Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa
Processo:
19392/04.6YYLSB-A.L1-1
Relator: MANUEL RIBEIRO MARQUES
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
AGENTE DE EXECUÇÃO
NEGLIGÊNCIA
Nº do Documento: RL
Data do Acordão: 11/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: N
Texto Parcial: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: 1. O benefício concedido ao credor no art. 323º, n.º 2, do C. Civil (interrupção da prescrição), exige que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a citação não chegasse ao demandado no prazo de cinco dias.
2. O atraso na citação será da responsabilidade do demandante sempre que ele não pratique ou pratique mal os actos processuais que lhe incumbe realizar entre o momento da apresentação do requerimento inicial e o decurso do referido prazo de cinco dias.
3. Perante a regra da oficiosidade na destituição do agente de execução fundada em actuação dolosa ou negligente, plasmada no art. 808º, n.º 4 do CPC, na redacção à data vigente, o facto deste ter negligenciado a citação do executado, não é imputável ao exequente apenas por este ter indicado aquele.
4. O agente de execução não é representante do exequente.
5. Tendo o executado, embora tardiamente, sido citado para se defender e tido a oportunidade processual de exercitar os seus direitos, desse atraso, quanto muito, apenas poderá derivar para aquele um direito à reparação por parte do Estado dos danos eventualmente sofridos, que não a extinção ou paralisação do direito do exequente.
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Parcial: Acordam dos Juízos do Tribunal da Relação de Lisboa:



1-RELATÓRIO:


I. Por apenso aos autos de execução que B., S. A. move, entre outros, a EF, veio esta deduzir oposição à execução para pagamento de quantia certa alegando, em suma, que a livrança que constitui o título executivo encontra-se prescrita, uma vez que a executada foi citada para a execução a 26.05.2014, ou seja, 11 anos e 7 dias depois da data do vencimento da referida livrança, e que o valor da execução é de € 14.688,78, tendo já sido penhorado o valor de € 18.981,70 em virtude da penhora do salário, pelo que, deverá ser devolvida à executada a quantia penhorada em excesso.

Termina pedindo a procedência da oposição da execução em virtude da ocorrência da prescrição ou, caso assim não se entenda, deverá a execução ser considerada extinta por penhora do valor total da execução de € 14.688,78, devolvendo-se à executada o excesso de penhora no valor de € 4.292,92.

Após foi proferido despacho de indeferimento liminar da oposição à execução.

Do assim decidido, apelou a oponente, em cujas alegações formulou as seguintes conclusões:
(…)

47- Pelo presente recurso pretende a recorrente que a sua oposição seja julgada procedente e consequentemente ser absolvida do pedido executivo e devolvidas as quantias indevidamente penhoradas por entender terem sido violados os artigos 20° do Constituição do Repúblico e o artigo 2° do CPC; atenta a incorrecta interpretação e aplicação da lei ao caso concreto, nomeadamente quanto ao estipulado no artigo 323° do C. C.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

*

II. As questões a decidir consistem em saber:

- se a livrança se encontra prescrita;
- se ocorreu excesso de penhora.

*

III. Do mérito da apelação:

Da alegada prescrição da obrigação cambiária:

Na decisão recorrida entendeu-se, em suma, que:

