pedindo a avaliação por perito - e o aludido montante das tornas.

Em sede de reconvenção, invoca a requerida as quantias por si pagas no âmbito do mútuo bancário celebrado com a CGD, referindo que desde há anos que é ela que efectua todos os pagamentos, apesar de quer ela quer o requerente serem responsáveis pelos mesmos.

Os pedidos reconvencionais da requerida enquadram-se na previsão do art. 266º nº 2 c) do CPC. Com efeito, atento o facto de o prédio não ser divisível, a divisão de coisa comum terá de se realizar com a adjudicação do prédio a um dos comproprietários – neste caso a requerida – mediante o pagamento de tornas ao outro comproprietário – art. 929º nº 2 do CPC.

As despesas alegadamente realizadas por um dos interessados quer no pagamento de empréstimo bancário relativo ao prédio, quer nos inerentes seguros e IMI, numa situação em que o pagamento caberia a ambos, gera na esfera jurídica da requerida, a fazer fé no alegado, um direito a ser ressarcida em ½ das despesas. Esse crédito poderá assim ser compensado com o crédito do requerente em tornas.

É certo que a julgar-se admissível o pedido reconvencional este irá alterar a forma do processo, passando a acção a seguir os termos do processo comum – art. 926º nº 3 do CPC. Isto, todavia, tão não é só por si impeditivo do recebimento da reconvenção, podendo ser autorizada pelo juiz, desde que, embora diversas, as formas do processo não sigam uma tramitação manifestamente incompatível e a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio – artigos 266º nº 3 e 37º nº 2 do CPC.
              
Como se observa no acórdão desta Relação de Lisboa de 24/09/2015 – disponível no site da dgsi - “a acção de divisão de coisa comum insere-se no Livro V dos “Processos Especiais", no seu título VI, e destina-se a pôr termo à indivisão da coisa comum, concretizando-se no pedido de divisão em substância da coisa comum (sendo divisível) ou adjudicação ou venda desta com repartição do respectivo valor (sendo indivisível); os requeridos são citados para contestar em 30 dias com o oferecimento imediato das provas de que dispuserem e se houver contestação ou a revelia não for operante o juiz produzidas as provas profere logo cisão sobre as questões suscitadas pelo pedido , aplicando-se as disposições sobre incidentes da instância dos arts. 294 e 295. Mas se o juiz verificar que a questão não puder ser sumariamente decidida, conforme o preceituado no número 2 do art. 926, manda seguir os termos, subsequentes à contestação do processo; não sendo a coisa divisível, fixam-se os quinhões, e realiza-se a conferência de interessados para se fazer a adjudicação por acordo e não havendo acordo para a adjudicação a coisa é vendida (art. 929/2).
Deste enunciado normativo colhe-se que as questões suscitadas pelo pedido podem ser  decididas pela tramitação mais simples do incidente de instância ou não podendo ser sumariamente decidida deve ser decididas em processo comum; e só depois de decididas é que se passa à fase executiva da adjudicação ou venda. O que significa que sendo o processo         um processos especial pode comportar uma fase de processo comum sem que incompatibilidade haja entre as duas formas de processo. Ora o art. 266/3 estatuindo que não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda uma forma processo diferente da que corresponde ao pedido do autor, logo a seguir excepciona a hipótese de o juiz a autorizar nos termos do art. 37/2 e 37/3, ou seja sempre que haja interesse relevante ou quando a apreciação conjunta das pretensões seja indispensável para a justa composição do litígio”.
Ora, é indispensável para a justa composição do litígio, ou seja para uma consciente decisão dos interessados em conferência (fase executiva) que esteja devidamente derimida a questão de saber se a Ré tem ou não direito a haver dos outros interessados comproprietários a respectiva quota parte do valor que a Ré despendeu em obras que realizou no 1.° andar do mencionado prédio, o que sé é possível através da admissão liminar do pedido reconvencional e do julgamento das questões por eles suscitadas o que satisfaz os princípios da gestão processual e adequação formal.”

No caso que ora nos ocupa, não se trata de benfeitorias realizadas pela requerida, mas sim do valor do prédio e das despesas que a requerida alega ter realizado na sua aquisição e que deveriam ter sido repartidas em partes iguais com o requerente, não tendo este contudo pago a sua quota-parte.

