Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
98964/18.2YIPRT.L2-2
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: FALTA DE CAUSA DE PEDIR
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 12/03/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Texto Parcial: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I – Só falta de causa de pedir quando não são alegados os factos suficientes para a identificação da mesma (art. 186/2-a do CPC), não quando faltar a alegação de outros factos principais, e muito menos quando apenas se verificar a existência de imprecisões na exposição ou concretização dos factos principais (todos eles alegados).
II - Não há, por isso, falta de causa de pedir quando a autora faz as referências necessárias a um preciso contrato reduzido a escrito, identificando-o com a data da celebração do mesmo e o objecto a que ele se refere, cujo pagamento de preço requer da ré por ele já ser devido porque a autora já prestou os serviços correspondentes, já que, assim, a causa de pedir está suficientemente identificada.
III – Não há uma tomada de posição definida sobre os factos que constituem a causa de pedir invocada pela autora, se a ré se limita a dizer que “não se reconhece qualquer valor como em dívida à requerente” (art. 574/1 do CPC); nem tal afirmação, englobada numa oposição/contestação que apenas contém matéria que é ou poderia ser (mas que não chega a ser por falta de concretização) de excepção, equivale a uma oposição aos factos (art. 574/2 do CPC).
IV – A ré ao continuar a declarar, perante a PI suficientemente aperfeiçoada, que “desconhece quais os serviços de assistência técnica que terão sido prestados”, ou que “não conhece quais os ‘serviços de assistência técnica’ que a autora tenha presuntivamente prestado ou quais os serviços ‘relativos a aprovação das licenças de utilização’ que motivaram a autora a facturar serviços à ré”, não está a impugnar, porque, nas circunstâncias da causa, não pode deixar de se presumir que a ré tinha perfeito conhecimento daquilo que a autora tinha feito (art. 574/3 do CPC).
V – Cabe aos devedores do pagamento (credores da prestação que têm de pagar) alegar e provar os defeitos da prestação realizada pela contraparte. Pelo que têm de alegar os factos respectivos. Não o fazendo, não há alegações de facto susceptíveis de prova.
Decisão Texto Parcial:
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo identificados:

A 06/09/2018, a N-Lda, intentou procedimento de injunção contra G-Lda, requerendo que esta fosse notificada para lhe pagar 19.379,88€, a título de capital, acrescidos de 2.032,15€ de juros de mora vencidos e 153€ de taxa de justiça paga, no total de 21.565,03€.
Dizia, em síntese que em 23/12/2013 tinha celebrado com a requerida um contrato de prestação de serviços, mediante o qual a autora se obrigou a elaborar um projecto de arquitectura e projectos complementares de coordenação, de acompanhamento e apoio à execução dos projectos e da obra, bem como a instrução do respectivo processo de licenciamento e obtenção dos respectivos alvarás de utilização, com vista à construção de um hotel em Cascais; cumpriu a prestação de serviços a que se obrigou pelo que lhe é devido o valor dos honorários que foi acordado; para o efeito enviou à requerida as seguintes facturas que aquela ainda não pagou [identifica as facturas, com o número, datas de emissão e de vencimento e valor; as facturas são relativas a assistência técnica prestada nos meses anteriores à data de cada uma delas, excepto uma relativa à aprovação das licenças de utilização (5%)]; e instou a requerida a liquidar o valor das facturas em dívida.
A requerida apresentou oposição, excepcionando a ineptidão do requerimento de injunção, porque a requerente não refere em que moldes foram solicitados e prestados os alegados serviços de assistência técnica, e, muito menos, o acordado pelas partes sobre a prestação, em especial quanto ao pagamento dos mesmos; nem menciona em que moldes foi definido o pagamento dos serviços de instrução de processos de licenciamento e de obtenção de alvarás de utilização; embora indique quais as facturas cujo pagamento se encontra em incumprimento, referindo-se a facturas relativas a “assistência técnica” entre os meses de Junho e Agosto de 2016, e a uma factura alegadamente devida pela prestação de serviços relativa a “aprovação das licenças de aprovação (5%)”, essa descrição não é suficiente para a requerida organizar convenientemente a sua defesa; não se tem a descrição dos trabalhos realizados, nem a menção e remissão para as cláusulas contratuais que definiram os preços acordados; a requerida desconhece quais os serviços de assistência técnica que terão sido prestados pela requerente e a que esta se refere nas facturas indicadas; e diz deduzir uma outra excepção peremptória, a propósito da qual alega que desconhece o conteúdo do serviço descrito como “assistência técnica”, e essa omissão dos factos e circunstâncias não permite o reconhecimento do direito de crédito da requerente e repete, no essencial, o que já antes tinha dito; depois, ainda a propósito dessa “excepção peremptória” continua: a demonstração dos serviços em causa é crucial para a defesa da requerida pois esta tem vindo a apresentar sucessivas reclamações sobre a prestação de alguns serviços da requerente; ora, desconhece se as reclamações realizadas correspondem aos serviços cujo pagamento se encontra a ser peticionado, ou que serviços são estes, caso realmente existam e se correspondem ou não às facturas apresentadas e se os valores nas mesmas estão correctos [em concreto refere-se a duas situações: solicitou à requerente que elaborasse, entre outros, projectos referentes ao sistema de segurança e protecção contra incêndio e os mesmos foram incorrectamente elaborados, tanto mais que vieram a ser “chumbados” em sede de fiscalização pela Autoridade Nacional de Protecção Civil; detectou inúmeros defeitos no seu Hotel em Cascais que o empreiteiro afirma serem devidos a erros e incumprimentos da responsabilidade da requerente]; e depois diz, que a aprovação de licenças de utilização corresponde a um acto da competência da autoridade administrativa competente para o efeito, neste caso, a Câmara Municipal de Cascais, e destina-se a verificar que o imóvel foi previamente inspeccionado, encontrando-se dentro das condições exigidas por lei; atento o objecto social da requerente, esta conhece, ou não devia desconhecer, que a competência para a emissão de licenças de utilização é exclusiva da CM, e, no entanto, vem peticionar o pagamento de uma quantia titulada em factura cuja única referência conhecida é “aprovação das licenças de utilização (5%)”, quando não pode legalmente exercer tal competência, o que leva a questionar que tipo de serviços quer cobrar, se alguns existirem nesta matéria; ora, a requerida não pode aceitar que seja facturado por uma entidade que não tem as devidas competências para efectuar o serviço que alega ter prestado, nem tal serviço poderá ser devidamente liquidado; no começo de tudo isto, sob a epígrafe de “enquadramento” a requerida tinha ainda escrito: “não se reconhece qualquer valor como em dívida à requerente.”