“II - Tal como os autos se nos apresentam, importa apreciar da admissibilidade da presente oposição à execução mediante embargos de executado.
(…)
Na execução, a ora embargante foi accionada na qualidade de avalista, e dúvidas não existem de que do título executivo consta que a embargante deu o seu aval à sociedade subscritora da livrança, apondo, no verso daquela, a sua assinatura (a qual, em momento algum foi impugnada) encimada pelos dizeres escritos "Dou o meu avale à firma subscritora".
Ora, resulta do disposto no art. 30°, ex vi art. 77°, §3°, da LULL que o pagamento de uma livrança pode ser garantido por aval e esta garantia tanto pode ser dada por terceiro como pelo subscritor da livrança. E, decorre do art. 32° que o avalista é responsável da mesma maneira que o avalizado, mantendo-se a sua obrigação mesmo no caso de a obrigação garantida ser nula por qualquer razão que não seja um vício de forma.
(…)
Posto isto, alega a executada/embargante a prescrição da obrigação cambiária.
Vejamos.
 (…)
O art. 70° da LULL é aplicável às livranças ex vi do art. 77° do mesmo diploma legal.
No caso em apreço, a execução é intentada pelo portador da livrança dada à execução, contra quem nela figura como avalista, pelo que relevaremos apenas o prazo previsto no art. 70°, § 1°, da LULL. Com efeito, conforme doutrina e jurisprudência pacíficas, o art. 70°, § 1°, da LULL é aplicável à acção do portador contra o avalista do aceitante, certo estar aquele vinculado da mesma maneira que este, por força do disposto no art." 32°, § 1°, da LULL (dr. neste sentido, Abel Pereira Delgado, in ob. cito pág. 313 e 317, José de Oliveira Ascenção in "Direito Comercial", vol, III, Títulos de Crédito, Lisboa, 1992, Ed. da FDL, págs. 227-229; na jurisprudência, veja-se o Ac. do STJ de 29.11.2005 disponível em www.dgsi.pt.eoAc.daRLde19.11.1991-11-19. também disponível em www.dgsi.pt).
Assim sendo, o prazo de prescrição aplicável à livrança aqui em causa é de três anos, a contar da data do seu vencimento.
A acção executiva para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, deu entrada em juízo por via electrónica, através do mail de 12 de Maio de 2004, de acordo com o disposto no Dec.-Lei n.º 200/2003, de 10 de Setembro e Portaria n." 985-A/2003, de 15 de Setembro.
A livrança que constitui título executivo nos autos de execução apresenta como data de vencimento 19 de Abril de 2003.
A executada/embargante foi citada para os termos da execução em 26 de Maio de 2014.
Ora, tendo a acção executiva para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, dado entrada em juízo em 12 de Maio de 2004, é manifesto que, naquela data, ainda não havia decorrido o prazo prescricional de três anos a que alude o art. 70°, § 1°, da LULL.
E desde já se diga que a tal não obsta o facto de a executado/embargante só ter sido citada para os termos da execução em 26 de Maio de 2014.
Nos termos do disposto no art. 323°, n.º 1, do Código Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
Contudo, nos termos do disposto no art. 323°, n.º 2, do Cód. Proc. Civil, se a citação ou notificação se não fizer dentro dos cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
Ora, o facto de apenas em 26 de Maio de 2014 ter ocorrido a citação da ora embargante não é manifestamente imputável à exequente.
Desde logo porque a citação compete tão só ao solicitador de execução.

Para que a não citação no prazo de cinco dias após haver sido requerida fosse imputável à exequente, nos termos do n.º 2 do art. 323° do Cód. Civil, necessário seria um nexo de causalidade objectiva entre a conduta posterior desta e aquele resultado, que ocorreria tão só quando infringisse objectivamente a lei. Ora, no caso dos autos, a citação da executada, ora embargante, deve ter-se por demorada apenas por razões de índole processual e não por causa imputável à exequente.

Em consequência, interrompeu-se o prazo de prescrição da mencionada livrança após cinco dias contados da data da entrada em juízo do requerimento executivo, uma vez que a acção foi proposta com a antecedência muito superior a cinco dias em relação ao termo do prazo da prescrição.

Assim, constatando-se que a acção executiva deu entrada em juízo em 12 de Maio de 2004, nos termos do disposto no art. 323°, n.º 2, do Cód. Civil interrompeu-se a prescrição de três anos prevista no art. 70° § 1 ° da LULL, cinco dias após essa entrada em juízo.

E, nos termos do disposto no art. 327°, n." 1, do Cód. Proc. Civil, se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

É, pois, manifestamente improcedente a alegada prescrição invocada pela executada/ embargante nos presentes embargos de executado”.

Contrapõe, em síntese, a oponente/apelante que:

-A presente acção executiva deu entrada, no dia 15/06/2004, tendo a penhora do seu vencimento se efectivado e iniciado no mês de Dezembro de 2008;
-Só o partir daí seria possível efectuar a sua citação;
-Porém, a recorrente apenas foi citada no dia 26/05/2014, sendo certo que à data em que a recorrente deduziu oposição, encontrava-se já pago por esta, por via do penhora, a totalidade do montante executivo, acrescido do montante de € 4.292,92, que o recorrente entende que foi excessivamente penhorado, sendo certo que até à presente data continua a sofrer a penhora de 1/3 no seu vencimento.

-O n° 2 do art° 323° do C. C. não poderá ser aplicado ao caso concreto, uma vez que a recorrida não agiu de forma a alcançar a interrupção da prescrição por via da citação atempada da recorrente e por esse motivo a excepção alegada deverá ser considerada procedente.

-O recorrido demonstrou uma inércia total no desenrolar do processo, não acautelando junto do agente de execução, por si escolhido, o normal andamento do mesmo, nomeadamente o cumprimento da citação da recorrente em tempo.