A decisão destas questões é essencial para, em conferência de interessados, assente que esteja o valor do prédio, fixar as tornas que o comproprietário que adjudique o prédio terá de pagar ao outro.

Nesta medida, temos de discordar da decisão recorrida quando afirma que a contestação não afecta os direitos pretendidos pelo requerente. Afecta-os desde logo no tocante ao valor a atribuir ao prédio objecto da divisão de coisa comum. Por outro lado, seguir desde logo para a conferência de interessados e atribuir as tornas ao comproprietário que não adjudica o prédio, calculadas apenas de acordo com as quotas respectivas, significa criar uma situação de impossibilidade de acordo quando um dos interessados invoca créditos sobre o requerente relativos ao próprio prédio, susceptíveis de fundamentar a compensação. Não vemos utilidade em fazer o processo seguir nos termos simplificados da acção especial, quando isso significará a impossibilidade de acordo, que é o seu objectivo, ou obrigará uma das partes a deduzir uma nova acção.

Invocou ainda a recorrente a anulabilidade do despacho recorrido por não ter sido promovido o registo da acção.

Sucede que na sua contestação, a requerido não suscitou a questão do registo da acção.

Os recursos não servem para apreciar matéria nova, não suscitada no tribunal a quo.

Porém, mesmo no caso de se entender que a questão da obrigatoriedade do registo da acção é de conhecimento oficioso, não é vedado ao julgador nada ordenar por entender que tal registo não é obrigatório – ver a este respeito o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 10/10/2006.

De qualquer modo, o certo é que não estamos perante qualquer nulidade (ou anulabilidade) do despacho. Com efeito, mesmo que se considere que a acção deveria ter sido registada nos termos do art. 3º nº 1 a) do Código do Registo Predial, dispõe o nº 2 do mesmo preceito:
“As acções sujeitas a registo não terão seguimento após os articulados sem se comprovar a sua inscrição, salvo se o registo depender da respectiva procedência”.

Não tendo as partes suscitado a questão do registo nem tendo o Mº juiz a quo determinado a suspensão da instância, a acção prosseguiu os seus termos, sendo proferido o despacho ora recorrido.

Ora, mesmo a entender-se que a acção deveria ter sido suspensa após os articulados, por ausência de registo, o facto de ter prosseguido determina apenas uma irregularidade processual (omissão de um acto ou formalidade que a lei prescreva) que contudo não influi no exame ou decisão da causa nos termos do art. 195º nº 1 do CPC.

Como se observa no acórdão da Relação de Coimbra de 09/12/1997 – CJ 1997, V, pág. 40 - “o registo destina-se, essencialmente, a dar publicidade à situação jurídica dos prédios, tendo em atenção a segurança do comércio jurídico imobiliário (...) Se uma acção sujeita a registo prosseguiu até final sem o registo se mostrar efectuado, comete-se indubitavelmente uma irregularidade consistente na omissão de um acto que a lei prescreve.
 “Todavia, essa mesma irregularidade só produziria nulidade se a lei o declarasse ou se ela pudesse influir no exame ou decisão da causa (...) Ora, nem a lei a lei declara que a falta de registo das acções produz nulidade, nem tal falta é susceptível de influir no exame ou decisão da causa uma vez que a exigência do registo visa tão-só a protecção de terceiros e a segurança do comércio jurídico imobiliário, ficando, destarte, a demanda incólume.”

Conclui-se assim que:
Em acção de divisão de coisa comum, impugna a requerida na contestação o valor atribuído ao prédio pelo requerente, suscitando em sede de reconvenção os créditos que tem sobre o requerente por ter efectuadas despesas quer no pagamento do empréstimo bancário para aquisição do prédio, quer de impostos, que em seu entender incumbiam em partes iguais a ambos.
Suscitando assim a compensação do seu crédito com o crédito de tornas que venha a ser atribuído ao requerente.
Perante isso, e para assegurar a justa composição do litígio, a acção deverá seguir os termos do processo comum, para que sejam decididas tais questões, só então se entrando na fase executiva do processo com a conferência de interessados.

Nestes termos, concede-se provimento ao recurso, admitindo-se o pedido reconvencional, devendo os autos prosseguir no termos do art. 926º nº 3 do CPC.
Custas pelo recorrido.



LISBOA, 15/03/2018



António Valente
Ilídio Sacarrão Martins
Teresa Prazeres Pais