Face à oposição, a injunção foi remetida para o tribunal; foi, mais tarde, autuada como acção declarativa com processo comum e depois foi proferido despacho em conformidade com o artigo 10/3 do DL 62/2013, de 10/05, a convidar a autora a, em 10 dias, apresentar petição inicial aperfeiçoada na qual concretizasse o alegado quanto aos serviços prestados, cujo preço é reclamado, elencando/identificando cada um desses serviços, concretizando em que consistiu a “assistência técnica” a que, alegadamente, se reportam quatro das facturas indicadas e, ainda, o acordado quanto a “aprovação das licenças”.
Na sequência, a autora juntou uma PI em que, para além de outros, junta ainda as facturas, o contrato, anexos, e dois aditamentos ao mesmo, e desenvolve o que consta do requerimento de injunção, entre o mais dizendo que: por imposição da ré, pois não constava da proposta de honorários da autora, foi incluída no contrato a alínea h), do nº 1, da cláusula 2.ª que diz: “Componente de acompanhamento e apoio a todos os projectos e obra até à emissão da licença de utilização, de licenciamentos finais e obtenção dos respectivos alvarás de utilização” - cfr. ainda a cláusula 4.ª; e, sem qualquer atraso digno de registo, a ré foi liquidando todas as facturas que a autora apresentou para serem pagas; inclusivamente a autora entregou à ré, em 26/08/2016, as telas finais para instruir o pedido da licença de utilização, as de arquitectura elaboradas pela autora e as das especialidades elaboradas pelo empreiteiro, mas visadas pela equipa de arquitectos e engenheiros - cfr. doc.4 que ora se junta e dá por reproduzido; em 23/01/2017, a autora elaborou e entregou à ré, o certificado energético que foi o último documento necessário à obtenção da licença de utilização; esta licença de utilização do Hotel, deferida pela CM de Cascais, segundo informação obtida junto daquela, em 26/01/2017, só podia ter acontecido, como aconteceu, porque a autora prestou os seus serviços integralmente e com sucesso; como se disse, entre os serviços a prestar pela autora estava a assistência técnica que compreendia as seguintes tarefas: [transcreve o ponto 17 do anexo I ao contrato, com vários pontos e subdivisões e resume: os serviços de assistência técnica são os previstos no contrato, envolvem respostas a dúvidas e questões levantadas pelo empreiteiro à fiscalização, a presença em reuniões de obra, confirmadas nas respectivas actas]; o valor desta assistência técnica, 23.400€, estava contratualmente definido, e é determinado em função do número de meses de duração da obra - cfr. cl.ª 5.ª do contrato; a determinada altura, e por razões alheias à autora, mas da exclusiva responsabilidade do empreiteiro ou da dona da obra, a empreitada atrasou o que implicou que a autora tivesse que prestar mais assistência técnica à obra do que previsto no início; foi por isto, e para que acompanhasse o que faltava do andamento da obra, que a ré solicitou à autora que fizesse o desdobramento das 3 últimas facturas, relativas à assistência técnica, em 6 (sem alterar o valor global), o que embora não sendo correcto a autora aceitou, na certeza de que os pagamentos seriam atempadamente efectuados (cfr. doc.5 que ora se junta e dá por reproduzido); a autora não só aceitou como também não facturou qualquer valor adicional pelo prazo suplementar da obra, mas ainda assim a ré só liquidou 2 das 6 facturas, faltando portanto liquidar as seguintes 4 que lhe foram enviadas a esse título [repete a descrição das facturas, sendo que em relação à 5.ª acrescenta: esta é relativa à aprovação das licenças de utilização, tal como previsto no nº 1.1.8 da cl.ª 5.ª do contrato, e tem como pressuposto o apoio ao dono da obra até à obtenção da licença de utilização; trata-se de um valor que só é pago quando um determinado objectivo é atingido]; a ré foi instada a liquidar o valor destas facturas que, de resto, foram por si devidamente contabilizadas (cfr. docs.11 e 12 que ora se juntam e dão por reproduzidos); com efeito, em 26/04/2017, a ré enviou mesmo à autora um email solicitando um extracto de conta corrente e dando a entender que ia proceder ao pagamento - ninguém solicita um extracto de conta corrente se não for devedor -, o que até à data, repete-se, não se verificou (cfr. doc.12).
Notificada desta petição inicial, a ré respondeu dizendo:
3. […] do conteúdo da petição inicial alegadamente aperfeiçoada não se verifica o cumprimento do requerido pelo despacho de aperfeiçoamento  […].
4. Em resposta, a autora vem apenas repetir o que já constava do contrato, ou seja, que o serviço de “assistência técnica” está devidamente estabelecido na cl.ª 2, n.º 1, alínea h, do contrato, que o define como […].
5. A definição do serviço de “assistência técnica” apenas confere um enquadramento do que podia compreender esse serviço, incumbindo à autora proceder à devida especificação.
6. O que não faz.
7. Prosseguindo na análise da PI aperfeiçoada, é ainda referido pela autora que: o valor desta assistência técnica, 23.400€, estava contratualmente definido, e é determinado em função do número de meses de duração da obra - cfr. cl.ª 5.ª do contrato, n.º 1.1.7.
8. Atenta a cl.ª 5.ª do contrato que tem como epígrafe ‘forma de pagamento’ facilmente se constata que a mesma está subdividida em dois pontos: (i) O ponto 1.1. referente a “arquitectura e especialidades”, cujo valor atribuído à respectiva “assistência técnica” ascende a 23.400€, e expressamente referida pelo autor na PI; (ii) o ponto 1.2. referente a “decoração/arquitectura de interiores (DEC)”, cujo valor atribuído à respectiva “assistência técnica” ascende a 7.020€.
9/10. Embora ainda não seja possível a delimitação do requerido pelo despacho, […], é possível concluir que a autora subsume os montantes alegadamente em dívida, titulados pelas quatro facturas juntas aos autos, à alegada prestação de serviços de “assistência técnica” na área “arquitectura e especialidades”, cujo valor total ascendia a 23.400€ - cfr. referido na PI.
11. Deste modo, podemos excluir do peticionado o valor de facturas referentes a “assistência técnica” alegadamente prestada na área de “decoração/arquitectura”, no valor de 7.020€.
12. Na sequência, a autora faz menção e vem juntar as facturas cujo pagamento se peticiona fazendo mera referência, novamente, à prestação de “assistência técnica” e “à aprovação as licenças de utilização (5%)”.
13. Da análise do conteúdo das facturas referentes à “assistência técnica”, as quais a autora dá por reproduzidas para “para os devidos e legais efeitos”, e com interesse para os autos, apenas podemos apurar o seguinte: (i) o número de cada factura; (ii) a data de emissão de cada factura; (iii) a data de vencimento de cada factura; (iv) a descrição do serviço prestado.