-O n° 4 do art° 808° do C.P.C. (à data em vigor) ter-lhe-ia permitido efectuar a substituição do agente de execução em causa por requerimento dirigido ao juiz, com fundamento em actuação dolosa ou negligente, por forma a acautelar a normal tramitação do processo executivo em causa, a fim de poder ser dado cumprimento, não só a citação, como, e em simultâneo, à interrupção do prazo prescricional.

-A recorrente ficou impossibilitada de exercer um direito com garantia constitucional e que deveria sempre prevalecer sobre a presunção que assiste ao recorrido (de expurgar a culpa da não citação da recorrente atento o disposto no n° 2 do artigo 323° do C.C.) quando, para mais, nada fez para acautelar esse direito.

-Quando a lei, no n° 2 do citado art. 323.°, prevê expressamente a interrupção do prescrição com o decurso dos 5 dias após o instauração do acção e o requerimento para citação, tal apenas significa que, a partir daí, o prazo prescricional, in casu de três anos, começa o contar de novo, cinco dias esses que hão-de ser contados a partir do momento em que a citação era possível de ser efectuada, ou seja, após a penhora do vencimento da recorrente.

Vejamos.

Dados de facto a considerar:

a.A acção executiva para pagamento de quantia certa, da qual os presentes autos constituem apenso, deu entrada em juízo em 12 de Maio de 2004.
b.No requerimento executivo a exequente indicou o solicitador de execução e peticionou o pagamento do capital em dívida de €14.007,54, acrescido dos juros, à taxa de 4% ao ano, e demais encargos legais (imposto de selo, à mesma taxa), vencidos desde 21 de Agosto de 2003 até integral pagamento, sendo os vencidos até 15/05/2004 do montante de €434,11.
c.A livrança que constitui título executivo nos autos de execução apresenta como data de vencimento 19 de Abril de 2003.
d.A executada/oponente foi citada para os termos da execução em 26 de Maio de 2014.

Nas alegações de recurso a apelante alegou ainda – mas não demonstrou - que a penhora no vencimento da executada ocorreu no dia 23 de Dezembro de 2008 e não antes por a executada estar a sofrer uma outra penhora no seu vencimento no âmbito de outro processo.

Do enquadramento jurídico da questão:

Estando adquirido nos autos que a opoente é avalista da subscritora da livrança e respondendo ela, por isso, nos mesmos termos que a pessoa assim garantida, o direito cambiário do portador contra ela prescreve no prazo de três anos a contar do vencimento.

Assim, tendo o vencimento da livrança ocorrido dia 19/04/2003, o direito cambiária contra a avalista, ora opoente, extinguia-se por prescrição dia 19/04/2006.

Acontece que o requerimento executivo foi apresentado em juízo em data anterior, ou seja, em 12-05-2004.

E estabelece o art. 323º do CC, que:

1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.

Assim, não basta a mera propositura da acção, ou seja, a apresentação do requerimento ou petição inicial no tribunal, para interromper o prazo prescricional.

Tratando-se de um prazo que corre a favor do devedor, impõe-se que se lhe dê conhecimento do exercício judicial do direito pelo credor, o que se efectiva com a citação ou notificação – art 323º, n.º 1, CC.

Há, no entanto, que acautelar os direitos do credor no caso de atrasos na citação ou notificação quando os mesmos não sejam imputáveis ao credor.

E daí que o n.º 2 do art. 323.º prescreva que se estes actos não tiverem lugar no prazo de cinco dias após terem sido requeridos, por causa não imputável ao credor, a prescrição se considera interrompida logo que decorram esses cinco dias.

Neste normativo a lei ficciona a efectivação do acto de citação no prazo máximo de cinco dias após a propositura da acção.

Ora, a “ficção” – efeito interruptivo – estabelecida naquele n.º 2 do art.º 323º pressupõe a concorrência de três requisitos:

-que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da acção;
-que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;
-que o retardamento na efectivação desse acto não seja imputável ao Autor.

Aquele benefício, assim concedido ao credor, exige assim que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a citação não chegasse ao demandado no sobredito prazo de cinco dias; caso contrário, isto é, se a demora lhe for imputável, a lei retira-lhe o ficcionado benefício e manda atender, sem mais, à data da efectiva prática do acto informativo – cfr. Ac STJ de 3 de Outubro de 2007, (relatado pelo Cons. Sousa Grandão) acessível, assim como o adiante citado, in www.dgsi.pt.  

O atraso na citação será, portanto, da responsabilidade do requerente sempre que ele não pratique ou pratique mal os actos processuais que lhe incumbe realizar entre o momento da apresentação do requerimento e o decurso do referido prazo de cinco dias [cfr. Ac STJ 23-01-2014 (relatado pelo Cons. Fernando Bento)], pois que o ocorrido posteriormente decorre numa altura em que já se encontra interrompido o prazo prescricional.

Ora, no caso sub judice, a citação não se efectuou nos cinco dias subsequentes à propositura da execução porque a lei (arts. 812º-A, n.º 1 al. d) e 812º-B, n.º 1, do CPC) só determinava a sua realização após a efectivação da penhora.

Não foi pois imputável à exequente a não realização da citação no prazo de cinco dias a que se reporta o art. 323º, n.º 2, do C. Civil.

Logo, quando anos depois se realizou a citação da opoente/executada, reconheça-se muito tardiamente, ignorando-se porque é que não teve lugar logo após a realização da penhora no vencimento (e esta efectiva-se através da notificação à entidade patronal – art. 861º, n.º1, CPC), já se encontrava interrompido o prazo prescricional.

E, nos termos do disposto no art. 327°, n." 1, do Cód. Proc. Civil, se a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Ainda que se entendesse que se deveria considerar o comportamento processual da exequente até à efectivação da citação, como parece propugnar a apelante, o certo é que a recorrente apenas questiona a responsabilidade da exequente no atraso da citação por ter sido ela a indicar o solicitador de execução e este ter negligenciado a realização da citação em data anterior, ou seja, logo após Dezembro de 2008.

Relativamente a esta argumentação diremos apenas que o facto do agente de execução ter negligenciado a citação da executada, não é imputável à exequente apenas por esta ter indicado aquele.
Com efeito, o agente de execução não é representante do exequente e o mesmo podia ser destituído oficiosamente por decisão do juiz com fundamento em actuação dolosa ou negligente.

Assim, estabelecia o art. 808, n.º 4, do CPC, que o solicitador de execução designado só pode ser destituído por decisão do juiz de execução, oficiosamente ou a requerimento do exequente, com fundamento em actuação processual dolosa ou negligente ou em violação grave de dever que lhe seja imposto pelo respectivo estatuto, o que será comunicado à Câmara dos Solicitadores.

Não pode pois imputar-se à hipotética omissão por parte da exequente de requerimento a solicitar a destituição do solicitador de execução a menor consequência processual ou atraso na normal realização do acto de citação, perante a vigência da referida regra da oficiosidade.

Não cometeu pois o exequente qualquer infracção a regras procedimentais a que estava vinculado e que tenham sido causais da demora na consumação do acto de citação.

Assim, tendo o prazo prescricional de 3 anos se iniciado dia 19/04/2003 e tendo a execução sido proposta dia12/05/2004, considerando-se aquele prazo interrompido dia 17/05/2004, é óbvio que o direito à acção cambiária não prescreveu, como se considerou, e bem, na decisão recorrida, pois que, nos termos do art. 327º, n.º1, do C. Civil, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo.

Do alegado excesso de penhora:

Na decisão recorrida entendeu-se que:
“No que respeita ao invocado excesso de penhora, trata-se de questão que apenas em sede de liquidação final poderá ser averiguada pelo Agente de Execução, com a consequente devolução do excesso, caso se verifique a existência do mesmo”.

Contrapõe a apelante que:

-No período temporal entre a penhora do seu vencimento e a sua citação nada pode fazer na defesa dos seus interesses e direitos.
-É um direito da parte, o de deduzir oposição à execução e à penhora, para mais, quando a penhora resulta de um acto de natureza intrusivo na esfera jurídica dos executados, no caso concreto da recorrente.
-Traduzindo-se a penhora num "acto de agressão" ao património do devedor, o legislador tem a preocupação de procurar assegurar que a mesma é limitada apenas àquilo que é necessário para garantir a satisfação do direito do exequente e custos do processo, impondo-se por isso um juízo de adequação, de necessidade e de proporcionalidade.
-Do qual a recorrente não pode beneficiar, pois em momento algum antes do quantia exequenda estar totalmente satisfeita, pôde a recorrente vir aos autos pedir a redução do valor da penhora sobre o seu vencimento, tendo-lhe sido "proibido" esse direito atenta o posição do recorrido no presente processo, ao não acautelar a citação do recorrente.
-Importa considerar que o acesso ao direito é constitucionalmente protegido e vem consagrado no art° 20° do Constituição do Repúblico Portuguesa.
-O art° 2° do C.P.C., vem fazer eco de tal princípio, com a epígrafe "garantia de acesso aos tribunais", estabelecendo, no seu n° 1: "A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito a obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie com a força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo"; acrescenta o n° 2 que: "A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrário, corresponde a acção adequada o fazê-lo reconhecer em juízo, a prevenir ou reparar a violação dele e a realizá-lo coercivamente, bem como os procedimentos necessários para acautelar o efeito útil do acção".
-Transpondo estes princípios para o caso concreto, constatando-se que é um direito da parte o de deduzir oposição à execução contra si intentada e à penhora dos seus bens, é bom de ver que aquela garantia constitucional e os princípios enunciados, foram vedados à recorrente, única e exclusivamente pela actuação do recorrido que ao não pugnar pela citação da recorrente em tempo útil, pela sua total inércia e desinteresse dos autos, levou a que a prescrição do seu próprio direito ocorresse.