14. A “descrição”, para todas as facturas acima mencionadas refere o serviço como sendo de “assistência técnica”, e faz ainda menção a dois itens: “*Arquitectura; *Decoração”.
15. A descrição da factura referente às licenças de utilização apenas refere “aprovação das licenças de utilização (5%)”, e o autor não densifica que tipo de serviços foram prestados, mencionando apenas “tem como pressuposto o apoio ao dono da obra até à obtenção da licença de utilização”.
16. Permanecemos, pois, e cremos que o tribunal também, na obscuridade quanto aos elementos que incumbiam à autora apresentar para que a sua PI passasse a ser minimamente aceitável e esta parte se pudesse defender,
17. Com o que continuamos a desconhecer que tipo de apoio está em causa, se é que algum que a autora tenha prestado.
18. Mais uma vez; do conteúdo das facturas não é possível fazer a delimitação do requerido pelo despacho […].
19. Mais; existe uma contradição entre o referido pelo autor no supracitado artigo 12 da PI e a descrição de cada factura.
20. Pois que, de duas uma: se o pedido do autor é referente ao “valor desta assistência técnica, 23.400€”, que, como visto, nos termos do contrato corresponde apenas a serviços de “arquitectura e especialidades”, não podem as respectivas facturas fazer menção e descrever os serviços como contemplados na área de “decoração”,
21. Ou então, se o montante em dívida corresponde a serviços prestados na área de “decoração”, não pode vir a autora alegar que nos presentes autos se discute o alegado incumprimento do pagamento do “valor desta assistência técnica, 23.400€”.
22. Compulsado o remanescente da PI, é por demais evidente que a autora, para além de não dar cumprimento ao estabelecido no despacho […], ainda vem dificultar a percepção do que está a ser peticionado, em virtude de uma contradição do que foi alegado com os documentos juntos.
23. Ora, para além de não responder ao solicitado pelo tribunal, o que é bastante para se declarar a sua petição inicial inepta porque ininteligível, nem suficientemente concretizada,
24. A autora ainda logrou apresentar uma PI com novos motivos de ineptidão, votando-a à total indecifrabilidade (o que impede uma defesa da ré), implicando a nulidade de todo o processo o que desde já se requer, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 186 e artigo 577/-b do CPC.
25. Nestes termos, deve o réu ser absolvido da instância nos termos do disposto no artigo 576 do CPC, em função da verificação de ineptidão da petição inicial que determina a nulidade de todo o processo.
Na audiência prévia foi proferida decisão final, julgando a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenando a ré no pedido.
A ré recorre deste saneador-sentença – para que a excepção da ineptidão seja julgada procedente, com a absolvição da ré da instância, ou então para que seja anulado o saneador-sentença nos termos do disposto no artigo 662/1-c do CPC, por deficiência e obscuridade do julgamento da matéria de facto, ou então para sejam julgadas procedentes as excepções peremptórias por ela invocadas, absolvendo a ré do pedido, ou então para que seja julgada procedente a impugnação da matéria de facto dada como provada, revogando-se em consequência o saneador-sentença e determinando-se a descida do processo para o seu prosseguimento para julgamento – terminando as alegações do recurso com conclusões em que coloca em causa as decisões (i) da excepção da ineptidão da petição inicial, (ii) das excepções que a ré diz ter deduzido relativas à reclamação sobre serviços prestados pela autora e da ilegalidade de um serviço facturado pela autora e (iii) dos pontos 4, 6 e 7 dos factos provados.
A autora contra-alegou no sentido da improcedência do recurso.
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Questões que importa decidir: a ineptidão da petição inicial; a existência e decisão de outras excepções invocadas; a decisão dos pontos 4, 6 e 7 dos factos provados.
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Para a decisão destas questões interessa a transcrição, desde já, dos factos que o saneador-sentença deu como provados e que são os seguintes:
1- Em 23/12/2013, a autora e a ré firmaram um acordo, com o teor de fls. 18 verso a 23 verso e que se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual a autora se obrigou a elaborar um projecto de arquitectura e projectos complementares de coordenação, de acompanhamento e apoio à execução dos projectos e obra, da instrução do respectivo processo de licenciamento e da obtenção dos respectivos alvarás de utilização, tudo relativo a um hotel em Cascais.
2- Foram efectuados 2 aditamentos/alterações ao acordo firmado em 1, com o teor constante de fl. 54v a 56.
3- Nos termos do anexo junto ao acordo descrito em 1, com o teor de fls. 24 a 27v que se dá por integralmente reproduzido, foi convencionado o seguinte:
17- ASSISTÊNCIA TÉCNICA
17.1- A Assistência Técnica compreende as seguintes tarefas:
17.1.1- Durante a fase de concurso:
17.1.1.1- Assistência na organização dos processos de concurso;
17.1.1.2- Prestação de esclarecimentos aos concorrentes sob a forma escrita, relativos à interpretação das peças do projecto;
17.1.1.3- Parecer técnico sobre as alternativas apresentadas pelos concorrentes.
17.1.2- Durante a execução das obras:
17.1.2.1- Esclarecimento de dúvidas de interpretação e prestação de informações complementares relativas a ambiguidades ou omissões do projecto;
17.1.2.2- Apreciação de documentos de ordem técnica apresentados pelos fornecedores ou pelo empreiteiro, nomeadamente desenhos de preparação de obra;
17.1.2.3- Assistência ao cliente e à fiscalização na verificação da qualidade e conformidade da obra com o projecto;
17.1.2.4- No final da obra os “autores do projecto” elaborarão as telas finais do projecto de arquitectura e visarão as telas finais dos projectos de especialidades, elaboradas pelos instaladores e empreiteiros;
17.1.2.5- Acompanhamento e apoio a todos os projectos e obra até à emissão da licença de utilização, de licenciamentos finais e obtenção dos respectivos alvarás de utilização.
4- Os serviços de assistência técnica envolviam respostas a dúvidas e questões levantadas pelo empreiteiro à fiscalização, presença em reuniões de obra, confirmadas nas respectivas actas.
5- Nos termos do acordo referido em 1 foi convencionado o seguinte:
Cláusula Quarta (Honorários)
O valor dos honorários é de 280.800€ de acordo com as seguintes componentes (…)
Cláusula Quinta (Forma de Pagamento)
1. O pagamento dos honorários previstos na cláusula anterior será efectuado da seguinte forma:
1.1- Arquitectura e Especialidades
1.1.1. Adjudicação (23.400€) 10%
1.1.2. Entrega do programa base de arquitectura (entregue no concurso) (11.700€) 5%
1.1.3. Entrega do estudo prévio de arquitectura e especialidades (46.800€) 20%
1.1.4. Entrega do projecto de comunicação prévia (70.200€) 30%
1.1.5. Aprovação pela CM de Cascais da comunicação prévia (11.700€) 5%
1.1.6. Entrega do Projecto de Execução (35.100€) 15%
1.1.7. Assistência Técnica (23.400€) 10%
1.1.8.Aprovação das Licenças de Utilização (11.700€) 5%
1.2.- Decoração/ arquitectura de interiores (DEC)
1.2.1. Adjudicação (4.680€) 10%
1.2.2. Entrega do estudo prévio de decoração (11.700€) 25%
1.2.3. Entrega do projecto de execução de decoração (23.400€) 50%
1.2.4. Assistência técnica (7.020€) 15%
2. Todas as facturas serão pagas per meio de cheque ou transferência bancária, devendo as mesmas ser emitidas de acordo com as datas anteriormente indicadas, no prazo de 30 dias a contar desde a emissão da mesma.
3. Os pagamentos relativos à assistência técnica serão efectuados em parcelas mensais e iguais, durante o prazo de duração da obra.
4. O pagamento relativo à fase de aprovação das licenças de utilização poderá ser substituído pela prestação de uma garantia bancária à data do final da obra, de igual valor.
6- A autora prestou os seguintes serviços previstos no acordo firmado em 1: projecto de arquitectura, projecto de fundações e estrutura, projecto de instalações técnicas especiais, projecto de decoração ou arquitectura de interiores e ainda prestou assistência técnica e telas finais, serviços de coordenação dos projectos e acompanhamento e apoio a todos os projectos e obra até à emissão da licença de utilização, de licenciamentos finais e obtenção dos respectivos alvarás de utilização.
7- Em 26/08/2016, a autora entregou à ré as telas finais para instruir o pedido da licença de utilização, as telas de arquitectura elaboradas pela autora e as das especialidades elaboradas pelo empreiteiro, mas visadas pela equipa de arquitectos e engenheiros.
8- Em 23/01/2017, a autora elaborou e entregou à ré o certificado energético necessário à obtenção da licença de utilização.
9- Em 26/01/2017, foi obtida licença de utilização do Hotel junto da CM.
10- Em virtude do atraso na conclusão da obra por parte do empreiteiro ou da dona da obra, a autora prolongou a assistência técnica à obra, tendo a ré solicitou à autora que as três últimas facturas relativas a assistência técnica, fossem desdobradas em 6, sem alterar o valor global, o que a autora aceitou.
11- Foram emitidas pela autora e enviadas para a ré, as seguintes facturas (acresce sempre 23% de iva; todas dadas por integralmente reproduzidas):
a) Factura 16/65, emitida em 01/07/2016, com data de vencimento em 31/07/2016, no montante de 1.247,22€, com o teor de fl. 33; [refere-se a assistência técnica, Junho 2016, arquitectura 780€ decoração: 234€]
b) Factura 16/73, emitida em 25/08/2016, com data de vencimento em 24/09/2016, no montante de 1.247,22€, com o teor de fl. 33v; [refere-se a assistência técnica, Julho 2016, arquitectura 780€ decoração: 234€]
c) Factura 16/78, emitida em 01/09/2016, com data de vencimento em 01/10/2016, no montante de 1.247,22€, com o teor de fl. 34; [refere-se a assistência técnica, Agosto 2016, arquitectura 780€ decoração: 234€]
d) Factura 16/86, emitida em 03/10/2016, com data de vencimento em 02/11/2016, no montante de 1.247,22€, com o teor de fl. 34v; [refere-se a assistência técnica, Setembro de 2016, arquitectura 780€ decoração: 234€]
e) Factura 17/22, emitida em 22/03/2017, com data de vencimento em 21/04/2017, no montante de 14.391€, com o teor de fl. 35; [refere-se a aprovação das licenças de utilização, 5%, 11.700€]
12- A autora reclamou da ré o pagamento das facturas descritas em 11, sem que esta tenha pago as mesmas.
*
A excepção dilatória da ineptidão da petição inicial
Nas conclusões B a F a ré diz o seguinte [transcrevem-se com apenas algumas simplificações]:
B. A autora limitou-se a invocar a existência de obrigações decorrentes do contrato de prestação de serviços de arquitectura celebrado entre as partes, não tendo cumprido a delimitação requerida pelo despacho de 29/10/2018, no sentido de especificar e, bem assim, provar, os serviços concretos que efectivamente prestou e que se encontram subjacentes às facturas por liquidar.
C. Ou seja, a ré permaneceu na obscuridade quantos aos alegados serviços prestados pela autora e que fundamentam as facturas por liquidar, não lhe tendo sido possível exercer o seu direito ao contraditório.
D. Existe uma contradição entre a alegação da autora na sua PI aperfeiçoada e a descrição de cada factura, ficando por explicar como é que a autora factura um valor referente à assistência técnica com a indicação de serviços prestados na área de decoração quando, conforme resulta do contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes, não lhe eram subsumíveis.
E. Para fundamentar o direito ao pagamento do preço pelos serviços prestados, o autor está vinculado, mediante a distribuição ónus da prova, a provar quais foram exacta e concretamente os trabalhos realizados, em função dos quais, nos termos do contrato, lhe assiste o direito ao pagamento do preço peticionado, o que, in casu, nunca sucedeu, tendo tal facto sido desconsiderado pelo tribunal a quo que, perante a ausência de uma impugnação especificada, decidiu julgar admitidos por acordo todos os factos invocados na PI aperfeiçoada, designadamente a prestação de tais alegados serviços apenas porque constantes no contrato.
F. Em consequência, deve ser julgada procedente, por provada, a excepção dilatória de ineptidão da PI.
Decidindo:
Por força do art. 186/1 do CPC, é nulo todo o processo quando for inepta a petição inicial. E o art. 186/2-a do CPC acrescenta: Diz-se inepta a petição: Quando falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir”.             
Seguindo aquilo que já foi dito no ac. do TRP de 09/07/2014, proc. 16/13.7TBMSF.P1, com base na lição de Lebre de Freitas, a causa de pedir corresponde ao conjunto dos factos constitutivos da situação jurídica que o autor quer fazer valer (os que integram a previsão da norma ou das normas materiais que estatuem o efeito pretendido: arts. 552/1d, 5/1, 574/1 e 581/4, todos do CPC).
Todos estes factos são factos principais e todos eles integram a causa de pedir; todos eles servem uma função fundamentadora do pedido; a falta de alegação de qualquer deles dá lugar à absolvição do pedido da parte contrária, por insuficiência da fundamentação de facto do pedido, isto é, por insuficiência duma causa de pedir que se deixou incompleta.
Mas alguns destes factos principais são factos essenciais, isto é, são factos que cumprem a função individualizadora da causa de pedir, são eles que individualizam a pretensão do autor (a causa de pedir é, enquanto cumpre a sua função individualizadora, o núcleo fáctico essencial tipicamente previsto por uma ou mais normas como causa do efeito de direito material pretendido – Lebre de Freitas, A acção declarativa, págs. 41 e 70; Introdução ao processo civil…, 3ª edição, Coimbra Editora, 2013, págs. 64/72). Se estes factos essenciais estiverem alegados, a causa de pedir está identificada e a petição não pode ser inepta por falta de causa de pedir, embora esta possa estar incompleta se faltarem alguns dos outros factos principais.
Se faltarem factos essenciais, a petição inicial é inepta (art. 186/2-a do CPC) e os réus devem ser absolvidos da instância (art. 278/1-b do CPC). Se faltarem outros factos, os complementares ou concretizadores, a petição inicial não é inepta, mas a causa de pedir é insuficiente ou está insuficientemente concretizada; neste caso ela pode e deve ser alvo de um despacho de aperfeiçoamento (art. 590, nºs. 2b e 4 do CPC) destinado a completar a causa de pedir, com a alegação desses factos complementares ou concretizadores, ou pode a parte salvar a petição, completando a causa de pedir, por exemplo, manifestando a vontade de se aproveitar do aparecimento, durante a instrução do processo, desses factos (art. 5/2b do CPC)
Assim, em suma, como diz Lebre de Freitas (Introdução, 2013, págs. 70/71), a função individualizadora da causa de pedir permite verificar se a petição é apta (ou inepta) para suportar o pedido formulado e se há ou não repetição da causa para efeito de caso julgado (mas não é suficiente para que se tenha por realizada uma outra função da causa de pedir, que é a de fundar o pedido, possibilitando a procedência da acção).
Ou seja, só se verifica a falta de causa de pedir quando não são alegados os factos suficientes para a identificação da causa de pedir, não quando falta a alegação de outros factos principais, e muito menos quando apenas se verifica a existência de imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto.
A causa de pedir é, a maior parte das vezes, complexa. No caso dos autos a causa de pedir é a celebração de um contrato entre a autora e a ré e o cumprimento pela autora das obrigações que para ela resultavam do contrato, o que implicou o vencimento das obrigações da ré (já o incumprimento destas pela ré não é um facto que a autora tenha de alegar como pressuposto do direito; é a ré que teria de alegar, como excepção peremptória de cumprimento, o facto de ter pago; os autores/credores alegam o incumprimento apenas para justificar o facto de recorrerem a tribunal, como demonstração do seu interesse em agir – neste sentido, por exemplo, o que se diz no ac. do TRP de 03/03/2016, proc. 175/14.1T8LOU-A.P1, seguindo o estudo de Joaquim de Sousa Ri­beiro, no seu estudo sobre as Prescrições Presuntivas, na RDE 5, 1979, págs. 402/403, nota 31, e a lição de Lebre de Freitas, agora, por exemplo, no CPC anotado, 8 ao art. 574 do CPC, 3.ª edição, Almedina, 2017, págs. 574-575).
A autora, logo no requerimento de injunção, alegou tudo isto: fez referência ao contrato – reduzido a escrito - em concreto, precisamente identificado (com data e objecto), descreveu também, embora com imprecisões na exposição e concretização, ao remeter para as respectivas facturas com a descrição destas, as obrigações que tinha cumprido em relação ao preço que faltava pagar e acrescentou a referência ao incumprimento da obrigação pela ré. Assim sendo, estando alegados todos os factos principais, incluindo os essenciais, é evidente que não falta de causa de pedir. Diz-se evidente porque no caso não falta, sequer, a alegação de qualquer facto principal, o que se verificava era a existência de imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto alegada.
Coisa diferente seria se, por exemplo, a autora se tivesse limitado a dizer que a obrigação derivava de diversos negócios entre as partes ou que pretendia o pagamento do preço de um contrato de prestação de serviços. Em qualquer destes casos, a autora não teria identificado devidamente sequer o contrato que estava em causa, isto é, não teria alegado os factos que poderiam, se provados, preencher a previsão normativa das normas que poderiam atribuir o direito que estava a exercer (veja-se o artigo de Lebre de Freitas, Da falta da causa de pedir no momento da sentença final de embargos à execução titulada por documento de reconhecimento de dívida, publicado na ROA 2018, III/IV, págs. 745-753). E o mesmo aconteceria se a autora se tivesse limitado a utilizar, na alegação dos ‘factos’, “afirmações que têm mera significação técnico-jurídico” usadas na previsão daquelas normas (vejam-se as referências a este tipo de casos que são feitas no ac. do TRL de 21/05/2020, proc. 4588/18.1T8OER, sendo a última passagem citada tirada da obra de Paulo Pimenta, Processo civil declarativo, 2.ª edição, 2017, Almedina, págs. 240-241).
É também este o sentido do saneador-sentença, pelo que a decisão da excepção da ineptidão foi bem decidida.
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Os autores têm que alegar todos os factos que permitam a conclusão do preenchimento da previsão das normas que atribuem o direito e têm o ónus de provar esses factos (art. 342/1 do CC).
No caso, já se viu, um dos factos que a autora tinha de alegar era o cumprimento, pela autora, das prestações a que estava obrigada e que, só quando realizadas, levariam ao vencimento da prestação de pagamento do preço pela ré.
Se a ré entendia que a autora não tinha cumprido essas prestações, tinha que o dizer, isto é, tinha de impugnar as alegações de sentido contrário feitas pela autora.
Não o tendo feito – se não o tiver feito -, o facto tem-se como provado. A ré não tem, por isso, a razão, ao pretender que a autora teria que provar o cumprimento e que não o fez, pois que o facto está provado por falta de impugnação pela ré.
De qualquer modo, esta questão fica em aberto, porque dependente de se saber se a ré impugnou ou não as afirmações feitas pela autora. Questão essa que será apreciada mais à frente. Se a ré não tiver impugnado os factos, só dela se poderá queixar.
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A autora apresentou, a convite do tribunal, uma petição inicial aperfeiçoada em que supriu as imprecisões na exposição e concretização da matéria de facto.
A ré reagiu a essa PI aperfeiçoada mantendo a argumentação que tinha usado na oposição ao requerimento de injunção, mas esquecendo que, agora, na PI aperfeiçoada, tudo o que foi alegado pela autora, desenvolvidamente, tinha suporte ainda no contrato celebrado, seus anexos e aditamentos, facturas e documentos apresentados, para que a autora foi remetendo.
Dito de outro modo, aquilo que agora a autora diz, em relação à assistência técnica, na PI aperfeiçoada, dado como provado nos pontos 4, 6 (parte), 7 (parte), 10 e 11 com remessa para as facturas, corresponde, no essencial, em dizer que fez aquilo que consta de 17 do anexo I ao contrato, transcrito no ponto 3 dos factos provados. E parte do que consta de 6 e 7 e o que consta de 8, e última factura do ponto 11 corresponde aos serviços destinados à obtenção da aprovação das licenças de utilização, a que estava obrigada como se vê de 4 do ponto 6, de 1.1.8 do ponto 5, e de 17.1.2.5 do ponto 3 dos factos provados.
Ora, face a isto, não é concebível, diferentemente do que se passava face ao alegado no requerimento de injunção, que a ré não saiba em que é que tais serviços se traduziram, pelo que, agora, não há qualquer falta de concretização na exposição dos factos de que a ré se possa queixar e que pudesse prejudicar o direito de defesa da ré.
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Na conclusão D do recurso a ré diz, com grande desenvolvimento, que existe uma contradição no alegado na PI (no corpo das alegações vê-se que se está a referir ao artigo 12 da PI e o mesmo resulta da oposição ao requerimento de injunção e de grande parte do resposta à PI aperfeiçoada) e no facturado e diz ainda que os serviços prestados na área de decoração não eram subsumíveis ao contrato, como resulta do contrato.
O alegado no art. 12 da PI, ligado ao art. 11 da PI, é aquilo que consta do ponto 4 dos factos provados, mas fazendo referência ao valor de 23.400€, que é um valor que consta do ponto 1.1.7 da cláusula 5.ª do ponto 5 dos factos provados. Assim, a contradição seria: a autora na PI está a pedir prestações mensais apenas pela prestação de assistência técnica de arquitectura e especialidades (apenas 1.1 da cláusula 5.ª do ponto 5 dos factos provados, e não também 1.2 da cláusula 5 do ponto 5 dos factos provados, que diz respeito a assistência técnica para decoração e arquitectura de exteriores), quando as 4 primeiras facturas do ponto 11 dos factos provados se referem a assistência técnica por arquitectura e decoração, ou seja, sugere a ré, para 1.1(.7) e para 1.2(.4).
Mas, como se disse acima, se é verdade que a autora naquele art. 12 da PI aperfeiçoada só se está a referir à assistência técnica do ponto 1.1.7, também é verdade que diz: em 11 da PI que os serviços de assistência técnica são os previstos no contrato (matéria que foi para o ponto 3 dos factos provados) e depois sintetiza isso em parte e acrescenta a referência a prova escrita disso (matéria que foi para o ponto 4 dos factos provados); em 13 em PI diz que a determinada altura, e por razões alheias à autora, mas da exclusiva responsabilidade do empreiteiro ou da dona da obra, a empreitada atrasou o que implicou que a autora tivesse que prestar mais assistência técnica à obra do que previsto no início (matéria que foi para o ponto 10 dos factos provados); e em 15 da PI refere-se à assistência técnica facturada. De tudo isto resulta, que na PI a assistência técnica não era só para a arquitectura e especialidades, mas também para decoração e arquitectura de exteriores, pelo que não há contradição com o conteúdo das facturas.
Quanto ao facto de os serviços prestados na área de decoração não serem subsumíveis ao contrato, uma das duas leituras possíveis do que consta da parte final da conclusão D, é uma pura afirmação da ré feita agora no recurso. Outra das leituras, que eles não eram ou não seriam subsumíveis nas facturas, já foi rebatida.
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Da impugnação da decisão da matéria de facto
Na conclusão E, a ré põe em causa a decisão de dar como provadas as alegações feitas pela autora por, supostamente, a ré não ter cumprido o ónus de impugnação.
E, mais à frente, dedica uma série de conclusões à impugnação do decidido nos pontos 4, 6 e 7 dos factos provados, com razões que podem ser apreciadas agora em conjunto e que são as seguintes:
J. A ré ao alegar na sua oposição que «não se reconhece qualquer valor em dívida à autora» encontra-se a negar peremptoriamente o direito da autora ao recebimento daqueles montantes, e, por conseguinte, a negar o cumprimento dos serviços que sustentam a emissão das facturas, não podendo senão aquela constituir, claramente, «uma posição relativamente aos factos alegados pelo autor», que implica a impugnação dos factos alegados e não a admissão dos factos por acordo das partes.
K. A impugnação é tão evidente que foi reconhecida tanto pela autora em sede de alegações finais, onde referiu que «a ré deduz oposição (…) negando que seja devedora», como pelo próprio tribunal a quo que reconhece no saneador-sentença que o alegado pela ré na oposição pode «tratar-se de matéria de impugnação».
L. Na sequência da reforma do processo civil introduzida pelo DL 329-A/95, de 12/12, deixou se de exigir defesa por impugnação especificada, podendo a mesma ser genérica, bastando-se, por isso, com a simples negação da veracidade dos factos, como a levada a cabo pela ré.
M. Nunca o tribunal a quo poderia considerar, nos termos do disposto no artigo 574/2 do CPC admitidos por acordo os factos que no seu conjunto se encontram em oposição com a defesa apresentada pela ré, como aqueles em que a mesma alega expressamente não reconhecer qualquer dívida à autora.
N. Nesta sequência devem ser considerados como incorrectamente julgados porquanto dados como provados quando impugnados, os factos 4, 6 e 7.
O. O facto 4, não só é contestado pela ré, quando a mesma alega que «desconhece quais os serviços de assistência técnica que terão sido prestados», como não é sequer provado pela autora, que não junta qualquer prova documental de tal facto.
Q. O facto 6 não só é contestado pela ré em sede de oposição, quando a mesma alega que «não conhece quais os “serviços de assistência técnica” que a autora tenha presuntivamente prestado ou quais os serviços “relativos a aprovação das licenças de utilização” que motivaram a autora a facturar serviços à ré», como não é sequer provado pela autora, que não junta qualquer prova documental do facto que alega, em especial, dos serviços relacionados com «o acompanhamento e apoio a todos os projectos e obra até à emissão da licença de utilização, de licenciamentos finais e obtenção dos respectivos alvarás de utilização».
S. O facto 7, ou melhor dito, os serviços descritos nele, não constituem um fundamento da alegada dívida, como pretende o tribunal a quo, na medida em que, em momento algum, a autora alega que é a estes serviços que corresponde determinada factura por liquidar.
P/R/T. Também devia ser não considerado provado que dos factos 4, 6 e 7 resulte o fundamento das facturas emitidas em nome da ré.
Decidindo:
O artigo 574 do CPC dispõe o seguinte, sob a epígrafe de ‘Ónus de impugnação’:
1 - Ao contestar, deve o réu tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor.
2 - Consideram-se admitidos por acordo os factos que não forem impugnados, salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto […]
3 - Se o réu declarar que não sabe se determinado facto é real, a declaração equivale a confissão quando se trate de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento e equivale a impugnação no caso contrário.
Ora, face ao que já se disse acima, já se viu que a ré não cumpriu estes ónus de impugnação, não tomando posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir, apesar de eles estarem suficientemente precisados e concretizados, inclusive com remessa para contrato, anexos, aditamentos, actas e facturas (entre o mais), tudo do necessário conhecimento da ré, por todos os documentos em causa estarem reduzidos a escrito e a ré não negar ter conhecimento dos mesmos ou estar na posse deles, antes pelo contrário, já que, de vez em quando vai fazendo referência a eles.
Para além disso, como resulta do que antecede, os factos em causa referem-se já à parte final de uma relação contratual que se prolongou no tempo entre as partes, em que a ré recebeu outras facturas para pagamentos mensais de assistência técnica e falou a propósito delas com a autora para pedir o seu desdobramento, e contra as quais nunca diz ter reclamado, referindo-se elas a assistência técnica que, para além de ser uma expressão de facto, estava devidamente descrita no contrato, em vários pontos do mesmo, e que, por isso, é inconcebível que a ré possa dizer que não sabe a que serviços se refere. O mesmo se diga quanto aos serviços prestados a título de aprovação das licenças de utilização (5%), pagamento referido na última factura, face a tudo aquilo que a autora disse directamente ou por remissão para aqueles documentos, como resulta das afirmações de facto que constam agora nos factos provados sob 1 [parte final], 3 [17.1.2.5 do anexo ao contrato], 5 [cláusula 5/1 do contrato, 1.1.8, e 5/4], 6 [parte final] 7 e 8.
A frase da ré, de que “não reconhece qualquer valor como em dívida à requerente”, não é, obviamente, uma tomada de posição definida sobre os factos; e essa frase, englobada numa oposição/contestação que apenas contem matéria que é ou poderia ser (mas que não chega a ser por falta de concretização) de excepção, não equivale a uma oposição aos factos. Essa frase, revela apenas, uma oposição, não aos factos, mas à pretensão de direito deduzida pela autora, oposição da ré expressa sem qualquer suporte fáctico ou jurídico concreto, pelo que não impedia o funcionamento da cominação do art. 574/2 do CPC.
Também não são impugnação as afirmações, no contexto já descrito, reproduzias nas conclusões que se referem aos pontos de facto 4 e 6, de que “desconhece quais os serviços de assistência técnica que terão sido prestados”, ou que “não conhece quais os ‘serviços de assistência técnica’ que a autora tenha presuntivamente prestado ou quais os serviços ‘relativos a aprovação das licenças de utilização’ que motivaram a autora a facturar serviços à ré”, mas simples afirmações de desconhecimento inconcebíveis face a tudo aquilo que a ré não podia deixar de saber face ao que já se disse e que, por isso, equivalem a confissão dos factos (art. 574/3 do CPC).
Neste sentido, veja-se, por exemplo, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, citados, págs. 573-574:
“[…P]ode acontecer que réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto e, neste caso, a expressão dessa dúvida é suficiente para constituir impugnação se não se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, valendo como admissão no caso contrário (n.º 3). Constitui facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento, não só o ato praticado por ele ou com sua intervenção, mas também o acto de terceiro perante ele praticado (incluindo a declaração escrita que lhe seja endereçada), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento de facto ocorrido na sua ausência (sem prejuízo de este, em si mesmo, não ser um facto pessoal: o réu apenas terá de tomar posição definida sobre o facto do conhecimento). Pretendendo-se com a expressão "de que o réu deva ter conhecimento" cobrir os casos em que, pela natureza do facto e pelas circunstâncias concretas em que ele se produziu, o juiz deve entender, segundo o seu prudente arbítrio, usado em conformidade com as regras da experiência, que a parte dele teve conhecimento, tal expressão mais não estabelece do que a presunção de que determinado facto, não consistente em acto praticado pela própria parte, lhe é pessoal, isto é, caiu no âmbito das suas percepções, pelo que, em lugar de exprimir o segundo membro duma dicotomia de conceitos fundado num dever ético de conhecimento, vem apenas reforçar o conceito de facto pessoal. […]
[…]
Ver, na jurisprudência, os acs. do STJ de 06/06/1978 […], BMJ, 278, p. 110 (o novo gerente da sociedade não pode alegar que não é pessoal um facto conhecido ou do conhecimento provável do anterior gerente), e de 21/03/2012 […], proc. 2359/06 (o novo gerente não pode ignorar as cláusulas dum contrato celebrado em nome da sociedade por anterior gerente), do TRL de 22/02/1974, BMJ, 234. p. 336 (o gerente não pode ignorar a existência duma dívida da sociedade), […]”
Na nota 53, das páginas 120-121 da Acção declarativa, 2017, 4.ª edição, Gestlegal, Lebre de Freitas desenvolve a referência ao acórdão do STJ de 1978 assim: tendo sido alegado, pelo autor, facto relativo a um fornecimento feito a uma sociedade, entendeu (correctamente) que não basta à impugnação que esta, representada por novos gerentes, alegue na contestação não ter podido verificar a sua exactidão, uma vez que, tida em conta a continuidade da personalidade colectiva, o facto lhe era pessoal; mas acrescentou que, se não se tratasse dum facto do conhecimento pessoal da sociedade, sempre se deveria julgar que ela dele deveria ter conhecimento, com base no "juízo hipotético sobre a possibilidade ou probabilidade do conhecimento do facto", entendendo assim o facto "de que o réu deva ter conhecimento" como facto que é de judicialmente pre­sumir que ele tenha conhecido. No mesmo sentido: acs. do TRC de 12/05/1981 […], CJ, 81, III, p. 201, e de 06/12/1994 […], BMJ, 442, p.268.
Em sentido claramente distinto, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre invocam a posição de Teixeira de Sousa, Estudos sobre o novo processo civil, Lex 1997, 2.ª edição, ps. 290-291 (“que deva conhecer segundo as regras da experiência comum” “ou em cumprimento de um dever de informação, como sucede, por exemplo, quanto à actividade dum seu empregado ou à deliberação de um dos seus órgãos"). Ora, como decorre da citação daquela passagem, esta posição de Teixeira de Sousa conduz a um resultado ainda mais amplo para o conceito de facto pessoal que, aplicado ao caso dos autos, no contexto já exposto, ainda tornaria mais evidente que a ré nunca poderia dizer que “desconhece quais os serviços de assistência técnica que terão sido prestados”, ou que “não conhece quais os ‘serviços de assistência técnica’ que a autora tenha presuntivamente prestado ou quais os serviços ‘relativos a aprovação das licenças de utilização’ que motivaram a autora a facturar serviços à ré”.
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Quanto à conclusão k, é irrelevante que a autora, ao descrever a oposição de ré, faça referência a que ela deduziu oposição negando que seja devedora. Trata-se apenas de uma descrição que não muda a natureza do objecto descrito. E quando o saneador-sentença diz que “não assiste razão à ré quando refere que se defende por impugnação no artigo 4.º da oposição apresentada, uma vez que o artigo está redigido de tal modo conclusivo, tanto podendo tratar-se de matéria de impugnação como de excepção peremptória extintiva ou modificativa”, apenas realça que a posição da ré, sendo ambígua, não pode, obviamente, ter-se como uma posição definida sobre os factos.
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Quanto ao mais que consta das conclusões O e Q, a autora não teve que fazer mais prova dos factos, porque a ré não os impugnou e por isso eles ficaram provados.
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Quanto à conclusão S, o facto 7 corresponde à realização, pela autora, de mais um serviço que se tinha obrigado a título de assistência técnica: ponto 3 dos factos provados: 17.1.2.4: No final da obra os “autores do projecto” elaborarão as telas finais do projecto de arquitectura e visarão as telas finais dos projectos de especialidades, elaboradas pelos instaladores e empreiteiros.
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Quanto ao que se diz na parte final das conclusões P/R/T, a ré, para além do mais, confunde a questão da prova com a questão da fundamentação de direito de uma acção. O que ela quer dizer é que o que consta dos pontos 4, 6 e 7 não corresponde ou não há prova que corresponda ao que se inscreveu nas facturas cujo pagamento é reclamado nestes autos. Ora, o ponto 4 dos factos provados é a descrição/síntese de parte do que a assistência técnica compreendia. O que consta do ponto 6 corresponde a todos os serviços englobados no contrato, incluindo a assistência técnica. E o ponto 7, acabou de se ver, corresponde à realização, pela autora, de um serviço que se tinha obrigado a título de assistência técnica. Pelo que todos estes pontos de facto correspondem à descrição parcial de serviços que se pretendem cobrar com as facturas objecto destes autos.
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Das alegadas outras excepções peremptórias
A ré a seguir diz:
G. O tribunal a quo não teve em consideração os factos invocados pela ré no que concerne às reclamações sobre alguns dos serviços prestados pela autora e que sempre seriam susceptíveis de denotar o incumprimento por parte da mesma, e a legitimidade da ré em não efectuar o pagamento, conforme excepção peremptória invocada por esta.
No relatório deste acórdão viu-se que a ré dizia [na oposição ao requerimento de injunção] – e é só a isto que se pode estar a referir - que solicitou à autora que elaborasse, entre outros, projectos referentes ao sistema de segurança e protecção contra incêndio e os mesmos foram incorrectamente elaborados, tanto mais que vieram a ser “chumbados” em sede de fiscalização pela Autoridade Nacional de Protecção Civil; e que detectou inúmeros defeitos no seu Hotel em Cascais que o empreiteiro afirma serem devidos a erros e incumprimentos da responsabilidade da autora.
Decidindo:
Ora, por um lado, já se viu acima que a ré não pode deixar de saberá a que é que se referem as facturas que lhe estão a ser cobradas, pelo que não pode deixar também de saber se o conteúdo das reclamações que apresentou tinha alguma coisa a ver com esses serviços, pelo que não podia deixar de fazer essa ligação caso a mesma (ligação) existisse. É o que resulta de aos credores do pagamento caber o ónus da alegação e prova daquilo que fizeram e aos devedores do pagamento caber a alegação e prova dos defeitos das prestações realizadas para que tenham o direito de não pagar (art. 342/1 do CC – neste sentido, apenas por exemplo, veja-se o ac. do TRP de 26/11/2015, proc. 3832/14.9TBMTS.P1).  
Não tendo a ré feito essa ligação, ou melhor, tendo-se expressamente demitido de fazer essa ligação, a pretexto de não saber que serviços lhe estavam a ser cobrados ou de não saber que serviços tinham sido feitos, o que, como já se disse, não era de modo algum válido, minimamente, face ao teor da PI aperfeiçoada, o que acontece é que não há qualquer alegação factual de qualquer tipo de defeitos nos serviços prestados, o que, dito de outro modo, corresponde à total ausência da excepção que agora a ré diz ter deduzido mas não deduziu.
*
A ré diz a seguir que:
H. O tribunal a quo não teve em consideração que a factura 17/22, comporta uma alegada prestação de um serviço de objecto ilegal porquanto referente à aprovação das licenças de utilização que consubstancia um acto da competência exclusiva da CM, não sendo, por isso, possível, a autora ter esse crédito para com a ré, conforme excepção peremptória invocada por esta.
Decidindo:
A autora não diz que aprovou as licenças de utilização, mas sim que prestou serviços referentes à obtenção da aprovação – serviços que a ré contratou com ela. É, por isso, evidente que a ré não tem razão.
*
Por fim, a ré diz:
I. Nestes termos, o tribunal a quo jamais deveria ter proferido o saneador sentença por existirem factos controvertidos relevantes para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa.
Decidindo:
Face a tudo o que já foi dito, é evidente que a ré não tem razão: nem, da parte da autora, havia factos que tivessem que ser sujeitos a prova em instrução, porque a ré, ao não impugnar as alegações feitas pela autora, deu causa a que eles tivessem ficados provados logo por ocasião da elaboração do saneador-sentença, nem, da parte da ré, havia quaisquer factos que tivessem que ser provados, por pura inexistência, isto é, porque não foram alegados.
*
Como se acabou de ver, a ré não tem qualquer conclusão a discutir, realmente, a fundamentação de direito da sua condenação, pelo que, apenas a benefício da discussão se conclui agora dizendo o seguinte: face aos factos provados conclui-se a que a autora prestou à ré os serviços que lhe está a tentar cobrar através das facturas em causa nos autos. Como a ré não invoca nenhum fundamento para não as pagar, nem diz – antes pelo contrário – que as pagou, não podia deixar de ser condenada no pagamento, não havendo nenhum erro no saneador-sentença ao condenar a ré como condenou.
*
Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente.
Custas, na vertente de custas de parte, pela ré, por ser ela que perde o recurso.

Lisboa, 03/12/2020
Pedro Martins
Inês Moura
Laurinda Gemas