Liminarmente importa deixar expresso que desde que teve, ou pode ter, conhecimento da penhora, e tal ocorreu poucos dias após a realização da penhora, alegadamente em Dezembro de 2008, a ora oponente poderia ter deduzido oposição à execução e à penhora (arts. 813º. n.º 2, e 863º-A, do CPC).

Por outro lado, no que toca à extensão da penhora, esta deve ter por objecto os bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução – art. 821º, n.º 3 do CPC.

A dívida exequenda é a seguinte:

-Capital - €14.007,54;
-juros de mora vencidos desde 12/08/2003 até ao integral pagamento, à taxa anual de 4%, a que acresce o imposto de selo.

Ora, desde 12 de Agosto de 2003 até à data da apresentação da oposição (23/09/2014) só de juros de mora já se venceu uma quantia superior a €6.000,00.

Consequentemente, é manifesto que a quantia penhorada (€18.981,70) é insuficiente para o pagamento da quantia exequenda, não sendo por isso excessiva a quantia penhorada.
 
A interpretação das normas legais que se deixa apontada não colide com os princípios constitucionais do acesso ao direito e aos tribunais nas vertentes do direito de defesa e no direito do réu em não ver prolongada no tempo uma situação de indefinição – arts. 2º e 20º, n.ºs 1 e 4, da CRP.

É que no processo, embora tardiamente, a executada foi citada para se defender, tendo tido a oportunidade processual exercitar os seus direitos.

É certo que a citação da executada deveria ter ocorrido logo após a realização da penhora, possibilitando-lhe a dedução imediata da oposição à execução e, se fosse caso disso, à penhora.

Assinale-se, todavia, que a ora recorrente, tendo tido conhecimento da penhora do seu vencimento, como tudo aponta, poderia ter intervindo no processo e apresentar-se a deduzir a oposição à execução e à penhora, sem necessidade de esperar pelo acto da citação.

Seja como for, numa situação com estes contornos, do atraso na sua citação, quanto muito, apenas poderia derivar para a executada um direito à reparação por parte do Estado dos danos eventualmente sofridos por esse atraso, que não a extinção ou paralisação do direito da exequente.

Pelas razões que se deixam aduzidas improcede a apelação.

Sumário:
1. O benefício concedido ao credor no art. 323º, n.º 2, do C. Civil (interrupção da prescrição), exige que o demandante não tenha adjectivamente contribuído para que a citação não chegasse ao demandado no prazo de cinco dias.
2. O atraso na citação será da responsabilidade do demandante sempre que ele não pratique ou pratique mal os actos processuais que lhe incumbe realizar entre o momento da apresentação do requerimento inicial e o decurso do referido prazo de cinco dias.
3. Perante a regra da oficiosidade na destituição do agente de execução fundada em actuação dolosa ou negligente, plasmada no art. 808º, n.º 4 do CPC, na redacção à data vigente, o facto deste ter negligenciado a citação do executado, não é imputável ao exequente apenas por este ter indicado aquele.
4. O agente de execução não é representante do exequente.
5. Tendo o executado, embora tardiamente, sido citado para se defender e tido a oportunidade processual de exercitar os seus direitos, desse atraso, quanto muito, apenas poderá derivar para aquele um direito à reparação por parte do Estado dos danos eventualmente sofridos, que não a extinção ou paralisação do direito do exequente.

V. Decisão:

Face a todo o exposto, decide-se:

a. Julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida;
b. Custas pela apelante;
c. Notifique.


Lisboa, 17 de Novembro de 2015


(Manuel Ribeiro Marques - Relator)
(Pedro Brighton - 1º Adjunto)
(Teresa Sousa Henriques – 2ª Adjunta)


Decisão Texto Integral: